Dossiê: “Liberdade pessoal do imputado e medidas cautelares restritivas à liberdade individual no processo penal”
Prisão preventiva e standards de prova: propostas para o processo penal brasileiro
Preventive detention and standards of proof: proposals for the Brazilian criminal procedure
Prisão preventiva e standards de prova: propostas para o processo penal brasileiro
Revista Brasileira de Direito Processual Penal, vol. 7, núm. 3, pp. 1631-1668, 2021
Instituto Brasileiro de Direito Processual Penal
Recepção: 15 Julho 2021
Aprovação: 03 Setembro 2021
Resumo: A partir das recentes discussões no âmbito da epistemologia jurídica, o presente trabalho pretende investigar e propor standards de prova para a decisão que decreta a prisão preventiva do imputado no processo penal brasileiro. Com este objetivo, na primeira parte responderá aos seguintes questionamentos: por que utilizar standards de prova e como formular um standard de prova. A seguir, analisará a relação entre a técnica processual de cognição e os standards probatórios e explicitará a estrutura fático-legal da decisão judicial sobre medidas cautelares pessoais. Finalmente, a partir destes aportes teóricos, somados à análise dos conceitos utilizados pelo legislador e da interpretação dada pela processualística penal brasileira aos dispositivos legais, o estudo proporá standards de prova tanto para o fumus comissi delicti quanto para o periculum libertatis. A metodologia utilizada ao longo do trabalho será a revisão bibliográfica de estudos sobre epistemologia jurídica e direito processual penal.
Palavras-chave: standard de prova, prisão preventiva, prova penal, epistemologia jurídica.
Abstract: Based on recent discussions regarding legal epistemology, this paper intends to investigate and propose standards of proof for the decision that decrees preventive detention of the accused in the Brazilian criminal procedure. With this objective, the first part will answer the following questions: why use standards of proof and how to formulate a standard of proof. Next, it will analyze the relationship between procedural technique of cognition and standards of proof and will explain the factual-legal structure of the judicial decision on personal precautionary measures. Finally, based on these theoretical contributions, alongside the analysis of concepts used by the legislator and the interpretation given by legal scholarship to legal provisions, the study will propose standards of proof for both fumus comissi delicti and periculum liberatis. The methodology used throughout the study will be the analysis of bibliography on legal epistemology and criminal procedural law.
Keywords: standard of proof, preventive detention, criminal evidence, legal epistemology.
Sumário: I. Introdução. II. Por que contar com standards de prova e os requisitos para sua formulação. III. Standards de prova e técnica processual de cognição. IV. Estrutura da decisão que decreta a prisão preventiva. V. Standards de prova e prisão preventiva. V.I. Standards de prova para o fumus comissi delicti. V.II. Standard de prova para o periculum libertatis. VI. Conclusão.
I. Introdução
Historicamente, o tema dos standards de prova sempre esteve ligado aos países filiados à tradição do common law. 2 Nos países de tradição romano-germânica, desde a Revolução Francesa, com a superação da doutrina das provas legais, o princípio da livre valoração da prova tornou-se a pedra angular dos sistemas de justiça criminal. 3 Embora não tenha a mesma força com a qual surgiu, o princípio continua exercendo influência normativa, de modo que costumam ser encaradas com desconfiança as regras que pretendem regular a atividade dos juízes diante das provas. 4
Seja pelo receio de retorno ao sistema de prova legal, seja pela confiança depositada na motivação das decisões pelos juízes e no seu posterior controle pelas instâncias superiores, 5 o certo é que, nos países de tradição românico-germânica, não houve grande dedicação em estabelecer mecanismos de controle da apreciação das provas pelos juízes e critérios legais de suficiência probatória ao longo dos últimos dois séculos.
É bem verdade que membros da escola clássica italiana já demonstravam inquietação com a liberdade na valoração judicial da prova, 6 do mesmo modo como é possível encontrar autores, ainda no século passado, preocupados com uma valoração objetiva e racional da prova. 7 De forma geral, no entanto, a decisão sobre os fatos foi vista unicamente como um produto da consciência dos juízes. 8
A publicação dos paradigmáticos trabalhos de Luigi Ferrajoli ( Diritto e ragione, 1989) e Michele Taruffo ( La prova dei fatti giuridici, 1992) contribuiu para uma espécie de «giro epistemológico» no tratamento da prova judicial nos países de civil law, consistente na construção de pontes entre a epistemologia, o direito processual e a filosofia do direito. Este giro levou à elaboração de importantes trabalhos sobre prova judicial na Europa e no Brasil, mas o tema dos standards de prova continuou sendo pouco discutido. 9-10
Contudo, nos últimos anos, com o que se denominou de boom editorial do discurso probatório, os standards de prova passaram a ser intensamente debatidos na Europa 11 e nos países da América Latina. 12 No Brasil, os juízes e tribunais passaram a se utilizar da expressão 13 e a doutrina elaborou importantes estudos sobre a temática. 14
Em razão talvez da própria unidade do procedimento, 15 a discussão sobre o assunto costuma centrar-se fundamentalmente na decisão de mérito – no processo penal, a decisão de absolvição ou condenação do acusado. No entanto, ao olharmos o fenômeno processual em sua totalidade, notamos diversas decisões específicas que requerem um juízo de suficiência probatória. 16 É o caso, por exemplo, da decisão que decreta a prisão preventiva do acusado no processo penal.
