Resumo: Na agricultura familiar, a gestão da propriedade é realizada efetivamente pelos membros da família, assim como o trabalho. A mão de obra é composta pelos gestores da propriedade (geralmente os pais) que repassam as técnicas de produção e trabalho aos filhos desde muito cedo. Diante desse cenário, o objetivo desse estudo é discutir a reprodução da mão de obra em propriedades familiares tendo como norte a sucessão geracional. A partir de revisão bibliográfica, percebe-se que a gestão das propriedades familiares é significativamente dependente da mão de obra familiar. Esta mão de obra familiar é composta especialmente pelos filhos que tendem a assumir o lugar dos pais como trabalhadores e gestores da ocupação agropecuária. A partir das referências bibliográficas analisadas conclui-se que têm ocorrido dificuldades na manutenção dos filhos de agricultores no campo por meio da sucessão geracional. Como consequência, dificuldades na renovação da mão de familiar, podendo acentuar problemas sociais relevantes no meio rural como é o caso do envelhecimento e masculinização do campo.
Palavras- Chave: Migração, Gestão rural, Mão de obra, Sucessão geracional.
Abstract: In family farming, property management is effectively carried out by family members, as well as work. The workforce is composed of property managers (usually the parents) who pass on the production and work techniques to their children very early on. In view of this scenario, the objective of this study is to discuss the reproduction of the workforce in family farms with the generational succession as its north. From a bibliographical review, it is noticed that the management of family properties is significantly dependent on the family workforce. This family labor is composed especially by the children who tend to assume the place of the parents as workers and managers of the agricultural occupation From the bibliographical references analyzed it is concluded that there have been difficulties in the maintenance of the children of farmers in the field by means of the succession generational As a consequence, difficulties in the renewal of the familiar hand, being able to accentuate relevant social problems in the rural environment as it is the case of the aging and masculinization of the field.
Keywords: Management, Rural management, Labor, Generational succession.
Resumen: En la agricultura familiar, los miembros de la familia son quienes, efectivamente, realizan no solo la gestión de la propiedad, sino también el trabajo. La mano de obra está compuesta por los gestores de la propiedad (generalmente los padres) que pasan las técnicas de producción y trabajo a los hijos desde muy temprano. Frente a tal escenario, el objetivo de este estudio es discutir la reproducción de la mano de obra en propiedades familiares teniendo como norte la sucesión generacional. A partir de la revisión bibliográfica, se verifica que la gestión de las propiedades familiares es significativamente dependiente de la mano de obra familiar, compuesta especialmente por los hijos que tienden a asumir el lugar de los padres como trabajadores y gestores de la ocupación agropecuaria. A partir de las referencias bibliográficas analizadas, es posible concluir que ha habido dificultades en el mantenimiento de los hijos de agricultores en el campo por medio de la sucesión generacional y, como consecuencia, dificultades en la renovación de la mano de obra familiar, que pueden acentuar problemas sociales relevantes en el medio rural como es el caso del envejecimiento y la masculinización del campo.
Palabras clave: Migración, Gestión rural, Mano de obra, Sucesión generacional.
Articles
Migração juvenil e a reprodução da mão de obra em propriedades rurais familiares brasileiras
Juvenile migration and the reproduction of work hand on family rural properties
La migración juvenil y las dificultades de reproducir la mano de obra en propiedades rurales familiares brasileñas
Recepção: 16 Julho 2022
Aprovação: 04 Setembro 2022
Publicado: 27 Dezembro 2022
A gestão da propriedade e dos negócios ser realizada pelos próprios membros da família é uma das principais características que diferenciam a agricultura familiar das demais categorias produtivas que compõem o meio rural brasileiro. Nesse cenário, a gestão, de modo geral, é marcada pela organização dos recursos técnicos produtivos e pela organização dos recursos humanos, responsável pelo exercício das atividades produtivas, pelos membros do grupo familiar. Os recursos técnicos produtivos envolvem os bens como terras, maquinário, insumos, investimentos financeiros, comercialização, entre outros. Já os recursos humanos dizem respeito à mão de obra disponível nas propriedades, capaz de transformar os recursos técnicos em rendimentos financeiros. Outra especificidade dos recursos humanos é o fato desta mão de obra ser familiar, ou seja, de pais e filhos.
Atualmente, uma das principais dificuldades para a manutenção dos negócios e das propriedades rurais diz respeito à redução na disponibilidade de mão de obra para desenvolver as atividades produtivas, seja essa externa ou interna à propriedade. Essa redução está associada à diminuição do número de famílias no meio rural, visto que há redução das taxas de fecundidade das mulheres rurais e, principalmente, pela migração da população juvenil (Maia, 2014).
Na agricultura familiar, a gestão da propriedade é realizada efetivamente pelos membros da família, assim como o trabalho. A mão de obra é composta pelos gestores da propriedade, comumente assumida pelos pais, os quais repassam técnicas de produção e trabalho aos filhos, desde muito cedo. Neste contexto, Abramovay et al. (1998) registraram a participação de crianças no auxílio aos pais nas atividades da propriedade, atuando como mão de obra e passando a assumir responsabilidade sobre a propriedade até conquistarem a gestão plena.
