Caderno Temático: Covid 19 - Educação em tempo de Pandemia (Volume 2)

Seguindo um chargista em tempos de pandemia e recrutando aliados para a educação científica

Alexsandro Luiz dos Reis
Universidade Federal de Ouro Preto – UFOP, Brasil
Fábio Augusto Rodrigues e Silva
Universidade Federal de Ouro Preto - UFOP, Brasil

Seguindo um chargista em tempos de pandemia e recrutando aliados para a educação científica

Olhar de Professor, vol. 24, pp. 01-12, 2021

Universidade Estadual de Ponta Grossa

Recepção: 15 Junho 2020

Aprovação: 03 Fevereiro 2021

Resumo: O presente trabalho apresenta o gênero charge como uma possibilidade de recurso didático para abordar a COVID-19 no ensino de Ciências. Amparados na Teoria Ator-Rede, que leva em consideração a associação de humanos e não humanos para a produção dos fatos científicos, analisamos charges de um mesmo ilustrador, que foram publicadas em um portal de notícias de grande circulação. Procuramos evidenciar as interações entre as entidades humanas e não humanas presentes nas ilustrações e refletir acerca de suas performances enquanto produtos de interpretações sobre o mundo. Defendemos a utilização das charges como móveis mutáveis, que trazem elementos, no intuito de guiar para outro olhar na educação científica sobre as realidades construídas a partir da pandemia atual. Ademais, acreditamos que as charges possam proporcionar aos alunos a mobilização de um pensamento crítico e reflexivo, o qual poderia emergir em uma rede heterogênea de actantes.

Palavras-chave: Charges, COVID-19, Teoria Ator-Rede.

Abstract: The present work presents the gender cartoon as a didactic resource to approach COVID-19 in Science teaching. Supported by the Actor-Network Theory (ANT), which takes into account the association of humans and non-humans for the production of scientific facts, we analyzed charges by the same illustrator that were published in a widely circulated news portal. We seek to highlight the interactions between human and non-human entities present in the illustrations and reflect on their performances as products of interpretations about the world. We defend the use of cartoons as changeable furniture, that bring elements in order to guide to another look into scientific education about the realities built from the current pandemic. Furthermore, we believe that the charges can provide students with the mobilization of critical and reflective thinking that could emerge in a heterogeneous network of actors.

Keywords: Cartoons, COVID-19, Actor-Network Theory.

Resumen: Este documento presenta el género dibujista como recurso didáctico para abordar el COVID-19 en la enseñanza de las ciencias. Ayudó en la Teoría del Actor-Red, que tiene en cuenta la asociación de humanos y no humanos para la producción de hechos científicos, analizamos las acusaciones del mismo ilustrador que fueron publicadas en un portal de noticias de amplia difusión. Tratamos de destacar las interacciones entre las entidades humanas y no humanas presentes en las ilustraciones y reflexionar sobre sus actuaciones como productos de las interpretaciones sobre el mundo. Abogamos por el uso de dibujos animados, como mobiliario cambiante, que aportan elementos para guiar hacia outra orientar otra mirada en la educación científica sobre las realidades construidas a partir de la pandemia actual. Además, creemos que los dibujos animados s pueden proporcionar a los estudiantes la movilización del pensamiento crítico y reflexivo que podría surgir en una red heterogénea de actores.

Palabras clave: Dibujista, COVID-19, Teoría del Actor-Red.

Introdução

A pandemia causada pelo novo Coronavírus (COVID-19) traz novos desafios para a educação em saúde e a educação científica em todo o mundo (SANTOS, 2020), principalmente para um país com desigualdades sociais intensas e históricas como o Brasil. Em um quadro marcado por questões inerentes à sobrevivência de uma significativa parcela da população brasileira, que convive com diferentes problemas relacionados aos direitos humanos básicos (SPOSATI, 2020), temos uma crise sanitária mundial, o que exige a mobilização de diferentes atores sociais, como, por exemplo, os educadores, especialmente os professores das ciências naturais.