A partir da revisão bibliográfica de estudos sobre epistemologia jurídica e direito processual penal, este trabalho pretende justamente analisar os standards de prova necessários para a decretação da prisão preventiva no processo penal brasileiro. Antes, à luz dos recentes debates na doutrina, procuraremos responder aos seguintes questionamentos: por que utilizar standards de prova e como formulá-los? (II). A seguir, será necessário analisar brevemente a relação entre a técnica processual de cognição e os standards probatórios (III). A fim de compreender o nível de suficiência probatória para a decretação da prisão preventiva, será preciso entender o que deve ser provado, motivo pelo qual buscaremos explicitar a construção fático-legal da decisão judicial sobre medidas cautelares pessoais (IV). Finalmente, a partir destes aportes teóricos, procuraremos propor algumas ideias para construção de standards de prova tanto para o fumus comissi delicti (V.I) quanto para o periculum libertatis(V.II).
II. Por que contar com standards de prova e os requisitos para sua formulação.
A atividade probatória no processo judicial pode ser descrita sob distintas perspectivas, a depender do critério que se adote e do ordenamento jurídico que se tenha como parâmetro. 17 Para os propósitos deste trabalho, é interessante a classificação de Jordi Ferrer Beltrán, que divide a atividade probatória em três momentos: (i) conformação do acervo probatório; (ii) valoração das provas; (iii) decisão sobre a prova. 18 A suficiência desta classificação, aqui, decorre da clara distinção entre os momentos de valoração das provas e de adoção da decisão sobre os fatos provados, que evidenciará a necessidade de se utilizar standards de prova.
A fase de valoração das provas consiste na avaliação ao apoio empírico que um conjunto de elementos aporta a uma determinada hipótese e a outras concorrentes. Esta análise deve ser feita, primeiro, de maneira individual (fiabilidade de cada prova, isoladamente e em relação com outras) e, depois, em conjunto. Além disso, esta fase deve governar-se por regras epistemológicas, isto é, deve submeter-se aos controles de racionalidade geral. 19
É de se notar, porém, que nunca um conjunto de provas, por maior e relevante que seja, permitirá obter certezas racionais sobre a verdade de uma hipótese, de modo que, no processo judicial, estaremos sempre a falar de um raciocínio probabilístico. 20 Por isso é que a valoração da prova nunca bastará para tomar uma decisão sobre fatos, porque para isso é necessário dispor de critérios que determinem se o grau de corroboração alcançado é, ou não, suficiente para considerar provada todas ou algumas hipóteses oferecidas. Ao contrário da fase de valoração, a fase de decisão sobre a prova não estará unicamente governada pela epistemologia, mas também por regras jurídicas, que costumam ser de três tipos: as que estabelecem o ônus probatório, as presunções e os standards de prova. 21
Portanto, os standards de prova são regras que determinam o grau de confirmação que uma hipótese deve atingir, a partir das provas, para poder ser dada como provada e têm como função distribuir o risco de erro entre as partes. À evidência, é uma questão política, e não epistemológica, determinar qual risco de erro nos parece razoável admitir que cada parte suporte em um processo judicial. 22 Antes de se pensar em determinado nível de exigência para cada decisão, porém, é preciso entender as funções que cumprem os standards de prova, a fim de se decidir sobre a conveniência ou não de os utilizarmos.
A primeira função que um standard de prova cumpre é heurística e justificativa. Deste modo, oferece critérios que devem ser levados em conta no momento da valoração da prova, considerando que a decisão dependerá desses parâmetros (função heurística), e que determinam o grau de suficiência probatória a partir do qual se pode considerar uma hipótese como provada (função justificativa). 23 Os standards probatórios possibilitam, ainda, o controle da correção do raciocínio probatório pelas instâncias superiores. 24
A segunda função é de garantia para as partes, pois somente se as partes conhecerem o umbral de suficiência probatória para determinada decisão poderão realizar escolhas racionais antes e durante o processo a respeito da estratégia de defesa de seus interesses. Ademais, a ciência prévia do standard de prova para a condenação no processo penal permitirá à acusação avaliar a solidez da denúncia/queixa que pretende exercer, o que poderia desincentivar acusações sem fundamento. Vale notar, ainda, que a existência de regras que determinem os standards de prova possibilita às partes controlar a correção das decisões, podendo argumentar equívocos na identificação do standard de prova aplicável e, quando identificado corretamente, na sua aplicação. 25
Por fim, os standards de prova cumprem a função de distribuição do risco de erro entre as partes. Trata-se de uma função complexa, porquanto, em vez de ter um impacto direto na distribuição dos erros, os standards de prova determinam para cada tipo de caso a partir de qual grau de exigência probatória estamos dispostos a aceitar que o risco de erro recaia sobre a defesa ou sobre o autor. 26-27
Muito embora não se trate de uma função, é de se notar a estreita relação entre standards de prova e a garantia de motivação das decisões judiciais. 28 Conforme assevera Ferrer Beltrán, sem que tenhamos standards probatórios metodologicamente bem formulados que determinem os umbrais de suficiência probatória de um modo aceitavelmente preciso e de forma subjetivamente controlável, é impossível justificar que o grau de corroboração alcançado por uma hipótese fática à luz das provas apresentadas no processo é suficiente. Dispor de standards de prova e exigir a justificação da decisão a partir das provas apresentadas e dos standards aplicáveis são duas condições para escapar da arbitrariedade e tornar possível o devido processo legal. 29
Como se vê, mais do que dispor de standards de prova, é necessário que eles sejam formulados a partir de uma metodologia adequada, por meio de critérios intersubjetivamente controláveis, que não apelem a elementos subjetivos de quem decide. Do contrário, as três funções mencionadas não se realizarão e o standard de prova não permitirá a fundamentação racional da decisão. É crucial, portanto, entender os requisitos necessários à sua construção.