Uma das principais formas de reprodução da mão de obra na agricultura familiar é por meio da manutenção dos filhos na atividade paterna, visto que comumente a gestão está sob o encargo masculino, em um processo denominado sucessão geracional. Por meio da sucessão geracional - que representa a transmissão dos negócios dos pais para os filhos -, é que os filhos assumem o lugar dos pais como trabalhadores (agricultores) e também como gestores.
Tomando por base esse cenário, o objetivo deste artigo é discutir a gestão das propriedades rurais familiares e a relação com a reprodução da mão de obra por meio da sucessão geracional. Em relação ao método, trata-se de um estudo baseado em revisão da bibliografia que trata do tema, tendo como foco a gestão em propriedades de agricultura familiar para o contexto brasileiro principalmente.
A discussão e a análise da temática proposta serão apresentadas por meio de tópicos. O primeiro é a introdução; o segundo versa sobre a gestão das propriedades rurais na agricultura familiar; o terceiro pontua a questão da reprodução da mão de obra familiar e a sucessão geracional acrescido do subitem com a discussão das dificuldades da sucessão geracional e as implicações sobre a reprodução da mão de obra nas propriedades familiares devido a migração juvenil. Por fim, são tecidas considerações finais apontando avanços dessa aproximação analítica e indicativos para estudos empíricos.
Em se tratando de propriedades rurais, Silva e Buss (2011, 15), constatam que “a gestão de uma propriedade rural hoje encontra tantos desafios quanto qualquer outra organização, porém por ser constituída em sua maioria por empresas familiares enfrenta desafios antagônicos como o amor e o dinheiro”. De modo que, as propriedades rurais são empresas a céu aberto, em que o produtor é o “empresário”, “administrador” ou “gestor” muitas vezes, independentemente do seu tamanho e potencialidade.
A necessidade da gestão da propriedade rural visa, em um primeiro momento, a administração de custos e do capital de giro de cada atividade desenvolvida na propriedade e por outro lado, o correto posicionamento da propriedade junto ao mercado, ao produto e ao cliente (Bigolin et al. 2020). Do mesmo modo muitos produtores rurais utilizam conceitos e práticas de administração em suas propriedades visando melhorar a produtividade. Por outro lado, outros não estão preparados, sendo necessário o investimento em técnicas de gestão, para proporcionar o crescimento da propriedade, ou, em alguns casos, a própria sobrevivência da propriedade (Silva e Buss 2011).
A esse respeito, a gestão está presente em uma empresa rural em todos os elos, indiferentemente de seu tipo ou propósito, e é associada a um conjunto de recursos e insumos, que são chamados de fatores de produção. Entre alguns desses, conforme destacado por Silva e Buss (2011) e pelo SENAR (2015) estão: o capital (conjunto de bens alocados sobre a terra, e possuem o objetivo de aumentar sua produtividade e ainda facilitar e melhorar a qualidade do trabalho humano), a terra (onde são aplicados os capitais e se trabalha para obter a produção) e o trabalho (conjunto de atividades desempenadas pelo homem, ou seja, a mão de obra).
Em se tratando da agricultura familiar brasileira, este segmento reúne o maior em número de estabelecimentos no país, e tem significativa importância econômica em diversas cadeias produtivas (Abramovay et al. 1998). Conforme a Lei 11.326, de 24 de julho de 2006, considera-se agricultor familiar e empreendedor familiar rural aquele que pratica atividades no meio rural, atendendo, simultaneamente, aos seguintes requisitos: I - não detenha, a qualquer título, área maior do que 4 (quatro) módulos fiscais; II - utilize predominantemente mão de obra da própria família nas atividades econômicas do seu estabelecimento ou empreendimento; IV - dirija seu estabelecimento ou empreendimento com sua família (Brasil 2016). Para Schneider (2010) a agricultura familiar abarca uma diversidade de formas de fazer agricultura que se diferencia segundo tipos diferentes de famílias, o contexto social, a interação com os diferentes ecossistemas, sua origem histórica, entre outras. Ainda, conforme o autor dentro da agricultura familiar encontra-se uma diversidade de formas de fazer agricultura e uma diversidade de agricultores familiares denominados que podem ser enquadrados como colono, sitiante, posseiro, morador, ribeirinho, entre outras.
Em termos numéricos, o Censo Agropecuário de 2006 aponta que 84,4% das propriedades rurais brasileiras podem ser consideradas como familiares, enquanto o Censo Agropecuário de 2017 aponta uma queda: 74%, fazendo uso de 23% da área produtiva do país. Em 2006 eram 16.568.205 pessoas ocupadas (77,3% com laços de parentesco com o produtor) enquanto em 2017 foram contabilizadas 15.105.125 pessoas ocupadas (73,5% com laços de parentesco com o produtor). Da mesma forma, também se registrou queda na média de pessoas ocupadas por estabelecimento: 3,2 pessoas, em 2006, para 3 em 2017 (IBGE 2019). Quanto à idade média dos produtores brasileiros, de acordo com os Censos Agropecuários, produtores com menos de 35 anos representavam 17,4% do total de produtores do país em 2006, já em 2017 o percentual foi de 12%. Ainda com relação à idade, houve redução na participação dos grupos de menores de 25 anos (3,30% para 2,03%), de 25 a menos de 35 anos (13,56% para 9,49%) e de 35 a menos de 45 anos (21,93% para 18,29%), enquanto os grupos mais velhos aumentaram sua fatia: de 45 a menos de 55 anos (23,34% para 24,77%), de 55 a menos de 65 anos (20,35% para 24,01%) e de 65 anos ou mais (17,52% para 21,41%).