Os educadores das ciências naturais – Ciências, Biologia, Química e Física – podem contribuir com o cenário engendrando processos de ensino e aprendizagem, que preparem os estudantes para adotar comportamentos de proteção e promoção à saúde coletiva e individual (CECCON; SCHNEIDER, 2020). Consideramos que a abordagem dos temas associados à COVID-19 nas escolas públicas é extremamente necessária com o objetivo de promover a veiculação de informações e conhecimentos científicos, que contribuam para a diminuição do número de doentes e vítimas fatais acometidos por essa infecção viral. Iniciativas educacionais, também, podem ajudar no combate às informações falsas ou parciais conhecidas como fake news (SANTOS, 2020).

Em um ambiente de aprendizagem adequado, professores da educação básica podem subsidiar discussões e atividades, que suscitem um processo educacional necessário para mudanças de comportamentos exigida pela COVID-19. Essas mudanças podem perdurar por muito tempo devido ao quadro de incerteza sobre o enfrentamento dessa doença (KISSLER et al., 2020).

Nesse sentido, chamamos a atenção para os materiais diversos, que podem ser convertidos em recursos educacionais possibilitando a abertura de espaços de discussão e de investigação nas salas de aulas. Esses materiais poderão, ainda, oportunizar aos estudantes o confronto com os problemas socioambientais e, a partir desse contato, auxiliá-los a repensarem as suas relações com os outros, o ambiente e outros seres vivos.

Portanto, em meio à situação de caos e desinformação sobre as mortes e as diferentes medidas de distanciamento social provocadas pela pandemia da COVID-19, escolhemos seguir o olhar irreverente do chargista Eduardo dos Reis Evangelista3 (1973- ), que assina as suas ilustrações como Duke e apresenta o seu trabalho nas páginas de jornais de ampla circulação no estado de Minas Gerais.

Ao tratar essa tragédia de forma satírica e irônica, esse ilustrador apresenta textos curtos e imagens que mobilizam leitores. Em estudos anteriores, pesquisadores em ensino de ciências já sinalizaram o potencial desses textos humorísticos como recursos didáticos, pois propiciariam leituras atualizadas sobre os mais recentes acontecimentos (PASSOS et al., 2017; WYZYKOWSKI; FRISON; BIANCHI, 2020). São textos que rompem barreiras relevando o caráter híbrido dos fenômenos sociotécnicos que permeiam a Modernidade, a qual é caracterizada pelo imbricamento da natureza e da cultura (LATOUR, 1994).

Neste artigo, apresentamos um estudo Teoria Ator-Rede (TAR) (LATOUR, 2012) sobre quatro charges do chargista Duke e procuramos identificar os elementos que compõem os desenhos. Por meio de uma descrição precisa, buscamos, também, analisar como as charges podem mobilizar, de forma diferenciada e adequada, os propósitos da educação científica sobre os conhecimentos acerca da Pandemia da COVID-19 no Brasil para as salas de aulas.

A construção de um estudo teoria Ator-rede

Para apresentarmos como foi construído este estudo teoria ator-rede sobre as charges, é necessário explicitarmos alguns dos principais pressupostos e conceitos da TAR. Esta é uma teoria que se preocupa em se distinguir de outras correntes sociológicas e se coloca como uma nova forma para se compreender o social, que não é entendido como uma essência que propicia uma explicação ou uma causa, mas como algo a ser explicado (LATOUR, 2012). Como uma sociologia das associações, a TAR investiga como os diferentes humanos e não humanos se relacionam e geram o social. Ela nos oferece uma metodologia que nos possibilita analisar os acontecimentos por meio de uma descrição densa das interações. A partir de um relato, podemos traçar como diferentes agentes agem e fazem os outros agirem (MELO; MORAES, 2016; COUTINHO; VIANA, 2019).

Para tanto, essa Teoria assume o princípio da simetria generalizada. Desse modo, os humanos e não humanos são tomados com a mesma condição ontológica e com igual poder de ação, e denominados de actantes (actants) (LATOUR, 2000). Na análise latouriana, os actantes são seguidos em redes heterogêneas com o intuito de serem definidos por suas ações, e não por suas essências. Nas redes, podem ser identificados fluxos, circulações e alianças, e serem percebidas as interferências entre os diferentes actantes (FREIRE, 2006).