Deste modo, para que uma regra possa cumprir a função de um standard de prova, deve dar conta de três requisitos: (i) apelar a critérios relativos à capacidade justificativa do acervo probatório a respeito das hipóteses em conflito; (ii) ser capaz de determinar um umbral a partir do qual uma hipótese será considerada provada; (iii) utilizar critérios qualitativos, próprios da probabilidade não matemática. 30
Com o primeiro requisito, exclui-se o uso de critérios que apelem a elementos subjetivos do juiz. Exige-se, deste modo, que os parâmetros para indicar o grau de exigência probatória requerido sejam relativos ao quanto o acervo probatório apoia objetivamente as distintas hipóteses, e não ao convencimento psicológico do julgador. 31
O segundo requisito impõe que o standard de prova deve expressar-se de maneira que indique um umbral de exigência probatória o mais preciso possível, minimizando a imprecisão, que é típica da linguagem ordinária. 32 Vale notar que a conveniência ou não de se adotar este requisito leva ao debate sobre soluções universalistas ou particularistas. Por fugir ao escopo específico do presente trabalho, não será possível discutir o tema, bastando esclarecer, neste momento, que concordamos com a opinião de Ferrer Beltrán. Para este autor, sob a perspectiva das garantias dos destinatários da decisão, o modo particularista de determinar o nível de suficiência probatória, que deixa a decisão integralmente nas mãos dos juízes e jurados, é incompatível com o Estado de Direito e com o direito à prova como parte do direito ao devido processo legal. 33
O terceiro requisito reclama que o standard de prova seja construído com base na probabilidade indutiva ou lógica, isto é, não matemática. Este é o modelo que melhor se aplica à estrutura geral do raciocínio probatório no momento da valoração no processo judicial, pois, embora não admita o cálculo matemático, permite a graduação e a comparação do nível de suporte indutivo com que conta cada hipótese, isto é, permite uma ordenação das hipóteses. 34
Apesar de não ser exatamente o quarto requisito para a formulação de um standard de prova, Ferrer Beltrán alude ao fato de que todo processo judicial requer vários standards, que devem fixar umbrais de suficiência probatória distintos e progressivos. A questão, aqui, diz respeito à relação entre os distintos standards de prova previstos para as diversas decisões sobre os fatos que são tomadas ao longo do processo. Nesse sentido, entende-se que os standards de prova devem seguir uma tendência geral ascendente. 35
E isso não porque, do contrário, a decisão inicial consistiria em uma antecipação da decisão final, 36 mas sim porque não seria razoável, a título de exemplo, para o recebimento da denúncia – antes, portanto, da própria instrução probatória, realizada em contraditório – exigir um standard de prova tão alto quanto aquele exigido para a condenação.
Ademais, considerando a própria função dos standards de prova, é preciso levar em consideração a gravidade do erro para cada tipo de decisão. A prisão preventiva consiste em uma séria intervenção na liberdade do acusado, motivo pelo qual é bastante grave o erro de submeter um inocente a esta medida. 37 A decisão que decreta a prisão preventiva do acusado distingue-se substancialmente daquela que, por exemplo, recebe a denúncia. Nada obstante a prisão preventiva possa ser decretada antes do recebimento da denúncia, é razoável que se exija um grau de suficiência probatória bastante alto, em contraposição à tendência geral de ascendência.
Explicitadas as razões para se adotar regras que definam standards de prova e os requisitos para formulá-los, estaríamos em condições de ingressar no tema de nosso interesse: os standards de prova para a decisão que decreta a prisão preventiva do acusado no processo penal brasileiro. Antes disso, a fim de afastar alguns equívocos, convém analisar, ainda que em linhas gerais, a relação entre a técnica processual de cognição e os standards de prova.
III. Standards de prova e técnica processual de cognição.
Em uma das mais conhecidas tentativas de sistematização das atividades cautelares desenvolvidas por meio do processo judicial (civil), Piero Calamandrei asseverava que, para cumprir a função de prevenção urgente, as providências cautelares devem contentar-se, em lugar da certeza, com a aparência do direito, que pode resultar de uma cognição muito mais rápida e superficial que a ordinária: summaria cognitio. 38
Nesse sentido, Calamandrei argumentou que, relativamente à investigação sobre o direito (a ser tutelado na providência principal), a cognição sumária se limita em todos os casos a um juízo de probabilidade e de verossimilhança: «en sede cautelar basta que la existencia del derecho aparezca verosímil». 39 Por outro lado, no que diz respeito ao perigo de que o direito aparente não seja satisfeito, o autor destacou duas possibilidades: na primeira, haveria a possibilidade de declaração de certeza do perigo, realizada de modo pleno e profundo; na segunda, a declaração de certeza se realizaria em dois tempos: conhecimento sumário em um primeiro momento ( inaudita altera parte), ordinário em um segundo (convalidação). 40 Em geral, nos países da América Latina, o pensamento de Calamandrei foi determinante, tendo influenciado tanto a doutrina quanto a jurisprudência brasileiras, 41 motivo pelo qual convém nos determos aos conceitos de cognição e às categorias de probabilidade, verossimilhança e certeza.
