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AVALIAÇÃO INSTITUCIONAL PARTICIPATIVA E A BUSCA DA QUALIDADE DA ESCOLA: LIMITES E POTENCIALIDADES DA PARTICIPAÇÃO ESTUDANTIL
AVALIAÇÃO INSTITUCIONAL PARTICIPATIVA E A BUSCA DA QUALIDADE DA ESCOLA: LIMITES E POTENCIALIDADES DA PARTICIPAÇÃO ESTUDANTIL
Olhar de Professor, vol. 23, pp. 01-20, 2020
Universidade Estadual de Ponta Grossa
Recepção: 01 Janeiro 2019
Aprovação: 31 Dezembro 2019
Resumo: Este artigo analisa limites e possibilidades de participação dos estudantes no processo de pactuação da qualidade da escola pública favorecidas por políticas democráticas, como é o caso da Avaliação Institucional Participativa – AIP, implementada nas escolas de ensino fundamental da Rede Municipal de Educação de Campinas/SP. A pesquisa foi realizada em três escolas escolhidas a partir de um estudo exploratório de eventos organizados pela política de AIP, viabilizadores da participação dos estudantes no processo de reflexão da qualidade da escola. Os dados indicam que as escolas têm se organizado para garantir o princípio da participação dos estudantes na Comissão Própria de Avaliação - CPA, mas evidenciamos que ainda existem aspectos que precisam ser compreendidos, a fim de possibilitar uma participação para além de espaços como a CPA, e assim promover uma formação que contribua de fato para que os estudantes se envolvam com a vida da escola.
Palavras-chave: Avaliação Institucional Participativa, Qualidade Educacional, Participação Estudantil.
Abstract: This article analyzes limits and possibilities of students’ participation in the agreement process of quality public school favored by democratic policies, as in the case of Participative Institutional Evaluation (Avaliação Institucional Participativa – AIP), implemented in the elementary schools of the Municipal Education Campinas/SP. The research was carried out in three schools selected from an exploratory study of events organized by the AIP policy, which are enablers of students’ participation in the process of reflecting on the quality of the school. The data indicate that schools have been reorganizing themselves to ensure the principle of student participation in the CPA (Comissão Própria de Avaliação – Self-evaluation Commission). However, it was made evident that there are still dimensions that require deeper understanding in order to enable further participation beyond spaces such as CPA, and thus promote a formal education that de facto contributes to the involvement of students in school life.
Keywords: Participative Institutional Evaluation, Quality Education, Student Participation.
Resumen: Este artículo analiza los límites y las posibilidades de la participación estudiantil en el proceso de adecuación de la calidad de la escuela pública favorecidas por políticas democráticas, como es el caso de la Evaluación Institucional Participativa – EIP, implementada en las escuelas primarias de la Red Municipal de Educación de Campinas/SP. La investigación fue realizada en tres escuelas, seleccionadas a partir de un estudio exploratorio de eventos organizados por la política de EIP, permitiendo a los estudiantes participar en el proceso de reflexión sobre la calidad de la escuela. Los resultados indican que las escuelas se han organizado para garantizar el principio de participación de los estudiantes en la Comisión Propia de Evaluación – CPE, pero evidenciamos que todavía existen aspectos que deben ser analizados, a fin de facilitar una participación más allá de los espacios como el CPE, y así promover una formación que contribuya al hecho de que los estudiantes se involucren con la vida escolar.
Palabras clave: Evaluación Institucional Participativa, Calidad Educacional, Participación Estudiantil.
NOTAS INTRODUTÓRIAS: CONTEXTUALIZAÇÃO DA PESQUISA
Nas últimas três décadas, a política de avaliação externa tem regulado as escolas de forma a exigir delas a produção de uma qualidade, quase sempre, restrita à obtenção de um dado numérico e desgarrada das condições concretas de produção de seu trabalho. Entendemos que essas políticas, ao realizarem uma regulação vertical, se alinham aos interesses do mercado e induzem a competição entre sujeitos, escolas e redes de ensino numa concepção em que a comparação, o ranqueamento e a meritocracia se configuram como a mola propulsora para o alcance da qualidade educacional. Para Sordi (2012, p. 6),
Este modelo induz alterações na forma de organização escolar, sobretudo nas dinâmicas curriculares que são pensadas para atender às expectativas de aprendizagem contidas nas matrizes de referência. Sem muito esforço se percebe o viés da reprodução no projeto da escola que se submete aos interesses do capital. A responsabilização é imediata punindo os atores internos e externos da escola.
Diante desse cenário, faz-se necessária a efetivação de projetos comprometidos com a defesa de uma educação pública que contribua com a emancipação pedagógica e social dos estudantes e com alternativas que, por dentro desta escola que temos (FREITAS, 2010a), resistam propositivamente contra a naturalização da lógica excludente de organização escolar e, assim, reforcem a luta pela construção da escola pública de qualidade socialmente referenciada.
Nessa perspectiva, o presente estudo é um recorte de uma pesquisa que analisou as diferentes formas de participação dos estudantes no processo de pactuação da qualidade da escola pública favorecidas por políticas democráticas, como é o caso da Avaliação Institucional Participativa – AIP, implementada nas escolas de ensino fundamental da Rede Municipal de Educação de Campinas/SP. A AIP foi institucionalizada em dezembro de 2008, como política pública da Rede, em 42 escolas do Ensino Fundamental e, posteriormente, em mais duas, perfazendo um total de 44 escolas1. Na Rede Municipal de Campinas/SP a AIP,
[...] insurge, no início da primeira década deste milênio, como uma questão problematizadora, na efervescência que tomava assento nas discussões travadas nacionalmente e internacionalmente acerca da necessidade de os sistemas educacionais se avaliarem, para traçar metas e ações em prol da qualidade do ensino público (MENDES, 2011, p. 116-117).