Outro pressuposto fundamental para o entendimento da TAR baseia-se na translação, aqui entendida como todas

[...] as deslocações através de outros atores, cuja mediação é indispensável para que qualquer ação ocorra. Em vez de uma oposição rígida entre contexto e conteúdo, cadeias de tradução referem-se ao trabalho através do qual os atores modificam, deslocam e traduzem os seus vários e contraditórios interesses (LATOUR, 1999, p. 311, tradução nossa)4.

Por sua vez, Fenwick e Edward (2012) expõem que uma rede pode ser entendida como uma reunião de coisas ligadas por processos de translação que realizam uma ação. Logo, quanto mais actantes e interações existirem, mais forte ela se tornará. Nesse processo, uma rede pode se tornar tão durável ou estável que suas translações podem se estender a outros locais, tempos e domínios, exercendo interferências para diferentes espaços. Dessa maneira, passa a ser identificada por Latour (2000) como um móvel mutável.

Coutinho e Viana (2019) utilizam o exemplo do mapa para ilustrar essa ação de um móvel mutável. Afinal, este mobiliza um lugar desconhecido e que pode torná-lo familiar a quem o manipula. Pensando nesse exemplo, podemos refletir sobre a aprendizagem, que, segundo a TAR, exige assumirmos a materialidade como um elemento essencial. A aprendizagem não se restringiria, então, a um fenômeno orgânico e interno, mas seria o resultado das associações com diferentes actantes que nos propiciam nos transformarmos.

Para Latour (2004, p. 205, tradução nossa)5, “[...] ter um corpo é aprender a ser ‘afetado’, ou seja, ‘efetuado’, movido, posto em movimento por outras entidades, humanas e não humanas. Se você não está engajado nesta aprendizagem, fica insensível, mudo, morto”. Quanto mais nos articulamos com outros elementos, mais expandimos as nossas redes e nos capacitamos a sermos afetados por outras entidades.

Dessa forma, acreditamos que as charges podem contribuir como um material para os processos de educação científica, uma vez que os objetos “não respondem apenas à intenção e força humanas. De fato, as coisas mudam e moldam as intenções, significados, relacionamentos, rotinas, memórias e até percepções do si” (FENWICK; EDWARDS, 2010, p. 6, tradução nossa)6.

Em nossa análise, utilizamos, também, dois conceitos imprescindíveis na metodologia latouriana: participação e performatividade (COUTINHO; VIANA, 2019). Com o conceito de participação, procuramos realizar perguntas sobre quem são os actantes. Por sua vez, o conceito de performatividade nos mostra como os actantes participam da construção das ilustrações selecionadas. Esses dois conceitos nos habilitam a responder a questões sobre “o que” e “como”, e, com as respostas, a produzir teorias sobre a realidade e o conhecimento (SØRENSEN, 2010).

Um estudo ator-rede sobre as charges

No presente trabalho, rastreamos e analisamos charges do chargista Duke em seu trabalho no portal O Tempo7, propriedade da Sempre Editora, com sede em Contagem/MG. A Editora é responsável por dois dos mais importantes periódicos do estado de Minas Gerais: o jornal O Tempo e o tabloide Super Notícia8. No período de 1º de janeiro a 12 de junho de 2020, encontramos 224 charges publicadas, sendo que 92 destas abordam, direta ou indiretamente, a COVID-19. A primeira charge que menciona o Coronavírus foi publicada em 28 de janeiro de 2020.

Muitas das charges de Duke se referem ao futebol, principalmente aos times mineiros: América, Atlético e Cruzeiro. Em geral, ele se utiliza das mascotes – o coelho, o galo e a raposa – para representar as equipes. Algumas dessas charges se referem a questões relacionadas ao impacto da pandemia no futebol, no caso o mineiro, considerado o esporte predileto pelos brasileiros. Observe a charge a seguir (Figura 1), a qual utilizaremos para apresentar os princípios de nossa análise e o poder de uma charge em arregimentar aliados e possibilitar o entendimento das condições de produção de determinado estado do mundo (BARAD, 2007).