Damasceno et al. (2011) apontam ser a agricultura familiar a responsável pela produção diversificada de alimentos no Brasil. Segundo informações do Censo Agropecuário de 2017, a agricultura familiar é responsável por 48% do valor da produção de café e banana; nas culturas temporárias, são responsáveis por 80% do valor de produção da mandioca, 69% do abacaxi e 42% da produção do feijão. Trata-se de uma atividade econômica, segundo Silvestro et al. (2001), na qual as relações familiares são importantes, pois os trabalhadores são os próprios membros da família. Ainda, é preciso considerar que os agricultores familiares têm sua reprodução de longo prazo (Almeida 1986) marcada pela permanência dos filhos na ocupação paterna por meio da reprodução da mão de obra, conforme será discutido nos itens a seguir.
Em estudos de agricultura familiar, o agricultor realiza e desempenha duplo papel de pai e gerente, e hoje pode ser mais adequado considerar a família na propriedade rural como uma equipe de gestão. A família como uma equipe de gestão, pode dar continuidade geracional e independência, de uma forma que era impossível quando os membros da família eram apenas uma força de trabalho flutuante. Como gerentes, a capacidade dos membros da família pode ser mais importante do que como trabalhadores, dado que as decisões de má gestão podem rapidamente levar ao colapso do negócio (Gasson et al.1988).
A partir de estudos realizados em países do Reino Unido Gasson et al. (1988) argumentam que a família pode fornecer a base para a expansão dos negócios, ao passo que incorporando as crianças na empresa da família, obviamente, aumenta as oportunidades da criança com relação à gestão, porém dependerá de fatores como o tamanho do negócio, disponibilidade de capital, terra, mercado e oportunidades (Gasson et al., 1988).
O trabalho de Brumer (2001), realizado com agricultores familiares de 42 municípios do RS, envolvendo nove regiões geográficas do estado (Serra; Vale do Taquari; Planalto; Zona Sul; Metropolitana; Depressão Central; Noroeste; Alto Uruguai) argumenta existir diferenças entre a racionalidade produtiva e de trabalho de um agricultor familiar quanto à forma de organização do trabalho, comparativamente a um agricultor empresarial. Segundo o trabalho da autora citado acima embora o agricultor familiar produza para o mercado, ele também precisa produzir para manter a família dentro da propriedade. Ou seja, a sua margem de poder de decisão sobre como e no que vai investir é menor do que o agricultor empresarial. Além disso, o empresário não precisa trabalhar com mão de obra da família, podendo demitir os trabalhadores quando for conveniente ou quando não precisar mais deles, enquanto que o agricultor familiar não pode demitir os trabalhadores, pois são membros da sua família.
A gestão enquanto negócio no contexto das propriedades rurais leva em conta fatores como a natureza do próprio negócio, o trabalho dos membros e a combinação entre a administração e controle dos negócios da propriedade, além do processo de sucessão. No total são definidas seis características em propriedades familiares: 1) A gestão encontra-se nas mãos dos proprietários da propriedade rural; 2) Os proprietários da propriedade rural estão ligados entre si por laços de parentesco; 3) É responsabilidade de todos os membros da família prover capital para o negócio; 4) O trabalho é feito pela família; 5) O patrimônio e a gestão da propriedade rural são repassados de geração a geração; 6) Os membros da família vivem na propriedade rural (Spanevello 2008; Spanevello e Lago 2007).
No entanto, é preciso considerar que a agricultura familiar não é uma categoria homogênea e que os agricultores diferem entre si, especialmente pelo nível tecnológico com que trabalham, de conhecimento técnico e educacional, capacidade de investimentos, localização das propriedades em relação ao mercado consumidor. Estas diferenciações implicam no próprio uso da gestão. Segundo Batalha, Buainain e Sousa Filho (2005), a utilização pelos agricultores familiares brasileiros de técnicas de gestão é altamente insatisfatória. Esta situação deve-se a pouca cultura (formal e informal) do agricultor no assunto, ao baixo nível de qualificação dos técnicos extensionistas em tecnologias de gestão, à inadequação das ferramentas disponíveis na literatura, à descapitalização dos agricultores e às políticas públicas que não privilegiam os aspectos de gestão no setor, o que pode comprometer a sustentabilidade e competitividade destes empreendimentos.
