CADERNO TEMÁTICO: A ATUALIDADE DO PENSAMENTO DE PAULO FREIRE

TENSÕES ENTRE EMANCIPAÇÃO E AUTORITARISMO: CONTRIBUIÇÕES DE PAULO FREIRE

Telmo Marcon
PUC, Brasil
Marcelo Ricardo Nolli
Universidade de Passo Fundo (PPGEdu/UPF), Brasil

TENSÕES ENTRE EMANCIPAÇÃO E AUTORITARISMO: CONTRIBUIÇÕES DE PAULO FREIRE

Olhar de Professor, vol. 23, pp. 01-15, 2020

Universidade Estadual de Ponta Grossa

Recepção: 01 Janeiro 2020

Aprovação: 31 Dezembro 2020

Resumo: As contribuições político-pedagógicas de Paulo Freire são inegáveis. Por que então ele é um pensador tão execrado por alguns segmentos da sociedade brasileira? O aflorar de um pensamento autoritário no Brasil nos últimos anos coloca sob suspeita toda e qualquer perspectiva pedagógica que se defina como emancipadora e formadora de um sujeito emancipado, capaz de tomar decisões e predisposto a dialogar com diferentes interlocutores. O presente artigo foca-se na análise do potencial emancipador da pedagogia freireana, razão pela qual é contestado de forma tão violenta por defensores de ideais autoritários. Buscando dar conta dessa problemática, o artigo inicia com uma problematização sobre os desafios de uma pedagogia emancipadora no contexto atual; faz um breve diagnóstico sobre a dimensão autoritária da sociedade contemporânea; recupera elementos fundamentais da dimensão emancipadora da pedagogia freireana e conclui reafirmando a tese de necessidade de dar maior visibilidade aos ideais freireanos na formação de um sujeito crítico, criativo e emancipado, especialmente no âmbito da educação escolar.

Palavras-chave: Paulo Freire, Emancipação, Autoritarismo.

Abstract: Paulo Freire’s political-pedagogical contributions are undeniable. Why is he then such a contested thinker in some segments of Brazilian society? The rise of an authoritarian thought in Brazil in the last few years puts under suspicion any pedagogical perspective that defines itself as emancipatory and formative of an emancipated individual, one who is capable of making decisions and is predisposed to dialogue with different interlocutors. This paper focuses on the analysis of the emancipatory potential of Freire’s pedagogy, reason for which he is contested in such a violent way by defenders of authoritarian ideas. Looking to account for this problematic, the paper begins with a problematization of the challenges faced by an emancipatory pedagogy in the present context; makes a brief diagnosis of the authoritarian dimension in the contemporary society; recovers fundamental elements in the emancipatory pedagogy of Freire and concludes reaffirming the thesis about the necessity of giving more visibility to Freire’s ideals in the formation of a subject who is critical, creative and emancipated, especially in the school education context.

Keywords: Paulo Freire, Emancipation, Authoritarianism.

Resumen: Las contribuciones político-pedagógicas de Paulo Freire son innegables. ¿Por qué, entonces, es un pensador tan rechazado por algunos segmentos de la sociedad brasileña? El surgimiento de un pensamiento autoritario en Brasil en los últimos años pone bajo sospecha cualquier perspectiva pedagógica que se defina a sí misma como emancipadora y formadora de un sujeto emancipado, capaz de tomar decisiones y predispuesta al diálogo con diferentes interlocutores. Este artículo se centra en el análisis del potencial emancipador de la pedagogía de Freire, motivo por el que es tan violentamente impugnada por los defensores de los ideales autoritarios. Para tratar este problema, el artículo comienza problematizando los desafíos de una pedagogía emancipadora en el contexto actual; hace un breve diagnóstico de la dimensión autoritaria de la sociedad contemporánea; recupera elementos fundamentales de la dimensión emancipadora de la pedagogía de Freire y concluye reafirmando la tesis de la necesidad de dar mayor visibilidad a los ideales de Freire para la formación de un sujeto crítico, creativo y emancipado, especialmente en el contexto de la educación escolar.

Palabras clave: Paulo Freire, Emancipación, Autoritarismo.

CONSIDERAÇÕES INICIAIS

Pensar nas tensões entre emancipação e autoritarismo não é tarefa simples. No entanto, é um desafio emergente e urgente. Partindo da perspectiva que Freire é um clássico, como bem descrevem Marcon e Dourado (2017, p. 84-100), cabe formular questões adequadas a esse educador sobre problemas emergentes no tempo presente para que, através de um diálogo qualificado, possamos contribuir para a construção de relações humanas pautadas pela solidariedade e o respeito. Paradoxalmente, Freire é violentamente atacado, de um lado, e, de outro, cada vez mais lido e reconhecido. Entretanto, a resposta às estúpidas e levianas críticas ao legado de Freire deve ser de reflexões qualificadas. Essa é, certamente, a melhor resposta que podemos dar aos que pugnam pela destruição da reflexão e de uma cultura crítica.

Chama atenção, no contexto brasileiro atual, como a mediocridade vem tomando conta de múltiplos espaços. O esforço reflexivo vai, progressivamente, cedendo espaços para práticas opinativas, conforme discussões aprofundadas na tese de doutoramento de Dourado (2017), ao problematizar o conceito de senso comum opinativo. As sistemáticas desqualificações do trabalho intelectual, da pesquisa e de resultados científicos traduzem o avanço de um obscurantismo sobre os processos sociais que são truculentos e desqualificam qualquer esforço investigativo. Sendo assim tão fácil emitir opiniões sobre qualquer tema, por que despender energias para estudar?

A emergência de ideias e práticas autoritárias no Brasil atual, no entanto, não resulta de qualquer espontaneismo. Por vezes, pessoas surpreendem-se em relação às formas agressivas e desqualificadoras da diversidade sociocultural e a ausência de posturas minimamente críticas de educadores, líderes religiosos, políticos e governantes. O não reconhecimento da alteridade, aqui incluindo as múltiplas manifestações de gênero, etnia, cultura, religião, mas também de movimentos sociais críticos, cria as condições para a proliferação de discriminações e práticas xenofóbicas. Em meio a essas práticas, produzem-se representações sociais que justificam intervenções autoritárias e violentas como forma de resolver os conflitos e as contradições sociais. Essa cultura adentra múltiplos espaços como a escola, as políticas de segurança pública, incluindo o armamento da população, ampliação de presídios, entre outros. A concepção pedagógica que orienta os que assim pensam é de que, somente pela intervenção autoritária, é possível resolver os problemas sociais. Subjacente a essa postura pedagógica, está presente o princípio de que o castigo é a melhor forma de educar, pressupondo, portanto, uma intervenção autoritária. Gargarella (2016) problematiza essas questões de uma forma muito instigante na obra: Castigar al prójimo: para una refundación democrática del derecho penal.