Figura 1: Charge de Duke publicada em 26 de março de 2020.
Figura 1: Charge de Duke publicada em 26 de março de 2020.
Fonte: Portal O Tempo9, 2020.

Na Figura 1, podemos identificar actantes diretamente ligados à materialidade do futebol: as traves e a rede que formam a área do gol. Temos, ainda, actantes bem diferentes e que não estão habituados ao esporte: as corujas e a aranha em sua teia. E claro, podemos observar o balão com a frase dita por uma das aves. Como esses actantes participam dessa rede, o cenário ilustra o lugar, onde, nas narrações de futebol, é identificado de forma irônica como: “Onde a coruja dorme!” ou “Onde a coruja faz o ninho!” Inclusive, em algumas transmissões televisivas de jogos de futebol, a imagem de uma coruja sobre as traves é comum, saindo dali quando é incomodada, algo que, como é reforçado pelo diálogo, demorará a acontecer.

A teia de aranha participa reforçando a ideia do tempo. Portanto, estamos em condições de dizer que a charge nos mobiliza para uma percepção (FENWICK; EDWARDS, 2010) acerca do impacto que as medidas de distanciamento social tinham sobre as partidas de futebol naquele período da pandemia. Em maio e junho de 2020, alguns campeonatos nacionais europeus já voltaram a ter partidas, mas sem torcida presente nos estádios, uma realidade bem diferente da qual estamos habituados.

Voltando ao nosso foco da educação científica, vamos centrar nossas análises em charges de Duke, que abordam questões para além do futebol e mais relacionadas à COVID-19 e aos seus impactos socioambientais, como, por exemplo, a charge que é apresentada na Figura 2:

Figura 2: Charge de Duke publicada em 23 de março de 2020.
Figura 2: Charge de Duke publicada em 23 de março de 2020.
Fonte: Portal O Tempo10, 2020.

Na charge, temos os seguintes actantes: os três porquinhos, o lobo mau e a casa de tijolos – todos elementos de um tradicional conto de fadas – e, também, identificamos, fora da casa, vários desenhos de uma representação recorrente de vírus. Dentro da casa, de forma bem diferente da história original, com os olhos bem arregalados, os três porquinhos e o lobo trazem para a charge a sensação de medo perante uma grande ameaça à sobrevivência dos personagens, algo que é evidenciado pela representação extremamente exagerada do Coronavírus. Portanto, os actantes arregimentados reforçam uma situação excepcional vivenciada por esta geração, o que pode mobilizar a necessidade de reavaliar hábitos e comportamentos para uma nova realidade, que se impõe pela presença de um vírus extremante letal e contagioso (BAVEL et al., 2020). As mudanças de comportamento são, também, a mensagem da próxima charge (Figura 3).

Figura 3: Charge de Duke publicada em 13 de abril de 2020
Figura 3: Charge de Duke publicada em 13 de abril de 2020
Fonte: Portal O Tempo11, 2020.

Na ilustração, temos, como actantes, basicamente, uma representação da Morte com sua capa e foice características, um suporte, um celular e um texto, o qual informa que uma live irá ter início. Essa rede nos apresenta uma ação que, atualmente, permeia as atividades artísticas, culturais e educacionais e nos mostra uma forma de driblar o distanciamento social, o qual, também, foi pensado como uma das estratégias para manter as pessoas em casa (SOUSA JÚNIOR et al., 2020b). O texto traz um trocadilho com live, um termo da língua inglesa, que significa “vivo”, em português, porém essa transmissão será produzida pela Morte. O chargista pode suscitar uma reflexão sobre a nossa insensibilidade perante os números de mortos, que são veiculados apenas como estatísticas, sem histórias, sem memórias.

Outra charge que escolhemos foi publicada em maio (Figura 4) e, provavelmente, traz um dos maiores problemas que os educadores em ciências, cientistas e profissionais da saúde enfrentam, que é o negacionismo científico, o qual é alimentado pelas fake news (ALMEIDA, 2020; SANTOS, 2020).

