Artigo científico
Received: 27 June 2024
Accepted: 28 August 2024
Published: 07 January 2025
DOI: https://doi.org/10.1590/2965-1557.037.e202531967
Resumo: O texto questiona se a crise da educação (isto é, do Pacto Educativo, na formulação dada pelo magistério pontifício) deve ser considerada como um aspeto constitutivo da crise da tradição que caracteriza, em geral, as sociedades de massa contemporâneas. Nenhuma resposta setorial de carácter exclusivamente pedagógico, por mais bem intencionada e reflexivamente bem elaborada que seja, pode ultrapassar o impasse no processo de transmissão transgeracional de códigos culturais - éticos e simbólicos - que se tem vindo a registar, cada vez mais, em todo o mundo. Para encontrar uma solução é antes necessário identificar as causas da atual crise generalizada da razão pública, isto é, as causas da desconfiança no poder normativo da racionalidade, e trabalhar no sentido da sua reconstrução, procurando evidenciar e corrigir o papel culturalmente distorcivo do primado funcional da racionalidade técnico-produtiva, inerente à própria modernidade enquanto tradição ainda preponderante a nível global. A descontinuidade com as autocontradições da modernidade torna-se assim a condição para salvar o seu núcleo normativo e, a partir da esfera educativa, reabilitar uma razão pública, uma razão intersubjetivamente vinculante de sentido, sem a qual não pode haver convivência livre, justa e pacífica.
Palavras-chave: Razão pública, Crise da educação, Crise da tradição, Crise da autoridade, Rawls, Habermas.
Abstract: The text questions whether the crisis of education (that is, of the educational pact, in the formulation given by the pontifical magisterium) should be considered as a constitutive aspect of the crisis of tradition that characterizes, in general, contemporary mass societies. No sectoral response of an exclusively pedagogical nature, however well-intentioned and reflexively well-designed, can overcome the impasse in the process of transgenerational transmission of cultural codes - ethical and symbolic - that has been increasingly occurring throughout the world. world. To find a solution, it is first necessary to identify the causes of the current widespread crisis of public reason, that is, the causes of distrust in the normative power of rationality, and work towards its reconstruction, seeking to highlight and correct the culturally distorting role of functional primacy of technical-productive rationality, inherent to modernity itself as a tradition that is still predominant at a global level. The discontinuity with the self-contradictions of modernity thus becomes the condition to save its normative core and, from the educational sphere, rehabilitate a public reason, an intersubjectively binding reason of meaning, without which there can be no free, fair and peaceful coexistence. peaceful.
Keywords: Public reason, Education crisis, Crisis of tradition, Crisis of authority, Rawls, Habermas.
Introdução
Na clássica definição de John Rawls,1 partilhada na sua intenção básica, apesar de algumas diferenças de peso, por Jürgen Habermas (1996),2 a “razão pública” (ou “uso público da razão”, na expressão privilegiada por Habermas) é o fundamento indispensável de uma convivência democrática, marcada pela justiça e pela liberdade, como seu vetor essencial de legitimação: sem razão pública há legalidade, mas não legitimidade; poder, mas não autoridade; coação, mas não convicção.
A razão pública, sublinha Rawls, não é uma tradição comum na medida em que partilha um núcleo homogéneo de saberes e de conteúdos axiológicos e simbólicos (o que na Alemanha se designa por “Leitkultur”,3 literalmente “cultura orientadora”, no sentido de cultura dominante de referência, cujo reconhecimento constitui uma condição de acesso à cidadania alemã por parte de candidatos de outras nacionalidades), mas a pré-condição para que diferentes tradições (referências identitárias e valoriais particulares e heterogéneas, de natureza substantiva: as rawlsianas “doutrinas abrangentes” (Rawls, 1996 [1993], Lect. IV) possam dialogar entre si para negociar definições e estratégias de realização do bem comum: regras de convivência e representações consensuais dos fins a perseguir e das correspondentes estratégias (legislativas, administrativas e institucionais) a adotar. Numa sociedade caraterizada pelo pluralismo (que é o estatuto estrutural e não excecional dos regimes democráticos), 4 observa Rawls, as ideias do bem são muitas e eventualmente divergentes até à incompatibilidade, mas um processo deliberativo5 pacífico, fundado no respeito por procedimentos e regras epistémicas comuns (que configuram um padrão de “razoabilidade” articulado pelo “equilíbrio reflexivo”),6 pode chegar a um “consenso por sobreposição” (overlapping consensus”)7 sobre os princípios básicos a observar, as interpretações dos processos em curso e as opções sobre o que fazer.
Um dos principais problemas do nosso tempo é que aquilo que parece estar hoje em declínio no horizonte mundial (e que tem uma repercussão direta na resiliência cada vez mais ameaçada das ordens democráticas) é precisamente a razão pública, termo que não designa, portanto, o facto de todos pensarmos as mesmas coisas (esse é o paradigma das sociedades totalitárias, de um consenso de massa pago à custa da liberdade), mas a partilha de critérios epistémicos comuns para julgar o que é verdadeiro e falso,8 certo e errado. Este código comum de julgamento, de “razoabilidade”,9 não exclui a possibilidade de se chegar a conclusões diferentes, porque a aplicação destes critérios é, por seu lado, inevitavelmente particular, condicionada, falível.10 A pluralidade dos resultados (das opiniões) alcançados por esta via, porém, mesmo quando eivada de tensões e conflitos, nunca conduz à incomunicabilidade e ao antagonismo entre os atores envolvidos, mantendo, pelo contrário, largas margens de entendimento e colaboração, garantidas pela partilha de um núcleo robusto de normas de validade teórica e prática. Deste ponto de vista, podemos discordar de uma opinião, mas ao mesmo tempo considerá-la válida, porque coerentemente fundamentada em argumentos consistentes, com os quais nós devemos, de maneira racional e pontual, confrontar para podermos contrapor uma opinião diferente, num processo de discussão ponderado, aberto, circular e potencialmente infinito, que é a própria dinâmica de uma esfera pública democrática (Habermas, 1962).
O problema é que não são apenas os valores subjacentes sobre os quais se rege uma sociedade, mas a própria noção de realidade entra em crise se esses critérios normativos deixarem de ser objeto de um consenso social alargado e se produzir uma condição de incerteza epistémica generalizada, que alguns designaram como a entrada na era da pós-verdade (MacIntyre, 2018, 2023). Quando já não são as interpretações dos factos, mas os próprios factos e a sua efetividade que são considerados objeto de opinião11, pelo que não são os processos de verificação empírica, mas as respectivas preferências que decretam a sua subsistência de forma inteiramente arbitrária (será que Trump ganhou a eleição de 2020 que perdeu?) 12, é o núcleo cognitivo da convivência que desaparece, desencadeando uma regressão não só política, mas também ética das relações sociais. Quando a construção racional da convicção, a sua “razoabilidade”, é desativada como dispositivo social comum, a única forma de impor a sua própria descrição da realidade é a violência - física e simbólica - que se afirma no duplo registo da radicalização pulsional e da opressão: da identificação emocional acrítica13 e da coerção.