Por outro lado, experiências históricas evidenciam como a violência não pode ser combatida com práticas mais violentas. Gandhi, Mandela, Martin Luther King, entre outros, são exemplos que desconstroem a tese de que é pela violência que se transformam as relações sociais e as pessoas. De outra forma, experiências emancipadoras implicam processos de libertação não apenas social, política e econômica, mas também educativo-cultural e subjetiva. A obra de Freire, particularmente a Pedagogia do Oprimido (2014) e a de Alberto Memmi: Retrato do colonizado precedido pelo retrato do colonizador (1989), colocam em pauta o papel da educação na formação de uma cultura de respeito e reconhecimento do outro e da necessidade de sair da condição de colonizado, para Memmi, ou de oprimido, segundo Freire. O legado dessa tradição é muito claro: não há como pensar em relações humanizadas e solidárias sem uma educação emancipadora. O autoritarismo tem de ser combatido com uma educação que humanize.

Buscando dar conta dessa problemática será feita, inicialmente, uma incursão pela história em busca de indícios que permitam compreender a gênese da cultura autoritária no Brasil. Nessa empreitada, será necessário um duplo movimento: um resgate de elementos que ajudem a compreender a gênese do autoritarismo e seu desenvolvimento histórico, bem como uma crítica às representações do brasileiro como cordial, pacífico e esperto que cria meios para driblar o outro e tirar vantagens pessoais, ou seja, o famoso jeitinho. Argumentaremos que essas representações não se sustentam. Na sequência, serão recuperados de Freire pressupostos pedagógicos que justificam uma pedagogia emancipadora e suas contribuições na perspectiva de uma formação crítica, cidadã e libertadora. Nas considerações finais, retomaremos a tese de que a educação tem um papel central na formação de um indivíduo democrático, capaz de respeitar e conviver com os demais.

DIAGNOSTICANDO AS RAÍZES DO AUTORITARISMO NO BRASIL CONTEMPORÂNEO

Um olhar periférico e superficial para a história do Brasil pode dar a impressão que a sociedade brasileira padece do transtorno de bipolaridade. Oscilamos muito rapidamente entre suspiros democráticos e intervenções autoritárias, sejam ditaduras explícitas ou situações similares. Uma olhada mais profunda, no entanto, permite compreender que o problema é mais complexo. O fenômeno não é de bipolaridade, mas de uma estrutura social marcadamente autoritária, na qual, de vez em quando, ocorrem alguns avanços democráticos. Não cabe, nos limites deste artigo, uma reconstrução mais sistemática sobre como se dá a tensão entre ditadura e democracia no Brasil, mas essa problemática é um pressuposto fundamental.

Analisar a estrutura socioeconômica e política brasileira é condição para compreender elementos que transversalizam as práticas sociais e institucionais autoritárias, embora nem sempre explícitos e observáveis. Por vezes, insistimos em pensar a democracia e a gestão democrática muito mais do ponto de vista normativo, ou seja, sobre como deveria ser e esquecemo-nos de problematizar os entraves que obstaculizam a sua efetivação. De um modo geral, podemos dizer que, no Brasil, os pressupostos formais da democracia foram incorporados em diferentes legislações, particularmente nas políticas educacionais. Contudo, eles têm avançado muito mais nas formulações do que na efetivação da participação, da justiça social e da emancipação. Podemos tomar como exemplo as políticas de educação das relações étnico-raciais, conforme lei 10.639 de 2003 (BRASIL, 2003). O parecer 003/2004 (BRASIL, 2004), elaborado por profissionais extremamente qualificados, como Petronilha Beatriz Gonçalves e Silva, Carlos Roberto Jamil Cury, Francisca Novantino e Marília Ancona-Lopez, faz diagnóstico profundo da história do Brasil do ponto de vista dos afrodescendentes e das múltiplas formas de exclusão sofridas ao longo dos séculos. As diretrizes da educação das relações étnico-raciais desdobram esse diagnóstico em procedimentos político-pedagógicos, mas a efetivação em espaços educativos, formais ou não, deixa muito a desejar. Os pressupostos formais esbarram sempre em obstáculos estruturais da sociedade brasileira, na qual persistem profundas desigualdades, preconceitos e discriminação.

Não há como pensar em processos educativos emancipadores sem o reconhecimento dessas contradições históricas, que ainda estão presentes nas práticas socioculturais e nas instituições sociais. Freire diagnosticava bem essa problemática ao discutir como o opressor age e também como o oprimido introjeta práticas e valores dominantes em seus modos de vida. As reflexões desenvolvidas por Alberto Memmi vão nessa mesma direção e evidenciam a complexidade das lutas emancipadoras de povos africanos ao desencadearam processos de libertação do jugo dos colonizadores europeus. Esses dois autores que têm muito em comum, inclusive se conheciam, conforme Marcon (2006, p. 107-122), ampliam, de modo substancial, as perspectivas estruturalistas ou personalistas que focam apenas as estruturas sociais ou o indivíduo isoladamente. Freire (2014) e Memmi (1989) salientam que a dominação adentra as culturas e ‘hospeda-se’ em sujeitos de diferentes grupos e classes sociais, mesmo que em condições distintas. Daí a necessidade de um diagnóstico mais profundo em relação à formação sociocultural, econômica e política da sociedade brasileira e a formulação de pressupostos emancipadores que considerem a complexidade de qualquer processo educativo que tenha, como perspectiva, a emancipação.

Para avançar no diagnóstico da constituição autoritária da sociedade brasileira nos apoiamos em Florestan Fernandes, especialmente nas obras: A integração do negro na sociedade de classes (1978) e em A revolução burguesa no Brasil (1975); nas obras de Marilena Chauí: Brasil: mito fundador e sociedade autoritária (2004); Cultura e democracia: discurso competente e outras falas (2007); em Juremir da Silva: Raízes do conservadorismo brasileiro: a abolição na imprensa e no imaginário social (2017); em Jessé Souza: A elite do atraso: da escravidão à Lava Jato (2017); A tolice da inteligência brasileira ou como o país se deixa manipular pela elite (2015); A ralé brasileira: quem é e como vive? (2016a).

Por caminhos peculiares, esses autores forjam olhares sobre o passado brasileiro e reconhecem a presença de traços autoritários, não apenas na sua gênese, mas também no seu desenvolvimento histórico, chegando aos dias atuais. Essa tendência autoritária foi denunciada ao longo da história brasileira por acadêmicos, músicos, poetas, entre outros, herança da longa experiência escravocrata, tanto com indígenas quanto com negros. A escravidão exigia, pela sua natureza, relações de força para efetivar a dominação, bem como o castigo físico para subordinar os espíritos rebeldes. Essa forma de organizar a sociedade e as instituições sociais fortaleceu uma cultura patriarcal que se expressa tanto em questões de gênero quanto na desqualificação de classe, no caso dos oprimidos, para usar a expressão de Freire. O desprezo cultural de parte da elite com os excluídos continua sendo uma das marcas na contemporaneidade brasileira. Esse é o pano de fundo para compreender as reações aos excluídos de parte da elite que domina economicamente (SOUZA, 2015), bem como da classe média (SOUZA, 2018). Persiste uma aversão às parcas conquistas sociais obtidas pelos excluídos nos primeiros anos do século atual através de políticas sociais. Entender essa reação implica fazer uma releitura crítica da história popular na perspectiva popular dos silenciados (KRANTZ, 1990; RUDÉ, 1989; PERROT, 1988; BENJAMIN, 1994, p. 222-232; SANTOS, 2008, p. 93-135).

