Experiências Pedagógicas

O desempenho de estudantes da rede pública da Bahia na redação do ENEM: uma abordagem descritiva a partir do Sistema de Avaliação Baiano da Educação

Jean Márcio de Oliveira
UEFS, Brasil

O desempenho de estudantes da rede pública da Bahia na redação do ENEM: uma abordagem descritiva a partir do Sistema de Avaliação Baiano da Educação

Olhar de Professor, vol. 25, pp. 01-20, 2022

Universidade Estadual de Ponta Grossa

Recepción: 18 Diciembre 2020

Aprobación: 23 Febrero 2022

Resumo: Este trabalho tem como objetivo apresentar dados de um estudo descritivo que comparou o desempenho de estudantes da rede pública estadual, em um município da Bahia, na produção textual solicitada em uma avaliação externa baiana com o desempenho na redação do Enem. A pesquisa também descreve o desempenho de alunos da mesma rede de ensino, em edições diferentes do Enem, com o intuito de verificar se houve avanços na escrita de textos dissertativo-argumentativos. A abordagem metodológica foi o estudo de caso (ANDRÉ, 1995), de natureza quantitativa, cuja análise descritiva foi produzida a partir de boletins de desempenho dos estudantes, dados da SEC/BA e do Inep/MEC. Os resultados apontam para uma classificação dos textos considerada intermediária, tanto na avaliação estadual quanto no Enem, bem como para a nivelação do desempenho dos estudantes baianos de 2013 a 2019. Por fim, estudiosos da área de texto (ANTUNES, 2005; MARCHUSCHI, 2008; KOCH, 2007; FIORIN; PLATÃO, 2011 etc) sinalizam que a dificuldade em produzir textos é, de modo geral, um problema do estudante brasileiro.

Palavras-chave: Redação do ENEM, Desempenho, Avaliação Externa, Rede pública.

Abstract: This study aims to present data from a descriptive study that compares the text production performance of students from the state public school system in a state external evaluation with their performance in the Enem essay, in a municipality in Bahia, The research also describes the performance of students from the same educational network, in different years of Enem, with the objective to verify whether there have been advances in the writing of dissertation-argumentative texts. The methodological approach was quantitative and based on a case study (ANDRÉ, 1995), whose descriptive analysis was produced from students’ performance report cards, data from SEC/BA and Inep/MEC. The results revealed a classification of texts considered intermediate, both in the state assessment and in Enem, as well as the leveling of the performance of students from Bahia in the period 2013-2019. Finally, scholars in the field of text (ANTUNES 2005; MARCHUSCHI 2008; KOCH, 2007; FIORIN&PLATÃO, 2011 etc.) signal that the difficulty in producing texts is, in general, a problem for Brazilian students.

Keywords: ENEM Writing, Performance, External Evaluation, Public network.

Resumen: Este trabajo tiene como objetivo presentar datos de un estudio descriptivo que compara el desempeño de los estudiantes del sistema de escuelas públicas del estado, en un municipio de Bahía, en la producción textual solicitada en una evaluación externa de Bahía con el desempeño en la redacción de Enem. La investigación también describe el desempeño de los estudiantes de la misma red educativa, en diferentes ediciones de Enem, con el objetivo de verificar si hubo avances en la redacción de textos disertativo-argumentativos. El enfoque metodológico fue el estudio de caso (ANDRÉ, 1995), de naturaleza cuantitativa, cuyo análisis descriptivo se produjo a partir de boletines de rendimiento de los estudiantes, datos de SEC / BA e Inep / MEC. Los resultados apuntan a una clasificación de textos considerados intermedios, tanto en la evaluación estatal como en Enem, así como a nivelar el desempeño de los estudiantes bahianos de 2013 a 2019. Finalmente, académicos en el área de texto (ANTUNES, 2005; MARCHUSCHI, 2008; KOCH, 2007; FIORIN & PLATO, 2011 etc.) indican que la dificultad para producir textos es, en general, un problema para el estudiante brasileño.

Palabras clave: Redacción de ENEM, Desempeño, Evaluacion externa, Red pública.

Introdução

A pesquisa a ser apresentada surge em 2014, a partir da observação realizada como docente na rede pública estadual da Bahia, referente aos resultados da avaliação externa que havia sido realizada, no ano anterior, pela Secretaria Estadual da Educação (SEC/BA). Tratava-se dos dados do Programa Avalie Ensino Médio, uma das modalidades de aferição da aprendizagem que compunha o Sistema de Avaliação Baiano da Educação (SABE).