É um facto doloroso e assustador que a violência esteja a crescer exponencialmente na sociedade - entre indivíduos, grupos, comunidades - nas relações políticas (e humanas) internas e internacionais. A guerra voltou a ocupar espaços cada vez maiores na cena mundial, invertendo os benefícios económicos da globalização em retrocessos políticos de uma perigosidade sem precedentes. A democracia está a recuar, dando lugar a modelos autoritários, quando não radicalmente totalitários (da Índia de Modi à Rússia de Putin, da Turquia de Erdogan à Hungria de Orban, da Venezuela de Maduro aos EUA de Trump). Em suma, o mundo está a tornar-se um lugar cada vez mais tóxico e inseguro.
Urge, pois, compreender quais são as causas históricas e estruturais desta degradação da razão pública, do poder civilizacional da cultura e, portanto, da democracia, e tentar encontrar antídotos, soluções, estratégias para a reconstrução e reativação das suas regras básicas e da confiança nelas, tanto ao nível das instituições como das consciências, por meio de processos educativos eficazes.
Trata-se de um desafio epistémico, político e educativo de âmbito intra e intergeracional: é necessário reabilitar os mecanismos racionalmente funcionais de autocompreensão, comunicação, julgamento e tomada de decisão a nível individual e coletivo: torná-los novamente mais “credíveis” do que aqueles que são orientados univocamente pulsionais, epistemicamente desintermediados, simbolicamente opacos. São as identidades individuais, as relações interpessoais e públicas que precisam de ser remodeladas por meio da recuperação de formas de convicção (crença) intersubjectiva, racionalmente legitimáveis, e não narcisisticamente solipsistas ou tribalmente conflituosas, mas para isso é necessário primeiro compreender o que as bloqueou, o que não funcionou, o que minou essa koiné epistémica da convivência, que é uma cultura capaz de se autorregenerar diacronicamente (chegando a constituir uma “tradição” autorizada) e de se afirmar sincronicamente como um código simbólico capaz de produzir critérios partilhados de justificação: numa palavra, normatividade.
I. A crise da razão pública
Uma crise da cultura neste sentido, uma crise que pode ser lida conjuntamente como uma crise das regras de convivência e, por conseguinte, da educação e da tradição, não é, porém, novidade nenhuma. Fala-se dela há muito tempo, pelo menos desde o início do século passado. Que algo se rompeu na correia de transmissão da civilização, na normatividade comum que mantém as sociedades unidas, é de facto uma intuição que emerge com força na atormentada consciência ocidental nas vésperas da Primeira Guerra Mundial e encontra uma expressão academicamente sofisticada, mas também apaixonadamente participativa, na Crise das Ciências Europeias de E. Husserl. Esta obra justificadamente famosa do pai da fenomenologia fornece também um diagnóstico pungente das causas da crise em análise: quando o conhecimento se divorcia do “mundo da vida”,14 tornando-se um mero instrumento de controlo do mundo, uma arma de ação que renuncia à questão do sentido, é a coesão social e pessoal que entra em crise. Os indivíduos e a sociedade divorciam-se de si próprios, mergulhando num processo de desintegração. Mesmo o pacto de solidariedade intergeracional deixa então de funcionar, porque são as próprias coordenadas da identidade intrageracional que se rompem.
Fiel a uma linha de racionalismo inclusivo que não expulsa nenhuma categoria de conhecimento da sua relevância, reconhecendo kantianamente que o exercício do pensamento é mais amplo do que o do conhecimento, Husserl reitera que a questão do sentido pode não ter resposta, mas não deve ser eliminada do horizonte da consciência coletiva. Declará-la antinómica é diferente de a descartar como desprovida de sentido, como pretendem o positivismo e o empirismo lógico, ou de a esvaziar na autodissolução niilista, como decreta essa palinodia irracionalista da cultura ocidental que, a partir de Nietzsche, chega aos resultados desconstrutivos das várias arqueologias epistemológicas contemporâneas.
Se o diagnóstico husserliano capta um aspeto decisivo do problema e é, por isso, extremamente esclarecedor, ele constitui, no entanto, apenas um ponto de partida, porque opera uma simplificação problemática ao decretar que as causas da crise da racionalidade ocidental são estritamente filosóficas e culturais e deve, por isso, ser desenvolvido numa perspectiva histórica e social. Neste contexto, há duas linhas de análise com maior impacto.
Por um lado, há a leitura em que se encontram paradoxalmente o niilismo nietzschiano e a apologética cristã, que faz coincidir a crise da racionalidade (a transmutação de todos os valores) com a “morte de Deus”, a crise da razão pública com a da razão religiosa: a causa original do declínio da normatividade deve ser identificada precisamente na secularização, na progressiva expulsão da cena pública e filosófica das fés, expropriadas da sua relevância ética e social coletiva, que deixa um vazio não preenchido por nenhum dispositivo alternativo. Esta é a tese subjacente à formulação do dilema de Bockenförde 15; à estratégia cultural de dois papas influentes como João Paulo II e Bento XVI; a um amplo espetro da polémica católica contra a secularização.
Dois fatores, no entanto, contrariam esta leitura. Em primeiro lugar, é necessário ter em conta a não unanimidade do diagnóstico: as teorias da secularização são muitas e diversas, e algumas, como a de Charles Taylor (2007), subvertem euforicamente a interpretação da secularização, lendo-a não como a perda de protagonismo público do fator religioso, mas como um processo incremental de aquisição da sua autêntica funcionalidade na promoção da autenticidade individual e coletiva, da liberdade cívica e espiritual e da inclusão do pluralismo. Em segundo lugar, é de notar a sua substancial impotência reflexiva e performativa: não basta constatar (e recriminar) o facto de o desaparecimento de uma crença deixar um vazio, mesmo cognitivo, para lhe restituir a credibilidade. A funcionalidade é um critério epistemologicamente (e existencialmente) heterogéneo para a crença, que não obedece ao princípio da utilidade (não “conseguimos” acreditar porque é conveniente, porque precisamos, porque queremos). Nietzsche e Heidegger ganham o jogo em constatar as consequências da morte de Deus. O que resta ao crente não é negar esta morte, mas reconciliar-se com ela: “ressuscitar Deus”, realizar condições inteiramente novas da sua presença no espaço público, no pensamento, na consciência do ser humano contemporâneo. Esta operação passa por uma reconstrução da própria racionalidade e, por isso, não parece possível sem abordar a complexidade das causas desta dupla morte (de Deus e da razão pública), exigência que remete diretamente para o segundo diagnóstico deste processo.