Florestan Fernandes é um dos pioneiros na interpretação sociológica crítica das consequências da escravidão e da libertação formal dos escravos na formação socioeconômica, política e cultural brasileira. Ao estudar a passagem da condição de escravo, com todas as implicações jurídicas, sociais, culturais e religiosas que isso implicava, para ser livre, Fernandes traz elementos que ajudam a compreender como as mudanças foram mais aparentes do que efetivas para os escravos. As contradições existentes foram sendo reproduzidas de novas formas, após a abolição, sem qualquer transformação substancial, pelo menos para a maioria dos escravos. Como afirma Fernandes (1978, p. 15),

A desagregação do regime escravocrata e senhorial operou-se, no Brasil, sem que se cercasse a destituição dos antigos agentes de trabalho escravo de assistência e garantias que os protegessem na transição para o sistema de trabalho livre. Os senhores foram eximidos de responsabilidade pela manutenção e segurança dos libertos, sem que o Estado, a Igreja ou qualquer outra instituição assumissem encargos especiais, que tivessem por objeto prepará-los para o novo regime de organização da vida e do trabalho. O liberto viu-se convertido, sumária e abruptamente, em senhor de si mesmo tornando-se responsável por sua pessoa e por seus dependentes, embora não dispusesse de meios materiais e morais para realizar essa proeza nos quadros de uma economia competitiva.

Em outras palavras, a análise de Fernandes evidencia que a abolição da escravatura não produziu transformações profundas nas relações sociais. Muitos escravocratas ficaram profundamente indignados com a abolição porque tinham empenhado significativos capitais que, num curto espaço de tempo, sumiram. Os representantes dessa classe escravocrata no Senado da República ou na Câmara dos Deputados continuaram a propugnar por ideais escravocratas e pela manutenção das estruturas vigentes. A pesquisa de Silva (2017) evidencia como muitos dos senhores continuaram reivindicando a condição de proprietários dos escravos, mesmo com a aprovação da Lei Áurea.

Diferentemente de outros países que passaram por profundas transformações com as revoluções burguesas, o Brasil também passou por ela, mas sem mudanças substanciais nas estruturas econômicas, políticas e culturais. A tese defendida por Fernandes (1975) e Ianni (2004), entre outros, é de que a revolução burguesa no Brasil ocorreu sem rupturas, ou seja, a passagem da sociedade escravocrata para a liberal não se deu através de processos revolucionários. Para esses autores, a passagem da escravatura para o trabalho livre ocorreu concomitantemente à revolução burguesa no Brasil. Em outros países, a burguesia defrontou-se com nobrezas e aristocracias e teve de lutar muito para chegar ao poder. No caso brasileiro, a revolução burguesa é feita mais de ajustes no âmbito da classe dominante do que de rupturas. Desse modo, entende-se as razões do porquê, no Brasil, é tão difícil o reconhecimento dos direitos humanos universais, diferente de outros países. De múltiplas formas, a classe dominante conseguiu neutralizar as forças sociais progressistas que, desde o início do século XVIII, lutaram pela independência de Portugal e pelo fim da escravidão negra. De acordo com Fernandes (1975, p. 33):

A independência foi naturalmente solapada como processo revolucionário, graças ao predomínio de influências histórico-sociais que confinavam a profundidade da ruptura com o passado. O estatuto colonial foi condenado e superado como estado jurídico-político. O mesmo não sucedeu com o seu substrato material, social e moral, que iria perpetuar-se e servir de suporte à construção de uma sociedade nacional.

Dessa forma, a elite1 econômica e política continua controlando substancialmente o Estado, mesmo quando da presença de governos mais progressistas como Vargas, Kubistchek, João Goulart, Lula e Dilma. Em alguns períodos históricos, particularmente no período precedente à instauração da ditadura de 1964 e, mais recentemente, durante as manifestações de 2013 a 2016, a elite econômica conseguiu, com apoio da grande mídia reacionária, aproximações e envolvimentos expressivos com a classe média conservadora, visando conter os avanços sociais. Os golpes de 1964, bem como o de 2016, que resultou no impeachment da presidenta Dilma (SOUZA, 2016), não teriam sido possíveis sem o apoio da classe média (SOUZA, 2018).

A história da república brasileira é transversalizada por múltiplas formas de intervenção política autoritária, seja através de ditaduras explícitas ou de intervenções camufladas. Essas intervenções, no entanto, não estão isoladas de toda uma tradição sociocultural e política caracterizada por práticas autoritárias e excludentes. Neste sentido, é fundamental um trabalho acadêmico para desconstruir representações que marcaram profundamente o imaginário social a respeito do brasileiro: cordialidade; democracia racial; jeitinho, patrimonialismo, corrupção, apatia, hospitalidade, resignação, tolerância, patriotismo, entre muitas outras (CHAUÍ, 2004, p. 22-26).2 As pesquisas de Souza, especialmente nas obras: A elite do atraso (2017) e A tolice da inteligência brasileira (2015), contribuem na desconstrução de representações que povoam o imaginário social e acadêmico brasileiro, bem como contribui para compreender melhor os discursos que foram sendo forjados ao longo da história para justificar a dominação e o silenciamento dos excluídos. Como justificar, por exemplo, que, em 2019, Sérgio de Camargo, presidente da Fundação Palmares, entidade pública vinculada à Secretaria Especial da Cultura e criada em 1998, diga, entre outras coisas, que “A escravidão foi terrível, mas benéfica para os descendentes. Negros do Brasil vivem melhor que os negros da África”. Coincidentemente, esse discurso é muito similar ao de José de Alencar, na segunda metade do século XIX, quando, na condição de Deputado, votou contra a Lei do Ventre e Livre e militou em defesa da manutenção da escravatura. Num trecho Alencar explica (apud Silva, 2017, p. 60):

Eis um dos resultados benéficos do tráfico. Cumpre não esquecer, quando se trata de questão importante, que a raça branca, embora reduzisse o africano à condição de mercadoria, nobilitou-o (tornar importante, célebre) não só pelo contato, como pela transfusão do homem civilizado. A futura civilização da África está aí nesse fato em embrião.

