Efetividade das instituições participativas no Brasil no proceso de participação social e de deliberação
Effectiveness of participatory institutions in Brazil in the process of social participation and deliberation
Efetividade das instituições participativas no Brasil no proceso de participação social e de deliberação
Espacios Públicos, vol. 21, núm. 51, pp. 7-27, 2018
Universidad Autónoma del Estado de México
Recepção: 12 Outubro 2016
Aprovação: 04 Dezembro 2017
Resumo: O objetivo deste artigo é analisar a efetividade das instituições participativas no processo de participação social e de deliberação, a partir da identificação de determinadas características na produção científica sobre o assunto, de acordo com as categorias de análise propostas por Oliveira, Pereira e Oliveira (2010). Desta maneira, fez-se necessário extrair as características de efetividade em seus resultados, a partir das condições de organização formal, processo deliberativo e relações interinstitucionais. Para tanto, recorreu-se ao portal Scientific Periodicals Eletronic Library (SPELL) para o levantamento das publicações sobre os Orçamentos Participativos, os Planos Diretores Municipais e os Conselhos Gestores, do ano de 1988 a 2015, permitindo-se constatar que a maioria dos estudos no Brasil se atém apenas a descrever sobre as Instituições Participativas e poucos tratam de verificar a capacidade de serem efetivas enquanto mecanismos de participação social e de deliberação. Conclui-se que, para melhorar a qualidade do processo participativo e consolidar as Instituições Participativas como espaços efetivos de deliberação e participação, é necessária uma maior mobilização dos cidadãos e o fomento por parte do governo à participação social nas decisões.
Palavras-chave: Orçamento Participativo, Conselho Gestor de Políticas Públicas, Plano Diretor Municipal, Atuação Social.
Abstract: The objective of this article is to analyze the effectiveness of participatory institutions in the process of social participation and deliberation, based on the identification of certain characteristics in the scientific production on the subject, according to the categories of analysis proposed by Oliveira, Pereira e Oliveira (2010). In this way, it was necessary to extract the characteristics of effectiveness in its results, from the conditions of formal organization, deliberative process and interinstitutional relations. In order to do so, the Scientific Periodicals Electronic Library (SPELL) was used to collect publications on Participatory Budgets, Municipal Management Plans and Management Councils from 1988 to 2015, and it was verified that most of the studies in Brazil, only refers to Participatory Institutions and few try to verify the capacity to be effective as mechanisms of social participation and deliberation. It is concluded that, in order to improve the quality of the participatory process and to consolidate the Participatory Institutions as effective spaces for deliberation and participation, it is necessary to mobilize citizens and promote the participation of the government in social decision-making.
Keywords: Participatory Budgeting, Council Manager of Public Policies, Municipal Director Plan, social action.
Introdução
O processo de ampliação da participação social no país é objeto de discussão na literatura, pois a institucionalização dos procedimentos formais de participação e a sua efetividade ganharam espaços importantes nos debates (Souza, 2010; Avritzer, 2012; Oliveira, Calazans, Cerqueira e Torres, 2013), especialmente quando se coloca em discussão o processo deliberativo como norteador de instrumentos capazes de aproximar a sociedade civil nas decisões públicas. Durante as duas últimas décadas do século XX, o Brasil passou por grandes transformações sociais e políticas, principalmente devido a passagem do regime ditatorial militar para a retomada da democracia, que culminou com a promulgação da Constituição da República Federativa do Brasil em 1988 e uma nova configuração da forma de operação da administração pública. A participação popular durante o processo transitório possibilitou a consolidação de um novo regime, pautado nas práticas cotidianas da população, nas relações com os poderes constituídos e a formalização normativa da participação social (Pires e Nebot, 2013).
A Carta Magna de 1988 possibilitou a criação de novos espaços públicos de discussão e deliberação, o que propiciou novas perspectivas para o exercício da democracia ao incorporar a participação direta dos cidadãos no exercício do poder (Gomes, 2003; Ronconi, Debetir e Mattia, 2011). Neste contexto, emergem as Instituições Participativas (IP’s)1, podendo ser compreendidas como mecanismos de participação direta, com formas diferenciadas de inclusão de cidadãos ou de associações da sociedade civil na deliberação sobre políticas públicas (Avritzer, 2008). Apresentam-se como potencialidades para influenciar decisões governamentais, atribuindo nova disposição na lógica do poder tradicional. Busca-se preservar a independência e autonomia da sociedade e do governo local para propiciar o equilíbrio de forças no propósito de assegurar a soberania compartilhada (Martins, 2015). Sob este prisma, a participação social pode ser entendida como a quebra de barreiras entre sociedade civil e Estado, promovendo a aproximação entre eles e reduzindo a monopolização na qual este detinha no processo de elaboração das políticas públicas (Oliveira, 2009), geralmente estabelecidas por meio do processo deliberativo nestas arenas de discussão.
Habermas (1997) aponta que a operacionalização do procedimento ideal de deliberação e tomada de decisão, depende da institucionalização de procedimentos e condições de comunicação, além da inter-relação entre os processos deliberativos institucionalizados com as opiniões públicas informalmente constituídas. É neste contexto de inter-relações que se manifestam as instituições participativas como possibilidade de estrutura comunicacional baseada no diálogo entre sociedade e Estado que propiciem deliberações que possam representar demandas democraticamente estabelecidas. Oliveira, Pereira e Oliveira (2010) descrevem que o processo deliberativo necessita ainda de estruturas institucionais capazes de sustentar e fortalecer os espaços públicos não estatais, que permitam as construções coletivas decisórias por meio do diálogo.