Segundo o Sabe/Avalie, de cinco níveis possíveis, toda rede pública estadual baiana tinha sido classificada no nível III. Esse nível enquadrou a pontuação dos estudantes na redação em um nível denominado intermediário, ou seja, que não puderam ser classificados como adequados.

De acordo com a SEC/BA, a proposta de produção textual solicitada no Avalie 2013 seguia “os parâmetros nacionais de avaliação de escrita, conjugados com as Diretrizes Estaduais de Língua Portuguesa, tendo como base a Matriz do Exame Nacional do Ensino Médio - Enem” (BAHIA, 2013, p. 13). Dessa forma, a presente pesquisa tem como objetivo geral descrever o desempenho dos estudantes da rede pública estadual do município de Araci-BA, na redação do Enem, nas edições 2016 e 2019, tendo como objetivo específico analisar se houve algum avanço no desempenho desses alunos na produção de texto dissertativo-argumentativo, em relação aos resultados de 2014.

O tema tratado é pertinente, uma vez que diz respeito a uma realidade presente em todo país, não sendo uma exclusividade dos estudantes do estado da Bahia. Dados das últimas edições do Enem revelam que a média em redação, em todo Brasil, não ultrapassa 600 pontos (INEP/MEC, 2020).

A metodologia utilizada nesta pesquisa foi o estudo de caso (ANDRÉ, 1995), uma vez que as unidades escolares participantes são do mesmo município, da mesma rede de ensino e ambas obtiveram desempenhos semelhantes no que diz respeito à produção de texto dissertativo-argumentativo, na avaliação do Sabe (2013). Os instrumentos de pesquisa foram, basicamente, a coleta dos boletins de desempenho dos alunos em edições do Enem, seguida da confecção de quadros e gráficos analíticos com os dados levantados. A abordagem do trabalho é de natureza descritiva, pois busca especificar propriedades e características importantes dos sujeitos de pesquisa (SAMPIERI; COLLADO; LUCIO, 2013).

Este trabalho está organizado da seguinte forma: no primeiro capítulo, são discorridos aspectos importantes sobre as avaliações externas e os sistemas de avaliação da educação básica, destacando-se o Enem e o Sistema de Avaliação Baiano da Educação (SABE). Em seguida, é apresentada a Matriz de Referência utilizada na avaliação de textos desses exames. No terceiro e quarto capítulo, apresenta-se o desempenho dos estudantes no Avalie 2013 e Enem 2014. No quinto, é descrita a metodologia de pesquisa e, em seguida, a configuração dos dados obtidos nas edições do Enem 2016/2019. Finalmente, a discussão dos resultados, com enfoque de alguns estudiosos da área.

Os sistemas de avaliação externa na educação básica

As avaliações externas em larga escala vêm, ao longo das últimas décadas, se consolidando cada vez mais como uma política pública voltada para a aferição da qualidade da educação no Brasil. Segundo Melo (2013), além de “medir o desempenho para fins de avaliação de escolas e redes”, elas procuram “produzir informação para distribuição de benefícios aos recentes sistemas de responsabilização” e, finalmente, “utilizar procedimentos próprios da avaliação para incidir diretamente no processo de ensino” (MELO, 2013, p. 36).

De acordo com o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep/MEC), as avaliações externas buscam descrever o desempenho das escolas, cujos resultados possibilitam medir a proficiência dos estudantes e, assim, contribuir para que as escolas tenham um retrato de sua realidade, bem como favorecer que novas políticas públicas sejam implementadas (INEP/MEC, 2020). Essas avaliações colhem informações acerca dos resultados obtidos pelas escolas e pelas redes de ensino, a partir do desempenho dos estudantes, em testes ou provas padronizadas, verificando se o aprendizado em português e matemática desses alunos está em conformidade com o nível de ensino em que se encontram. Desta forma, para o Inep, as avaliações em larga escala

Buscam assegurar a qualidade da Educação, fortalecendo o direito a uma educação de qualidade a todos os alunos. Os resultados dos testes aplicados apontam para a realidade de ensino, oferecendo um panorama do desempenho educacional (INEP, 2015, n. p.).

Os dados fornecidos pelas avaliações em larga escala possibilitam aos governos tomarem decisões que visam à melhoria no sistema de ensino e nas escolas. Conforme o Inep, as informações obtidas permitem também que os sistemas de ensino, no Brasil, sejam acompanhados (INEP/MEC, 2020). Dentre as ações concretas, planejadas e executadas a partir dos subsídios fornecidos com essas avaliações, é possível citar a criação dos Indicadores Nacionais para a Educação, a exemplo do Ideb (Índice de Desenvolvimento da Educação Básica), bem como a distribuição do percentual de alunos em cada nível da escala de proficiência.