Entre nós, Kazuo Watanabe foi o responsável por buscar a sistematização da técnica processual de cognição. 42 Nas palavras de Watanabe:
«[...] a cognição pode ser vista em dois planos distintos: horizontal (extensão, amplitude) e vertical (profundidade). No plano horizontal, a cognição tem por limite os elementos objetivos do processo [...]. Nesse plano, a cognição pode ser plena ou limitada (ou parcial), segundo a extensão permitida. No plano vertical, a cognição pode ser classificada segundo o grau de sua profundidade, em exauriente (completa) e sumária (incompleta).
43Para os fins deste trabalho interessa compreender a cognição no plano vertical. A cognição exauriente, portanto, propiciaria um juízo com índice de segurança maior em relação à certeza do direito controvertido. 44 Quanto à cognição sumária, Watanabe esclarece se tratar de uma cognição superficial, menos aprofundada no sentido vertical, e apresenta a opinião de distintos processualistas, os quais se valem das categorias probabilidade, verossimilhança e credibilidade. Em seguida, o autor manifesta preferência pelas terminologias utilizadas por Calamandrei ( probabilidade e verossimilhança) e alerta para o fato de que, em razão da função que cumpre a cognição sumária, o grau máximo de probabilidade é excessivo. 45
Nota-se que Watanabe, ao trabalhar com as categorias empregadas por Calamandrei, recai no mesmo erro do processualista italiano. A certeza refere-se a um mero estado subjetivo 46 e se sabe, hoje, que um conjunto de provas, por maior e relevante que seja, nunca permitirá obter certezas racionais sobre a verdade de uma hipótese 47. Por sua vez, a verossimilhança diz respeito à plausibilidade de uma hipótese segundo a normalidade das coisas ( id quod plerumque accidit), em uma situação em que essa asserção não tenha sido submetida à verificação probatória ou demonstrativa. Como destaca Taruffo, a verossimilhança prescinde dos elementos de prova. 48 No limite, o conhecimento no processo judicial será sempre probabilístico, como visto acima.
Bem compreendidas as críticas acima, é necessário definir no que consiste exatamente a cognição sumária, ao menos em relação às hipóteses probatórias a serem estabelecidas nas decisões fundadas neste modo de cognição. Nesse ponto, concordamos com o posicionamento de que a principal diferença entre a decisão fundada em cognição sumária e aquela fundada em cognição exauriente consiste na presença da maior oportunidade do contraditório na segunda. 49
Se é certo que nem sempre o contraditório implicará produção e exame de novos elementos probatórios na cognição exauriente, 50 não há como desconsiderar que, ao menos tendencialmente, provimentos provisórios baseados em cognição sumária lidam com quadros probatórios incompletos. 51 Por este motivo como já abordado, é razoável não se exigir um standard de prova tão alto quanto aquele requerido para a sentença.
Em suma, as próprias categorias utilizadas por Watanabe levaram-no a pensar a distinção entre cognição sumária e exauriente a partir da distinção entre probabilidade/verossimilhança e certeza, desconsiderando que a decisão judicial sempre trabalha com graus de probabilidade. Por esse motivo, em sua obra, paradigmática na doutrina brasileira, não fica claro no que consiste a superficialidade característica da cognição sumária. Não raro, essa superficialidade é confundida como uma renúncia à confirmação das alegações da parte. A nosso ver, na cognição sumária, em virtude da ausência de contraditório, o quadro probatório tende a ser menos completo, motivo pelo qual é razoável que o standard de prova exija um determinado patamar de suficiência probatória menor do que o pensado para a decisão final.
Em relação à prisão preventiva, somam-se outros dois fatores: (i) em regra, a medida é decretada antes da instrução processual (o que reforça a conclusão anterior); (ii) a prisão preventiva consiste em uma séria intervenção na liberdade do acusado, sendo bastante grave o erro de submeter um inocente a esta medida (o que atenua a tendência ascendente dos standards de prova).
Com efeito, convém ainda reter duas ideias já destacadas por Calamandrei que nos parecem interessantes para os fins deste trabalho. A primeira é a de que, em relação ao requisito de perigo para as providências cautelares, que no processo penal é entendido como periculum libertatis, a cognição deve ser realizada de modo pleno e profundo. A segunda é a possibilidade de realizar-se, dentro do procedimento cautelar, um juízo em «dois tempos», o que a nosso ver pode ser interessante tanto para definição do periculum libertatis quanto para a caracterização do fumus comissi delicti.