Nesse formato, a AIP foi defendida como instrumento valioso na produção de melhoria da educação pública. Para isso, a política, necessariamente, deve considerar as condições concretas em que as escolas trabalham e os compromissos que assumem para buscar sua qualificação e assegurar a aprendizagem dos alunos. É um processo que luta pela valorização da escola a partir daqueles que fazem a escola, pois, sem os sujeitos, que concretizam o trabalho na escola, não há mudança na educação (SORDI, 2009).
De acordo com o Plano de Avaliação Institucional da Rede Municipal de Campinas/SP, cada escola deveria constituir uma Comissão Própria de Avaliação:
A CPA será constituída por um representante de cada segmento da UE: gestão, professores, alunos, funcionários e pais. Estes representantes serão indicados pelo Conselho de Escola da UE, preferencialmente, sendo membro do próprio Conselho de Escola. O OP será membro nato da CPA, como apoiador, qualificando o debate. Após, constituída, os membros da CPA deverão eleger um coordenador, para organizar as reuniões e as ações dos membros da CPA (PREFEITURA MUNICIPAL DE CAMPINAS, 2007a, p. 9).
Instituída pela RESOLUÇÃO SME nº 05/2008, a Comissão Própria de Avaliação - CPA é concebida como um espaço colegiado, interdisciplinar, representativo dos segmentos da escola; ou seja, direção, professores, funcionários, estudantes e famílias. Entendemos que a defesa da participação, ainda que por representação, de todos os segmentos, inclusive daqueles que histórica e ideologicamente foram silenciados das ações de planejamento da vida escolar, sinaliza para uma tentativa de reconfiguração da função da educação formal.
Nesse sentido, a AIP pode ser entendida como expressão de responsabilização participativa e se constitui como alternativa aos modelos hegemônicos de avaliação externa (SORDI, 2012). Por ser uma das alternativas de resistência propositiva, tende a somar esforços e contribuir com o processo de qualificação da escola pública; isso, quando concebida como possibilidade de:
I. Instigar os sujeitos a voltar o olhar para a realidade da escola para identificar seus problemas e, principalmente, propor soluções, exercitando, assim, a dimensão formativa da avaliação.
II. Exercitar a dimensão democrática das relações estabelecidas no interior da escola.
III. Reafirmar o compromisso e a responsabilidade do poder público com a qualidade da educação como um bem público a serviço do social.
IV. Relocalizar a concepção de participação essencial ao exercício democrático das relações educacionais e à formação emancipatória.
V. Ressignificar o princípio formativo da escola pública, pois, ao defender a participação dos estudantes no processo de construção da qualidade da escola, concebe-os como sujeitos de seu processo formativo numa perspectiva política emancipatória.
Entendemos que, por meio dessa avaliação, os sujeitos que produzem a realidade escolar se conscientizam de seu compromisso social e se capacitam para reagir e interpretar o que a realidade revela, além de organizarem o trabalho visando à aprendizagem/formação dos alunos.
A luta por uma escola pública de qualidade esbarra em interesses diversos e a qualidade da educação pública não pode ser apenas uma opção das instituições de ensino, mas um compromisso referenciado em políticas e ações concretas. Nesse sentido, uma política que prima pela qualidade da educação em um município deve, necessariamente, se organizar para garantir tal qualidade.
Nessa perspectiva, o estudo, realizado no intuito de identificar como AIP, implementada em 2008 como política na Rede Municipal de Educação de Campinas/SP, possibilitou ao segmento estudantil participar das discussões sobre a qualificação da escola, teve como fonte inicial para a coleta dos dados o ambiente em que se desenvolveram atividades diretamente ligadas a esta política, qual seja, encontros organizados pela política de AIP. A observação, nesses encontros, constituiu a fase exploratória da pesquisa e resultou na escolha das três escolas de Ensino Fundamental onde realizamos a imersão, com o objetivo de ver de perto o que interfere positiva ou negativamente na aprendizagem da participação e no que os estudantes consideram escola de qualidade.
Assim, neste artigo, discutimos e analisamos os dados encontrados no cenário de três escolas da Rede Municipal de Campinas/SP, identificando as semelhanças e diferenças entre elas no que se refere à participação dos estudantes e suas contribuições ao processo de qualificação da escola.
Para analisar as semelhanças e diferenças entre as escolas, fizemos a triangulação (MINAYO, 2005) dos dados obtidos a partir das observações, grupos de discussão (entrevistas) e análise documental das três instituições selecionadas e, trouxemos para esse trabalho, as análises a partir das categorias: origem social; participação dos estudantes na CPA/AIP e empecilhos à participação dos estudantes na organização do trabalho pedagógico da escola e na CPA.
Não queremos, neste trabalho, referendar que a CPA é o elemento que faltava para acentuar ou possibilitar a participação dos estudantes nas escolas de Ensino Fundamental. Mas, como é a estratégia utilizada no processo de AIP para fomentar a avaliação do trabalho desenvolvido pela escola, julgamos ser importante a compreensão da forma como o segmento estudantil se organizou para participar do processo de pactuação da qualidade da escola e, sobretudo, de como a Rede/escola proporcionou e entendeu sua participação.
Não acreditamos que é apenas na CPA que deve acontecer o envolvimento/comprometimento dos estudantes com as questões relacionadas à escola; pelo contrário, se o princípio da participação não estiver presente no projeto da instituição escolar, no jeito como seus sujeitos se relacionam, ele vai se manifestar também nos alunos como algo não natural. Por outro lado, quando a participação não faz parte da organização da escola, as instâncias que versam sobre esse princípio, como é o caso da AIP/ CPA, tendem a defender esse valor para, pelo menos nesse espaço, ter potência para instigar as pessoas a pensar diferente para criar outros mecanismos possibilitadores do envolvimento dos estudantes.
Ao fazer a triangulação dos dados, intentamos destacar os avanços encontrados, os limites e, a partir destes limites, refletir sobre a necessidade de as escolas reorganizarem seu trabalho e resistirem propositivamente na defesa de uma formação que tem como princípio máximo a emancipação humana.