Manifestações como as de Camargo e Alencar não são, infelizmente, isoladas. Para alguns, a abolição tardou e, para outros, não deveria ter chegado. Não é por acaso, que imediatamente ao dia 13 de maio de 1888, várias manifestações de pessoas contrárias à abolição reivindicavam leis mais rigorosas contra a “vagabundagem e a ociosidade” (SILVA, 2017, p. 21). Do ponto de vista formal, a Lei Áurea representou um avanço, mas, na prática social, os obstáculos para uma efetiva emancipação continuaram e estendem-se, mesmo que de formas distintas, aos dias atuais. O distanciamento entre a lei e a prática social pode ser expresso no exemplo que Silva (2017, p. 23) traz do Jornal Diário do Maranhão, que anuncia no dia 14 de maio de 1888, um dia após a abolição: “aluga-se uma mulatinha de 14 anos de idade própria para todo serviço doméstico”. São várias as formas herdadas da escravatura e que se reproduzem na atualidade em relação à população negra: altos índices de desigualdade de riqueza e renda; preconceitos raciais e sociais; elevadores exclusivos para serviçais; práticas de trabalho similar ao escravo; baixos níveis de escolaridade; altos índices de homicídio e encarceramento da população jovem negra, entre outras.

A explicitação dessas contradições evidencia que as lógicas da casa grande e da senzala continuam sendo reproduzidas: uma não existe sem a outra, aliás, uma é condição para a existência da outra. Daí a necessidade de desconstruir as representações do homem cordial de Holanda (2014); a herança patrimonial portuguesa de Faoro (1984); o jeitinho brasileiro de DaMatta (1981); a democracia racial de Freyre (1987). Para Souza (2017, p. 7), “É a influência continuada dessa leitura na cabeça das pessoas que nos faz de tolos”.

Jessé Souza (2017, p. 9-10) elege três eixos temáticos para fundamentar uma crítica às falsas representações reproduzidas sobre o Brasil: a) tomar a experiência da escravidão não como conceito, mas como experiência real que, no caso brasileiro, não é mera extensão de Portugal, com seu patrimonialismo, onde não existia a escravidão, como aqui. No Brasil, a escravidão representou toda a sociabilidade. É preciso, conforme Souza, compreender que a escravidão “cria uma singularidade excludente e perversa. Uma sociabilidade que tendeu a se perpetuar no tempo, precisamente porque nunca foi efetivamente compreendida nem criticada”; b) o segundo aspecto diz respeito à compreensão de classe social que gera privilégios e distinções. É preciso analisar as classes sociais para além do economicismo, compreendendo-as como construção sociocultural o que implica influência afetiva e emocional, a socialização familiar e os processos educativos; c) a necessidade de construir um diagnóstico bem fundamentado do contexto atual, levando em consideração os dois primeiros pontos.

Nesse contexto, é fundamental que o Estado republicano assegure políticas sociais, particularmente as educacionais, com força política para enfrentar as contradições históricas e mudar o cenário de um país com imensas potencialidades, mas que é considerado o segundo mais desigual do mundo. Conforme dados da ONU divulgados no Human development report, de 2019, o país tem uma das maiores desigualdades do mundo e encontra-se na segunda posição em termos de concentração de renda, estando atrás apenas do Catar (UNDP, 2019). O autoritarismo no Brasil precisa ser compreendido, portanto, em suas contradições históricas e em seus desdobramentos atuais, especialmente após 2013, ano em que iniciam intensas mobilizações que vão, progressivamente, assumindo um caráter autoritário e desligitimador da democracia até o golpe que destitui a presidente Dilma (SOUZA, 2016). Tudo isso traduz a forma autoritária sobre como as elites reacionárias e o próprio Estado, com alguns períodos de exceção, trataram os trabalhadores e os movimentos sociais como caso de polícia. Para Fernandes (1975, p. 47), as elites senhoriais precisavam do Estado para duas funções: “1º.) manter as estruturas sociais que poderiam privilegiar seu prestigio social e, portanto, conduzi-las ao monopólio social do poder político; 2º.) para expandir ou fomentar o aparecimento de condições econômicas, sociais e culturais que deveriam formar o substrato de uma sociedade nacional”.

A constituição da sociedade brasileira, como se pode deduzir das reflexões precedentes, é complexa e perpassada de contradições. Os grupos dominantes articulam-se permanentemente para assegurar as posições historicamente construídas. No entanto, nos contextos de maior mobilização popular, houve certo recuo das suas pautas, mas elas retornam de modo intenso em períodos de crise econômica e política. Em momentos de crise, afloram propostas e práticas autoritárias típicas dos contextos escravocratas que, de certa forma, nunca estiveram afastadas das estruturas burocráticas das instituições, particularmente do Estado. Daí o paradoxo: a exaltação de sermos um país continental e com imensas riquezas e potencialidades, de um lado, e, de outro, a exclusão de milhões de brasileiros das condições mínimas de cidadania. O discurso meritocrático ganha, aqui, um lugar especial. Com base no pressuposto de que basta esforço e confiança para conquistar boas condições de vida, justificam-se as desigualdades, a precarização das relações trabalhistas, a reforma de previdência, entre outras ações. Por outro lado, os dados sobre as contradições sociais e econômicas ajudam a entender por que, após mais de 100 anos da libertação dos escravos, seus traços mais profundos e perversos continuam muito presentes.

Dados da Oxfam escancaram as desigualdades de renda e riqueza no Brasil. O relatório de 2017 revela que seis pessoas “possuem riqueza equivalente ao patrimônio dos 100 milhões de brasileiros mais pobres”. Os 5% mais ricos detêm a mesma fatia de renda que os demais 95%. A miséria é característica de sociedades desiguais: 80% da população brasileira vivem com uma renda per capita inferior a dois salários mínimos mensais, conforme dados da Oxfam (2017, p. 19).

A emergência mais intensa de discursos autoritários afrontando os que compõem a base da pirâmide, acusados pela miséria em que vivem, reforça a tese da culpabilização da vítima. Desde as manifestações de 2013 no Brasil, setores reacionários articulam discursos agressivos contra pobres, mulheres e movimentos sociais e LGBTI. A forma agressiva expressa em forma de ódio, latente por certo tempo de vivência democrática desde o início da década de 1980, aflora agora com muita intensidade. Espaços de redes sociais constituídos para ampliar a comunicação entre as pessoas tornam-se nichos de agressões, ódios, ameaças, destruição de reputações, entre outras iniciativas. O que Paulo Freire tem a dizer sobre tudo isso?

CONTRIBUIÇÕES DE FREIRE PARA UMA PEDAGOGIA HUMANIZADORA E EMANCIPATÓRIA

O reconhecimento de Freire na tradição educativa brasileira é indiscutível. Essa presença é de tal forma expressiva que grupos sociais autoritários não querem sequer ouvir o nome dele. Por isso, desencadearam ações que visam destitui-lo da condição de patrono da educação brasileira. Não questionam ou discutem suas propostas político-pedagógicas, mas desejam destruí-las. Não é de estranhar, portanto, que a herança autoritária, abordada anteriormente, venha à tona no contexto atual carregada de raiva e ódio. Essas reações reforçam a tese de que a perspectiva emancipadora freireana ainda tem muito potencial.