Leituras de matriz sociológico-materialista (em que encontramos vozes díspares, mas substancialmente convergentes nesta vertente diagnóstica, como a teoria crítica de Frankfurt; o pós-estruturalismo marxista à la G. Debord e J. Baudrillard; a biopolítica foucaultiana; as teorias do reconhecimento, de A. Honneth a N. Fraser; várias vertentes do pensamento feminista e pós-colonial), opõem-se a uma explicação exclusivamente superestrutural, questionando a matriz económica, política e social (estrutural) do problema. Nesta perspectiva, o que Husserl e todos os idealismos epistémicos não conseguem ver é que a expulsão da questão do sentido (da normatividade) do horizonte da racionalidade tem o seu correlato (ou raiz?) num duplo mecanismo, económico e político, que veio a configurar a modernidade capitalista. No plano económico, na origem da crise está a substituição do valor de uso pelo valor de troca, que Marx reconstruiu como a dinâmica fundadora do mercado e da sua implementação capitalista, bem como a alienação do sujeito estabelecida pela progressiva mercantilização das relações sociais. No plano político, verifica-se a progressiva substituição do princípio da autodeterminação jurídica (o pacote liberal que constitui o Estado de direito: soberania do cidadão e direitos humanos) pelo da governamentalidade biopolítica dos corpos e das populações (o paradigma por meio do qual o pensamento liberal, segundo Foucault (2004), trai as suas próprias premissas de proteção das liberdades do sujeito individual).
A pertinência inequívoca das versões materialistas da genealogia desta interdependência pode ser debatida, em particular a negação da autonomia normativa da racionalidade crítico-hermenêutica (do sentido) e a sua alegada desmistificação como mero fator superestrutural linearmente determinado pelo estrutural: a tese foucaultiana segundo a qual todo o discurso científico sobre a verdade é, em última análise, desmascarado como um dispositivo (Agamben, 2006) manipulador do poder, da tomada de domínio sobre a subjetividade (mais radicalmente ainda do que sobre a sociedade) é claramente autocontraditória.
Pode-se igualmente discutir a pertinência da oposta tese heideggeriana e horkheimerian-adorniana,16 que defende a matriz especulativa (onto-teológica) da racionalidade económica e técnica, segundo a qual a degeneração do pensamento em instrumento alheio (até hostil) à categoria da verdade, a dissolução da cultura em produtividade tecno-económica, estaria inscrita na própria forma metafísica da razão ocidental, que, a partir da manipulação dominadora do seu próprio conteúdo em objeto, conduz inevitavelmente à degradação do próprio sujeito em mera engrenagem de um mecanismo instrumental que nada tem a ver com o sentido e a verdade.
É, no entanto, inegável que existe uma ligação mútua entre todas estas dimensões e é um facto que a modernidade, ou seja, o complexo de ideias, valores, práticas, códigos, saberes e instituições que constitui a tradição das sociedades ocidentais e não só,17 constitui-se como interdependência histórica entre o avanço técnico-científico, a expansão económica da forma-mercado, o progresso político-jurídico, o estabelecimento da governamentalidade biopolítica e a secularização (separação institucional e normativa da racionalidade religiosa).
Esta constelação fenomenológica não pode ser ignorada na elaboração de respostas culturais à crise que vivemos atualmente. Se a batalha descrita por Husserl é uma batalha entre o humanismo e a tecno-economia, o saber da vida e o saber da coisa, e está hoje mais aberta do que nunca, este confronto não pode ser ganho nem ao nível de uma reproposição do cristianismo enquanto cristandade, enquanto plataforma cultural da racionalidade ocidental, nem ao nível puramente filosófico, da restauração de um humanismo pedagógico e especulativo. A primeira está historicamente desatualizada, a segunda é historicamente veleitária, como o prova a incongruência flagrante entre o sucesso cultural e a insipiência social da “viragem hermenêutica”, que, em meados do século passado, redefiniu as coordenadas básicas do pensamento, relegitimando teoricamente a questão do sentido (que veio a substituir de facto a da verdade), fornecendo um quadro teórico de grande autoridade para o restabelecimento do papel das ciências do ser humano, do conhecimento do mundo da vida, mas não teve um impacto efetivo na contenção da crise da tradição e da educação ao nível da realidade social.18 A reflexão teórica, em suma, não pode deixar de abraçar a dimensão histórica e política sobre este ponto.
A tese defendida nesta breve reflexão é, portanto, a de que uma razão pública amplamente partilhada (no plano político interno das sociedades, no plano global das relações internacionais e no plano educativo da transmissão intergeracional) só pode ser reabilitada se for abordada, por um lado, a contradição (intrínseca à modernidade que, neste ponto, é uma tradição a ultrapassar) entre racionalidade técnica e económica (regida pelo critério da produtividade e do consumo) e normatividade (teórica, ético-jurídica e simbólica), e, por outro lado, reconhecendo (contra a tese da irracionalidade última do juízo axiológico) a relevância racional da questão do sentido, que não pode ser expulsa da esfera do conhecimento (reduzindo-a, eventualmente, a uma categoria puramente estético-expressiva). Só a conjugação destes diferentes aspectos (especulativos e históricos: culturais e educativos, sociais, políticos, económicos) permite desenvolver mecanismos reconstrutivos eficazes, regenerando essa koiné epistémica da sociedade que é o núcleo básico de identidades individuais e coletivas coesas e funcionais, participantes de uma esfera pública democraticamente funcional.
2. A tradição em que não se acredita: o estranho (das Unheimliche)
A deslegitimação da normatividade racional como crise da modernidade
A hipótese interpretativa associada a esta tese é a de que, ao contrário do que é geralmente postulado em muitos diagnósticos atuais, o que está em crise no horizonte desta contemporaneidade caótica a que alguns chamam pós-modernidade não é a tradição em si (a modernidade), mas o dispositivo de legitimação racional nela inscrito, com a sua contradição não resolvida entre razão produtiva e razão normativa,19 e que, portanto, por em crise a própria tradição, produzindo uma descontinuidade explícita com ela, é a única forma de sair do impasse atual.
Por outras palavras, o que está em crise não são os conteúdos (valores, ideias, conhecimentos), mas os mecanismos de produção e recepção que ativam criticamente a sua relevância normativa. Não são apenas as imagens do mundo, os códigos axiológicos, os repertórios simbólicos que se tornaram obsoletos. É a pretensão reguladora da razão, elaborada por meio da convicção, que hoje funciona cada vez menos.