O debate sobre estas instituições ocorre principalmente pela crescente associação entre participação e políticas públicas e devido a discussão, a nível nacional e internacional, sobre democracia deliberativa, que passou a evidenciar a relevância da efetividade da própria deliberação. Os estudos acadêmicos sobre a efetividade das IP’s trazem discussões sobre quanto podem ser tidas como realmente efetivas, ou seja, quais os resultados gerados pelos orçamentos participativos, conselhos e outras modalidades de instituições participativas (Romão e Martelli, 2013); ou ainda como as instituições efetivamente contribuem ou influenciam as decisões. Por outro lado, a efetividade refere-se à capacidade das IP’s serem, de fato, espaços de ampliação da democracia, seja para inclusão dos excluídos nos mecanismos democráticos tradicionais, seja na perspectiva de corroborar com os aspectos referentes a maneira como as decisões são tomadas (Avritzer, 2011). Neste sentido, a efetividade estaria expressa “na institucionalização dos procedimentos, na pluralidade da composição, na deliberação pública e inclusiva, na proposição de novos temas, na decisão sobre as políticas públicas e no controle sobre essas ações” (Cunha, 2007: 5), e na inclusão de “novas e diferentes vozes no processo de implementação, gestão e controle das políticas e de expandir, de forma igualitária, o acesso aos bens públicos nelas envolvidos” (Faria, 2007:1).
Ao se analisar a efetividade das IP’s, tomar os aspectos que caracterizam a qualidade do processo participativo2 com as variáveis explicativas possibilita avaliações de efetividade além daquelas relacionadas à existência ou não de uma determinada instituição e passa a se embasar muito mais na qualidade do seu funcionamento, enfatizando os atributos que permitem essas instituições serem capazes (ou não) de proporcionar a melhoria da ação dos governos e das políticas públicas (Pires, Vaz, Almeida, Silva, Lopez e Alencar, 2011).
Nesse sentido, pretendeu-se responder por meio da pesquisa documental a seguinte questão norteadora: Como as características existentes na produção científica brasileira sobre IP’s podem colaborar para a verificação da efetividade destes espaços de participação enquanto instrumentos de democracia deliberativa? Tal questão de pesquisa busca conhecer a efetividade das instituições participativas no Brasil quanto aos seus resultados e não simplesmente da sua existência ou não nos municípios brasileiros. Para este trabalho, efetividade diz respeito a capacidade das IP’s em assegurar a participação social nas deliberações de determinada política pública que será discutida em seu espaço, sem fugir do propósito estabelecido por lei, onde os representantes do governo fornecem informações livres de erro, dando voz à população e a sociedade civil nos assuntos de seu interesse, de forma que estes sejam partes integrantes e definidoras dos rumos da comunidade onde estão inseridos.
A partir do exposto, o objetivo geral do artigo consistiu em analisar a efetividade das instituições participativas no processo de participação social e de deliberação, conforme a produção científica, levando-se em consideração as categorias de análise desenvolvidas por Oliveira, Pereira e Oliveira (2010) para verificar a efetividade dos Conselhos Gestores. Apesar da proposta ser direcionada para este tipo de IP, as premissas estabelecidas pelos autores estão diretamente relacionadas aos propósitos das outras IP’s, pois estão vinculadas à formação de decisões coletivas por meio do diálogo entre indivíduos politicamente iguais. De modo complementar, buscou-se, como objetivos específicos, fazer o levantamento da produção científica sobre efetividade dos Orçamentos Participativos (OP), dos Planos Diretores Municipais (PDM) e dos Conselhos Gestores de Políticas Públicas (CG), considerados os principais instrumentos de participação social presentes no Brasil analisar a presença das variáveis que caracterizam a efetividade destas instituições como alicerces da democracia deliberativa; assim como apresentar os principais apontamentos sobre os aspectos concernentes à qualidade do processo participativo na efetividade das IP’s.
Este estudo busca contribuir com as discussões sobre efetividade das IP’s e mostra sua importância ao identificar como o tema vem sendo abordado no país nestes últimos anos. Apesar das discussões sobre as efetividades das instituições participativas serem recentes, evidencia-se a qualidade desses espaços de participação social, conforme a produção científica. Caminha-se, conforme Romão e Martelli (2013), para diminuir a distância entre as próprias experiências das instituições participativas e o conhecimento efetivo que se produz sobre seus efeitos.
Instituições participativas: mecanismos de controle e participação social
Com a aproximação dos cidadãos na tomada de decisões sócio-políticas no país, bem como as mudanças ocorridas em relação aos processos democráticos, fez-se necessário instituir mecanismos de participação social no ciclo de desenvolvimento das políticas públicas. Para tanto, foram criados espaços públicos de discussões denominados Instituições Participativas, que possibilitam a participação da sociedade civil nos rumos políticos.
Esses desenhos institucionais se diferenciam em alguns aspectos quanto à obrigatoriedade e a forma em que a participação se constitui na relação entre Estado e sociedade civil. Quanto à obrigatoriedade tem-se que o OP não é exigido por lei, apesar de ter bons exemplos de sua aplicação em algumas cidades do Brasil e do mundo. Podem ser adotados diversos mecanismos de discussão e participação por meio presencial ou eletrônico, ampliando-se desta forma as possibilidades de exercício deste direito. Já o PDM é exigido por lei, para municípios com mais de 20 mil habitantes ou integrantes de regiões metropolitanas e aglomerações urbanas, assim como para cidades com áreas de especial interesse turístico, situados em locais de influência de empreendimentos ou atividades com significativo impacto ambiental na região ou no país (Vieira e Silva, 2011). Quanto aos conselhos, constituem-se normalmente como órgãos públicos de composição paritária entre Estado e sociedade, são criados por lei, regidos por regulamento interno aprovado em plenário, alguns podem ser de caráter obrigatório, uma vez que o repasse de recursos está vinculado à sua existência, podendo exercer atribuições deliberativas, consultivas, fiscalizadoras e/ou mobilizadoras (Gomes, 2003; Buvinich, 2014).