A gestão mais ou menos eficiente pode gerar perfis diferenciados entre os próprios agricultores. Andreatta (2009), em seu trabalho sobre os pecuaristas no Rio Grande do Sul, aponta a existência de quatro perfis de produtores dessa atividade: 1) Pecuaristas Estacionários, 2) Pecuaristas Consolidados, 3) Pecuaristas-Lavoureiros Convencionais e 4) Pecuaristas Lavoureiros Especializados. Os primeiros apresentam uma produção de pecuária baseada na tradição com gestão deficiente ou quase nula, necessitando de outras rendas (como aposentadoria) para viver, o segundo perfil apresenta alguma organização na gestão pecuária, muito embora deficientes na geração de renda para a sobrevivência da família, o terceiro perfil organiza a gestão com base na pecuária de corte (com investimentos na atividade) e lavoura e arrendamentos, o que garante um nível econômico satisfatório para a família. Por fim, o quarto e último perfil são produtores com gestão empresarial da propriedade, com contratação de mão de obra e rebanhos melhorados. Na produção de leite, segundo trabalho de Wagner et al. (2004), a gestão e os investimentos na atividade diferem os produtores em moderno convencional (trabalho com gestão eficiente e tem o leite como atividade central da propriedade, dedica sua mão de obra nesta atividade), em transição (gestão menos eficiente, mas dedica sua mão de obra nesta atividade) e tradicional (o leite é uma atividade secundária, a mão de obra da propriedade pouco se dedica à atividade).
Entre as principais atribuições que envolvem a gestão dos recursos humanos está a questão da mão de obra pertencente às propriedades. Conforme Silva et al. (1986), ao conceituar mão de obra, essa definição segue alguns critérios:
O primeiro pode-se partir de uma determinação a priori, na qual integrantes da mão de obra seriam o total de pessoas ocupadas no processo econômico da comunidade política, os empresários, os que trabalham por conta própria, os empregados, os operários, os trabalhadores domésticos não remunerados, e os que se encontram desempregados na tomada do Censo do Instituto de Geografia e Estatística. No entanto, excluídos desta conceituação os estudantes, as mulheres ocupadas nos trabalhos domésticos, as pessoas que vivem de renda, e os que dependem integralmente de outros.
O segundo critério, a idade, considerando que a mão de obra é provida por pessoas de 14 anos até 65 anos, e tendo em vista o sexo se estabeleceu uma distinção entre masculina e feminina. Outro critério classificador de mão de obra baseia-se na diferença dos setores que compõem a economia nacional: mão de obra empregada na agricultura, na indústria e no setor de serviços. Outra classificação é a respeito ao trabalho manual e intelectual, sendo manual quem trabalha mais com aspectos físicos. A categoria inclui trabalhadores não especializados, semiespecializados e especializados, sejam trabalhadores agrícolas, industriais ou de serviços (SILVA et al., 1986).
Conforme Silva et al. (1986, 718), “o conceito de mão de obra é visto como sinônimo de trabalho manual e tem sido utilizado em estudos de mobilidade social baseados na dicotomia manual e não manual”. No Brasil, a população economicamente ativa é a força de trabalho do país e o total de mão de obra disponível. Essa população economicamente ativa foi definida pela pesquisa nacional de domicílios (PNAD) de 1978 como total de pessoas que trabalham, têm trabalho, não estavam trabalhando ou procurando trabalho, empregado ou não (Silva et al., 1986).
A mão de obra é um insumo de fluxo continuo, ou seja, o serviço que ela presta fica disponível hora a hora, dia a dia, ela não pode ser estocada para uso posterior, precisa ser utilizada à medida que fica disponível, senão é perdida. Nem toda mão de obra rural é igual em treinamento, capacidade e experiência. Novas tecnologias agropecuárias exigem habilidades mais especializadas e sofisticadas, em que sua eficiência também depende do porte do negócio, empreendimento, grau de mecanização, tipo de organização e outros fatores (Kay et al., 2014).
Kay et al. (2014, 385) asseguram que “a mão de obra humana é um dos poucos insumos da agropecuária cujo uso vem caindo consideravelmente com o tempo”. O ingresso da mecanização, pacotes tecnológicos e outras tecnologias poupadoras de mão de obra permitem que o trabalho agrícola seja realizado com a necessidade de menos pessoas trabalhando. Por outro lado, a mão de obra que permanece no campo tende a ser cada vez mais qualificada, em que tanto os empregados quanto os gestores têm aprimorado sua instrução, capacitação e treinamento (Kay et al., 2014).
Em se tratando da reprodução da mão de obra no meio rural, a sucessão geracional pode ser vista como fator central em propriedades familiares. Segundo Gasson e Errington (1993) a sucessão está diretamente relacionada com a transferência da gestão dos negócios para as novas gerações, ou seja, transferência do controle ou do gerenciamento sobre o uso do patrimônio familiar aos filhos sucessores. Isso significa dizer que os filhos assumem o lugar dos pais como agricultores, seguindo na atividade, ou seja, renovando a mão de obra familiar, uma vez que com o avanço da idade dos pais, torna-se necessário incorporar nova força de trabalho na propriedade.
A sucessão nas atividades agropecuárias é baseada em dois fatores centrais: “um processo com diferentes estágios/fases” (Spanevello 2008, 44) e marcada pelo processo de socialização dos filhos desde pequenos com as atividades agrícolas das propriedades rurais (Gasson et al. 1988; Spanevello 2008).
Uma nova geração de agricultores, segundo Gasson e Errington (1993, 217) é “formada por diferentes estágios divididos em socialização, aprendizado técnico, parceria e o controle pelo gestor”. O processo começa pela socialização que se estende desde o nascimento dos filhos até a fase de realização do trabalho na propriedade em tempo integral. Os filhos desenvolvem sua personalidade e atitudes em relação à vida familiar e agrícola e, como resultado, podem aprender e desenvolver muitas das habilidades básicas do trabalho da propriedade. Ou seja, a sucessão é fomentada desde muito cedo por meio de um processo denominado socialização para o trabalho em que muitos filhos apreendem o ofício ajudando os pais nas atividades da propriedade rural da família, e vão assumindo a responsabilidade sobre a propriedade até conquistarem a gestão plena (Gasson et al. 1988; Silvestro et al. 2001; Spanevello e Lago 2007).