O estudo foi orientado pela concepção de que a participação dos estudantes faz sentido e pode colaborar para a melhoria do trabalho desenvolvido pela escola quando, em sua organização, a auto-organização estudantil se institui como um dos princípios formativos. Defender a formação dos sujeitos que constituem a escola pública, a partir da categoria da participação referenciada no princípio da auto-organização2, e negar a formação para submissão, pode parecer uma proposta utópica e que caminha na contramão de políticas meritocráticas, que exigem cada vez mais das escolas, de seus profissionais e estudantes a produção da excelência para atender e sobreviver à lógica mercadológica.
Entendemos ser necessário defender uma escola pública que resista a essa lógica e que se posicione de fato a favor de uma educação que garanta aos seus alunos a apropriação de conhecimento científico, a compreensão das tramas que circundam a lógica da sociedade em que vivemos e a condição para lutar por sua emancipação social.
AVALIAÇÃO INSTITUCIONAL PARTICIPATIVA: COMPROMISSO COM UMA ESCOLA DE QUALIDADE
Nas últimas três décadas, temos vislumbrado mais intensamente discussões sobre os problemas que circundam a educação no Brasil em todos seus níveis, e a necessidade de os sistemas educacionais definirem ações que contribuam para a qualificação de seu trabalho. No bojo dessas discussões, a avaliação tem-se configurado como elemento de regulação da qualidade, induzindo a implementação de políticas em diferentes concepções. Destacamos, de um lado, o modelo centrado na lógica do controle externo de responsabilização vertical e meritocrática, que induz à competição e ao ranqueamento dos sistemas de ensino e, de outro lado, os modelos comprometidos com a mobilização interna das unidades escolares para efetivo diálogo e negociação com os sistemas de ensino, numa lógica de responsabilização participativa (SORDI, 2012).
Na lógica da responsabilização vertical e meritocrática, geralmente, a qualidade na Educação Básica tem-se restringido aos resultados divulgados pelo sistema de avaliação externa, em larga escala, em que o rendimento do aluno determina o desempenho da escola/sistema de ensino e seus profissionais, quase sempre, são culpabilizados por esse desempenho. Nesse caso, a avaliação exerce nas escolas e em boa parte de seus indivíduos, força indutora na direção de posturas de acatamento acrítico das normas e padrões estabelecidos e, normalmente, gestados no nível central do sistema e do país.
Se, de um lado, a avaliação-controle se fortaleceu a partir dos anos 90 ou da década da avaliação, como ficou conhecido esse período, por outro, vislumbramos, nos últimos anos, estudos como o de Freitas et al. (2009), que defende ações propositivas comprometidas com uma lógica de avaliação, na contramão da qualidade restrita aos resultados demonstrados em testes estandardizados, denominada de Avaliação Institucional Participativa - AIP.
Vale destacar que a participação, ao mesmo tempo em que potencializa essa prática avaliativa, configura um de seus limites. Segundo Leite (2005, p. 123),
Avaliação Participativa pode resultar em uma prática retórica e mal articulada, inconsequentemente e intermitentemente, que não avalia o todo institucional. A Avaliação participativa pode fazer emergir radicalismos e autoritarismos, pois a palavra avaliação inclui a palavra poder e este pode ter diferentes usos.
Nesse contexto, a regulação posta pelo poder público, via avaliação externa, encontra, na escola, por meio da avaliação institucional, um movimento de contrarregulação (FREITAS, 2005b) em que os problemas e as possibilidades de resolução são negociados constantemente. Sob esse aspecto, assim se expressa Freitas:
A avaliação institucional deve, portanto, ser o ponto de encontro entre os dados provenientes tanto da avaliação dos alunos feita pelo professor, como da avaliação dos alunos feita pelo sistema. Ambos falam de um único sujeito: o aluno, a verdadeira figura central da escola (FREITAS, 2009, p. 45).
Sob essa ótica, faz-se necessária a mobilização da escola pública para a negociação da qualidade do trabalho que realiza. Para Bondioli (2004, p. 14-15), a busca pela “qualidade implica uma forma de negociação entre sujeitos, com vista a um acordo que resulte em um trabalho produtivo”. Nessa direção, a qualidade tem uma natureza negociável, participativa, autorreflexiva, contextual, processual, transformadora e formadora, e por isso, o embate entre os diferentes pontos de vista, ideias e interesses são entendidos como recursos e não como ameaça ao processo de avaliação institucional (BONDIOLI, 2004). Para a autora, qualidade é entendida como:
[...] sinônimo de competência, de excelência, de eficácia, de correspondência às exigências que o sistema político e os usuários da sociedade impõem a essas instituições, é algo extremamente necessário que, mesmo no falar comum relativo à educação extradomiciliar de pequenos e grandes, assumiu uma importância nova e relevante. Não se trata de um termo isolado: ele vem, de fato, associado ao de avaliação, da qual se torna objeto, e a locução avaliação da qualidade é, de agora em diante, uma tarefa que interessa a todos os que estão relacionados a pessoas em formação, em um ambiente, com responsabilidade, em conformidade com projetos formadores (BONDIOLI, 2004, p. 54).
Desse ponto de vista, a avaliação institucional não pode ser entendida como cumprimento de exigências burocráticas e, sim, como um movimento em que a instituição se coloca comprometida com o trabalho desenvolvido e, por isso, se organiza coletivamente para enxergar seus problemas, definir as ações possíveis para solucionar tais problemas e tomar decisões da melhor maneira possível. Consoante com Bondioli (2004), se a avaliação não possibilitar um processo de repensar, reorganizar e renovar, ela se reduz ao desempenho de uma ação burocrática, perdendo “todo o seu valor e o seu sentido, que é o de colocar-se a serviço de um projetar cada vez mais consciente, assumido e passível de renovação” (BONDIOLI, 2004, p. 146).