IV. Estrutura da decisão que decreta a prisão preventiva.
A temática da cautelaridade no processo penal, mormente no que se refere à prisão preventiva, é espinhosa e carece de conceituação unívoca pela doutrina. Apesar da enorme relevância do debate, foge ao escopo do trabalho as discussões sobre a constitucionalidade e convencionalidade da prisão preventiva como garantia da ordem pública e da ordem econômica e para evitar a reiteração delitiva. 52
Interessa-nos aqui a estrutura fático-jurídica da decisão judicial sobre medidas cautelares pessoais. Para tanto, utilizaremos como base a interessante proposta de Maurício Zanoide de Moraes, que afirma, a nosso ver com acerto, que esta decisão deve ter partes internas pré-definidas e de explicação judicial obrigatória, com seus respectivos conteúdos vinculados a atender, no caso concreto, as exigências legais específicas. 53-54
Quanto à estrutura interna, o autor assevera que a decisão deve estar voltada a atender, de maneira direta, aos itens relativos ao fumus comissi delicti e ao periculum libertatis. Em relação ao primeiro, deve prevalecer a constatação objetiva dos fatos demonstrados no procedimento/processo e, quanto ao segundo, deve predominar o exame da proporcionalidade em toda a sua extensão. 55
Relativamente ao fumus comissi delicti, Moraes destaca que o requerimento deverá trazer, com o maior grau de demonstração possível e por meios lícitos, todos os elementos aptos a indicar qual o crime tido como cometido em todas as suas circunstâncias e a demonstração robusta do nexo que relaciona um determinado e individualizado imputado àquele crime. Assim é que, no que se refere à materialidade, o juiz deverá consignar qual o tipo penal incidente ao caso, todas as circunstâncias de seu cometimento, se o crime se dirigiu a alguma pessoa específica ou se foi de destino aleatório, se o crime se deu em decorrência de alguma situação específica que dispara no imputado uma agressividade específica. 56
Já quanto à autoria, o juiz deve demonstrar, de modo claro e coerente, os elementos lícitos que, objetiva e diretamente, revelam que foi a conduta atribuível ao imputado que provocou o resultado típico, bem como individualizar cada um dos imputados em face de quem se requer medida cautelar, sendo inconstitucional proferir decisão com tratamento em grupo. 57
Em resumo, ao tratar do fumus comissi delicti, Moraes argumenta que a decisão deve se ater, de modo aprofundado e específico, a detalhar aspectos fáticos específicos da materialidade e individualizar não apenas o comportamento de cada imputado, mas também suas características pessoais. 58
No que diz respeito ao periculum libertatis, o autor realiza uma divisão entre a identificação de provável perigo com a liberdade do imputado e a identificação da medida cautelar apropriada ao perigo previamente definido. Nada obstante o segundo aspecto, ligado à regra da proporcionalidade, seja de extrema importância e possa demandar eventual juízo de suficiência probatória, parece-nos que o tema proposto neste trabalho está mais relacionado ao primeiro aspecto (perigo gerado pela plena liberdade do imputado).
Moraes sustenta que o julgador deverá verificar se foram identificados, com base fática própria e correlacionada ao imputado, elementos objetivamente demonstrados no procedimento/processo e indicativos do perigo provável a um também especificado bem jurídico. Em sua visão, portanto, a base fática que revela o perigo deve ser específica e não se exaure naquela base necessária e já exposta para atender à demonstração de materialidade e de autoria. Considerando que nem toda persecução penal necessita de medida cautelar, não é a verificabilidade por elementos de prova da materialidade e autoria que satisfazem o requisito da individualização do perigo derivado da liberdade do imputado. Sustenta o autor que, caso este perigo não esteja clara e coerentemente indicado com base empírica objetiva e própria, o pleito deve ser rechaçado. 59
Em seguida, Moraes esclarece, mais detidamente, quais as características que esta base fática deve ter para definição do perigo. A nosso ver com acerto, o autor afirma que a materialidade e autoria são pontos referenciais, mas não reveladores do perigo. 60 Sem embargo de que esta linha de raciocínio possa, ainda assim, revelar-se controversa em relação ao risco de reiteração delitiva, 61 é inegável a importância de se destacar a exigência de base fática autônoma para identificação do perigo processual.
O tema, no entanto, não é simples. O Tribunal Europeu de Direitos Humanos, por exemplo, estabeleceu em algumas oportunidades que, para a decretação da prisão preventiva com fundamento no perigo de fuga, não basta a imputação de um crime grave, devendo-se levar em conta aspectos como o caráter do imputado, sua moral, residência, ocupação, bens, vínculos com o país em que é processado, laços familiares, contatos internacionais. 62 Algumas dúvidas se apresentam: estes aspectos poderiam ser considerados uma base fática autônoma apta à definição de perigo com a liberdade do imputado? Se sim, como se estrutura o raciocínio que, partindo, por exemplo, da moral ou ocupação do imputado, infere um risco de fuga?
Atento à questão, Ferrer Beltrán argumenta só haver duas formas de realizar esta inferência. A primeira, a partir de uma generalização que diga que pessoas com determinada moral ou ocupação costumam fugir, o que leva ao problema de existência de estatísticas seguras e, no caso de elas existirem, de aplicação de uma informação estatística ao caso concreto. 63 A segunda, com incorporação de uma premissa normativa em forma de presunção, estabelecendo que, se o imputado tiver determinada moral ou ocupação, deverá presumir-se que fugirá. Em relação a esta segunda possibilidade, Ferrer Beltrán questiona se é compatível com a presunção de inocência, por exemplo, presumir um risco de fuga de quem tem bens e contatos no exterior. E mais: como poderia o acusado provar o contrário? 64
Em seguida, Ferrer Beltrán destaca a dificuldade de se provar um risco processual nos termos exigidos pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos 65, pela Corte Interamericana de Direitos Humanos 66 e pelo Tribunal Europeu de Direitos Humanos. 67 Sublinha o autor, todavia, que esses requisitos podem ser cumpridos quando o imputado já tentou ou realizou ações preparatórias para fugir, destruir provas ou obstaculizar a obtenção de provas. Para Ferrer Beltrán, o fato de que fora desses casos é difícil considerar-se provado suficientemente o risco processual ressalta a excepcionalidade da medida de prisão preventiva. 68
No limite, e para os fins desse trabalho, este debate – de difícil resolução – revela a necessidade de se contar com uma determinada base fática para identificação do perigo decorrente da liberdade do acusado ( periculum libertatis), a qual, em que pese possa ter a base fática da materialidade e autoria ( fumus comissi delicti) como referência, não deve a ela se limitar.