Na Figura 4, identificamos o cientista e um cartaz com representações típicas do Coronavírus em dois quadrinhos. Em um deles, o cientista fala dos sintomas da COVID-19 e, no outro, ele diz sobre o desprezo à ciência, educação e democracia, que são identificadas como outra doença. Como bem explicitado por Latour (1994), os jornais, repletos de temas atuais e latentes, nos mostram como as questões sociais são heterogêneas e que um fenômeno científico não se limita à atividade dos cientistas. Pela charge, podemos evidenciar as tensões, as quais permeiam o Brasil e outros países, que enfrentam movimentos reacionários os quais suscitam desinformação.

Figura 4: Charge de Duke publicada em 05 de maio de 2020
Figura 4: Charge de Duke publicada em 05 de maio de 2020
Fonte: Portal O Tempo12, 2020.

Santos (2020, p. 7-8) aponta a necessidade de enfrentarmos as fake news quando indica que

[...] The Economist mostrava no início deste ano que as epidemias tendem a ser menos letais em países democráticos devido à livre circulação de informação. Mas como as democracias estão cada vez mais vulneráveis às fake news, teremos de imaginar soluções democráticas assentes na democracia participativa ao nível dos bairros e das comunidades e na educação cívica orientada para a solidariedade e cooperação, e não para o empreendedorismo e competitividade a todo o custo.

Ressaltamos que a COVID-19 tem suscitado questões ao acesso a informações sobre a doença e as suas formas de transmissão, tratamento e desenvolvimento de fármacos e vacinas. Muitos veículos oficiais e não oficiais de comunicação e as redes sociais têm disseminado informações equivocadas, parciais ou que estão distantes do que se espera quando se pretende contribuir para impedir a disseminação dessa doença e promover ações que garantam a saúde da população (PENNYCOOK et al., 2020; BAVEL et al., 2020; SOUSA JÚNIOR et al., 2020a).

Neste contexto de desinformação e de necessidade de divulgação e de aprendizagem sobre saúde, as ilustrações, como as produzidas pelo chargista Duke, se revelam potenciais móveis mutáveis, que poderiam ser arregimentadas para as aulas de ciências e favorecer um olhar mais crítico e integral para uma calamidade que impõe a morte e a exclusão a vários brasileiros. Afinal, as charges poderiam atualizar as informações mais recentes sobre a pandemia da COVID-19 trazendo actantes que estão associados às redes que ultrapassam o conteúdo curricular purificado presente nas aulas e mostrando o entrelaçamento de entidades que apresentam o caráter híbrido dos fenômenos tecnocientíficos.

Considerações finais

A sociedade atual está sofrendo enorme influência de inúmeras fontes de informação sobre a pandemia da COVID-19. Dessa forma, entendemos que os professores podem utilizar essas fontes, como as charges, para a formação de alunos críticos e reflexivos, que sejam capazes de trabalhar essas informações recebidas e avaliá-las.

Acreditamos que as charges são um recurso pedagógico, que, por meio de suas manifestações escritas e visuais, apresentam representações da atualidade, sendo, ainda, um recurso instigante, crítico e com poder questionador por meio da sátira atrelada ao conhecimento científico. Portanto, amparamo-nos na Teoria Ator-Rede e defendemos a utilização das charges no ensino de ciências, uma vez que elas se apresentam como actantes para uma prática sociomaterial diferente, que carrega inúmeras informações para serem refletidas, debatidas e discutidas em sala de aula.

Nesse contexto, podemos contribuir para uma educação científica mais significativa trazendo conteúdos atuais, que estão marcando a história e podem ser significativos para o ensino e a aprendizagem dos alunos. Entendemos que as charges possibilitam uma interação entre o sujeito “aluno” e a sociedade, já que elas são um meio de comunicação empregado para retratar uma circunstância da realidade. Logo, a utilização de charges como um texto relevante nas aulas de Ciências ou Biologia pode ser considerada um recurso mobilizador de novos actantes, o que poderia mobilizar conhecimentos de saúde, ambiente, economia, cultura, sociedade e tecnologia. Poderia, ainda, se constituir em uma ação, que propiciaria emergência de uma rede heterogênea de elementos em uma aprendizagem, a qual afeta os estudantes para realidades instáveis, novas e desafiadoras.