De acordo com o Centro de Estudos e Pesquisas em Educação, Cultura e Ação Comunitária, esse tipo de avaliação “é um ponto de partida, de apoio, um elemento a mais para repensar e planejar a ação pedagógica e a gestão educacional” (CENPEC, 2013, p. 12). Logo, essas ações são parte de estratégias governamentais que têm como objetivo garantir o direito de aprender de cada estudante brasileiro e, consequentemente, a melhoria da qualidade da educação em todo país.

O Exame Nacional do Ensino Médio

Sem dúvidas, o mais conhecido, bem como o mais abrangente exame nacional de avaliação educacional do Brasil, o ENEM - Exame Nacional do Ensino Médio, criado em 1998 com o objetivo de avaliar as competências e habilidades adquiridas pelos estudantes ao término da educação básica, acabou ganhando proporções inesperadas no decorrer de pouco mais de duas décadas.

Inicialmente, o Enem foi planejado buscando-se dados que viessem a contribuir para a melhoria da qualidade do ensino médio, no entanto, à medida que o exame foi sendo aplicado, a sua proposta inicial foi tomando outros rumos. A exemplo disso, em 2004, o Ministério da Educação “instituiu o Programa Universidade para Todos (ProUni) e vinculou a concessão de bolsas parciais ou integrais, com base no desempenho do candidato no Enem” (INEP/MEC, 2013, p. 7).

A partir de 2009, como resposta ao aumento significativo de participantes e, de certa forma, confirmando sua natureza social, o Enem passou a ser utilizado como mecanismo de seleção para o acesso ao ensino superior nas principais Universidades Federais de todo país, através do Sistema de Seleção Unificado (Sisu), contribuindo, assim, para a democratização das oportunidades para todos os brasileiros. Diante desse fato, “o Inep viu-se na necessidade de não apenas se organizar para um crescente número de participantes, mas ampliar e tornar mais claros os objetos de conhecimentos avaliados” (INEP/MEC, 2013, p. 7).

Além de questões interdisciplinares, o Enem solicita do candidato uma produção escrita. Esse formato da avaliação relaciona-se com os componentes curriculares da Educação Básica, por área de conhecimento. De acordo com o Inep, esta reformulação do Enem “faz parte da reforma educacional brasileira iniciada em meados da década de 1990, que indicava a necessidade de um novo Ensino Médio para o Brasil” (INEP/MEC, 2013, p. 11). Paralelamente a estas mudanças no Enem, as Diretrizes Curriculares para o Ensino Médio também passaram por reformulações. O currículo, que antes era estruturado por conteúdos disciplinares, passou a ser organizado nas três áreas do conhecimento, a saber: Ciências Humanas e suas Tecnologias; Natureza e suas Tecnologias; Matemática e suas Tecnologias; Linguagens, Códigos e suas Tecnologias e Redação.

Atualmente, muitas universidades já adotam os resultados do Enem como processo único de seleção, enquanto outras o utilizam apenas como uma das fases de acesso, de forma combinada com o vestibular próprio de cada instituição. Nos últimos anos, além do crescente número de universidades brasileiras, está havendo uma abertura de algumas instituições de ensino superior no exterior que estão utilizando o Enem como processo seletivo de candidatos ingressantes.

Outro ponto importante a ser ressaltado é a natureza pedagógica do Enem. Além de avaliar as competências e habilidades desenvolvidas pelos estudantes brasileiros ao longo da educação básica, o exame revela aspectos socioeconômicos dos participantes e fornece informações sobre a realidade das salas de aulas e das escolas brasileiras. Esses dados contribuem para a formulação dos indicadores da qualidade da educação em todo país, uma vez que, para o Inep, os resultados do Exame auxiliam a comunidade escolar e a gestão

Nas reflexões sobre suas práticas e no estabelecimento de estratégias em favor da melhoria da qualidade de ensino, juntamente com outros dados, seus resultados podem contribuir para processos de reflexão pedagógica, aprimoramento do ensino, orientação curricular, planejamento da vida escolar e formulação de políticas educacionais (INEP, 2013, p. 107-108).

Assim, a partir dos resultados do desempenho dos seus alunos em avaliações externas, como o Enem, as unidades escolares podem refletir sobre suas práticas educativas e traçar metas pedagógicas a serem alcançadas pela comunidade escolar. Isso pode contribuir diretamente para a melhoria na qualidade do ensino ofertado e, consequentemente, alcançar melhores resultados no processo de aprendizagem dos estudantes, por meio da consolidação de políticas educacionais.