Com efeito, a decisão judicial que decreta a prisão preventiva do imputado deve ser dividida em capítulos específicos que tratem dos pressupostos, requisitos e mérito da incidência, ou não, da medida cautelar de maneira lógica e racionalmente organizada. Relativamente ao fumus comissi delicti, a decisão deve possuir capítulo próprio em que a verificação da materialidade e da autoria seja descrita a partir de uma base fática com determinado grau de confirmação empírica, além de constar indicação das características da materialidade e da autoria, que poderão servir de referência para os capítulos seguintes. 69
Por sua vez, em relação ao periculum libertatis, a decisão, fundada em elementos probatórios específicos, deverá identificar qual o perigo existente na conduta do imputado. Este perigo deverá relacionar-se com alguma das situações de perigo processual descritas na legislação (aplicação da lei penal etc.).
V. Standards de prova e prisão preventiva.
Antes de prosseguir com as análises e sugestões de específicos standards de prova para a prisão preventiva, convém esclarecer a dificuldade de se trabalhar, neste tema, com base na atual legislação processual.
Como visto, o tema dos standards de prova consiste em uma novidade tanto para a doutrina quanto para a jurisprudência brasileiras. Seria tão improvável quanto estranho que o legislador brasileiro tivesse assumido a vanguarda do debate e previsto, com rigor metodológico, os standards de prova necessários para a decisão sobre prisão preventiva.
São particularmente interessantes, portanto, as lições de Taruffo, no sentido de que, na ausência de normas ou princípios que determinem o standard de confirmação, a decisão sobre se um enunciado fático pode ser considerado adequadamente provado deve ser tomada segundo critérios racionais. 70
Vale notar, todavia, que o legislador, ainda que por um golpe de intuição e sem a melhor terminologia, não deixou de fazer algum tipo de referência à prova necessária para identificação do fumus comissi delicti e do periculum libertatis. Por este motivo, a análise iniciará de forma descritiva, a partir da legislação processual penal e da interpretação que a doutrina brasileira tem feito dos dispositivos. A intenção é de identificar um critério político acerca do umbral de suficiência probatória.
A partir dessa análise inicial descritiva, procurar-se-á compatibilizar a atual interpretação doutrinária dos dispositivos com o que foi exposto acerca dos standards de prova. Seguindo este caminho, buscaremos propor standards de prova para a prisão preventiva. Muito embora possa haver boas razões para se aplicar de imediato estes standards de prova, é evidente que a conclusão estará mais próxima de uma proposta de lege ferenda.
V.I. Standard de prova para o fumus comissi delicti.
O art. 312 do CPP prevê que a prisão preventiva poderá ser decretada quando houver prova da existência do crime e indício suficiente de autoria.
Quanto à materialidade, a doutrina mais antiga interpretou a expressão «existência do crime» como sendo uma exigência da certeza da existência da infração. Nas palavras de Basileu Garcia: «[o] corpo de delito não autoriza dúvida. [...] requer-se a certeza da presença de um tipo legal de delito». 71 Romeu Campos Barros, por sua vez, falava em «uma realidade fática da qual não se tenha dúvida» e em exigência de «prova plena». 72 A doutrina clássica brasileira, como se vê, sempre trabalhou com a ideia de certeza ou prova plena do crime como requisito para a decretação da prisão preventiva. 73
A doutrina recente caminha no mesmo sentido. Conforme destaca Badaró, «[p]ara a decretação da prisão preventiva deverá haver certeza do cometimento do crime». 74 Odone Sanguiné, por sua vez, afirma que a mencionada expressão «deve ser entendida como prova efetiva e cabal [...], exigindo-se prova, ou seja, a certeza da existência da materialidade do crime». 75 Zanoide de Moraes fala em «alto grau de probabilidade da materialidade», 76 enquanto Ada Pellegrini Grinover, Antonio Magalhães Gomes Filho e Antonio Scarance Fernandes aludem à demonstração da «tipicidade do fato e sua real existência». 77
Nota-se, portanto, que na interpretação da doutrina, clássica e contemporânea, o legislador brasileiro, em relação à materialidade para fins de identificação do fumus comissi delicti, optou por exigir um alto grau de confirmação empírica, muito semelhante ao exigido para a sentença penal condenatória.
A nosso juízo, tal interpretação é consoante às observações referentes à relação que deve existir entre os distintos standards de prova. Como visto, a tendência ascendente dos standards probatórios deve ser contrabalançada com a gravidade do erro para cada tipo de decisão. A prisão de um imputado antes do trânsito em julgado da sentença condenatória constitui grave intervenção na esfera dos seus direitos fundamentais. Considerando, ademais, que a definição de um standard probatório obedece a razões de ordem política, é fundamental levar-se em consideração as condições objetivas de nosso sistema penitenciário. 78 Ademais, a dificuldade de se cumprir um standard de prova altamente exigente acerca da existência do crime, antes até da própria instrução probatória, parece-nos adequada à excepcionalidade da prisão preventiva.