O potencial emancipatório presente na obra de Freire, especialmente na Pedagogia do oprimido (2014), estende-se para além de uma educação libertadora escolar e contribuiu nos debates sobre a cultura e as transformações socioculturais que se estendem desde a segunda metade do século XX. Para as pretensões do presente artigo, podemos interrogar: quais são as contribuições de Freire para uma educação emancipadora capaz de fazer frente aos avanços de projetos e ideais autoritários? Em que medida o conceito de emancipação ajuda refletir os processos de mobilização e transformação socioeducativa, política, econômica e cultural?

Tentando responder essas indagações, situamos como Freire compreende a emancipação, a centralidade que dá para a educação e como suas reflexões afrontam toda e qualquer postura político-pedagógica autoritária. A Pedagogia do oprimido foi gestada na tensão entre pressupostos teóricos oriundos de estudos acadêmicos desenvolvidos por Freire e as práticas educativas realizadas com pessoas oprimidas e analfabetas (PELANDRÉ, 2002). Essa tensão é permanente na trajetória de Freire e o conceito de práxis traduz a relação entre teoria e prática, sem reduzi-las ou compartimentá-las. Assim, o trabalho com a alfabetização de adultos em Angicos, Rio Grande do Norte, deu condições para Freire compreender em profundidade os impactos da cultura opressora introjetada pelos oprimidos. Entre as principais consequências dessa introjeção, ele destaca a incapacidade do oprimido reconhecer-se capaz de pensar, de ter voz e ser portador de uma cultura. A grande revolução que a experiência de Angicos possibilitou foi a consciência que os oprimidos foram tendo da sua capacidade de aprender a ler as letras, palavras e frases e, nesse processo, ler o mundo (FREIRE, 1989).

Assim, após ter trabalhado intensamente com a alfabetização de adultos, Freire vai transformando e qualificando o horizonte de suas compreensões teórico-práticas. Como lembram Streck, Redin e Zitkoski (2010, p. 36. Grifo dos autores) sobre a biografia de Freire: “Enquanto educador, sua obra foi sendo gestada junto àqueles que mais necessitam da verdadeira solidariedade para desenvolverem sua própria humanidade – seu ‘ser mais’”. A instauração da ditadura militar no Brasil em 1964 e suas implicações diretas no horizonte de uma educação libertadora impactaram sobre um conjunto de avanços conquistados e criaram muitas dificuldades derivadas da ausência de liberdade e da repressão que atingiu diretamente Freire, como bem analisa Scocuglia (2000) na obra: “Educação popular: do sistema Paulo Freire aos IPMs da ditadura”. Com a instauração da ditadura militar em 1964, impõem-se limites na liberdade de atuação tanto em nível educacional quando da consciência política. Como consequência, Freire vai para o exílio, condição para sobreviver. No contexto do exílio, ocorre um aprofundamento teórico das experiências de educação efetivadas até então e resultam, entre outras obras, aPedagogia do Oprimido (2014). Nela, são tratadas muitas questões que reafirmam a esperança na solidariedade humana e a tarefa do educador popular de construir conjuntamente com os oprimidos caminhos de libertação da opressão, reconhecendo a importância da organização coletiva das classes excluídas na tomada de consciência de sua realidade socioistórica brasileira, profundamente desigual.

Por isso, seu método pedagógico de alfabetização tem uma forte base política. Como fica claro em sua trajetória, sua obra não está somente sintetizada sob o escopo de textos acadêmicos: é fruto dessa formação acadêmica e do contato direto com a realidade dos oprimidos e a construção coletiva de novas possibilidades de emancipação e atuação política. Em toda sua trajetória como educador, ele nunca deixou de atentar ao fato de que a educação nunca é neutra, ou seja, educar é um ato político. Essa postura ganha mais repercussão no Brasil porque, ainda na década de 1960, ser alfabetizado era condição para ser sujeito e reconhecido como cidadão.

O Brasil dos anos de 1960 vivia um paradoxo: de um lado, movimentos pressionando para ampliar a democracia e os direitos sociais e, de outro, o avanço de projetos autoritários que desembocaram no golpe militar de 1964, rompendo com um frágil processo democrático em construção. Nesse contexto, alfabetizar, para Freire, não significava apenas uma apropriação de letras e palavras: era um ato político, como analisa em seu livro: “A importância do ato de ler: em três artigos que se complementam” (1989). Como lembra Fiori (2014, p. 25), na apresentação do livro Pedagogia do oprimido de Freire, o processo de conscientização é análogo ao de alfabetização, de vivência de uma educação como prática de liberdade: “[...] alfabetizar-se não é aprender a repetir palavras, mas dizer a sua palavra, criadora de cultura. [...] Aprender a dizer a sua palavra é toda pedagogia, e também toda a antropologia”. Nisso, reside uma das forças do pensamento freireano, pois é através do resgate da subjetividade e da possibilidade de enunciar-se como sujeito que se reconhece como construtor do mundo, que reflexivamente compreende-se como sujeito histórico, que a transformação social passa a ser uma possibilidade (FIORI, 2014).

Desse modo, Freire enquanto um clássico da educação, como ponderam Marcon e Dourado (2017, p. 84-100), não pode ser julgado pelo efeito imediato de suas obras, muito menos como resultante de meras práticas. O tempo histórico encarregou-se de revelar seu potencial subversivo. Se, em 2020, sua obra sofre ataques contundentes provenientes de grupos e movimentos autoritários, é porque ele ainda é fundamental na defesa de uma educação transformadora, emancipatória e democrática. Hoje, os ataques continuam fortes – o que não foi diferente à época em que escreveu a Pedagogia do Oprimido na condição de exilado – e indicam que sua obra continua relevante e inspiradora, sendo utilizada das formas mais diversas e em múltiplos espaços: na universidade, na educação básica, em movimentos e organizações populares no Brasil e mundo afora.

No contexto da reflexão que estamos construindo, é importante retomar a crítica de Freire à educação bancária. Essa crítica justifica-se, também, pela tendência apontada por Laval (2004) e Santos (1997) de que, hoje, estamos avançando a passos largos rumo a uma educação orientada pela lógica do mercado e por uma formação tecnicista, fragmentada, aligeirada e alicerçada na competição. É essa compreensão limitada de educação que Paulo Freire criticava já nos anos de 1960 e, em contrapartida, propunha uma educação libertadora e formadora de uma consciência política solidária.