Finalmente, esta cultura avaliativa, consolidada em todo país, tem se expandido, ocupando espaços cada vez mais significativos nos sistemas de ensino, ultrapassando a esfera nacional e regional. Concebido como um instrumento importante para a busca da qualidade da Educação, alguns Estados brasileiros têm criado seu próprio sistema de avaliação em larga escala, a exemplo da Bahia.

O Sistema de Avaliação Baiano da Educação

A Bahia, seguindo a tendência nacional das avaliações externas em larga escala no campo educacional criou, em 2008, o Sistema de Avaliação Baiano da Educação (SABE), em parceria com Centro de Políticas Públicas e Avaliação da Educação da Universidade Federal de Juiz de Fora (CAEd/UFJF). Em todo território nacional, a maioria dos estados criou “os seus sistemas próprios de avaliação educacional, numa expansão muito significativa da atividade de avaliação em todo o território nacional” (MELO, 2013, p. 35).

De acordo com a SEC/BA, o Programa foi criado com o objetivo de realizar diagnósticos do desempenho dos estudantes da rede pública estadual, por área de conhecimento, e tem “o propósito de criar um sistema de ensino mais justo e inclusivo, com chances de aprendizado iguais para todos os estudantes” (BAHIA, 2013, p. 12). Assim, o SABE passou a se configurar como uma importante política pública de avaliação da educação no Estado da Bahia, produzindo informações significativas, tendo em vista a melhoria da qualidade do ensino e da aprendizagem dos estudantes baianos. Ao realizar um diagnóstico mais detalhado do desempenho dos estudantes, o Programa fornece subsídios que contribuem diretamente para o acompanhamento de políticas educacionais e para a implementação de ações no contexto escolar. Segundo a SEC/BA,

Com os dados gerados pelas avaliações, é possível proporcionar um diagnóstico mais preciso e rico da educação ofertada nas escolas do Estado. Assim, subsidia a implementação, a (re)formulação e o monitoramento de políticas educacionais, contribuindo efetivamente para a melhoria da qualidade da educação no estado (SEC/BA, 2011, p. 12).

Assim, os resultados das avaliações são utilizados não apenas com finalidade de ordem política, mas, principalmente, com o intuito de se fazer intervenções pedagógicas, que venham a gerar impactos positivos diretamente nas unidades escolares, em toda rede pública no Estado da Bahia. É com esse objetivo que o SABE abrange tanto os alunos em processo de alfabetização (Avalie Alfa) quanto os que já se encontram no ensino médio (Avalie Ensino Médio).

O Avalie Ensino Médio é a modalidade de avaliação do SABE que é aplicada a alunos da última etapa da educação básica. Na rede pública estadual da Bahia, além do ensino médio regular, com três anos de duração, é ofertado o ensino médio integrado à educação profissional, com quatro anos, cujos estudantes participam também das avaliações aplicadas pelo Avalie. Trata-se, portanto, de uma avaliação externa, de natureza censitária, com o objetivo de avaliar os estudantes do ensino médio, da rede pública estadual da Bahia, monitorando a evolução do rendimento desses alunos, através da aplicação de testes que verificam o nível de aprendizagem em todas as áreas do conhecimento. Segundo a SEC, esta modalidade de avaliação produz “informações sobre os processos de ensino e aprendizagem da rede pública, ao tempo em que contribui para a (re)formulação de políticas voltadas para a melhoria do ensino médio” (SEC/BA, 2011 p. 7).

Dessa forma, a avaliação consiste na aplicação de provas com questões objetivas, de múltipla escolha, de cada área do conhecimento, realizadas em todas as unidades escolares da rede pública estadual. Além das questões objetivas, na área de Linguagens e Códigos é solicitada uma produção textual, em prosa, de tipologia dissertativo-argumentativa, tendo sua própria Matriz de Produção de Texto.

A matriz de referência para a avaliação de texto

Nos sistemas de avaliação em larga escala, para cada área do conhecimento é elaborada uma Matriz de Referência, que tem o objetivo de avaliar as competências e habilidades dos estudantes. Na área de Linguagem, Código e suas Tecnologias esse documento aponta os descritores como os instrumentos que são utilizados para indicar as competências e habilidades em leitura e interpretação, por exemplo, sendo fundamental também a implementação de uma Matriz de Referência que fosse utilizada para avaliar a competência escritora dos alunos.