É, portanto, nessa dimensão negociável, que o Projeto Pedagógico – PP é compreendido, não como um documento burocrático que, após ser elaborado, protocolado, é engavetado como se não servisse e não fizesse sentido para a instituição. Num processo de avaliação institucional, o Projeto Pedagógico assume um significado negociável pelo qual a escola e o poder público estabelecem um “pacto” a favor da qualidade daqueles que diretamente são impactados pelo trabalho. Nesse processo, todos os sujeitos, internos e externos à escola, definem compromissos e responsabilidades recíprocas (BONDIOLI, 2004). Nesse pacto negociável,
[...] o órgão público distribui o financiamento tendo avaliado uma promessa do órgão gestor de garantir a qualidade educativa da rede [...] de acordo com as linhas escolhidas de maneira autônoma (o projeto pedagógico); o órgão gestor compromete-se, então, a realizar o que prometeu no documento programático. Não se trata, de modo algum – é bom enfatizar –, de uma simples transação comercial, mas de um processo “em espiral”, cujo processo de autorregulação e de crescimento deve ser confiado a dispositivos de verificação e avaliação (BONDIOLI, 2004, p. 28).
Sob esse enfoque, fica claro que a liberdade da escola em definir ações e tomar decisões está atrelada ao dever de tornar público seu compromisso social com o direito à educação e com a aprendizagem dos alunos. Para tanto, a instituição coletivamente se organiza para se autoavaliar e autoconhecer os problemas detectados bem como seus avanços, ou seja, para a realização de uma avaliação que convoca a instituição a garantir o direito dos alunos aprenderem. A AIP, nessa condição, é vista como um:
[...] processo de apropriação da escola pelos seus atores, não na visão liberal da “responsabilização” pelos resultados da escola como contraponto da desresponsabilização do Estado pela escola, mas no sentido de que seus atores têm um projeto e um compromisso social, em especial junto às classes populares e, portanto, necessitam, além desse compromisso, do compromisso do Estado em relação à educação. O apropriar-se dos problemas da escola inclui um apropriar-se para demandar do Estado as condições necessárias ao funcionamento dela. Mas inclui, igualmente, o compromisso dos que fazem a escola com os resultados dos seus alunos. A esse processo bilateral de responsabilização, chamamos “qualidade negociada” (FREITAS, et al., 2009, p. 36).
Vale ressaltar que a concepção de Avaliação Institucional, no presente trabalho, não se limita a responder demandas burocráticas, mas é uma concepção que se compromete com a análise coletiva dos problemas identificados na instituição educacional e suas possíveis soluções. Tem a participação, a prática coletiva e a qualidade como princípios norteadores do trabalho pedagógico.
Consideramos que muitos fatores podem interferir diretamente na aprendizagem dos alunos, a saber: o tipo de formação dos educadores; a realidade na qual a escola está inserida; o nível socioeconômico dos alunos; a infraestrutura da escola; a organização de seu trabalho; seu projeto político pedagógico; o currículo escolar; o uso ou não por parte dos professores dos recursos disponíveis na escola ou a falta deles (biblioteca, laboratório de informática, quadra esportiva, parque, brinquedoteca); o investimento financeiro.
Ante essas questões, “o aluno é penalizado, tanto pela sua realidade social, quanto pelo seu contexto escolar menos estimulador” (SOARES; ANDRADE 2006, p. 75) e por esse motivo, esses fatores devem ser discutidos e problematizados no processo de AIP de uma escola que se compromete com a garantia do direito dos estudantes de aprender.
A AIP deve, portanto, instrumentalizar política e pedagogicamente a escola para realizar a contrarregulação (FREITAS, 2005b) em função de uma educação de qualidade. Isso, por entendermos que
As crianças precisam de uma escola pública de boa qualidade. E a resposta a este chamamento social não pode prescindir da participação dos atores da escola. A saída é aprender a avaliar de um modo que nos faça sentido e assim, desestabilizar a cultura avaliativa que nos desconforta, pela proposição de uma outra alternativa (SORDI, 2009, p. 11).
Ainda na concepção de Sordi (2009), para que ocorra a mudança, as pessoas precisam: admitir a pertinência do projeto educacional que materializam; participar com responsabilidade e compromisso social da concretização desse projeto; perceber-se com alguma governabilidade sobre a realidade da escola; conceber a mudança desde dentro, ou seja, construir a escola de dentro para fora e não ficar apáticas e neutras aceitando, naturalmente, o que lhes é imposto pelas políticas públicas.
A QUALIDADE DA ESCOLA NA PERSPECTIVA DOS ESTUDANTES: LIMITES E POTENCIALIDADES DA AIP
A qualidade tem sido um vocábulo evocado por diferentes concepções e, no caso da educação, nas três últimas décadas, ela se materializou em políticas regulatórias, tendo a avaliação como a peça chave para evidenciar tal qualidade. Nesse aspecto, reafirmamos que a Avaliação Institucional Participativa – AIP pode se constituir como uma alternativa de consolidar a qualificação da escola pública num contexto em que tem sido demanda da escola a produção de qualidade pelo viés mercadológico.
Entendemos que a AIP, em seus princípios, evidencia o compromisso com essa educação, quando defende processos participativos possibilitadores da inclusão e do comprometimento de diferentes sujeitos sociais com os problemas da escola pública, bem como com as possíveis soluções. Nos limites deste artigo, trouxemos uma síntese dos dados coletados junto aos sujeitos diretos de nossa pesquisa: estudantes das três escolas observadas. A escolha dos estudantes, para entrevistas nos grupos de discussão3, procurou garantir que entre eles estivessem representados:
• estudantes do 6º ao 9º ano do ensino fundamental4;
• os que participavam e os que não participavam das CPAs;
• os que, no decorrer das observações, ao dialogarem informalmente com a pesquisadora, revelaram maior ou menor proximidade com as atitudes e opiniões relacionadas aos problemas vividos pelas escolas5.