Quanto à forma de participação social, no PDM, a população é convidada a participar das discussões, sejam por audiências públicas, plebiscitos, dentre outros meios, sobre os objetivos e estratégias de investimentos públicos ou privados, que poderão ser implementados no local (Vieira e Silva, 2011). Já no OP, a sociedade civil é chamada para discussão orçamentária, de forma que a implantação dos recursos aconteça conforme a deliberação sobre as necessidades locais. No que concerne ao ambiente dos Conselhos, a participação social fica condicionada ao seu regimento, onde é estabelecida a sua composição.
Os conselhos atuam nas mais diversas vertentes, como na saúde, educação, transporte, meio ambiente, cultura, dentre outras áreas (Gomes, 2003), desde o âmbito municipal até o federal possibilitam à população adentrar os espaços destinados a tomada de decisão política e ao controle social por meio de um sistema de vigilância sobre a gestão pública, resultando em maior cobrança e prestação de contas do executivo (Gomes, 2003; Martins, Ckagnazaroff e Lage, 2012). Entretanto, Vizeu e Bin (2008) apontam que nem sempre os conselhos são espaços de construção coletiva e igualdade político-participativa entre seus membros, visto que o governo pode utilizá-lo para apresentar propostas prontas.
No que se refere ao OP, em assembleias organizadas com o intuito de tomar decisões a seu respeito, os cidadãos participam com os funcionários da Administração Pública para negociarem sobre a alocação de gastos relacionados a novos investimentos de capital em projetos como escolas, hospitais e pavimentação de vias públicas (Abers, 2000; Baiocchi, 2005; Nylen, 2003; Wampler, 2008). É vivenciado em centenas de municípios brasileiros e já foi testado em cidades da Argentina, França, Espanha e diversos países, reconhecido internacionalmente como uma inovação democrática (Fedozzi, 2008, 2007; Avritzer e Navarro, 2003).
O PDM por sua vez, está estabelecido como dispositivo para conduzir a política de desenvolvimento e de ordenamento da expansão urbana municipal e para promover a aproximação entre população e Governo. O plano pode contemplar aspectos políticos, econômicos, financeiros, sociais e territoriais, proporcionando um ambiente de debate sobre as estratégias de intervenção na cidade, com a elaboração do Estatuto da Cidade, impondo a participação direta dos cidadãos por meio de estímulos pelo poder público (Estatuto da Cidade, 2002). Logo, o PDM pode ser definido como o principal instrumento de planejamento e de gestão das políticas urbanas municipais (Nascimento e Machado, 2009) e como mecanismo de captação de recursos públicos e privados para o investimento em diversas áreas nos municípios.
Efetividade das instituições participativas: participação social e deliberação
Apesar da participação social ser um processo complexo relacionado ao grau de consciência política, organização e mobilização social, pode evidenciar a construção social de realidades por meio dos discursos, para a compreensão de eventos sociais e orientação à ação. Deste modo, a população necessita de espaços para expor seus anseios na formulação de políticas públicas, visto que, a aproximação entre sociedade e Governo local possibilita o exercício da cidadania política e favorece a implementação de medidas pelo Poder Público. Cabe ao Estado, conforme Ferreira Filho (2011), a responsabilidade de estimular a participação no espaço público, legitimando desta forma a consolidação da democracia, onde o povo é governante e exerce a cidadania ativa. A participação, para ser legitimada, deve ser voltada para a conquista da cidadania, abrangendo o envolvimento do próprio indivíduo na construção da realidade que deseja. Assim, o processo democrático se baseia na vontade daqueles que serão afetados pelos resultados da intervenção (Ferreira Filho, 2011).
A participação social passou a se tornar mais atuante com a Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Souza (2010) aponta que há uma crise de legitimidade da democracia representativa, proporcionada pela expansão das democracias participativa e deliberativa, principalmente a partir do reconhecimento da Carta Magna a respeito das IP’s. Estas são consideradas mecanismos de melhoria no processo de participação, deliberação e representação, peças chaves para a qualidade dos processos democráticos e também no aprimoramento das políticas públicas (Fung, 2006; Almeida, 2014).
Ao passo que as IP’s se disseminam pelo país, a literatura cada vez mais aponta seus limites como alternativa à representação e põe em debate a efetividade destas instituições (Pires, 2011). Para Pires e Nebot (2013), a efetividade é a capacidade que as IP’s têm de atingir os efeitos desejados, ou seja, se em um dado momento a comunidade interessada é convidada a participar da deliberação a respeito das políticas públicas de seu interesse, mesmo que as decisões tomadas sejam posteriormente mal direcionadas pelo governo, sua finalidade foi alcançada. Avritzer (2011) por sua vez, defende a necessidade de analisar até que ponto as instituições, envolvidas nos processos decisórios de políticas em diversos setores, efetivamente contribuem ou exercem influência na tomada de decisão.