Em tempo, o nosso estudo consiste em uma proposta incipiente e nos permite pensar em novas pesquisas que envolveriam a incorporação das charges em situações de ensino nas aulas de Biologia. Em estudos in situ, poderemos observar como esses objetos mobilizam e são mobilizados e como são transformados em objetos de conhecimento? Como eles se associam aos diferentes actantes e como potencializam ou restringem a aprendizagem ou os afetos?

Referências

ALMEIDA, C. “Make science great again?”: o impacto da covid-19 na percepção pública da ciência. Dilemas: Revista de Estudos de Conflito e Controle Social, Rio de Janeiro – Reflexões na pandemia 2020, p. 1-24, maio 2020. Disponível em: https://www.arca.fiocruz.br/bitstream/icict/41506/2/ALMEIDA-make-science-2020.pdf.

BARAD, K. Meeting the universe halfway. Durham: Duke University Press, 2007.

BAVEL, J. J. V. et al. Using social and behavioural science to support COVID-19 pandemic response. Nature Human Behaviour, v. 4, p. 460-471, 2020. Disponível em: https://www.nature.com/articles/s41562-020-0884-z.

CECCON, R. F.; SCHNEIDER, I. J. C. Tecnologias leves e educação em saúde no enfrentamento à pandemia da COVID-19. SciELO – Scientific Electronic Library Online, 2020, 19 p. Disponível em: https://preprints.scielo.org/index.php/scielo/preprint/view/136.

COUTINHO, F. A.; VIANA, G. M. Teoria ator-rede e educação. Curitiba: Appris, 2019.

FENWICK, T.; EDWARDS, R. Researching education through Actor-Network Theory. Manchester: John Wiley & Sons, 2012.

FREIRE, L. de L. Seguindo Bruno Latour: notas para uma antropologia simétrica. Comum, Rio de Janeiro, v. 11, n. 26, p. 46-65, jan./jun. 2006.

KISSLER, S. M.; TEDIJANTO, C.; GOLDSTEIN, E.; GRAD, Y. H.; LIPSITCH, M. Projecting the transmission dynamics of SARS-CoV-2 through the post pandemic period. SCIENCE, Washington, v. 368, n. 6493, p. 860-868, 2020. Disponível em: https://science.sciencemag.org/content/368/6493/860.

LATOUR. B. A. Jamais fomos modernos: ensaio de Antropologia Simétrica. Rio de Janeiro: Ed. 34, 1994. 152 p.

LATOUR, B. Pandora’s hope. Essays on the reality of science studies. Cambridge, Mass.: Harvard University Press, 1999.

LATOUR, B. Ciência em ação: como seguir cientistas e engenheiros sociedade afora. São Paulo: Ed. da UNESP, 2000.

LATOUR, B. How to Talk About the Body? The Normative Dimension of Science Studies. Body & Society, Califórnia, v. 10, n. 2-3, p. 205-229, 2004. Disponível em: http://www.bruno- latour.fr/sites/default/files/77-BODY-NORMATIVE-BS-GB.pdf.

LATOUR, B. Reagregando o social. Salvador: Ed. da UFBA; Bauru, SP: Edusc, 2012. 400 p.

MELO, M. F. A. Q.; MORAES, M. O. Ludicidade, Tecnologias e Teoria Ator-Rede: adicionando contribuições. Athenea Digital. Revista de pensamento e pesquisa social, [S.l.], v. 16, n. 3, p. 189-205, nov. 2016. Disponível em: https://atheneadigital.net/article/view/v16-n3-queiroz- moraes/1665-pdf-pt.

PASSOS, M. M.; MAISTRO, V. I. A.; CARAIOLA, V.; ARRUDA, S. M. Charges e suas contribuições para o ensino de ciências naturais. Revista Ciências & Ideias, Rio de Janeiro, v. 8, n. 2, p. 165-176, ago. 2017. Disponível em: https://revistascientificas.ifrj.edu.br/revista/index.php/reci/article/view/685/525.