A opção por dialogar com representantes dos estudantes na CPA e alunos que não faziam parte da CPA se justificou, inicialmente, pelas queixas apontadas pelos representantes de não conseguirem dialogar com os demais alunos por falta de interesse desses, ou seja, por revelarem uma possível dificuldade em ampliar as discussões CPA/segmento representado. Enfim, uma possível lacuna na participação por representação. Tais queixas se fizeram presentes tanto nas conversas com os estudantes nos encontros de CPA organizados pela política de AIP, como nas conversas com os representantes nas escolas observadas.
As entrevistas possibilitaram o confronto entre o discurso e a prática, e maior compreensão das condições e potencialidades da participação dos estudantes nos processos de discussão sobre as questões concernentes à melhoria das escolas.
Nas três escolas públicas municipais pesquisadas, os alunos partilham da questão de serem filhos das classes trabalhadoras, de viverem na periferia da cidade e de, muitas vezes, não terem acesso a muitas oportunidades de lazer e da cultura considerada pela sociedade burguesa como ideal, como é o caso de teatro, museu e cinema.
Na sociedade burguesa, a cultura idealizada pela classe dominante, muitas vezes, é entendida como sinônimo de cultura agregadora de conhecimento erudito, formal. Entretanto acreditamos que qualquer povo, independente de sua origem social, é, ao mesmo tempo, produtor e consumidor de cultura.
A questão da cultura foi uma marca forte da escola Beta, que, em seus projetos, evidenciou a necessidade de a escola desenvolver ações que contribuíssem para a valorização da cultura dos alunos, manutenção destes dentro da escola, os afastassem das ruas e, essencialmente, do mundo das drogas, conforme indica o quadro 1.
Acreditamos ser fundamental um trabalho que consiga de fato valorizar as experiências e vivências dos alunos que, em virtude de um capital econômico inferior, têm também um capital cultural considerado pela cultura dominante como inferior.
Entretanto, somos intransigentes na defesa de que a ênfase na valorização da cultura dos estudantes não pode se restringir ao acesso à escola nem tampouco representar a negação do direito de apropriação do conhecimento científico, formal, clássico.
Além disso, tal defesa se compromete com a desnaturalização da dualização presente na realidade educacional brasileira, que concebe como normal, numa sociedade de classes, a existência de escolas para ricos e para pobres. Entendemos que essa naturalização (GENTILI; ALENCAR, 2005; FREITAS 2005a) pode colaborar para acentuar, por meio da organização do trabalho das escolas, as desigualdades culturais, pedagógicas e formativas daqueles que economicamente já vivem em condições desiguais.
Tal realidade se materializa na homogeneização presente nas políticas de avaliação sistêmica, que, por desconsiderarem as diferentes realidades sociais e educacionais, avaliam as escolas com um mesmo critério e exigem delas um patamar único de qualidade. Consequentemente, temos a ampliação de práticas educacionais em que a “avaliação-controle remanesce e tem convocado professores a dar conta, e bem, de seu trabalho. Responsabilizá-los, unilateralmente, pelos resultados dos estudantes obtidos nos exames nacionais de desempenho é uma constante” (SORDI, 2012, p. 2).
Essa lógica avaliativa, por desconsiderar a origem social, a desigualdade econômica e cultural dos estudantes, se vale
[...] de sanções à equipe escolar toda vez que esta não atinge os padrões de desempenho e metas fixados externamente tendem a naturalizar determinadas concepções de educação e induzem mudanças no interior das redes de ensino que penalizam, sobretudo, os segmentos socialmente vulneráveis e que mais precisam de uma escola pública comprometida com uma qualidade socialmente pertinente (SORDI, 2012, p. 2).
A triangulação da origem social dos alunos das três escolas nos levou a concluir que os estudantes da Emef Delta vivem num contexto de vulnerabilidade social mais acentuado do que os das outras duas escolas. Pais e filhos envolvidos com drogas e álcool, roubo, agressividade, violência doméstica são os principais problemas que circundam a realidade de boa parte dos estudantes.
Esse contexto de vulnerabilidade social aumenta o desafio do projeto de AIP, pois, mediante os limites postos pela desigualdade e injustiça social em que se encontra boa parte dos estudantes, as escolas precisam se organizar para garantir, por meio do seu trabalho, oportunidades mais efetivas de inserção e emancipação social.
Sabemos que a escola sozinha não faz toda diferença na formação dos estudantes, porém, por ser parte intrínseca da vida, ela precisa garantir-lhes o direito de reconstruir a vida da melhor forma possível (PISTRAK, 2003). Para isso,
[...] a escola deve educar as crianças de acordo com as concepções, o espírito da realidade atual; esta deve invadir a escola, mas invadi-la de uma forma organizada; a escola deve viver no seio da realidade atual, adaptando-se a ela e reorganizando-a ativamente (PISTRAK, 2003, p. 33).
Ao fazer isso, a escola deixa de ser um espaço ideologicamente organizado para assegurar a formação dos grupos mais favorecidos e se constitui como espaço de formação que possibilita ao povo se preparar para uma “atuação social mais ativa e crítica” (CALDART, 2004, p. 11).
Para isso, a existência de projetos que carreguem o compromisso de desvelar e resistir às desigualdades impostas pela lógica da sociedade de classe é fundamental. Projetos estes comprometidos com a transformação pessoal e social pelos quais a escola pública, ao se organizar como espaço político de emancipação humana, garante aos sujeitos participarem ativamente da organização do trabalho pedagógico, para além da dimensão burocrática.
Entendemos a educação como uma ação político-social, não neutra, com objetivos claros que podem tanto contribuir para a modificação ou a manutenção da realidade atual. Nesse sentido, a instituição educacional é de fundamental importância, pois pode cooperar com a formação de pessoas/trabalhadores passivos, limitados, bem como de pessoas/trabalhadores completos (PISTRAK, 2003).