Não é que as ideias já não sejam boas, que os valores já não sejam partilháveis, que os vectores de expressão tenham se esgotado. Mais radicalmente, as consciências já não têm acesso a eles. É por isso que os argumentos, mesmo os melhores, deixaram de ser apelativos. É por isso que mesmo as melhores estratégias educativas encalham melancolicamente num êxodo interior das novas gerações, cada vez mais alienadas em relação a códigos normativos e simbólicos em que não se reconhecem e que já não querem simplesmente transgredir (como regularmente acontecia nessa alternância conflituosa e inovadora de ordens e mentalidades que no passado marcava a passagem do testemunho de pais para filhos), mas que simplesmente já não lhes interessa conhecer.
Os conservadores podem lamentar o relativismo, a perda da ordem simbólica de sociedades outrora coesas diacrónica e sincronicamente, em que o pluralismo era reabsorvido por paradigmas axiológicos e estruturais unitários. Esta querula laudatio temporis acti (Horácio, Arte Poética, 173) é uma forma de luto que não restitui a vida ao cadáver do passado: a tradição não é um maço de notas ainda em circulação, simplesmente enterrado debaixo do colchão, que basta tirar fora e gastar de novo para ficar “rico”. Como salientou Michel de Certeau, um autor que refletiu sobre a crise da tradição20 com uma subtileza raramente igualada, o problema é que a tradição é um conjunto complexo de factos e palavras, símbolos e processos, conhecimentos e valores, ideias e estruturas, obras e instituições, leis e modelos, cujas condições fundamentais de funcionamento são a confiança (Luhmann, 1968) e a credibilidade. Se estas não existirem, a transmissão simplesmente para.
No momento em que deixamos de confiar na tradição e deixamos de “acreditar” no seu conteúdo, na sua eficácia analítica e reguladora, a tradição eclipsa-se sem se dissolver, porque continua a moldar estruturalmente o mundo de que fazemos parte e a constituir a substância desse pacto de confiança que (para além da própria crença)21 é a cultura pela qual nos socializamos como sujeitos. Já não acreditamos nesta tradição, não lhe obedecemos, cada vez mais a desconhecemos, mas não nos conseguimos identificar sem ela, sem os códigos simbólicos e axiológicos que a constituem e nos constituíram. A tradição torna-se então, por um lado, um cadáver de que nos alimentamos fora de qualquer mediação crítico-reflexiva e, por outro lado, um fantasma que volta sempre a visitar-nos, mas não como parte de nós, antes como fator de alienação e de expropriação ameaçadora do nosso aqui e agora num outro-onde, outro-quando, que desestabiliza e cria confusão. A tradição, ainda presente e sistematicamente eficaz (porque a ela obedecem as escolas e as universidades, os tribunais, os livros, as igrejas, os parlamentos e os governos, embora cada vez menos parlamentares e governantes), mas em que já não se acredita nem se desafia, é o fator de mal-estar esquivo mas generalizado que faz com que o lar, o familiar da nossa identidade social, já não seja nosso: fazemos parte dela, mas ela não faz parte de nós e, por isso, sentimo-nos perturbados, separados, não ditos, pela língua que falamos, com a qual comunicamos, pelo sistema em que funcionamos (democracia, trabalho, meios de comunicação social), pelos laços interpessoais em que estamos imersos (família, comunidade de pertença), pelos códigos culturais que transmitem o sentido público da realidade. A tradição tornou-se o Unheimliche: freudianamente a inversão da domesticidade (de estar em casa) em estranheza, separação, distância.22 Não há então maior distância do que estar aqui, não há maior sensação de falta do que estar à mão. A tradição é a “Lei” que nos governa tiranicamente, estrangeira e distante, na qual não nos reconhecemos: condição de inautenticidade e coação.
A dependência que permanece, não conjugada em adesão fiduciária capaz de mediação e negociação crítica da crença, não conjugada na elaboração racional da pretensão normativa em convicção, degrada-se em sentimento de opressão: os dispositivos epistemológicos e institucionais em vigor, ainda tão poderosos quanto incompreendidos e já não acreditados, são percebidos como fatores de violência ilegítima ao serviço daqueles que os compreendem e os fazem funcionar (as elites, cujas competências são recebidas como exercício discriminatório de um privilégio social).
Os cidadãos das sociedades ocidentais são, assim, cada vez mais vítimas de uma deriva anómico-irracionalista, alimentada pela revolta antagónica contra os mecanismos institucionais e epistemológicos que construíram a modernidade jurídica, política e epistemológica (democracia e Estado de direito, ciência, informação), já não vistos como vetores de progresso e de emancipação coletiva, graças à legitimação racional da sua normatividade, mas agora ressentidos como instrumentos de dominação de minorias social e culturalmente desenraizadas do “povo”, que fazem da sua própria hegemonia cultural (antes mesmo da económica) uma máquina de controlo, manipulação e discriminação do resto da população. Nesta perspectiva, os novos inimigos de classe não são os ricos (o facto de Trump ser multimilionário não é problema para os seus milhões de eleitores empobrecidos pelas políticas do Partido Republicano), mas aqueles que estão associados à rede neural da tradição: académicos, cientistas, jornalistas, magistrados, políticos e expoentes religiosos tributários dos valores da “modernidade”, da modernidade como complexo de valores.23
O estranhamento epistemológico e “conviccional” da tradição, a não percepção da pertinência normativa dos códigos nela inscritos, converte-se assim numa reação paranoica de autodestruição, em que os fatores de progresso cultural e político próprios da modernidade (racionalidades científicas, jurídico-políticas e artísticas) são rejeitados como “ameaça” à própria autodeterminação, que regride para uma autorreferencialidade solipsista. O princípio ético-político central desta mesma modernidade, a autodeterminação, sobrevive, de facto, à demolição do dispositivo normativo e institucional em que se insere, mas degrada-se de valor político a mero valor psicológico, no momento em que é despojado a) dos critérios normativos que definem a sua substância epistémica; e b) das condições institucionais e políticas que historicamente o concretizam, para ser usado a favor de modelos autoritários em que o cidadão é privado, mais ou menos conscientemente, dos seus direitos e poderes. Especular a este descrédito populista, “de massa”, do paradigma epistémico e jurídico da modernidade é o seu descrédito elitista, promovido por essas mesmas minorias neurais que se veem atacadas pelas maiorias externas aos circuitos institucionais do saber e do poder e que, em nome da emancipação de segmentos da população (não brancos, não homens, não binários, não cristãos, não nacionais) e de territórios ‘colonizados’ pela e na civilização ocidental, reclamam a sua radical redefinição política e epistémica: é o movimento woke, mortalmente avesso ao soberanismo populista e aos vários supremacismos raciais, religiosos, de género, mas solidário com eles no seu repúdio pelo valor normativo da tradição da modernidade, do universalismo jurídico e epistémico, e igualmente propenso a uma involução acrítica para o ideologismo intolerante e radical, para o identitarismo pulsional, incapaz de mediação crítica com o outro a partir de si mesmo.24
Esta desativação e a correspondente rejeição da dimensão normativa da tradição, que nas sociedades ocidentais é essencialmente representada pelo corpo cultural da modernidade, tornada fantasma opressivo, como poder ainda eficaz, mas já não conhecido e reconhecido, descrido e contestado, é um mecanismo que se afirma, antes de mais, no plano interno do mundo ocidental, mas tem também pesadas repercussões no plano externo, das relações internacionais. O alheamento da relevância normativa das racionalidades simbólicas e axiológicas da modernidade, que se converte na sua contestação violenta (porque dissociada do exercício reflexivo próprio da racionalidade normativa), desencoraja, de facto, a extensão das práticas e valores democráticos (em recuo em todo o planeta) aos regimes políticos que acolhem e promovem a modernização económica (o capitalismo) e tecnológica (com o seu formidável aparelho produtivo), mas não a modernização política e cultural (o Estado de direito, a democracia, as liberdades individuais e coletivas), desqualificada como tradição ocidental cuja adoção representaria a capitulação perante uma forma de imperialismo cultural de perfil neocolonial.