PENNYCOOK, G.; McPHETRES, J.; ZHANG, Y.; LU, J. G.; RAND, D. G. Fighting COVID-19 misinformation on social media: Experimental evidence for a scalable accuracy nudge intervention. Psychological Science, Washington, v. 31, n. 7, p. 770-780, 2020. Disponível em: https://journals.sagepub.com/doi/pdf/10.1177/0956797620939054.

SANTOS, B. S. A cruel pedagogia do vírus. Coimbra: Edições Almedina, 2020.

SØRENSEN, E. The materiality of learning. Cambridge: Cambridge University Press, 2010.

SOUSA JÚNIOR, J. H.; RAASCH, M.; SOARES, J. C.; RIBEIRO, L. V. H. A. S. Da desinformação ao caos: uma análise das fake news frente à pandemia do coronavírus (COVID-19) no Brasil. Cadernos de Prospecção, Salvador, v. 13, n. 2, 2020a. 16 p. Disponível em: https://cienciasmedicasbiologicas.ufba.br/index.php/nit/article/view/35978/20912.

SOUSA JÚNIOR, J. H.; RIBEIRO, L. V. H. A. S.; SANTOS, W. S.; RAASCH, M. “#FIQUEEMCASA E CANTE COMIGO” Estratégia de entretenimento musical durante a pandemia de COVID-19 no Brasil. Boletim de Conjuntura (BOCA), Boa Vista, v. 2, n. 4, p. 72-85, abr. 2020b. Disponível em: https://cienciasmedicasbiologicas.ufba.br/index.php/nit/article/view/35978/20912.

SPOSATI, A. O. COVID-19 Revela a Desigualdade de Condições da Vida dos Brasileiros. Revista NAU Social, Salvador, v. 11, n. 20, 3 p, 2020. Disponível em: https://portalseer.ufba.br/index.php/nausocial/article/view/36533/21016.

WYZYKOWSKI, T.; FRISON, M. D.; BIANCHI, V. Compreensões de educação ambiental a partir de charges do Facebook. REAMEC – Rede Amazônica de Educação em Ciências e Matemática, v. 8, n. 2, p. 290-307, 12 maio 2020. Disponível em: https://dev.setec.ufmt.br/periodicos/index.php/reamec/article/view/9768.

Notas

3 Com o intuito de aproximar o público leitor ao conteúdo proposto, indicamos os sites dos jornais online O Tempo, https://www.otempo.com.br/charges, e Super Notícia, https://www.otempo.com.br/super- noticia/charges, para acessar os trabalhos do cartunista em questão.
4 “In this linguist and material connotations, it refers to all the displacements through others actors whose mediation is indispensable for any action to occur. In place of a rigid opposition between context and content, chains of translation refer to the work through which actors modify, displace, and translate their various and contradictory interests” (LATOUR, 1999, p. 311).
5 “This is a direct consequence of Vinciane Despret’s argument (in this issue) drawing on William James on emotion: to have a body is to learn to be affected, meaning ‘effectuated’, moved, put into motion by other entities, humans or non-humans. If you are not engaged in this learning you become insensitive, dumb, you drop dead” (LATOUR, 2004, p. 205).
6 “They do not just respond to human intention and force. In fact, things change and shape human intentions, meanings, relationships, routines, memories, even perceptions of self” (FENWICK; EDWARDS, 2010, p. 6).
7 Disponível em: https://www.otempo.com.br/charges
8 Disponível em: https://www.otempo.com.br/super-noticia/
9 Disponível em: https://www.otempo.com.br/charges/charge-super-fc-26-03-2020-1.2316518
10 Disponível em: https://www.otempo.com.br/charges/charge-o-tempo-23-03-2020-1.2314791
11 Disponível em: https://www.otempo.com.br/charges/charge-ot-13-04-2020-1.2323936
12 Disponível em: https://www.otempo.com.br/charges/charge-o-tempo-05-05-2020-1.2333198
HMTL gerado a partir de XML JATS4R por