Outro estágio importante é o aprendizado técnico. Este estágio é marcado pelo envolvimento dos filhos no trabalho da propriedade como mão de obra e também na gestão. Segundo Gasson e Errington (1993) é o estágio que marca o início do envolvimento dos filhos não apenas no trabalho, mas também na gestão, embora seu papel como gestor fique limitado a um percentual que gira em torno de 30 a 40% das atividades, tendo em vista que o pai ainda possui grande participação nas decisões das propriedades, pois neste estágio possui em média 50 anos ou menos. As atividades dos filhos como gestores envolvem o trabalho geral da propriedade rural, o planejamento do dia a dia, a supervisão do pessoal e a ajuda com máquinas e equipamentos (Gasson e Errington 1993).
A parceria é um estágio divido em dois momentos segundo Gasson e Errington (1993): O primeiro começa quando o pai tem por volta de 50 anos. Os filhos estão cada vez mais envolvidos em decisões técnicas de gestão, particularmente relacionadas aos tratamentos de culturas, estoque e ao planejamento de projetos de longo prazo. O segundo começa quando o pai tem em torno de 60 anos. Os filhos assumem mais responsabilidade pelo pessoal, planejamento de culturas e sobre o saldo da propriedade. Neste estágio, até 65% das responsabilidades gerenciais são assumidos pelos filhos (Gasson e Errington 1993).
O último estágio é marcado pela passagem do controle da propriedade para o filho (novo gestor). Neste estágio, o filho está cada vez mais envolvido nos negócios da propriedade, gerenciando a produção agropecuária. Trata-se de um processo natural de envolvimento dos filhos tendo em vista a idade e a saúde dos pais, os quais tendem a diminuir no final dos 60 anos. No entanto, como reforçam as autoras, a transferência final se dá pelas condições de saúde e pela idade de aposentadoria do pai (Gasson e Errington, 1993).
Os estágios identificados acima se concentram nas mudanças de responsabilidades do sucessor; assim como as mudanças recíprocas do pai A aposentadoria agora é cada vez mais considerada como a transição para um novo papel do pai. Em algumas áreas de decisão, como a compra de máquinas, os filhos futuros sucessores podem "gradualmente" fornecer informações e conselhos para o julgamento na tomada de decisão do pai. Esse processo pode se inverter na sucessão do negócio da família e associar a propriedade rural cada vez mais à reversão de papéis, de modo que o pai agora se torne o conselheiro de seu filho na tomada de decisões. O gerente mais antigo passa a ter um novo papel, o de aconselhar e ensinar, em vez de controlar e dominar (Gasson e Errington 1993).
Para Gasson et al. (1988, 23) “é extremamente importante o treinamento que os pais passam aos futuros gestores, pois o negócio agrícola em que pais e filhos formam uma equipe de mão de obra e de gestão é essencial para manter a coletividade na unidade familiar”. Na verdade, em nenhum outro setor a interdependência entre a família e empresa é tão forte como na agricultura (Gasson et al. 1988; Silvestro et al. 2001; Spanevello e Lago 2007). O negócio agrícola em que pais e filhos formam uma equipe de gestão colabora para a transferência do controle da gestão para o filho e é essencial para manter a coletividade na propriedade rural (Gasson, et al. 1988, 24).
Para Fischer e Burton (2014) a sucessão é um processo endógeno dividido em três momentos, sendo o primeiro relativo ao aprendizado do trabalho ainda quando crianças, o segundo é a realização do trabalho propriamente dito (de acordo com a faixa etária) e a terceira pode ser compreendida como a etapa preparatória para a sucessão, na qual a medida que a sucessão geracional se concretiza novas estratégias de negócios e de gestão podem ser implementadas.
A renovação da mão de obra por meio da sucessão pode ser bem-sucedida e muito benéfica para a propriedade. Como o sucessor geralmente é filho do gestor, além dos bens tangíveis (físicos), são transferidos bens intangíveis, como o conhecimento tácito adquirido por meio da convivência durante as atividades cotidianas do gestor, que repassa o conhecimento explícito (Kiyota e Perondi 2014). Isso pode minimizar os problemas oriundos da troca repentina de gestores de determinado empreendimento, pois o sucessor não precisará de um período para conhecer a atividade, a propriedade em si e os valores da família e, a partir disso, pode manter ou transformar a estratégia de gestão (Kiyota e Perondi 2014).
Considerando as suas características, a sucessão ou a renovação da mão de obra na agricultura familiar é tradicionalmente marcada pelo poder paterno no processo e está articulado em torno da figura do homem, que determina o momento e a forma da passagem das responsabilidades sobre a gestão do estabelecimento para a próxima geração. A transição leva em conta muito mais a capacidade e disposição de trabalho do pai do que as necessidades do sucessor ou as exigências econômicas ligadas ao próprio desenvolvimento da atividade (Abromovay et al. 1998).