A emancipação, para Freire (2014), insere-se num processo de libertação. A opressão no qual os oprimidos estavam submetidos, por ainda não terem desenvolvido a consciência de sua situação-limite, só poderia ser rompida através de uma educação emancipadora. Não há emancipação sem uma educação voltada à explicitação do sofrimento e a dor que oprime. A educação, portanto, só é libertadora se cumprir a tarefa de reconhecer os sujeitos inseridos em seus contextos, suas culturas, linguagens e experiências. Toda educação emancipadora tem de partir desses elementos que fazem parte da vida dos oprimidos e isso implica superar toda forma de assistencialismo ou de pseudos reconhecimentos. Negar a história de vida dos indivíduos, bem como suas realidades socioistóricas, culturais e materiais, implica negar as desigualdades reais, bem como o papel da educação bancária na sua reprodução. Por isso, a crítica à educação bancária é a condição para tratar de uma educação capaz de superar a opressão.

É através do formato “bancário”, como observa Freire, que “a educação se torna um ato de depositar, em que os educandos são os depositários e o educador o depositante” (2014, p. 80). Isso implica, por um lado, uma relação com o saber que se determina pela simples transmissão daqueles que sabem àqueles que precisam aprender. Para Freire, essa educação é manifestação instrumental da ideologia da opressão, que se concretiza não somente em sala de aula, mas também na forma como a sociedade opera a própria lógica de produção do conhecimento. Por outro lado, o formato bancário aliena o educando no processo de aprendizagem por não compreender a educação e o conhecimento como processos de busca, de construção e criatividade. Freire (2014) fundamenta-se na leitura da dialética do senhor e do escravo de Hegel (1992, p. 126-134), segundo a qual, educador e educando reproduzem a lógica da opressão sem reconhecer a mútua interdependência entre ambos, num processo que não ocorre apenas por uma via e numa única direção.

Freire (2014, p. 82) observa que, na educação bancária, “o educador se põe frente aos educandos como sua antinomia necessária”. Ao contrário, é importante reconhecer que esse processo não se dá apenas numa relação de antinomias que se dirigem a uma finalidade última. A educação libertadora não deve operar estimulando contradições, mas, fundamentalmente, superando as contradições entre educador-educandos, de forma que ambos estejam implicados no processo de ensino-aprendizagem e de emancipação. A educação bancária reforça uma “cultura do silêncio”, gera acomodação e complacência do educando frente ao educador, que se apresenta como sujeito do processo, enquanto os educandos são meros objetos. A educação bancária mantém e estimula essa contradição. Quando o educador atém-se apenas ao depósito mecânico de conteúdos, acaba apassivando o educando. Dessa forma, educador-educando alimentam uma contradição que aliena as subjetividades de ambos. O educador ao não se reconhecer como sujeito que tem um papel de construir junto aos alunos uma educação problematizadora, que não seja mera reprodução, mas criação, reproduz a opressão.

O problema é que as relações de opressão são, em geral, aceitas como naturais. Daí a necessidade de uma ruptura na consciência opressora, não apenas no plano idealista, mas que incida na mudança de práticas político-pedagógicas, ou seja, apenas a tomada de consciência de sua situação de opressão não basta, pois, como pondera Freire (2014, p. 48, grifo do autor):

Esta superação não pode dar-se, porém, em termos puramente idealistas. Se faz indispensável aos oprimidos, para a luta por sua libertação, que a realidade concreta de opressão já não seja para eles uma espécie de “mundo fechado” (em que se gera o seu medo da liberdade) do qual não pudessem sair, mas uma situação que apenas os limita e que eles podem transformar, é fundamental, então, que ao reconhecerem o limite que a realidade opressora lhes impõe, tenham, neste reconhecimento, o motor de sua ação libertadora.

Por que Freire insiste na superação de posturas idealistas? Ele reconhece que o concreto carrega sempre uma grande potencialidade de questionar os parâmetros formais ou os conceitos idealizados. Isso não significa negar o papel da formação intelectual. Freire dialogava com muitas tradições intelectuais e com distintos sujeitos, oriundos de múltiplas experiências. Para ele, o ser humano possui uma vocação ontológica de ser mais. A realização desse ser mais é negada pelas situações de opressão, de alienação e pelas limitações históricas e contingentes que determinam as possibilidades de existência. Essas limitações, no entanto, não estão dadas: são construídas e gestadas em diferentes contextos históricos e materiais. O Homem é vocacionado a ser mais, mas ele precisa realizar-se por meio da práxis. O Homem é um ser de práxis: o sujeito não é amputado do mundo, alheio e externo a ele, mas é produtor desse mundo por ser capaz de nomeá-lo, atribuindo-lhe sentido, reconhecendo-se como resultante desse mundo, ao mesmo tempo em que é seu construtor.

Freire fundamenta sua concepção de educação emancipadora numa perspectiva epistêmica que reconhece a multiplicidade de conhecimentos existentes e que todos os homens possuem, de diferentes formas e níveis, conhecimentos e saberes. A pedagogia do oprimido reconhece que todo conhecimento é produzido socialmente. A educação bancária nega essa compreensão: pressupõe que o saber é posse do opressor que tem a função de depositá-las nos oprimidos. Todo esforço de Freire é romper com as relações que reforçam a opressão e negam o direito dos oprimidos constituírem-se como sujeitos. Neste sentido, não dá para concordar com as críticas atuais dirigidas a Paulo Freire por grupos reacionários, acusando-o de ser um doutrinador3.

É relevante, entretanto, ressaltar que Freire utiliza o termo libertação com muito mais frequência do que emancipação. O termo emancipação aparece em dois momentos da obra Pedagogia do oprimido: na introdução e no segundo capítulo, em que trata da concepção bancária de educação. Ele usa libertação numa sinonímia à emancipação, por serem termos correlatos. A pedagogia emancipadora insere-se numa práxis educativa que visa à libertação dos homens. Daí que se emancipar seja libertar-se das situações de opressão às quais se está submetido. Isso não pode ser feito solitariamente ou afirmando uma pluralidade de lutas particulares. O horizonte freireano dá-se na dialogicidade, compreendendo a necessidade de trabalhar conjuntamente, havendo um reconhecimento mútuo como sujeitos implicados no processo de transformação social. Neste aspecto, ele observa que uma pedagogia libertadora é “aquela que tem de ser forjada com ele [o oprimido] e não para ele, enquanto homens ou povos, na luta incessante de recuperação de sua humanidade” (2014, p. 43). Esse horizonte, no entanto, não tem um telos irredutível, que recorra a uma totalidade estável e harmônica: para ele, o sujeito é sempre inacabado, sempre sob a condição de ser no mundo e sempre em potencial de ser mais. Por isso, há uma perspectiva de historicidade do ser humano em Freire (2014, p. 101-102, grifo do autor), que se contrapõe a todo pensamento totalitário.