Por isso, projetos que se comprometem com a defesa de uma escola pública de qualidade, como é o caso da AIP, são vitais para a constituição da escola como espaço de contrarregulação (FREITAS, 2005b), pois, ao instigar a comunidade escolar a perseguir a qualidade social, tende a se organizar e lutar por um projeto que objetive a formação para o exercício pleno da cidadania. Para isso, faz-se necessária a concretização de uma avaliação de fato formativa.
A AIP, ao ser defendida como uma das possibilidades das unidades de ensino se reorganizarem a partir das necessidades locais, para dialogar com o poder público, buscando a qualidade social, concebeu a CPA como estratégia de relocalização da participação da comunidade, interna e externa, na consolidação dessa qualidade.
Nas três escolas observadas, identificamos, ainda na fase de exploratória6, ou seja, de observação dos eventos organizados pela política de AIP, a presença efetiva de estudantes nas CPAs das escolas desde o início de sua formação, o que se confirmou com as observações in loco (Cf. Quadro 2).
continua
Fonte: Elaborado pela pesquisadora a partir dos dados coletados na pesquisa
conclusão
Fonte: Elaborado pela pesquisadora a partir dos dados coletados na pesquisaPercebemos, na organização da CPA, que as escolas Alfa e Delta, de 2008 a 2011, se utilizaram de diferentes estratégias para a escolha do representante estudantil, ao passo que Beta optou por escolher os representantes de classe por meio de eleição entre os pares.
Identificamos que essa estratégia contribuiu para que os estudantes entrevistados soubessem da existência da CPA e da representação estudantil nela. Em nosso entendimento, isso sinalizou para um estreitamento da relação entre representante/CPA e demais estudantes, diferente das outras duas escolas em que boa parte dos entrevistados demonstrou dúvidas sobre a CPA/representação estudantil.
Em relação às estratégias utilizadas por Alfa e Delta, entendemos que, incialmente, as duas trabalharam com a mesma concepção, pois utilizaram o critério do bom aluno. Alfa manteve esse critério também nos anos de 2009 (convite aos mais próximos) e 2010, quando definiu a produção de um texto explicando as motivações da participação. Delta, por sua vez, tentou modificar, em 2009, escolhendo os representantes, mas, em 2010, retomou o critério, acrescentando outro elemento que, em nossa visão foi complicado – “bons alunos deveriam convidar alunos problemáticos” –, pois contribuiu para acentuar a competição entre os estudantes.
O destaque na concepção utilizada por essas duas escolas está relacionado a uma dimensão da avaliação que, em nossa percepção, circunda a prática pedagógica, a saber, a avaliação informal. A avaliação informal tende a definir o investimento que a escola e seus profissionais fazem nos estudantes e a relação deles com os demais colegas. Nesse jogo de relações, conscientes ou não, começa a ser definido o destino dos alunos para o sucesso ou fracasso (FREITAS, 2004), para participar ou não participar, para se envolver ou não com sua formação e com a vida da escola.
Aparentemente, essa concepção/prática da escola pode parecer algo neutro e/ou inofensivo. Entretanto, como temos observado ao longo deste trabalho, a escola organizada na lógica burguesa guarda, em seus princípios, elementos que podem acentuar a exclusão num contexto em que boa parte dos sujeitos das escolas públicas já são socialmente excluídos. A avaliação informal constitui um desses elementos.
Nesse sentido, acreditamos que uma unidade de ensino, ao implementar uma política que tem como princípios a participação, o trabalho coletivo, a emancipação, precisa levar em conta as práticas pedagógicas que caminham na contramão desses princípios, pois, no bojo de política neoliberal, a escola não deveria contribuir com o acentuamento das desigualdades em seu interior, por meio de práticas que tendem a perpetuar fundamentos de seleção, classificação, competição e segregação.
Um aspecto que, em nosso parecer, tem concorrido para acentuar práticas homogeneizadoras nas escolas é o fato destas se subordinarem passivamente à tirania dos exames de larga escala e se organizarem para responder aos resultados que lhes são demandados, independentemente dos investimentos feitos e das condições que podem contribuir ou não para possibilitar tais resultados. Segundo Sordi, a lógica presente nestes fundamenta-se num modelo hegemônico de avaliação que,
[...] alinha-se com uma visão empresarial, utilitarista onde o que contam são os resultados, a busca de uma eficácia baseada em indicadores quantitativos que expressam interesses técnicos em detrimento aos fatores de contexto e às condições objetivas de trabalho e de vida dos profissionais da educação e dos estudantes. Defende a neutralidade na análise do processo de produção da qualidade escolar e não fomenta valores democráticos [...]. Em nome da racionalidade instrumental o modelo se organiza de modo vertical, inflexível e produtivista. A pressão pelos resultados possibilita inúmeros vieses afetando os processos decisórios da escola e ou redes de ensino (SORDI, 2012, p. 7).
Entendemos que essa homogeneização tende a perpetuar a divisão do trabalho, pois ao ser relegada a permancer na escola, muitas vezes, sem dominar o conhecimento sistematizado, a juventude aprende relações importantes à manutenção do capital, como as relações de subordinação.
Nesse contexto, defender uma educação pública de qualidade, socialmente referenciada como direito de todos indistintamente e dever do Estado, é defender uma reivindicação e, principalmente, uma necessidade da classe trabalhadora e, por isso, se opor a toda e qualquer prática de exclusão.
Uma formação referenciada na valorização dos estudantes na vida da escola deve, portanto, formar crianças e adolescentes para o desenvolvimento de atividades comprometidas com a valorização socioindividual. Para isso, o estudante precisa ter condições de participar como membro da coletividade, consciente de sua responsabilidade no conjunto das instâncias e pessoas também responsáveis pelo desenvolvimento do trabalho na escola.