É precisamente a incapacidade de reconhecer a normatividade da racionalidade que explica o paradoxo autoconfutador desta contestação pós-colonial. Enquanto, de facto, o capitalismo e a tecnologia, que são também componentes centrais da tradição ocidental, são aceites como dimensões sociais universais (isto é, são “destraccionalizados” sem resistência), o núcleo ético-jurídico e político da democracia e dos direitos humanos é posto em causa na particularidade da sua génese histórica e da sua funcionalidade para as ordens políticas contextuais. Isto porque a tecnologia e a economia não têm pretensões reguladoras normativas (se não residuais), não são elas próprias regidas por formas de crença (as crenças desempenham um papel importante no comportamento económico e na utilização de tecnologias, mas não nas leis da economia nem nas da tecnologia). Ambas, de facto, funcionam materialmente: não são objeto de crença, mas de certificação funcional. O dinheiro é o que faz: compra. O seu poder de compra é o seu significado (na definição de Niklas Luhmann: é o que comunica), numa funcionalidade (comunicativa) isenta de qualquer interpretação.25 Quanto à tecnologia, é a aplicação produtivo-performativa de um conhecimento científico dotado de normatividade (o seu critério regulador é a verdade), mas que no seu investimento produtivo obedece ao critério puramente funcional da eficácia: telemóveis, aviões, frigoríficos, são instrumentos que oferecem um determinado desempenho comercialmente garantido. Adquirem-se (se se tem dinheiro) e usam-se. Não são postos em causa.
Ao invés, questionamos a ciência, o sistema normativamente exigente que os produz, porque estamos dispostos a beneficiar do seu poder produtivo (técnico), mas cada vez menos capazes de “acreditar” no seu poder descritivo (de verdade), quando ele entra em conflito com as nossas representações, com o nosso “imaginário social”, que agora queremos cada vez mais desvinculado de qualquer regulatividade normativa, sujeito apenas a um cânone pulsional e não racional, inteiramente idiossincrático, de preferências e motivos e não de razões intersubjetivamente justificáveis. Assim, se a verdade científica é emocionalmente menos aceitável do que aquilo em que queremos acreditar, desqualificamo-la como menos “credível”, eliminando o critério racional de credibilidade. É por isso que deslegitimamos a verdade científica como “opinião não credível” quando nos recusamos a admitir dimensão e causas antropológicas da crise ecológica, ou quando contestamos a virtude terapêutica das vacinas (que são de facto um produto técnico, mas cujos resultados são diacronicamente diferidos e não sincronicamente “utilizáveis”: ao contrário de um analgésico, o reconhecimento da sua eficácia depende não da constatação de uma funcionalidade, de um efeito imediatos, mas da elaboração de um procedimento cognitivo verdadeiramente regulado).
4. A expropriação da razão normativa pela razão produtiva
Foi já no início do século passado que Max Weber ilustrou com um pessimismo angustiado o avanço do processo de racionalização sistémica inerente às sociedades capitalistas como uma recessão cognitiva da dimensão do valor, da Wertrationalität, traçando um quadro sombrio das consequências desta demissão e prevendo o aprisionamento do homem ocidental na “jaula de aço” (stahlhartes Gehäuse, traduzida - infielmente, mas com genial felicidade linguística - como iron cage por Talcott Parsons)26 de uma modernidade inexoravelmente burocratizada pela afirmação da Zweckrationalität (racionalidade estratégica), a que se junta um reencantamento politeísta, anónimo e irracionalista da esfera subjetiva, fragmentada na proliferação incontrolável de opções axiológicas arbitrárias, de natureza sobretudo estético-pulsional.27
Mais ou menos nos mesmos anos, Rosa Luxemburgo circunstanciou esta tese, identificando um dos vectores fundamentais da economia capitalista na dinâmica incremental da Landnahme:28 a apropriação progressiva de esferas sempre novas da vida social, até então não capitalizadas, que passam a ser comercializadas como mercadorias de troca em função da acumulação exteriorizada de capital, com a perda da sua autonomia normativa. As análises seminais de Max Weber e Rosa Luxemburg são retomadas e desenvolvidas nos anos Oitenta’ por Jürgen Habermas (1981),29 que na fórmula da colonização do mundo da vida radicaliza o diagnóstico husserliano da alienação do conhecimento científico do mundo da vida, denunciando a progressiva subjugação deste último aos imperativos técnicos e administrativo-económicos através do esvaziamento dos processos informais de cooperação comunicativa (a compreensão do sentido), gradualmente substituídos pelos poderes reguladores (dinheiro e poder técnico e burocrático) dos sistemas sociais. Nas sociedades pós-industriais, argumenta Habermas, esta colonização expande-se a um tal nível de pervasividade substitutiva que sistema e mundo-da-vida entram em conflito frontal: a autorreprodução sistémica choca com a do ambiente, das esferas de experiência comunicativa que respondem aos critérios de autocompreensão dos sujeitos envolvidos, acabando por canibalizá-la.