A análise da efetividade das IP’s é importante não apenas para o aprofundamento deste processo, mas sobretudo da própria justificativa de funcionamento, atuação e sustentabilidade política. Estas instituições tem o propósito de estreitar os laços entre Estado e cidadãos, visto que haja percepção destes atores sobre estas instâncias como canais efetivos e legítimos para tanto (Pires et al., 2011). Dada a importância de se analisar a efetividade das IP’s, Pires et al. (2011: 358) aponta que não existe consenso em relação aos tipos de resultados a serem alcançados, nem dos elementos que se deve considerar para operacionalizar a qualidade do processo de deliberação. Os autores complementam que também não há consenso para padrões e/ou modelos ideais, que definam “estratégias que operacionalizem análises sobre as relações entre as IP’s, as variáveis que lhes afetam a existência e o funcionamento, bem como, por último, os resultados que elas podem apresentar”.
No entanto, podemos entender a efetividade como a capacidade das IP’s em promover a participação social e a deliberação nos processos de formulação, implementação e monitoramento das políticas públicas nas áreas de interesse, dando condições para que os cidadãos tenham acesso e decidam os rumos dos bens e serviços públicos para a comunidade no qual estão inseridos. Ainda, o diálogo deve ocorrer em termos de igualdade política, esperando-se das autoridades governamentais a garantia da isonomia quanto ao acesso as informações e a legitimidade para representar os interesses locais por parte das associações da sociedade civil organizadas (Oliveira, Pereira e Oliveira, 2010).
Diante das informações apresentadas, faz-se necessário entender os procedimentos metodológicos no qual os dados foram submetidos a fim de alcançar o objetivo proposto nesta pesquisa.
Procedimentos metodológicos
Para atender ao objetivo proposto de analisar a efetividade das IP’s, em termos de participação social e deliberação, foi realizado o levantamento da literatura já tornada pública em relação ao tema de estudo. Optou-se por priorizar o portal Scientific Periodicals Eletronic Library (SPELL) para o levantamento documental. Este portal foi selecionado por organizar a produção científica proveniente de diferentes periódicos das áreas de Administração, Administração Pública, Contabilidade, Economia, Engenharia e Turismo e por facilitar a localização de estudos através da definição de critérios específicos de busca.
Feito isso, foi realizado um levantamento bibliográfico envolvendo artigos científicos, livros, dissertações, teses, dentre outros documentos publicados no portal, que possuíssem em seu título as palavras “Conselho Gestor, Orçamento Participativo e Plano Diretor Municipal”, tanto no singular, como no plural. Apesar de possuírem o mesmo propósito –aproximar os cidadãos das decisões políticas referentes a questões de ordem social–, estes três instrumentos de participação popular apresentam três variáveis que as diferenciam: formas distintas de inserção da população nas deliberações (desenho institucional); na maneira como as associações da sociedade civil se organizam nas áreas a serem discutidas; e o interesse político da Administração Pública em implementar a política participativa, conforme verificado por Avritzer (2008). Tais fatores motivaram a escolha destas instituições para esta pesquisa, já que em cada contexto a efetividade pode se dar de formas variadas.
Para delimitar a busca, estabeleceu-se o recorte temporal compreendido entre os anos de 1988 a 2015, devido ao fato das mudanças ocorridas no país após a Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 e que foram determinantes para a evolução das IP’s. O procedimento de coleta de dados constituiu-se da apreciação dos documentos encontrados e na seleção daqueles que abordassem características de efetividade em seu conteúdo, visando assim, identificar relatos ou apontamentos sobre a efetividade das IP’s.
A análise dos dados se fez por meio da codificação de evidências em categorias e agrupados por tema de forma que permitisse encontrar possíveis vinculações. Para tanto, recorreu-se ao estudo realizado por Oliveira, Pereira e Oliveira (2010), que avaliou os conselhos gestores como instrumentos de democracia deliberativa local, a partir de três categorias de efetividade. A primeira delas retrata a organização formal, que diz respeito aos procedimentos internos e ao desenho institucional. A segunda descreve o processo deliberativo em si, abrangendo a participação e as rotinas de argumentação e acordo entre os atores. Por último, e não menos importante, se encontram as relações institucionais de efetividade, que se referem ao elo institucional dos conselhos com os segmentos sociais e o poder público.
Assim, as categorias de análise são as mesmas propostas por Oliveira, Pereira e Oliveira (2010), a saber: Organização Formal, Processo Deliberativo e Desenho Interinstitucional. Essas categorias são compostas por diversas variáveis, relacionadas às condições de efetividade, com as devidas adaptações para a expansão do instrumento de análise para os PDM e para os OP, conforme pode ser observado no Quadro 1:

Os achados serão apresentados por categoria de análise, contendo as informações levantadas nos documentos analisados. A divisão proposta por Oliveira, Pereira e Oliveira (2010) permitiu que os autores identificassem em sua pesquisa os elementos substantivos que caracterizam a dinâmica deliberativa nos Conselhos Gestores Municipais, possibilitando concluir ou não a respeito de sua efetividade enquanto arena participativa. Tais categorias possuem pressupostos metodológicos que podem contribuir também para a avaliação da efetividade dos Orçamentos Participativos e dos Planos Diretores Municipais, por meio do alinhamento conceitual proposto com as características encontradas na bibliografia pesquisada.
Dada a análise caracterizada como descritiva (por descrever a produção científica com base nas categorias apresentadas), auxiliada pela abordagem quantitativa - ao permitir que maior atenção seja dirigida às regularidades presentes nos dados coletados para o desenvolvimento da pesquisa, a segunda parte da análise se direcionou a abordagem qualitativa. O intuito consistiu em apreender os apontamentos sobre os aspectos concernentes à qualidade do processo participativo na efetividade das IP’s, presentes nos documentos analisados, preocupando-se com o aprofundamento da compreensão dos significados e características apresentados.