Mais recentemente, conforme Moreira et al. (2020; 2019), Matte et al. (2019), Matte e Machado (2016), Boscardin e Conterato (2017), Lago et al. (2022), diversos fatores estruturais têm levado a mudanças na sucessão geracional, incluindo a possibilidade de famílias e propriedades não terem filhos dispostos a sucederem os negócios e o patrimônio. Para Boscardin e Conterato (2017) o modelo sucessório, padrão e uniforme, estabelecido na agricultura familiar e amplamente estudado e difundido pela literatura especializada parece não mais prevalecer, sinalizando-se assim uma espécie de novo padrão sucessório, o qual não inclui necessariamente a presença dos filhos e a continuidade da mão de obra familiar nas propriedades. A não sucessão impõe uma dinâmica sobre a oferta da mão de obra nas propriedades familiares, conforme será discutido a seguir.
Atualmente, a manutenção da mão de obra familiar para exercer o trabalho e a gestão de propriedades tem se apresentado como um tema preocupante dentro da questão do desenvolvimento rural. Esta preocupação é reforçada quando se analisa os dados populacionais referentes ao meio rural brasileiro. Conforme o Censo de 1991, a população que residia no meio rural era de aproximadamente 36 milhões de pessoas, diminuindo para aproximadamente 30 milhões em 2010. Em nível de país, segundo o Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese 2014) a perspectiva é de que em 2050 caia para 8% (ficando em torno de 8,2 milhões de pessoas). Ainda, considerando a ocupação das pessoas em propriedades rurais, a mesma fonte aponta que em 1985 havia quatro pessoas envolvidas no trabalho, já em 2006 reduziu-se para 3,2 e em 2013 chegou a 2,7 por propriedade. As projeções para 2050 apontam para 1,7 pessoas ocupadas por propriedade.
Vários fatores explicam esta diminuição populacional: diminuição do número de famílias ou de famílias jovens, queda da taxa de fecundidade entre as mulheres, aumento da expectativa de vida entre os adultos, tendendo ao envelhecimento populacional e migração juvenil (Maia 2014; Matte; Machado 2017). Maia (2014) reforça que a diminuição do número de membros por domicilio nas áreas rurais cai de 4,7 em 1991 para 3,6 em 2010. Ainda, segundo o autor, o aumento da participação de casais sem filhos no mesmo período subiu de 4% para 12% no último ano, enquanto o IBGE afirma que na década de 1980 a expectativa de vida do brasileiro era igual há 62,5 anos, aumentando para 73,7 em 2010.
Com relação à migração juvenil é preciso salientar que os jovens deixam o campo de forma mais intensa que no passado (Camarano e Abramovay 1998; Froelich et al. 2011). De acordo com dados do IBGE, em 1991 residiam no meio rural brasileiro aproximadamente 7 milhões de jovens (15 a 24 anos), reduzindo para aproximadamente 5 milhões em 2010, refletindo em uma redução de quase 27%. No estado do Rio Grande do Sul, de um total de aproximadamente 197.801 jovens em 1991, o que representava 9,23% da população gaúcha, o número aumentou para 232.654 jovens em 2010, o que representa 14,6% no período, aumentando 16% a população jovem de 1991 a 2010.
Outro aspecto marcante deste decréscimo é que em 2010 a população juvenil era inferior (14,6%) à população idosa (17%) (IBGE 2012). E segundo o Censo Agropecuário de 2017 no Brasil de 15 milhões de pessoas ocupadas nos estabelecimentos rurais em 5.073,324 estabelecimentos 100.357 pessoas têm até 24 anos. Destes, 70.441 são homens e 29.916 são mulheres. No Rio Grande do Sul até os 24 anos, há 4.386 jovens no meio rural, destes, 3.558 do sexo masculino e 828 do sexo feminino em um total de 992.413 pessoas ocupadas dos estabelecimentos rurais em 365.094 estabelecimentos agropecuários.
A migração juvenil para os centros urbanos significa muito mais do que a simples saída das pessoas do campo. Esta preocupação tem sido gerada pelo fato de muitos filhos de agricultores não estarem mais construindo a perspectiva de suceder os pais como mão de obra nas propriedades, nem como gestores dos negócios e do patrimônio.
Este cenário pode gerar implicações na reprodução da mão de obra no meio rural, especialmente por meio da sucessão geracional. A migração jovem significa a retirada de pessoas com idade produtiva cedendo e ampliando o espaço para a permanência de pessoas mais velhas com restrições físicas ao trabalho em razão da idade avançada. É o caso de muitas propriedades rurais familiares em que os filhos migram e permanecem apenas os pais (Matte; Spanevello; Andreatta 2015; Spanevello et al. 2017). A saída dos filhos de agricultores pode trazer a diminuição da força de trabalho derivadas das dificuldades de sua manutenção no campo.
Estudos pioneiros como de Camarano e Abramovay (1999) já mostravam as tendências do meio rural brasileiro em apresentar processos sociais como o envelhecimento (quando saem os filhos e ficam apenas os pais) e a masculinização (quando saem mais as moças e permanecem mais os rapazes, os quais apresentam dificuldades em constituir novas famílias) do campo devido a saída expressiva dos filhos de agricultores do campo, a exemplo do que aconteceu com países europeus como a França ainda em 1960.