O resultado final é que a própria consciência dos cidadãos das sociedades desenvolvidas acaba por ser colonizada (reificada, alienada, na linguagem marxista tradicional). Ou seja, já não é apenas ao nível dos processos sociais que a racionalidade hermenêutico-normativa (a racionalidade do sentido) regride, minada pelo primado técnico-mercantilista da razão estratégica, em que o produto/resultado se torna o sentido e o critério regulador da ação e da interação. É na própria autoconsciência individual que se produz agora essa regressão, naquilo a que poderíamos paradoxalmente chamar uma “desculturação da cultura”, uma desculturação (neutralização) não dos conteúdos, mas da normatividade dos processos cognitivos, assimilados à trindade produção/troca/consumo de mercadorias como única forma “socialmente fiável”, porque materialmente eficaz, de processar não só a realidade objetiva, mas também a subjetiva. A realidade subjetiva e objetiva é produzida (para ser vendida, eventualmente nas redes sociais); é adquirida como um recurso que pode ser objeto de troca; é consumida: não é conhecida, não é interpretada, não é julgada, porque é escolhida ou rejeitada na chave de preferências simbólicas e pulsionais que não são racionalmente mediadas (não são justificadas com base em critérios partilhados através de um escrutínio intersubjetivo universalmente exigente). O sujeito percebe-se, antes de mais, como corpo-imagem (objeto de transações comunicativas extra verbais, que os media capitalizam como um precioso recurso económico: é a própria identidade que se torna uma mercadoria, um bem económico) e corpo-utente (de cuidados e assistência privados e públicos na rede biopolítica da governamentalidade popular, cf. Foucault, 1976, 2012); como consumidor, produtor e espectador: utilizador e outorgante de serviços quantitativamente avaliados com base na sua popularidade no mercado. A pornografia vende tanto quanto (mais do que) a educação, a mentira vende tanto quanto (mais do que) a verdade, o entretenimento vende tanto quanto (mais do que) a informação, a comunicação de massa vende tanto quanto (mais do que) a comunicação pessoal, de modo que o sujeito não se sente mais vinculado ao escrutínio normativo das suas preferências e necessidades, à justificação intersubjetiva das suas escolhas, confiando a sua autodefinição simbólica a mecanismos automáticos e solipsistas associados acriticamente a tradições e filiações identitárias (religiosas, étnicas, nacionais, tribais, geracionais, políticas, de género) particulares, desculturalizadas, adoptadas como repertório convencional de conteúdos e não como código regulador, não sujeitas ao escrutínio reflexivo porque processadas de forma inteiramente irracional, pulsional, garantida por evidências experienciais e históricas assimiladas apoditicamente, isto é, não examinadas criticamente e não vinculadas a obrigações e responsabilidades comportamentais.30
As tradições culturais, nesta regressão do sujeito que se funcionaliza primordialmente como produtor/vendedor/consumidor/utilizador, regridem a espelho identitário - externo, inerte, inalterável -, deixando de ser um processo racional, intersubjetivamente exercido, de aprendizagem cognitiva e ética, de manutenção institucional e de assunção de responsabilidades. A cultura compra-se e vende-se exatamente como o vestuário e a tecnologia: torna-se uma indústria cultural, como diagnosticaram com aflita clarividência Adorno e Horkheimer (1969 [1947], pp. 144 e ss.). De facto, a moda e os produtos tecnológicos tornam-se vectores culturais de eleição, na perda da fronteira epistémica entre significado e mercadoria: a publicidade canibaliza a autocompreensão dos consumidores, fazendo passar os produtos comerciais por formas de vida. Deste ponto de vista, um relógio de marca ou umas férias num paraíso exótico dizem melhor quem somos do que qualquer autodescrição verbal. E os algoritmos destinados a espremer publicitariamente as respectivas identidades tornam-se os diretores ocultos do mundo do conhecimento que cada um de nós constrói para si próprio ao navegar na Internet, para construir o seu próprio manual de instruções para a utilização do real: o mundo do faça-você-mesmo é a última fronteira da inteligência artificial-comercial, que liberta o indivíduo-massa do fardo cansativo da interação interpessoal e dos custos onerosos do entendimento comunicativo com outros sujeitos de carne e osso.
A racionalidade normativa é assim liquidada como uma reivindicação derivada e ideológica (“partidária”), em conflito com a manutenção pulsional das identidades individuais e coletivas. O crescimento económico e a estabilização administrativa tornam-se as prioridades societais que também moldam os sujeitos, subordinando os mecanismos (estrategicamente ineficientes) de justificação discursiva e de elaboração crítico-hermenêutica do sentido. A experiência emocional substitui a argumentação, o particular expulsa o universal, o contextual elimina o conceitual abstrato, os interesses neutralizam as razões. As preferências individuais e tribais (elaboradas a um nível unilateralmente pulsional ou mercadista, ou coercivamente ideológico) substituem a razão pública, com a sua instância universalista: o pluralismo estilhaça-se em polarizações divisivas, as diferenças tornam-se alternativas irreconciliáveis, porque não podem ser racionalmente mediadas.31
O novo problema, em tudo isto, não é que a crença fideísta substitua a convicção racional, nem que o que é verdadeiro seja sistematicamente sacrificado ao que vende, ao que ganha, ao que tem sucesso: que a persuasão prevaleça frequentemente sobre a convicção, a opinião sobre o conhecimento, a violência coerciva sobre a legitimação, a mentira sobre a verdade, é uma evidência histórica que tem estado no coração da filosofia política desde a sua fundação platónica, inaugurada de forma lúgubre pelo trauma da morte de Sócrates e pela negação da capacidade de justiça da democracia. Muito mais radicalmente, o novo problema desta fase histórica é que a persuasão e a crença já não recorrem a critérios cognitivos parasitariamente manipulados (em que a mentira é conscientemente passada por verdade, a opressão é apresentada como direito, a injustiça como solidariedade), mas são diretamente moldados por mecanismos de produção, troca e consumo que substituem os mecanismos hermenêuticos: a consciência do bem e do mal, do verdadeiro e do falso, como diferenças racionais e não como opções arbitrariamente preferenciais, é assim desativada. Quem mente, observa Arendt (1968 [1961], pp. 253 e ss.), não sabe que está a mentir, porque também mente, inconscientemente, a si próprio. É o próprio conceito de realidade como horizonte partilhado de sentido que vem a cair. A mercantilização das consciências, dominada pelo código da razão estratégica da produtividade técnica e económica, produz, em suma, um analfabetismo epistémico que dissolve a capacidade de receber não só a verdade e o direito, mas o próprio sentido. Deste ponto de vista, o homo oeconomicus delineado pela teoria dos jogos é um tipo ideal completamente irrealista: o homo tecno-oeconomicus do identitarismo solipsisticamente pulsional-consumista e antagonicamente tribal não é o indivíduo competitivo empenhado em aplicar em plena autonomia as regras racionais da maximização do seu próprio lucro e da promoção dos seus próprios interesses, mas o homem que simplesmente ignora o cálculo racional como escrutínio normativo, deixando-se guiar pela lógica racionalmente heterónoma da gratificação pulsional (narcísica ou antagónica) e da efetividade material e corporal: a realidade já não é o reino do sentido (a conhecer, a interpretar, a julgar), mas um bem reificado a adquirir, a possuir, a usar, a consumir, a exibir, numa lógica de inclusão identificadora ou de exclusão conflituosa do outro em relação a si próprio. Em suma, a crise da razão pública é, neste sentido, apenas a outra face da crise da razão privada, pessoal, na dissolução da normatividade teórica, ética, simbólica, hermeneuticamente legitimadora.