Assim, tomando de empréstimo as propostas oferecidas por Ferrer Beltrán, 79 sugerimos o seguinte standard de prova para estabelecimento da materialidade para fins de identificação do fumus comissi delicti:
a) a hipótese de existência do crime deve ser capaz de explicar todos os dados disponíveis, integrando-os de forma coerente;
b) a hipótese deve refutar todas as demais hipóteses plausíveis explicativas dos mesmos dados que sejam compatíveis com a não existência do crime, excluídas as meras hipóteses ad hoc.
Relativamente à autoria, a doutrina clássica brasileira, cuidando da redação original do art. 312, interpretou a expressão «indícios suficientes de autoria» (no plural), no sentido de «probabilidade certa de autoria, e não simples possibilidade». 80 Segundo Frederico Marques, verifica-se indícios suficientes de autoria quando «o réu é o provável autor do crime». 81 Eduardo Espínola Filho definia como «indícios sérios, apontados ao paciente, sem probabilidade de erro». 82
Tratando já da nova redação do art. 312, há na doutrina recente quem entenda a expressão «indício suficiente de autoria» (no singular) como exigência de uma «probabilidade veemente». 83 Há ainda quem trabalhe com as noções de «probabilidade», 84 «alto grau de probabilidade» 85 e «forte probabilidade». 86
Em que pese a ausência de unidade conceitual, a doutrina, seguindo a própria indicação do legislador, parece caminhar no sentido de exigir-se um grau menor de suficiência probatória para o estabelecimento da autoria, em comparação ao grau exigido para a materialidade, embora maior, ou pelo menos idêntico, do que aquele exigido para recebimento da denúncia. A nosso ver, parece correto o entendimento, à luz da tendência ascendente dos standards de prova e da própria cognição sumária que, prévia ao contraditório, tende a trabalhar com um acervo probatório ainda incompleto.
Nesse sentido, novamente tomando de empréstimo as propostas de Ferrer Beltrán, sugerimos o seguinte standard de prova para estabelecimento da autoria para fins de identificação do fumus comissi delicti:
a) a hipótese de autoria do crime pelo imputado deve ser a mais provavelmente verdadeira, à luz de todos os elementos existentes no procedimento/processo;
b) o conjunto de elementos juntados ao procedimento/processo deve ser o mais completo possível (excluídas as provas redundantes), considerando a fase processual e as circunstâncias do evento.
Por fim, seria conveniente que se adotasse, como já previsto por Calamandrei, um juízo em «dois tempos» em relação à identificação do fumus comissi delicti, logo após a participação, com possível juntada de novas provas (incluindo as provas sobre as provas), pela defesa do imputado. Como exposto, a adoção do mesmo s tandard de prova para decisões a serem tomadas com base em distintos conjuntos probatórios não significa a antecipação da decisão seguinte. A exigência de um juízo em «dois tempos» sobre o alcance ou não dos standards de prova para identificação do fumus comissi delicti parece-nos ter função distinta, seja pela especificidade, seja pela imediatez, da revisão obrigatória prevista no art. 316, parágrafo único, do CPP.
V.II. Standards de prova para o periculum libertatis.
Como visto, o tema do periculum libertatis desafia um sem-número de questões de difícil resolução. Por óbvio, não é possível provar um fato futuro. É possível, contudo, provar enunciados fáticos que permitam inferir (predizer) a prática de uma conduta futura. Esse raciocínio inferencial (complexo) não está livre de problemas, mas indica a necessidade de se contar com uma base fática para identificação do periculum libertatis. Assumindo-se, ademais, a imprescindibilidade de que essa base fática seja própria, isto é, independente da base fática do fumus comissi delicti, faz-se necessário pensar em standards de prova.
A nosso ver, essa cadeia inferencial deve conter no mínimo: (i) diversas inferências epistêmicas que, com base em elementos de informação/prova, apoiem cada um dos enunciados fáticos que, somados, servirão de apoio ao enunciado fático que deverá se encaixar na hipótese de periculum libertatis; (ii) uma inferência interpretativa cuja garantia é a definição de perigo/ risco adotada pela doutrina, pela jurisprudência ou pelo legislador. 87-88 Assim, o enunciado fático que se pretende encaixar na hipótese de periculum libertatis deverá contar com um determinado grau de confirmação empírica a fim de atingir o standard de prova para o periculum libertatis.
O art. 312 do CPP prevê que a prisão preventiva poderá ser decretada quando houver indício suficiente de perigo gerado pelo estado de liberdade do imputado. O legislador se valeu, portanto, do mesmo conceito utilizado para a autoria no fumus comissi delicti.