Percebemos, nas três escolas, a participação formal (LIMA, 1988), ou seja, presença dos estudantes nas instâncias possibilitadoras da participação. Entretanto, se quisermos que os estudantes compreendam verdadeiramente a importância da participação de todos os segmentos na melhoria da escola, não podemos nos limitar a dizer a eles que devem participar porque é importante e podem ajudar. Eles precisam participar de fato, envolver-se nas discussões, ter espaço para se posicionarem e serem respeitados pelo que falam, aprendendo, assim, a negociar ideias e posições.
Assim, convencer-se-ão da vivência concreta das vantagens e da importância da participação, pois, em termos de concepção, os estudantes das três escolas entendem a necessidade de estar presente nas reuniões da CPA e sinalizam para as aprendizagens dessa participação. Aprendizagens que vão desde o plano pessoal, de formação política, até às aprendizagens que dizem respeito à vida coletiva, à relevância da melhoria do lugar em que estudam.
Outro destaque que merece atenção está relacionado ao papel da Orientadora Pedagógica - OP nesse processo formativo. Apenas os estudantes das escolas Beta e Delta fizeram referência à OP como a pessoa responsável por contribuir e fortalecer a participação deles nas atividades propostas pela AIP, como é o caso das reuniões da CPA. Confirma-se, assim, a função desse profissional na orquestração de uma política que o elegeu como o membro da equipe gestora responsável pela articulação da avaliação institucional na escola (SORDI, 2011).
Por outro lado, uma educação que prima pela participação de todos os segmentos na vida da escola reclama por uma gestão democrática em que a ação caminhe para a concretização da vida coletiva. Nesse sentido, entendemos que, além do profissional responsável pela articulação das atividades, no caso aqui em estudo, a OP, os demais profissionais precisam se envolver no sentido de possibilitar a concretização de projetos que se esmeram na melhoria da escola. Tal aspecto foi identificado na Emef Alfa, com o envolvimento de toda a gestão e demais profissionais com o desenvolvimento das atividades da CPA.
Por fim, vale ressaltar que, além de garantir formalmente a adesão dos estudantes em instâncias responsáveis pela discussão de ações que objetivam a melhoria da educação, cabe à escola orientar crianças e adolescentes para que participem das discussões de maneira ativa e consciente, pois, assim, compreenderão a importância da atuação individual e coletiva na qualificação do trabalho pedagógico. Inclusive, organizando-se em instâncias para além das definidas formalmente para acontecer essa participação, ou provavelmente, conseguindo concretizar o que Pistrak definiu como a auto-organização dos estudantes.
Todavia, identificamos nas três escolas aspectos arraigados em sua organização de trabalho pedagógico que, em nosso entendimento, dificultam a consolidação de práticas participativas e, evidentemente, de políticas como da AIP, que primam por esse princípio. São eles:
• Concepção de participação: prática autoritária e burocrática, aprendizagem acontece por meio do treinamento.
• Participação indireta (LIMA, 1988), por meio da escolha de representantes, própria da democracia representativa.
• Cultura frágil da participação.
• Participação passiva (LIMA, 2001).
• Concepção de representante (sala, CPA): bom exemplo a ser seguido, o melhor estudante.
• Didatização da participação e centralização no professor/proposta da escola (paradigama tradicional): ensina como deve participar e, nem sempre, possibilita a vivência concreta da participação.
• Dificuldades de representação: legalidade, mas não representatividade.
• Desvalorização e descrença na participação por parte de profissionais e estudantes como possibilidade de contribuir com as mudanças na escola.
• Permanência de práticas pedagógicas que tendem a tolher a participação estudantil: silenciamento, autoritarismo, desrespeito.
• Prática pedagógica da escola: preparação para a vida - separada da materialidade da vida e fechada em metodologias diretivas e fragmentadas, inclusive, de participação (PISTRAK, 2003).
• Forte presença da avaliação informal: comparações, práticas tradicionais e meritocráticas.
• Desvalorização do estudante como sujeito do processo formativo.
Olhando para esses aspectos, podemos afirmar que a lógica ainda presente nas escolas observadas constitui empecilho à concretização da política de AIP. De acordo com o documento que norteou sua implementação, os princípios básicos deste modelo de avaliação são “a qualidade negociada entre as escolas e o poder público e a participação solidária entre todos os segmentos envolvidos com a unidade escolar” (PREFEITURA MUNICIPAL DE CAMPINAS, 2007, p. 4).
A AIP, ao convocar todos os segmentos para identificar os problemas presentes na escola e a partir deles levantar soluções e ações que contribuam para a melhoria das práticas ali desenvolvidas, defende a lógica participativa de responsabilização (SORDI, 2012). Contudo, a efetivação dessa responsabilização tende a se concretizar, quando, de fato, todos os segmentos se envolverem no processo de avaliação e funcionamento da escola, demandando do poder público aquilo que está sob sua responsabilidade.
O quadro 3 traz o resumo dos elementos que dificultam a participação dos estudantes na organização de trabalho da escola e da CPA, ajudando-nos a compreender aspectos que podem se constituir como obstáculos à concretização de políticas e projetos educacionais comprometidos com a construção de uma educação pública de qualidade socialmente referenciada. Compreender os empecilhos a essa participação pode ser uma das alternativas de desvelar a lógica que dificulta a consolidação de uma escola pública de qualidade e, também, de resistir propositivamente na luta por essa qualidade.
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Fonte: Elaborado pela pesquisadora a partir dos dados coletados na pesquisaAcreditamos que concepções e práticas norteadas pela lógica burguesa de educação, em que o estudo da vida e da realidade, quase sempre, acontece limitado às disciplinas escolares, concorrem para o desenvolvimento de uma prática pedagógica distante da concretude da vida e, obviamente, tende a artificializar, por meio da didatização, projetos que carregam em seus princípios a necessidade do envolvimento concreto com a vida da escola, como é o caso da AIP.