A preocupação com esta temática que interliga gestão, mão de obra e sucessão, parte do entendimento que, para se ter gestão é necessário ter mão de obra disponível no meio rural, sendo a sucessão geracional o principal processo de renovação desta mão de obra, conforme ilustrado na Figura 1 a seguir. Dentro da proposta deste artigo - discutir a gestão das propriedades rurais familiares e a relação com a reprodução da mão de obra por meio da sucessão geracional -, entende-se que a realização da gestão nas propriedades familiares é fundamental para ocorrer a reprodução social. A reprodução social é entendida como o “processo de transmitir, repor e manter os mecanismos sociais de geração para geração” (Spanevello 2008, 41), que ocorre por meio da sucessão geracional, sendo este processo que dá seguimento aos filhos nas atividades e propriedades paternas como gestores e como trabalhadores (mão de obra).

Alguns fatores são condicionantes e impactam na desistência dos filhos pela sucessão geracional e na consequente continuidade da mão de obra no meio rural. Entre os fatores segundo Matte e Machado (2016) e Boscardin et al. (2021) analisando estudos brasileiros reforçam aspectos como renda, nível de escolaridade, autonomia, grau de capitalização das famílias, tamanho da propriedade, entre outros como relevantes. Bednaříková, Bavorová e Ponkina (2016), apontam que as propriedades russas têm maiores chances de sucessão quando os pais possuem propriedades maiores e incentivam estudos ligados à atividade agropecuária. A geração de renda na propriedade, inclusive a geração de renda de atividades não agrícolas, conforme mostra Duarte et al. (2021) são importantes e até mesmo determinantes na reprodução da mão de obra pelos filhos. Morais et al. (2017) argumentam que aspectos como facilidade para gerenciar a propriedade, para comprar mais terras e reconhecimento profissional dos pais influenciam na avaliação e atitude dos sucessores em ficar na propriedade. Grubbstrom e Sooväli-Sepping (2014) destacam que os pais também são responsáveis no incentivo à sucessão pelos filhos. No entanto, em propriedades sem incentivos, sem que os filhos participem das tomadas de decisões e a maior presença de filhas tende a ser mais difícil a sucessão geracional e a consequente reprodução da mão de obra.
Moreira e Spanevello (2019) pontuam que na atualidade os pais constroem estratégias com o objetivo de garantir a reprodução da mão de obra. Segundo o trabalho dos autores, as estratégias envolvem moradias separadas (garantindo a individualidade dos jovens casais), participação na gestão produtiva e da renda (dividindo os rendimentos com os filhos e até pagando salários para eles), arrendamento de terras, doação de automóveis, pagamento de estudos, novos investimentos de negócios nas propriedades voltados para os filhos (Exemplo: atividade leiteira em propriedades com outras atividades agrícolas), entre outros.
Em contextos onde os filhos não têm as condições atendidas e não almejam a sucessão geracional é possível identificar que o planejamento dos negócios e do patrimônio tomam rumos diferenciados. Andreatta (2009) reforça que a perspectiva dos agricultores poderem contar com a mão de obra dos filhos é um aspecto importante para a tomada de decisões quanto aos investimentos de médio e longo prazo a serem feitos nas propriedades. Quanto maior a perspectiva da permanência da mão de obra, maiores as chances de realização de investimentos em maquinários, terras, entre outros. Inwood e Sharp (2012), analisando propriedades rurais americanas mostram que as dificuldades das famílias na questão sucessória implicam em reduzir atividades produtivas, investimentos e até mesmo venda de terras, diferentemente de quando a possibilidade sucessória é real (ampliando os investimentos nas atividades, comprando mais terras e até mesmo arrendando). Zhou et al. (2020) estudando o rural chinês salientam que a migração massiva da força de trabalho rural levou a um aumento significativo do abandono de terras agrícolas e a mudanças consideráveis no padrão da pecuária, tornando-se um negócio especializado, separando-se do sistema lavoura-pecuária tradicional.
Para Kischener (2015), a falta de mão de obra intervém como um fator limitante inclusive para o futuro nas atividades agrícolas familiares. Segundo o autor (2015, 85), ainda que as perspectivas atuais sejam positivas, frente às dificuldades de sucessão geracional e ao encarecimento da mão de obra no meio rural e também pela quase ausência de prestadores de serviços, os agricultores envelhecidos estão cientes de que deverão reduzir a área plantada e adotarem estratégias outras para se manterem no meio.
Segundo Garcia (2014) e Kischener (2015), a falta de mão de obra faz com que os gestores invistam em mecanização, possibilitando aumento de produção e produtividade em determinados cultivos, basicamente grãos (soja), porém cultivos mais diversificados tendem a ser deixados de lado. Estão tentando suprir a falta de mão de obra com a tecnologia, porém, “[...] passam pelo crivo da viabilidade econômica, da competitividade e sustentabilidade em mercados cada vez mais exigentes” (Garcia 2014, 562).