Com o digital turn promovido pela introdução da Internet e a difusão massiva de dispositivos digitais individuais (PCs, telemóveis, tablets), esta expropriação dos processos comunicativos, cujo medium é tanto intrapessoal como interpessoal, em favor de uma construção estratégico-pulsional do real, atingiu um nível crítico, por meio da crescente substituição dos processos interpessoais face to face pelos gerados por algoritmos e mediados exclusivamente pela máquina: desumanizados. Na crescente interação com o dispositivo técnico e a sua inteligência regulada por algoritmos estratégicos, a dimensão da relação intersubjetiva diminui, com a complexidade das suas dimensões (cognitiva, social, afetiva, ética, corporal). O corpo é inteiramente reduzido a uma imagem, a comunicação a uma troca artificial e monológica, o processamento do significado a um produto estandardizado, modulado por diferenças de quocientes estatísticos. Este colapso tecnológico da relacionalidade intersubjetiva é dramaticamente aguçado, tanto do ponto de vista ético como epistemológico, com a explosão da inteligência artificial - já não apenas um canal, um meio, mas uma fonte e um interlocutor cognitivo e textual direto: não se tem qualquer responsabilidade perante uma máquina; a verdade instituída pelo algoritmo prescinde do seu próprio sentido (a máquina pode processar respostas verdadeiras, mas não compreender o seu sentido). Trata-se de uma experiência que afeta agora a autocompreensão de todos: é mais fácil, mais gratificante e mais seguro conversar com o telemóvel do que com uma pessoa de carne e osso e filtrar por meio dele a rede de relações sociais e pessoais em que estamos envolvidos.
5. Algumas pistas para uma resposta pedagógica à crise da razão pública
Como travar este processo de dissolução da normatividade da racionalidade crítico-hermenêutica, progressivamente substituída (coletiva e individualmente, objetiva e subjetivamente) pela racionalidade técnico-económica e pela autorreferencialidade anómica, narcisicamente solipsista ou tribalmente conflitual, da gratificação pulsional? Para isso é preciso criar descontinuidades políticas, culturais e educativas com uma tradição, com uma modernidade que promoveu o primado da racionalidade produtiva sobre a racionalidade hermenêutico-normativa, do resultado sobre o sentido, acabando por entrar em contradição consigo mesma, até à autodestruição. Para isso, há que reabilitar o sentido, numa operação de reconstrução da normatividade racional, o que, no entanto, não é possível recuando ao passado, ao outrora, até porque a racionalização sistémica que é sinónimo de modernidade (com a separação-emancipação da cultura de mercado e da burocracia) é irreversível. O desafio é restabelecer a autonomia dos mecanismos hermenêuticos de interação intersubjetiva e de autoidentificação subjetiva por meio do processamento do sentido, perante os mecanismos produtivos de utilização, troca e consumo, reativando a sua especificidade normativa.
O que é necessário, em suma, é uma re-alfabetização epistémica das consciências, que passa por uma reeducação nas leis do sentido: nas condições crítico-hermenêuticas da sua produção, recepção e transmissão.32 Temos de reaprender que o sentido não é um bem produzível-utilizável-consumível, mas um processo gerado por uma relação participativa; não é um objeto de troca, mas um laço de reciprocidade; não é experiência pulsional, mas elaboração reflexiva e normativamente discriminante da experiência. O compromisso necessário é, deste ponto de vista, tanto político como cultural, e representa uma prioridade absoluta a nível educativo, em que se deve inverter a tendência das últimas décadas que viram políticas institucionais de substituição da racionalidade normativa pela racionalidade estratégico-produtiva, de desinstalação da razão de sentido pela razão técnico-estratégica. Tal como denunciou no seu tempo I. Illich (1971), não sem excesso de radicalismo polémico, mas com lúcida clarividência, ao submeter-se passivamente à lógica mercantilista do eficientismo e do produtivismo, o sistema escolar e universitário acaba por trair a sua vocação original, para se tornar um espaço “deseducacional”.
A título de conclusão da nossa reflexão, propomos aqui duas indicações sumárias sobre o caminho a seguir para travar esta tendência regressiva.
O princípio de que a educação é simultaneamente formação (capacitação psicofísica, intelectual, ética, cívica e espiritual do aluno) e instrução (transmissão de conhecimentos e de competências profissionalmente habilitantes) deve ser reafirmado e posto em prática, opondo-se ao predomínio progressivo da instrução em detrimento da formação, processo alimentado por duas causas diferentes, mas convergentes. A primeira é a prevalência da lógica mercantilista: a formação é “inutilmente cara”, não tem efeitos produtivos imediatos, implica um investimento em objetivos não quantificáveis, não diretamente funcionalizáveis e temporalmente imprevisíveis (a formação limita-se, nesta ótica, à capacitação psicofísica: a construção de um corpo que é um trunfo do ponto de vista da imagem e da performatividade, e a assimilação das regras comportamentais da sociedade de mercado - visando o lucro, o êxito, o poder - descritas pela teoria dos jogos). A segunda razão é política, ditada pelo princípio protoliberal de que não cabe ao sistema público “formar” as consciências: os valores não podem ser objeto de um programa curricular, porque a sua escolha e transmissão é um direito privado inalienável (individual e familiar). O que se perde, nesta perspectiva, é precisamente o facto de que uma coisa são os conteúdos axiológicos (cuja diversidade, livre escolha e livre elaboração privada e pública é uma dimensão essencial de uma sociedade pluralista), e outra é a capacidade de os processar criticamente, tornando-os objeto de escrutínio racional intra e interpessoal. A razão pública rawlsiana, como vimos, não é a partilha de uma tradição, mas a partilha de critérios epistémicos comuns (de normatividade, de racionalidade do sentido): da capacidade e da vontade reflexiva de nos confrontarmos para procurar soluções razoáveis de compatibilidade e convergência (“consenso de sobreposição”) entre diferentes visões do mundo, da justiça, do bem comum. Só educando-os para a recepção, o respeito e o exercício desta normatividade crítico-hermenêutica, através do confronto crítico-reflexivo sobre o mundo da vida, alunos e estudantes serão habilitados a participar em processos de decisão coletiva e de interação social marcados pela razão pública e pela cooperação, e não perturbados pelo conflito ideológico e pelo cálculo estratégico. A formação para a prática da razão pública (para o uso público da razão) está tão longe da sua dissolução estratégica como da doutrinação, que não é mais do que a transmissão de tradições axiológicas como conteúdo de processos de instrução, ou seja, a transmissão de conhecimentos afastados do escrutínio normativo, autoevidentes, racionalmente opacos, simbolicamente coercivos. A alternativa formativa à instrução passa pela ativação da capacidade de receber o poder normativo do sentido, e não pela transmissão de um conhecimento que subjuga em vez de libertar, que separa em vez de unir. A resposta ideológica e fideísta à lógica do mercado não é amiga da razão, da consciência e da sociedade, e não é uma solução para a “crise de valores” que ela deplora em tons magniloquentes, sem realmente a compreender, sem realmente a combater.