Todavia, a presença de projetos como esse em escolas com concepções e práticas como as apresentadas no decorrer deste estudo, contribui para instaurar, na escola, a contradição entre a naturalização (GENTILI; ALENCAR, 2005; FREITAS, 2005a) de uma organização que, historicamente, colaborou para acentuar a diferença entre escolas de ricos e de pobres e a necessidade de resistir propositivamente e garantir aos estudantes das escolas públicas, inclusive aos da periferia, a emancipação educacional e social.
Acreditamos que, se a escola se organizasse na perspectiva da realidade atual, o trabalho por ela desenvolvido seria um “elemento social e social-formativo, ou seja, (uniria) ao redor de si todo o processo educativo-formativo” (PISTRAK, 2009, p. 132). Além disso, primaria por uma formação intimamente ligada ao princípio da participação e poderia possibilitar a auto-organização.
Insistimos na importância da participação dos sujeitos na construção da escola de qualidade, por acreditarmos que, sem o envolvimento daqueles que constituem a escola, projeto como o da AIP, comprometido com a ressignificação dos objetivos formativos da escola pública, tende a ser absorvido por aqueles que fazem a escola não como um elemento de emancipação social, mas como uma estratégia burocrática de realização do trabalho pedagógico.
Nesse contexto, a defesa por projetos como a AIP evidencia a tentativa de “construir possibilidades superadoras dos limites encontrados na atual forma de organização da escola” (FREITAS, et. al., 2009, p. 38) e, principalmente, a opção ético-política de nos colocarmos na luta pela consolidação de uma escola pública referenciada num projeto educativo emancipatório.
Reafirmamos a ideia de que esse processo não deve ser pensado de forma a comparar as escolas da rede entre si em busca das melhores práticas, mas enseja o reforço da gestão democrática e da participação como pilar da política, instrumentalizando os estudantes para se pronunciarem em defesa da melhoria da escola e de seu processo formativo.
É por isso que, olhando de um ponto de vista da gestão participativa, não basta dizer que a participação dos alunos na gestão das escolas «é uma aprendizagem da cidadania», mas, mais do que isso, a participação dos alunos na gestão das escolas «é uma condição essencial para a própria aprendizagem». Isto não significa que se minimizem os efeitos educativos da formação cívica e pessoal inerente à vivência democrática que a participação dos alunos na gestão proporciona. Mas que, para além destas razões educativas, é preciso reconhecer aos alunos o direito de interferirem na organização do seu próprio trabalho, em parceria com os outros trabalhadores, no respeito das suas competências próprias e de um modo ajustado à sua idade e esfera de influência (BARROSO, 1996, p. 12).
Diante do exposto, consideramos que haja razões para defendermos a experiência aqui analisada e reafirmarmos a necessidade de continuarmos resistindo propositivamente ante a naturalização da concepção ainda dominante de estudante como “‘produto’ do trabalho dos professores e da actividade da escola” (BARROSO, 1996, p. 11). Todavia, precisamos continuar resistindo propositivamente, para, assim, encontrar possibilidades a esta formação.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A defesa da AIP assumida neste trabalho é com a possibilidade de resistir propositivamente à regulação externa centrada em um modelo de responsabilização vertical e meritocrática, em que a qualidade é determinada pelo desempenho do sistema de ensino e de suas escolas nas avaliações sistêmicas.
Em nossa concepção, a AIP se baseia em um modelo que se compromete com a mobilização interna e externa das escolas, em busca da negociação e qualificação de seu trabalho. Respaldada por uma responsabilização participativa, incentiva a comunidade escolar a identificar seus problemas e pensar soluções, objetivando, assim, a qualidade do trabalho desenvolvido pela escola.
Nesse sentido, concebemos a AIP como resistência propositiva numa época em que a vida coletiva tem sido cada vez mais anulada em função de interesses individuais. O elemento que nos aproximou desse modelo avaliativo relaciona-se à capacidade de participação de todos os segmentos na construção da qualidade da escola pública, inclusive dos estudantes.
Com a realização deste estudo, identificamos que as três escolas pesquisadas são reguladas por uma política de AIP que prima pela participação de todos seus segmentos, têm a potencialidade de melhorar seu trabalho e, assim, buscar contribuir de maneira mais efetiva com a formação de seus estudantes.
Acreditamos que a participação, por se constituir como o elemento de qualificação dessa política, potencializa o envolvimento de todos os segmentos com as questões relacionadas à melhoria da escola/educação. Nesse processo, a AIP busca sensibilizar os sujeitos envolvidos a olhar os problemas a partir da realidade de cada escola e do seu entorno social. O intuito de consolidar o aspecto formativo da avaliação, após identificar os problemas da AIP, por meio das reuniões de CPA, instiga cada Emef a discutir coletivamente e propor alternativas tanto no plano interno (demandar da escola e de seus sujeitos), como no plano externo (demandar do poder público), para resolvê-los, consolidando, assim, o princípio da negociação.
Acreditamos que, sem a participação dos alunos sobre a qualidade do ensino e sem o diálogo destes com gestores, professores, funcionários e famílias, as escolas dificilmente se avaliarão de forma profícua, pois “[...] a apreciação dos alunos, talvez não para cada professor individualmente, mas sobre a qualidade global do ensino é um contributo válido e importante para o processo de avaliação” (MACBEATH, et al. 2005, p. 152).
Por isso, experiências como a da AIP constituiu-se como alternativa que cooperou para retirar os estudantes, ainda que por representação, do “mundinho da sala de aula/disciplinas pedagógicas/escola”, auxiliando-os a entender as questões que influenciam a vida da escola, sua formação e, principalmente, fortalecendo-os para o retorno a esse “mundinho”. E, quem sabe assim, no lugar de alunos submissos, contribuamos para a formação de estudantes que se auto-organizem, que sejam capazes de problematizar a ordem vigente e de criar possibilidades de superação dessa ordem em uma perspectiva humana e emancipatória.
REFERÊNCIAS
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