No entanto, ainda que os agricultores consigam suprir a mão de obra com tecnologias, a ausência dos filhos representa também a perda do capital inovador, pois, geralmente, são as novas gerações que tendem a estar à frente dos conhecimentos técnicos e da gestão que podem melhorar os rendimentos econômicos das propriedades (Silvestro et al. 2001; Spanevello 2008). De tal modo, a falta de um sucessor pode ocasionar períodos de estagnação, queda de produtividade e atraso tecnológico ou até mesmo abandono da agricultura (Wheeler et al. 2021). No Brasil, em especial no estado do Rio Grande do Sul, as dificuldades dos filhos em assumir a gestão das propriedades leiteiras tem provocado queda no número de produtores de leite no estado nos últimos anos. De acordo com o Relatório Socioeconômico da Cadeia Produtiva do Leite no Rio Grande do Sul - 2021, a falta ou deficiência de mão de obra e a falta de descendentes ou desinteresse deles na atividade representava 44,3% e 39,7% respectivamente do motivo para os produtores saírem da atividade. Essa descontinuidade também foi constatada entre pecuaristas familiares no sul do estado, ao passo que a falta de sucessores consiste de uma situação de vulnerabilidade na pecuária de corte (Matte, Waquil 2013).
Conforme Dudek e Pawlomska (2021), a sucessão geracional, além de aumentar o potencial produtivo da propriedade alavanca o seu desempenho econômico. Para além destes aspectos, os agricultores mais velhos tendem a ser mais resistentes em relação à adoção de práticas agrícolas sustentáveis, portanto a sucessão geracional pode ser importante para a redução dos impactos ambientais (Leonard et al. 2017).
O estudo de Moreira et al. (2020) ressalta que a maior escolaridade e acesso a tecnologias presente entre os filhos de agricultores possibilitam gerenciar as propriedades com maior eficiência. Neste sentido, constata-se que a identificação de um sucessor está positivamente associada à melhor gestão, tanto atual quanto futura das propriedades rurais. Somado a isso, a diminuição no número de propriedades rurais familiares é fortemente condicionada pela ausência de sucessores e pela idade média dos operadores (Corsi et al. 2021).
Estes aspectos refletem as características observadas no Censo Agropecuário brasileiro, conforme destacados anteriormente, em que se observa uma redução no número de estabelecimentos agropecuários, bem como um acréscimo no percentual de pessoas mais idosas e uma redução no percentual de pessoas mais jovens no comando das atividades. Conforme documento da EMBRAPA (2022), a tendência quando se fala em mão de obra ou da mão de obra gestora de propriedades rurais frente a saída juvenil e o envelhecimento no campo brasileiro são as mudanças de perfis nas propriedades com presença mais acentuadas de empregados ou mão de obra paga, em especial mão de obra capacitada para atender as demandas da agricultura digital, maior necessidade da escolaridade dos que ficam, inclusive com curso superior, reforma trabalhista para trabalhadores rurais e aumento na expansão de propriedades e ofertas de trabalho e renda não agrícola. O trabalho de Signor (2019) reforça que as dificuldades em superar a ausência de mão de obra do rural e da vontade dos jovens de viver no rural é a possibilidade de visualizar o rural com um espaço de oportunidade de negócios, inclusive para os jovens urbanos.
O objetivo do trabalho foi elencar aspectos relativos à importância da mão de obra na gestão das propriedades familiares a partir da sucessão geracional impactada pela migração juvenil. Como respostas, se constata que a gestão das propriedades familiares é significativamente dependente da mão de obra familiar, e essa está diretamente ligada à sucessão geracional. Ou seja, sem sucessão geracional limita-se a possibilidade de mão de obra e a própria continuidade do estabelecimento agropecuário. Assim, o interesse com esse artigo não é esgotar o debate, mas instigar que novos estudos sejam feitos, no intuito de verificar a hipótese de que a sucessão geracional está relacionada à gestão da propriedade rural, visto que não há estudos que afirmem ou mesmo que refutem essa hipótese.
A partir das leituras realizadas, é possível assumir que a sucessão geracional pode ser usada como estratégia de gestão rural para obter mão de obra qualificada, ao passo que proporcionar autonomia, valorização, oportunidades e renda para os jovens seria uma forma de incentivá-los a dar continuidade às atividades rurais.
As dificuldades e as incertezas de sucessão geracional nas propriedades rurais familiares, assim como a ausência de sucessores, trazem consequências consigo, como a falta de mão de obra (qualificada) no meio rural. Visto que os jovens intrinsicamente dominam os conhecimentos produtivos. Logo, além das dificuldades do gestor em aplicar técnicas de planejamento, uso de mão de obra, administração financeira, entre outras, percebe-se um gargalo na gestão rural, que afeta diretamente a agricultura familiar, o desenvolvimento rural e aos agronegócios.
Conclui-se que são necessários estudos que avaliem a gestão das propriedades rurais e a relação com a presença de sucessão, no intuito de entender em que medida elementos da gestão podem se tornar favoráveis ações e políticas de incentivo à sucessão rural.
Diante dos resultados encontrados e dos avanços alcançados nos estudos rurais relativos à sucessão geracional, é possível constatar que há uma diversidade de formas de organização entre os produtores rurais, intuídos do propósito de garantir a continuidade da propriedade e da história familiar junto daquele espaço físico. Esse cenário também evidencia a existência de estratégias similares, mesmo entre produtores de diferentes países. Por trás dessas ações, há lógicas familiares e culturais que podem auxiliar a compreender as decisões de pais que almejam a continuidade das propriedades rurais, e entender essa racionalidade se torna uma ferramenta para auxiliar nesse processo.