Resultados e discussões
Apresentação e análise dos resultados
Para que se pudesse proceder a análise da efetividade das IP’s precisava-se inicialmente levantar o quantitativo de artigos que retratassem sobre os três instrumentos estudados. Foram encontrados no periódico Spell, para o período de 1988 a 2015, o total de 35 artigos, sendo 10 relacionados aos Conselhos Gestores, 14 sobre Orçamentos Participativos e 11 retratavam os Planos Diretor Municipal.
Entretanto, apenas 14% (5) do total dos artigos levantados trataram da efetividade como objeto de estudo, em termos de participação, gestão e controle social (Gráfico 1). Constata-se que pouco se discute em termos de efetividade nos estudos sobre conselhos, e principalmente, sobre os planos diretores e orçamentos participativos. As obras se atem a analisar o funcionamento dos órgãos sem ter como cerne de pesquisa a efetividade destas instituições. Desta forma, recorreu-se ao estudo de Oliveira, Pereira e Oliveira (2010) para encontrar nos resultados dos artigos as características específicas que pudessem levar à efetividade das IP’s.
A partir de então, verificou-se que 24 artigos dos 35 levantados apresentavam as características de efetividade, sendo que 10 retratavam sobre Conselhos Gestores, 9 a respeito de Orçamentos Participativos e 5 sobre Plano Diretor Municipal. O Gráfico 1 mostra a relação entre os valores encontrados para cada IP.

O próximo passo foi a classificação dos artigos de acordo com o objetivo do estudo em questão, a partir da discussão entre os autores sobre as categorias e variáveis de efetividade citadas. A relação das variáveis que foram tratadas nos estudos pode ser verificada no Quadro 2:

A característica “articulação social” esteve presente em todos os artigos utilizados (24), representando 9,5% em relação a ocorrência total de variáveis encontradas. A presença relevante dessa característica nos estudos pode estar relacionada a questão da busca pelo entendimento sobre como ocorre o processo de participação social nas IP’s e a importância do exercício ativo da sociedade na esfera pública. Em contrapartida, a característica “distribuição interna de funções” foi a menos explorada pelos autores, abarcando apenas 3,6% do somatório de variáveis. Observa-se que este tipo de distribuição propicia a autonomia dos participantes, possibilitando minimizar a ação de grupos de interesse e designações compulsórias de membros. A baixa ocorrência desta variável pode apontar o desinteresse por parte dos pesquisadores ou a dificuldade em percebê-la, principalmente no caso dos orçamentos em que a modalidade de participação da sociedade civil pode ocorrer de forma aberta e não por representantes de um órgão, como ocorre nos conselhos. Deste modo o OP tende a inibir os entraves decorrentes da distribuição interna de funções, por ter etapas de participação aberta a todos os cidadãos.
A seguir, serão tratadas as condições de efetividade de acordo com o modelo prescrito por Oliveira, Pereira e Oliveira (2010).
Condições de efetividade – organização formal
Nessa condição de efetividade busca-se encontrar os elementos formais das IP’s, que resguardam os princípios da dialogicidade e de igualdade política entre as partes. A essência da democracia deliberativa é a formação de decisões coletivas por meio do diálogo entre indivíduos politicamente iguais.
Inicialmente, pode-se verificar que a característica natureza dos órgãos esteve presente em 92% dos artigos pesquisados. Para Buvinich (2014) esse fator é classificado de acordo com a forma de intervenção do órgão, ou seja, a sua capacidade ou influência decisória. O empoderamento estrutural ou político pelos cidadãos favorece e viabiliza o engajamento, a co-responsabilização e o controle social (Carvalho e Araújo, 2011; Kleba e Comerlatto, 2011; Gurgel e Justen, 2013; Buvinich, 2014; Macedo, Villela, Nascimento e Costa, 2015). Porém, segundo Oliveira, Pereira e Oliveira (2010), podem ocorrer desarticulações caso os representados deixem as escolhas apenas nas mãos dos seus representantes, minando dessa forma a capacidade decisória dos órgãos.
Em relação aos mecanismos de instituição, Oliveira e Pereira (2014) afirmam que a existência legal dos órgãos, a amplitude de seus regimentos e a presença de regras preestabelecidas constrangem possíveis ações arbitrárias pelo governo, que por muitas vezes resiste em acatar deliberações contrárias à sua vontade (Teixeira, 2005; Costa, 2010; Gomes, 2015). Franzese e Pedroti (2005), ao tratarem do OP, descrevem que por vezes não há um dispositivo que garanta o cumprimento dos compromissos assumidos durante as assembleias. Martins, Ckagnazaroff e Lage (2012) analisaram informações a respeito do regimento interno dos conselhos gestores de saúde e perceberam que alguns não possuem e outros estão em desacordo com a legislação, prejudicando assim sua autonomia.
A representatividade e a paridade estão diretamente relacionadas as eleições dos representantes e delegados, levando-se em consideração a capacidade crítica e argumentativa, os vínculos comunitários e as virtudes públicas, bem como a interrupção dos mandatos, quando falta assiduidade, compromisso e legitimidade dos representantes (Vieira e Silva, 2011; Ronconi, Deberti e Mattia, 2011; Oliveira e Pereira, 2014; Buvinich, 2014; Gomes, 2015). Os autores ainda relatam que elas não devem apenas ser representadas como igualdade numérica entre sociedade e governo nas esferas de discussão, mas sim apresentar condições equânimes de acesso a informações essenciais para o processo deliberativo.