A concepção e a prática “bancárias”, imobilistas, “fixistas”, terminam por desconhecer os homens como seres históricos, enquanto a problematizadora parte exatamente do caráter histórico e da historicidade dos homens. Por isso mesmo é que os reconhece como seres que estão sendo, como seres inacabados, inconclusos em e com uma realidade que, sendo histórica também, é igualmente inacabada. [...] Aí se encontram as raízes da educação mesma, como manifestação exclusivamente humana. Isto é, na inconclusão dos homens e na consciência que dela têm. Daí que seja a educação um quefazer permanente. Permanentemente, na razão da inconclusão dos homens e do devenir da realidade.

Essa perspectiva antropológica aproxima-se bastante da compreensão que Marx desenvolve na obra “Ideologia Alemã: teses sobre Feuerbach” (1984) de um ser humano como construtor da sua historicidade, de um sujeito concreto que precisa ser concebido como tal, das suas relações com as estruturas sociais. Como afirma Marx (1984, p. 25), “[...] não é possível conseguir nenhuma libertação real a não ser no mundo real e com meios reais [...]”. Portanto, é no contexto das relações históricas concretas que ocorrem os processos de dominação, mas também das possibilidades de emancipação que só podem efetivar-se quando o oprimido assumir-se como sujeito. O princípio básico da condição antropológica do sujeito fazendo-se na história aproxima tanto Marx quanto Freire, mesmo que possam ter divergências em relação aos modos de superação da condição de alienação (opressão).

Ao reconhecer a dimensão histórica de estar sendo, abre-se o potencial para a recusa ao imobilismo, bem como para uma compreensão de que a verdade é historicamente construída e nada justifica uma relação educativa bancária que retira dos oprimidos as possibilidades de assumirem-se como sujeitos. O saber é constituído histórica e socialmente e só pode ser reconhecido como prática libertadora ao ser reconhecido como tal. Essa é condição para seu fruir, para que se estabeleça uma práxis libertadora em que os homens sejam mais do que estão sendo. Daí que o horizonte da educação libertadora tenha como proposta a dialogicidade, a comunicação e a intersubjetividade. Assim, Freire (2014) supera qualquer perspectiva fatalista ao afirmar que o sujeito tem de estar sempre em busca de ser mais, ou seja, são imprescindíveis as dimensões de sonho e de esperança.

Não é por acaso que Freire coloca em nota de rodapé, logo no início do primeiro capítulo daPedagogia do oprimido (2014, p. 39), a reverência aos movimentos de rebelião que, simultaneamente, estavam ocorrendo em várias partes do mundo em 1968. Esses movimentos tiveram implicações profundas na sua forma de compreender a realidade política e social, visto que romperam com certas agendas políticas que visavam, em última instância, manter o status quo. Nesse rol de movimentos, podemos referir a luta pelos direitos civis nos EUA, protestos de estudantes brasileiros contra a repressão militar e a instauração do AI-5, o Maio de 68 que resultou em reformas universitárias, os movimentos de vanguarda no campo da cultura, como o Tropicalismo e o Cinema Novo no Brasil, o avanço da Teologia da Libertação a partir dos anos 1960 na América Latina, os movimentos de emancipação de países africanos colonizados por europeus (MEMMI, 1989). Essas manifestações, entre outras, traduziam certa descrença com o sistema político e econômico vigente e afrontavam as figuras de autoridade, responsáveis pelo estado de coisas no mundo de então, mas também apontavam para possibilidades de transformação. Não é por acaso que os conceitos de emancipação, luta de classe e revolução ganham densidade naquele período. Freire situa-se nesse contexto de tensões entre opressão e emancipação que são refletidas em seus escritos, especialmente na Pedagogia do Oprimido (2014).

No entanto, vale ressaltar que os clássicos, como discute Calvino (1993), não são redutíveis ao tempo imediato em que foi gestada determinada obra. Com base nas contribuições de Calvino sobre a configuração de um clássico, podemos dizer que Paulo Freire é um educador clássico, visto que, além da riqueza literária, da beleza de estilo, capacidade profunda de comunicar-se, limpidez e transparência na forma, produz uma obra que ultrapassa o tempo presente, passível de ser atualizada constantemente sob o olhar histórico e crítico de quem ler seus escritos. Neste sentido, não há dúvida que Freire é um clássico da educação, conforme argumentam Marcon e Dourado (2017, p. 84-100), ao contrário do que apregoam movimentos reacionários brasileiros na atualidade. Suas experiências de educação com jovens e adultos revelam exatamente a força que está nos oprimidos quando conseguem decifrar o mundo letrado e, por conseguinte, compreendendo o mundo real e suas contradições.

Há, aqui, um compromisso moral com o tempo do agora, prenhe de potencial emancipatório, como afirma Benjamin (1994, p. 229-230). Ao romper com uma concepção de história homogênea e linear, afirma ser necessário “escová-la a contrapelo”, ou seja, é preciso romper com toda pretensão de progresso que desemboca num conformismo imobilizador. Como observa Eagleton (1981, p. 59, tradução nossa. Grifos do autor): “O que é transmitido pela tradição não são ‘coisas’, e menos ainda ‘monumentos’, mas ‘situações’ – não artefatos solitários, mas estratégias que os constroem e os mobilizam”. Por isso, “não se trata de que constantemente reavaliamos a tradição; tradição é a prática de incessantemente escavar, proteger, violar, descartar e reinscrever o passado”. O passado, como materialidade, como fato irredutível, não é acessível como tal no tempo do presente. Ele é, no entanto, narração e construção histórica que cumpre sempre ser resgatado enquanto ruptura e descontinuidade.

A obra de Freire precisa ser compreendida, portanto, como construção coletiva que é pensamento vivo, tradição para além de simples repetição. Isso é mais do que fundamental, visto que há, claramente, uma guerra de narrativas, especialmente no Brasil atual, que busca configurá-lo como doutrinador, subversivo e anacrônico e, por isso, devendo ser esquecido, posto que suas teorias educacionais estão ultrapassadas e não deram resultados. Ora, este é um campo aberto de disputa e sua obra permanece causando desconfortos e demandando uma constante afirmação de seu potencial subversivo, por sua crença na capacidade dos seres humanos de tornarem-se livres de todo tipo de autoritarismo e emancipados como sujeitos conscientes de sua ação no mundo.

Para Freire (2014), a tomada de consciência de situações-limite, às quais os sujeitos estão submetidos, é perpassada por uma dimensão afetiva, seja no empenho de reconhecer a sociedade opressora à qual está submetida, ou no exercício de reconhecer que o opressor hospeda-se na consciência do oprimido. Entretanto, apenas reconhecer a condição de sofrimento não basta, visto que é necessário extrair disso um móvel para a busca da transformação das atuais condições de existência. A dinâmica entre Estado e sociedade civil no Brasil é transversalizada pelo domínio de uma cultura autoritária herdada das históricas relações escravocratas e reproduzidas pelas elites econômicas. Os parcos avanços obtidos desde a redemocratização, em 1985, decorreram, basicamente, de coalizões entre forças progressistas e uma agenda neoliberal. Várias contribuições intelectuais contemporâneas ajudam a compreender melhor os impactos decorrentes da ideologia neoliberal na sociedade e na vida das pessoas, entre as quais as de Dardot e Laval (2016) e Safatle (2016). O fato é que mesmo com o avanço neoliberal, a cultura autoritária nunca foi rompida e superada, ou seja, a herança advinda da Casa Grande e Senzala permanece viva em nosso imaginário social, influenciando materialmente as parcas possibilidades de transformação social dentro de um projeto minimamente civilizatório.