Em geral, a doutrina clássica brasileira não dedicou grandes reflexões sobre a prova do periculum libertatis, talvez pela própria redação original do art. 313 do CPP (que tratava das hipóteses de perigo processual). Basileu Garcia falava, por exemplo, em «sérios sinais» de fuga. 89 Sem aprofundar no debate e já tratando da nova redação do art. 312, dada pela Lei 5.349/67, Campos Barros argumentava a necessidade de investigar a «previsão do perigo» «na sua inteireza», falando ora em «certeza do periculum in mora», ora em «probabilidade de perigo». 90
A doutrina recente, por sua vez, defende a exigência de maior «carga de demonstração» do periculum libertatis, se comparado ao fumus comissi delicti. 91 Odone Sanguiné fala em «juízo de certeza ou prova plena». 92 Badaró, com mais argúcia, sustenta a necessidade de «prova plena dos fatos com base nos quais o juiz irá inferir o perigo do dano». 93
A despeito do uso da expressão «indício suficiente» pelo legislador, parece-nos adequada a interpretação da doutrina brasileira recente no sentido de exigir o mais alto grau de confirmação empírica do enunciado fático (complexo) que se pretende encaixar em alguma das hipóteses de periculum libertatis. A uma, porque não é possível seguir a tendência ascendente dos standards de prova, na medida em que a análise do perigo se esgota no próprio provimento cautelar (ainda que exista a necessidade de revisão periódica). Não é possível, portanto, tomar-se como referência o standard de prova da sentença, como no caso do fumus comissi delicti. A duas, porque, como consequência do primeiro motivo, não existe a tendência de se incrementar o conjunto probatório durante o processo. Por fim, porque, como abordado acima, a prisão de um imputado antes do trânsito em julgado da sentença condenatória constitui uma grave intervenção na esfera dos seus direitos fundamentais.
Assim, outra vez a partir das propostas de Ferrer Beltrán, sugerimos o seguinte standard de prova para estabelecimento do enunciado fático que se pretende encaixar em alguma das hipóteses de periculum libertatis:
a) a hipótese do enunciado fático que será utilizado como base para inferir o periculum libertatis deve ser capaz de explicar todos os dados disponíveis, integrando-os de forma coerente;
b) a hipótese deve refutar todas as demais hipóteses plausíveis explicativas dos mesmos dados que sejam compatíveis com a não existência do enunciado fático, excluídas as meras hipóteses ad hoc.
Também aqui se fazem adequadas as considerações sobre um juízo em «dois tempos» em relação ao alcance ou não do standard de prova pela hipótese do enunciado fático (complexo) que servirá à identificação do periculum libertatis.
VI. Considerações finais.
Assumindo-se que o melhor modelo para a valoração das provas no processo judicial é o da probabilidade lógica, é necessário reconhecer que o raciocínio judicial em matéria de fatos será sempre probabilístico e que nenhum conjunto probatório, por mais rico e completo que seja, permitirá certezas racionais. Daí a importância de se distinguir as fases de valoração das provas e decisão sobre os fatos a serem provados. Os standards de prova oferecem justamente critérios para a fase de decisão.
Não havendo espaço para automatismos, a decisão sobre cautelares pessoais no processo penal deve conter partes internas pré-definidas e de explicação judicial obrigatória e capítulos próprios para o fumus comissi delicti e o periculum libertatis. Em relação ao fumus comissi delicti, devem ser estabelecidos dois standards de prova: um para o requisito de materialidade, outro para o requisito de autoria. Já o periculum libertatis deve contar com base fática própria que permitirá chegar a um enunciado fático complexo que deverá se encaixar em uma das hipóteses legais de perigo processual, as quais exigem uma inferência interpretativa para sua conceituação. Este enunciado fático complexo deverá atingir também determinado standard de prova.
A partir dos requisitos metodológicos expostos, dos critérios atualmente oferecidos pelo legislador e pela interpretação que lhes vem sendo dada pela doutrina, oferecemos no texto, tomando de empréstimo as propostas de Jordi Ferrer Beltrán, os seguintes standards de prova para cada um desses requisitos:
1) Requisito de materialidade para identificação do fumus comissi delicti: a) a hipótese de existência do crime deve ser capaz de explicar todos os dados disponíveis, integrando-os de forma coerente; b) a hipótese deve refutar todas as demais hipóteses plausíveis explicativas dos mesmos dados que sejam compatíveis com a não existência do crime, excluídas as meras hipóteses ad hoc.
2) Requisito de autoria para identificação do fumus comissi delicti: a) a hipótese de autoria do crime pelo imputado deve ser a mais provavelmente verdadeira, à luz de todos os elementos existentes no procedimento/processo; b) o conjunto de elementos juntados ao procedimento/processo deve ser o mais completo possível (excluídas as provas redundantes), considerando a fase processual e as circunstâncias do evento.
3) Enunciado fático que se pretende encaixar em alguma das hipóteses de periculum libertatis: a) a hipótese do enunciado fático que será utilizado como base para inferir o periculum libertatis deve ser capaz de explicar todos os dados disponíveis, integrando-os de forma coerente; b) a hipótese deve refutar todas as demais hipóteses plausíveis explicativas dos mesmos dados que sejam compatíveis com a não existência do enunciado fático, excluídas as meras hipóteses ad hoc.
Acknowledgement:
Agradeço a Malu Peres Bittencourt, Clarissa Diniz Guedes, Antonio Vieira e Pedro Muxfeldt pela gentil revisão do texto, com sugestões de forma e conteúdo, bem como aos revisores anônimos pelos apontamentos e críticas.
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Notas
Autor notes
Editor-in-chief: 1 (VGV)
Associated-editor: 2 (BC, LG)
Reviewers: 2
Declaração de interesses