Oliveira, Pereira e Oliveira (2010) discutem também sobre a distribuição interna de funções, citada em apenas 38% dos artigos estudados. Esta característica pode resguardar a instituição participativa em relação às práticas que visam prejudicar a isonomia das decisões, como por exemplo a escolha de nomes ou designação compulsórias em cargos estratégicos na gestão local, garantindo posições-chave (Coelho, Dallagnelo e Kanitz, 2014; Oliveira e Pereira, 2014; Macedo et al., 2015). De acordo com Ronconi, Deberti e Mattia (2011), muitos conselhos têm apenas ratificado as decisões já tomadas pelo governo, o que acaba privilegiando suas escolhas em detrimento do interesse coletivo.
Quanto a autonomia deliberativa, verificouse que esta é relacionada as capacidades física, gerencial e financeira das IP’s. Autores como Franzese e Pedroti (2005), Teixeira (2005) e Carvalho e Araújo (2011), apontam que é de fundamental importância a independência das instituições em relação ao governo, pois, a falta de secretaria executiva e estrutura administrativa própria, leva a dependência de recursos do Estado, prejudicando dessa forma a sua gestão independente.
Para o entendimento e transmissão dos ritos deliberativos e funcionalidades da instituição para os participantes que são leigos, faz-se necessário recorrer a procedimentos pedagógicos por meio da troca de informações, que possa expor os limites e potencialidades, as questões históricas dos setores, a legislação correlata e aos procedimentos de formulação, gestão e controle das políticas sociais (Oliveira, Pereira e Oliveira, 2010). Para exemplificar, o estudo de Santiago, Loch e Walkowski (2008) sobre o PDM em Florianópolis, relata que a fase de revisão contou com o lançamento de uma cartilha, de linguagem mais acessível, como meio de envolver os cidadãos no processo. Esta característica é importante, pois incentiva o diálogo entre representantes e representados, melhora o processo de discussões deliberativas e também viabiliza ações intersetoriais (Kleba e Comerlatto, 2011; Buvinich, 2014; Macedo et al., 2015).
Condições de efetividade – processo deliberativo
Para que os órgãos sejam considerados instrumentos de democracia deliberativa, esta condição deve ser satisfeita, por meio de três conjuntos de fatores assim determinados: “a) a garantia de procedimentos democráticos de argumentação e deliberação; b) a promoção da cidadania deliberativa; e c) a compreensão das nuanças da participação e o estímulo à sua forma política” (Oliveira, Pereira e Oliveira, 2010).
O respeito ao processo deliberativo referese à consolidação dos processos democráticos de deliberação, possibilitando que a fala e o posicionamento das partes sejam prioridade, reduzindo com isso as censuras e autocensuras que poderiam surgir nas discussões. Em seu estudo, Martins, Ckagnazaroff e Lage (2012) verificaram que alguns relatórios não foram submetidos a apreciação dos conselhos, prejudicando assim a sua deliberação, favorecendo as decisões tomadas pelo governo. Em contrapartida, Costa (2010), ao estudar o OP, acredita na legitimação da gestão participativa quando ocorre a apresentação das demandas sociais e a consequente deliberação das ações públicas necessárias.
Segundo Oliveira, Pereira e Oliveira (2010) a linguagem de esclarecimento e interação é importante para divulgar as informações, bem como os saberes e discursos especializados, técnicos ou burocráticos. A forma como são difundidas as informações públicas aos participantes reduz a assimetria informacional quando elas são evidenciadas de forma clara e didática, possibilitando a deliberação e fundamentação de consensos racionais, para que com isto não sirvam de instrumentos de poder ou exclusão dos representantes (Carvalho e Araújo, 2011; Coelho, Dallagnelo e Kanitz, 2014; Oliveira e Pereira, 2014; Buvinich, 2014; Gomes, 2015; Macedo et al., 2015).
Outra variável descrita refere-se ao acesso as pautas nas reuniões, presente em 63% dos artigos. Estas, segundo Oliveira e Pereira (2014), precisam estar abertas a assuntos propostos pelos representantes, pelas organizações sociais e também pelo poder público. O controle de pautas nas reuniões possibilita que os múltiplos atores possam dialogar e incorporar temas relevantes que possam surgir, evitando que o governo local se utilize de manobras para atender a interesses próprios (Kleba e Comerlatto, 2011; Vieira e Silva, 2011; Coelho, Dallagnelo e Kanitz, 2014).
Os atores e suas diversas visões devem estar abertos ao diálogo, para que possam influenciar por meio dos discursos e argumentações, cooperando para que soluções coerentes sejam viabilizadas (Carvalho e Araújo, 2011; Gurgel e Justen, 2013; Gomes, 2015; Macedo et al., 2015). É nesta variável que encontramos a cidadania deliberativa, que, nas palavras de Kleba e Comerlatto (2011), é responsável estabelecer como prioridade o consenso válido, efetivado por pressupostos comunicativos a partir da participação social ativa e solidária, que decidirá os rumos de sua comunidade.
Para que as demandas sejam discutidas nos espaços, faz-se necessário a conexão entre representados e representantes. De acordo com Costa (2010) e Oliveira e Pereira (2014), os representantes devem ser porta-vozes das necessidades levantadas pela sua comunidade, exercendo de fato o papel de articulador nas esferas públicas de discussão. Segundo Kleba e Comerlatto (2011), não há lugar para autopromoção e muito menos alienação a respeito das propostas governamentais, já que a preocupação com os assuntos a serem tratados vão além dos interesses pessoais.
Oliveira, Pereira e Oliveira (2010) descrevem que é importante o vigor do engajamento social no processo deliberativo dentro das esferas públicas, refletindo-se, desta forma, no poder de contestação pública. Para Franzese e Pedroti (2005), ao estudar o OP, a dinâmica das plenárias nas esferas de discussão representam um espaço no qual a população fala livremente e de fato expõe suas preferências a seu representante. Esse processo favorece experiências de tomada de decisão política e de enfrentamento de conflitos, fortalecendo a capacidade de intervenção das IP’s (Kleba e Comerlatto, 2011).