2. Para restabelecer o papel da racionalidade normativa, é necessário reconstruir as figuras e as formas de autoridade nas relações coletivas e interpessoais.33 A autoridade é a institucionalização da racionalidade normativa, crítico-hermenêutica, em dispositivos relacionais e simbólicos: fontes e pessoas/papéis, detentores de um poder regulador livremente reconhecido pelos sujeitos, que escolhem conformar-se a relações de assimetria cognitiva e ética, subordinando-se voluntariamente a constrangimentos comportamentais dos quais acreditam beneficiar em termos de conhecimento e moralidade. Quando o poder normativo da razão se desvanece, no domínio da racionalidade tecno-económica, burocrática e da política autoritária, a autoridade desaparece e apenas prevalece o poder: o poder coercivo dos imperativos sistémicos e dos atores que detêm, através de mecanismos de representação, manipulação e violência (física ou simbólica), condições de assimetria de subordinação em relação à maioria. Enquanto os poderes são coercivos, as autoridades são vinculativas em termos do reconhecimento pactício da sua legitimidade. Num sistema político democrático, o poder não pode prescindir da autoridade porque esta constitui o núcleo simbólico da legitimidade do uso coercivo da força de obrigação.
Quanto menor for a potência reguladora do poder, quanto menor for a sua autoridade, mais ele se afasta dos destinatários, sendo percebido quer como uma forma de violência intolerável (no caso dos regimes autocráticos e totalitários), quer como uma coação sistémica (o poder dos imperativos económicos, burocráticos e técnicos) sofrida em função da sua utilidade, mas não como uma dimensão ética e pessoal funcional à própria integração no mundo da vida. Sem autoridade, portanto, não há verdadeira participação do indivíduo na res publica, necessariamente mediada por mecanismos de representação e de transmissão intergeracional, que articulam, na sua assimetria de competências de papel, de saber e de poder regulador, o acolhimento recebido e dado pelo e ao indivíduo no seio das diferentes comunidades e sociedades de que faz parte. Sem autoridade não há educação, assente na assimetria transitória e transicional entre educador e educando, entre mestre e discípulo. Sem autoridade não há identificação socializadora, fundada na assimetria transitória e transicional entre pais e filhos, entre cuidadores e cuidados, entre especialistas e aprendizes.
A assimetria inerente à autoridade, ao contrário da do poder, é uma questão de reconhecimento livre, alimentada pelo escrutínio do poder normativo da fonte e da figura (pessoa, papel, instituição) que a encarna. É um vetor fundamental para a implementação da recepção e ativação da racionalidade do sentido do qual expõe a vinculativa dimensão normativa.34 A crise da autoridade é um sintoma e, circularmente, uma concausa da atual crise da razão pública. Restabelecer formas e figuras “convincentes” e “credíveis”, capazes de suscitar uma adesão de confiança criticamente consistente, é um desafio educativo e cultural de absoluta urgência, que passa, antes de mais, pela reconstrução da credibilidade pessoal das testemunhas das tradições representadas e pelo compromisso de se envolverem no exercício formativo e não meramente instrutivo da transmissão da cultura, através da ativação de dinâmicas relacionais normativamente ricas de sentido.
Conclusões
As crises da tradição, da cultura, da autoridade e da educação constituem faces diferentes do mesmo problema, como ilustrado com incomparável fineza por Hannah Arendt nas suas reflexões sobre o impasse civilizacional em que se encontrava a sociedade ocidental, depois de ter saído vitoriosa da terrível provação da Segunda Guerra Mundial, mas incapaz de traduzir a vantagem militar e moral sobre o totalitarismo naquele confronto radical e corajoso com os paradoxos da modernidade que teria sido necessário para assegurar a estabilidade política e institucional e o enraizamento cultural do seu corpo normativo de rule of law, direitos humanos e democracia.35
O crescimento avassalador dos Trinta Gloriosos36, a euforia de uma expansão económica, social e tecnológica sem precedentes na história, obscureceu as contradições inerentes a um capitalismo tecnocrático que tem vindo a colonizar subdolamente a consciência depois de se ter apropriado de sempre novas esferas do mundo da vida.
Despertamos hoje do sonho-sono da abundância ilimitada para nos encontrarmos num ecossistema irremediavelmente danificado pela sobre-exploração dos recursos, pela redução da biodiversidade e pelas alterações climáticas produzidas pela utilização de combustíveis fósseis, e num cenário global ameaçado pelo aumento exponencial da guerra e da violência política e da intolerância étnica e religiosa; pela recessão da democracia; por uma desigualdade iníqua da riqueza (concentrada nas mãos de uma ínfima minoria da população mundial) que está a aumentar em vez de diminuir.37
É grotesco perceber que a maior parte dos terríveis problemas que vivemos atualmente foram criados por nós próprios e poderiam ser eliminados se tivéssemos a vontade, ou seja, a capacidade de os reconhecer como tal e de ativar processos para a sua solução consensual e colaborativa através de um uso correto e eficaz da razão pública. É, pois, evidente que temos de nos reeducar, e de nos reeducar, para reconhecer e praticar uma koinè epistémica que nos coloque em condições de dialogar crítica e sensatamente e, portanto, de cooperar e de nos compreendermos mutuamente, respeitando e tornando fecundas as nossas respetivas e inerradicáveis diferenças. Devemos, afinal, voltar a trabalhar mais sobre o sentido e menos sobre os resultados, porque o sucesso hermenêutico pode ser terrivelmente ineficaz em termos de produtividade, mas não há nenhum mundo da vida, nenhuma existência pessoal que possa passar sem ele.
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Notes