Frente à reprodução das desigualdades, exclusões e práticas desrespeitosas e opressoras, reafirma-se a centralidade do pensamento freireano de uma pedagogia emancipadora que reconheça a pluralidade como valor e não como argumento para excluir. Os espaços educativos escolares precisam, neste sentido, ser revitalizados como base numa pedagogia da indignação (FREIRE, 2000), que desacomode e permita pensar numa pedagogia da esperança (1998). Neste aspecto, os desafios multiplicam-se na medida em que os autoritarismos, fundamentalismos e dogmatismos sobrepõem-se às relações dialógicas. Onde predominam esses ismos, é impossível dialogar. O logos do conceito diálogo pressupõe interlocução entre posturas distintas. Onde predominam esses ismos a interlocução fica obstruída.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

No decorrer do artigo, argumentamos que o autoritarismo que vem aflorando intensamente nos últimos anos no Brasil não é algo isolado e nem casual, mas é resultante do desenvolvimento da sociedade brasileira que preserva traços autoritários, herdados das relações socioeconômicas, políticas e culturais escravocratas. Nessas relações, os que detêm o poder econômico e político buscam de várias formas impor seus pontos de vista, fazendo silenciar quem pensa e age de modo distinto e com violência, se necessário. São vários os mecanismos utilizados para legitimar essas relações. A educação bancária, segundo Freire, contribui para naturalizar as relações de dominação e a manutenção da ordem vigente na medida em que reforça a ideia de que o oprimido é incapaz e precisa aceitar essa condição diante do opressor.

Como bem denuncia o próprio Freire, as relações de dominação não são abstratas. Ao contrário, elas são práticas que ganham, com o tempo, naturalidade. Daí a dificuldade para a tomada de consciência das contradições existentes e vivenciadas. O grande desafio da emancipação é a superação dos dois polos da dominação: opressor e oprimido. Neste sentido, é fundamental a tomada de consciência tanto das relações de dominação e dos elementos constitutivos da cultura autoritária quanto das formas como o oprimido introjeta e naturaliza os valores e a cultura do opressor. A consciência desses elementos é fundamental para a emancipação, embora ainda insuficientes. É necessária uma decisão de sair da condição de oprimido e romper com todas as amarras que bloqueiam a condição ontológica do homem de ser mais.

A superação da cultura autoritária que desqualifica e oprime pessoas, grupos e classe sociais implica, obrigatoriamente, na superação radical da pedagogia bancária e, em contraposição, avançar numa educação capaz de preparar sujeitos democráticos capacitados para viverem com os outros. O desafio da sociedade brasileira na atualidade é como superar a herança autoritária que é estrutural, mas que foi potencializada a partir de 2013 e intensificada desde 2018. Nesse contexto, crescem práticas agressivas, desrespeitosas e violentas. Proliferam grupos reacionários fundamentalistas, dogmáticos e autoritários que utilizam as modernas tecnologias de rede para atacar, desqualificar, incriminar e excluir pessoas, grupos e classes sociais historicamente oprimidas.

É nesses contextos, paradoxalmente, que a força emancipadora de pensadores críticos, entre os quais Paulo Freire, ganha vitalidade. Mesmo sendo execrado por setores e grupos reacionários, ele continua a ganhar visibilidade e destaque como um pensador que propôs a solidariedade e a emancipação como elementos fundamentais de uma educação emancipadora. Fez isso através de teorizações de suas práticas junto aos oprimidos e pode experienciar profundamente como a ideologia dominante adentra as subjetividades e retira das pessoas a capacidade crítica e a potencialidade transformadora. Paradoxalmente, é na consciência dessa opressão que extrai a potencialidade que o oprimido tem para emancipar-se. Para tanto, é imprescindível apropriar-se da linguagem escrita, através da alfabetização, e, nesse processo, compreender-se e compreender o mundo que o cerca, transformando-o. Essa possibilidade ocorre pela mediação do diálogo. O opressor tenta convencer permanentemente que o oprimido não sabe e não conhece, portanto, não tem o direito à fala. Assim, estabelece-se o monólogo. Freire inverte essa lógica e cria as condições para que os oprimidos, historicamente silenciados, verbalizem seus saberes e passem da condição de objeto a de sujeito. Dessa forma, ele posiciona-se contra toda sorte de autoritarismo que torna o outro objeto. Se essa situação intensifica-se na atualidade, fica cada vez mais claro o desafio da educação no sentido de dar voz aos que nunca foram reconhecidos e a pedagogia do oprimido contém essa força transformadora.

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Notas

1 O conceito de elite é de difícil definição. Elite inclui, aqui, representantes de grupos que dominam o grande capital financeiro, industrial, comercial, latifundiários, entre outros.
2 Chauí (2004, p. 22 a 26) faz uma síntese das principais representações presentes em obras que marcaram a historiografia brasileira com destaque para Dante Moreira Leita; Afonso Celso; Manoel Bonfim; Paulo Prado; Gilberto Freyre e Cassiano Ricardo. Nas obras desses autores, há um esforço para traduzir que é o brasileiro, especialmente do ponto de vista da sociologia, da antropologia e da psicologia. Souza (2015; 2017) elege outros autores como fundantes de representações que marcaram a historiografia, de modo particular Holanda; Faoro; Freyre e DaMatta. A produção historiográfica desses autores, segundo Souza, marcou profundamente a historiografia brasileira contemporânea e as representações de Brasil e dos brasileiros.
3 Neste sentido, é curioso que Freire seja visto como defensor de uma homogeneização cultural sob a face única do comunismo – ou de qualquer significante vazio de sentido àqueles que afirmam essa ideia. Uma leitura de seus textos permite concluir que é árdua sua luta contra todo tipo de pensamento único, de doutrinação ou de totalitarismo cultural ou ideológico. Freire afirma a necessidade dos sujeitos tornarem-se críticos, perguntem pelos porquês das coisas, não sucumbindo ao dogmatismo opressor, que, muitas vezes, eles mesmos hospedam, e possam se ver livres das amarras que os aprisionam para agirem no mundo como sujeitos conscientes de si. Se isso é ser um radical, então, ele é radical. Negar sua radicalidade, hoje, é resignar-se diante do existente, pois como ele mesmo observa: “Não é na resignação, mas na rebeldia em face das injustiças que nos afirmamos” (FREIRE, 1996, p. 87).
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