Um elemento indispensável é a figura do representante dotado de capacitação técnica e política para refletir a respeito das informações divulgadas, ter capacidade para conduzir as propostas sociais e atuar no controle social, favorecendo a redução da assimetria de informações (Costa, 2010; Freitas e Andrade, 2013; Oliveira e Pereira, 2014). Em seu estudo, Freitas e Andrade (2013) verificaram que a falta de representantes capacitados prejudica o entendimento sobre políticas públicas, bem como o papel principal do conselho na comunidade. Teixeira (2005) ao analisar o PDM de Santo André em São Paulo, dispõe que deve se iniciar um processo de capacitação de técnicos e moderadores para encaminhar as discussões públicas, antes mesmo de abrir o debate público. Já Kleba e Comerlatto (2011) destacam que a falta de conhecimento técnico pode acarretar a cooptação dos representantes pelo governo por serem alvos fáceis e possuírem limitação na atuação do controle social.
Condições de efetividade – relações interinstitucionais
As condições interinstitucionais descritas pelos autores relacionam-se ao papel de atuação das IP’s como esferas públicas, bem como a sua capacidade enquanto instrumentos de democracia deliberativa nas relações com segmentos sociais (sociedade civil organizada) e poderes públicos locais.
A primeira característica desta condição de efetividade, citada em todos os artigos pesquisados, diz respeito a articulação social, onde a sociedade precisa exercer a cidadania ativa, não regulada, interagindo nos espaços públicos para exigir a transparência das ações do Estado, a coerência e a viabilidade dos programas públicos. Para que isso ocorra, Oliveira, Pereira e Oliveira (2010) apontam que os representantes necessitam de poder para definir e avaliar as políticas públicas, especialmente as de caráter social.
Por meio da contestação pública, os representantes precisam mudar sua postura em relação a práticas e concepções que possam gerar passividade e legitimação de atos e discursos prontos do poder público, compreendendo o funcionamento das estruturas e rotinas estatais (Carvalho e Araújo, 2011; Buvinich, 2014; Oliveira e Pereira, 2014; Gomes, 2015).
Para que a concretização e continuidade das decisões tomadas ocorra, as instituições precisam estabelecer relações com o poder público, de tal forma que eles sejam fontes fundamentais de informações, percepções e soluções (Costa, 2010; Kleba e Comerlatto, 2011; Oliveira e Pereira, 2014). O poder executivo não pode subestimar as ideias e deliberações ocorridas nas esferas de discussão, muito menos destituí-los de sentido, autonomia gerencial e recursos.
Segundo Ronconi, Deberti e Mattia (2011), ao tratar do CG, algumas decisões tomadas podem ultrapassar os limites das instituições e encontram dificuldades para se realizarem, cabendo neste caso manter relações com o poder legislativo para que este transforme suas ideias ou resoluções em leis municipais. Vieira e Silva (2011), ao estudar o PDM em Caruaru, complementa que o município avança na decisão participativa ao propor um processo permanente e articulado de execução e acompanhamento de ações, por meio da criação de órgãos internos que caminhem para a efetivação e integração do processo de gestão democrática e de planejamento participativo. Outro importante órgão é o Ministério Público, que deve fiscalizar as ações dos órgãos públicos em relação as decisões proferidas pelas instituições. Entretanto, ele também deverá viabilizar o controle social sobre a própria instituição (Giacomoni, 1994; Costa, 2010; Kleba e Comerlatto, 2011; Oliveira e Pereira, 2014; Macedo et al., 2015).
Qualidade no processo participativo
A literatura publicada na década de 1980 aposta no protagonismo da sociedade civil nos espaços públicos (Ronconi, Debetir e Mattia, 2011). No entanto, a literatura mais recente, tem como desafio verificar a efetividade da participação social nestas instâncias, que por vezes não é atingida, fazendo com que esses espaços sejam meros ratificadores de decisões já tomadas pelo governo.
No caso dos conselhos gestores, Ronconi, Debetir e Mattia (2011) apontam que normalmente o que é decido nos conselhos acaba por não ter caráter deliberativo, por não ser colocado em prática pelo poder executivo. O fato caracteriza conflito de interesse no que dispõe a sociedade e o que poder político deseja executar.
Já Macedo et al. (2015) observaram que há ausência de diálogo entre o poder público e a sociedade civil. O autor acrescenta que falta estímulo e oportunidades por parte do poder público para que os conselheiros possam, de fato, serem sujeitos participativos.
Além disso, conforme Ronconi, Debetir e Mattia (2011) existe disparidade de informações entre os conselheiros representantes do Estado e da sociedade. Essa assimetria é causada principalmente pelo aparato burocrático disponível aos conselheiros representantes do poder público. O que pode fazer com que os cidadãos se enganem quanto a melhor alternativa para o atendimento de seus interesses (Franzese e Pedroti, 2005), comprometendo o processo.
Outros desafios e limites enfrentados pelos conselhos referem-se a sua criação para a garantia de repasses de outras esferas, à partilha do poder, à exigência de qualificação técnica e política dos conselheiros, à rotatividade da representação nesses espaços, à falta de clareza do papel da representação e ao compartilhamento de projeto político participativo e democrático (Ronconi, Debetir e Mattia, 2011).
Apesar das dificuldades para o funcionamento efetivo dos CG, estes são espaços de encontro entre Estado e sociedade, podendo ser considerados canais institucionalizados de participação, o que possibilita uma forma de controle social no qual a sociedade tem a oportunidade de participar nos rumos das políticas públicas sociais (Buvinich, 2014; Freitas e Andrade, 2013; Ronconi, Debetir e Mattia, 2011).
No caso do OP, Pase (2003) o destaca como uma das melhores experiências de gestão dos recursos públicos com participação de cidadãos. No entanto, segundo o autor, essa afirmação será verdadeira conforme o método de avaliação adotado. Quando a análise é feita sobre a concepção de que o OP é uma ferramenta de gestão do Estado que possibilita o acesso de todos os cidadãos ao debate, a decisão e à fiscalização de investimentos a serem realizados pelo orçamento municipal, a afirmação será correta. De outro modo, o autor argumenta que quando a análise é voltada para o OP, enquanto espaço de decisão, sob o aspecto dos participantes enquanto demandantes de ações do Estado, a avaliação pode ser outra. A rotatividade dos participantes nas rodadas do OP, por exemplo, pode ser observada no momento em que o cidadão possui sua demanda atendida, o que pode representar a desmotivação do cidadão para continuar participando de demais reuniões.
Dentre os fatores que proporcionam o desinteresse continuado dos cidadãos está o gasto com deslocamento, o tempo dispendido para as reuniões e o conhecimento mínimo necessário para a discussão da peça orçamentária. A principal razão para que isso ocorra é a dificuldade do gestor público de proporcionar recursos suficientes para realizar investimentos, atrair os cidadãos e os motivarem a dar continuidade no processo (Pase, 2003). O esvaziamento destas instituições, cujo funcionamento fica sujeito às iniciativas que excedem a abrangência da instituição, dão espaço para a predominância de grupos de interesses (partidários, individuais e/ou empresariais). Não obstante, o mesmo entrave pode ser observado na dinâmica dos conselhos e dos planos diretores. Em relação a elaboração de PDM, deve-se buscar a manutenção de um elevado grau de participação política entre seus variados atores (Vieira e Silva, 2011). Segundo Santiago, Loch e Walkowski (2008), em cada município brasileiro a sociedade civil atua de um modo, frente ao PDM. Os autores expõem, que a metodologia participativa gerou envolvimento da comunidade em determinado município e em outro não. A participação e o envolvimento com o planejamento participativo através do PDM devem ocorrer de modo amplo e conjunto entre todos os atores envolvidos no município (Vieira e Silva, 2011). A discussões a respeito da revisão do plano, em alguns municípios ainda é carente da participação da população, mas aos poucos a comunidade vai percebendo a possibilidade de realmente participar do processo (Santiago, Loch e Walkowski, 2008).
Destarte que as práticas participativas são, ainda, marginais na cultura política nacional, muito há o que se fazer para que possam ser totalmente institucionalizadas (Costa, 2010). Porém, apesar das limitações, a ampliação dos espaços públicos representa um avanço para a participação social no país, promovendo maior aproximação entre o Estado e a sociedade civil.
Conclusão
Este estudo buscou analisar as instituições participavas como mecanismos efetivos de participação social no Brasil após a Constituição Federal de 1998. Entretanto, constatou-se nos artigos levantados que a maioria dos estudos feitos se atêm apenas a descrever o funcionamento dessas instituições, sendo que poucos verificam de fato sua efetividade.
As IP’s são instrumentos de democracia deliberativa e propiciam a participação social e a aproximação entre sociedade e governo local. Assim, fica clara a potencialidade da participação no redirecionamento das ações do governo às questões de maior relevância, conforme prioridades locais. Porém, as fragilidades dessa participação são visíveis diante da falta de capacitação da sociedade civil e de condições estruturais para contribuir de forma equivalente aos atores governamentais, principalmente quando estes detêm informações privilegiadas.
Diante do problema de pesquisa proposto que se fundamenta em como as características existentes na produção científica brasileira sobre IP’s podem colaborar para a verificação da efetividade destes espaços de participação enquanto instrumentos de democracia deliberativa, as dimensões de efetividade estudadas apresentam condições de se verificar as inovações institucionais, que concentram elementos que possam assegurar o protagonismo de atores sociais e governamentais. Todavia, a desinformação da sociedade e os elos frágeis entre representantes e representados, podem comprometer a democracia deliberativa. A desarticulação social e o oportunismo governamental, que posiciona suas demandas à frente do interesse público, contribuem para esse fato.
Verificou-se que as instituições, quanto à qualidade no processo participativo, não corresponde na prática à capacidade de atingir os efeitos desejados, devido a problemas como a desinformação da sociedade a respeito da cidadania, o desinteresse do governo em incentivar a participação social, os conflitos, a burocratização destes espaços e o esvaziamento destas instituições, cujo funcionamento fica sujeito às iniciativas que excedem a abrangência do conselho, dando espaço para a predominância de grupos de interesses.
Desta forma, a sociedade civil precisa ocupar de forma efetiva esses espaços públicos de debate e articulação das políticas, tornando-os, de fato, locais de participação, debate e controle em prol da coprodução dos serviços públicos, aumentando a qualidade e a eficiência do bem e/ou serviço público.
Conclui-se que as IP’s são consideradas peçaschave no processo de participação, deliberação e representação nos processos democráticos, porém, para que possam funcionar de forma efetiva, faz-se necessária maior mobilização dos cidadãos e fomento por parte do governo à participação social nas decisões políticas - conforme prevê a Constituição de 1988, com o intuito de fortalecer a democracia e propiciar ao cidadão a oportunidade de construir a realidade que almeja e de exercer de fato sua cidadania.
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Notas