Assim, para a avaliação da produção textual dos participantes do Enem foi elaborada a Matriz de Correção da redação, composta por cinco Competências: Registro; Tema/tipologia; Coerência; Coesão; Proposta de intervenção. Cada competência, por sua vez, abarca as seguintes habilidades:

Imagem 1: Matriz de Referência para a Redação
Imagem 1: Matriz de Referência para a Redação
Fonte: Cartilha do Participante Enem (2013).

Conforme afirma o Inep/MEC, esses documentos “asseguram maior transparência ao processo de avaliação”, pelo fato de se constituírem como os “elementos norteadores do Exame, para orientação dos participantes e das redes de ensino” (INEP/MEC, 2013, p. 19). Dessa forma, essas matrizes têm por referência os Parâmetros Curriculares Nacionais e cada sistema de avaliação constrói sua Matriz consultando os currículos propostos por cada Secretaria Estadual de Educação e, em alguns casos, pelas redes municipais.

No que diz respeito ao Avalie Ensino Médio, de acordo com a SEC/BA (2013), a Matriz de Correção de Texto do Programa “segue os parâmetros nacionais de avaliação de escrita, conjugados com as Diretrizes Estaduais de Língua Portuguesa, tendo como base a Matriz do Enem-Exame Nacional do Ensino Médio” (BAHIA, 2013, p. 13). Partindo dessa perspectiva, as propostas de produção textual do Avalie Ensino Médio tomam como base textos motivadores, solicitando do estudante “a produção de um texto em prosa, do tipo expositivo-argumentativo, sobre um tema de ordem social, científica, cultural ou política” (SEC/BA, 2012, p. 16).

O desempenho dos alunos na redação do avalie 2013

Na avaliação do texto do aluno no Avalie Ensino Médio, o desempenho de cada discente é classificado dentro de um nível que vai de zero a cinco, sendo eles: inadequado, crítico, básico, intermediário, adequado . avançado. Na última avaliação aplicada, no ano de 2013, de acordo com os dados apresentados pela Secretaria Estadual da Educação da Bahia (BAHIA, 2013), a produção textual dos estudantes baianos foi classificada, de modo geral, como intermediária.

Considerando-se a Matriz de Correção por Competência, do programa Avalie Ensino Médio, além do nível 0 (nível inadequado) que é a classificação dada para os textos que não atenderam aos requisitos mínimos para serem corrigidos, os demais textos são alocados pelo programa em cinco níveis, a partir da pontuação obtida, conforme quadro abaixo (BAHIA, 2013, p. 34):

Quadro 1: Pontuação por nível de escrita no Avalie Ensino Médio
CríticoBásicoIntermediárioAdequadoAvançado
0,1 a 2,0 pontos Nível I2,1 a 4,0 pontos Nível II4,1 a 6,0 pontosNívelIII6,1 a 8,0 pontos Nível IV8,1 a 10 pontos Nível V
Fonte: SEC/BA (2013).

De acordo com a SEC/BA, o nível intermediário é aquele em que o aluno-escritor demonstra certo domínio dos fatores de textualidade, porém, ainda não os utiliza de forma adequada. Assim, nesse nível, o estudante escreve de forma regular, não conseguindo produzir um texto bem estruturado linguisticamente, apresentando dificuldade em utilizar argumentos de forma coerente e coesa, não sendo capaz ainda de defender seu ponto de vista com clareza (OLIVEIRA, 2016).

Comparando-se a classificação dos textos do Avalie Ensino Médio com a das produções da redação do ENEM, o nível intermediário corresponde aos textos com pontuação entre 400 e 600 pontos. Dessa forma, fez-se necessário verificar o desempenho desses alunos que participaram do Avalie e também no Enem, para que fosse possível analisar até que ponto o SABE pode ser considerado um sistema de avaliação externa consolidado.

O desempenho dos alunos na redação do Enem 2014

Diferentemente do Avalie, a participação no Enem é voluntária, devido à sua relevância e abrangência no cenário nacional e até internacional, onde o nível de motivação para os candidatos escreverem uma redação é bem maior do que foi no contexto do Avalie. Assim, foi necessário fazer um quadro comparativo entre o desempenho dos estudantes do Censg na redação do Avalie 2013 com a que foi produzida por eles no Enem, edição 2014. Assim, foi feita a coleta de dados para verificar o desempenho dos alunos dessa unidade escolar na redação do Enem. Após explicitar o objetivo da pesquisa aos estudantes e deixar claro que os nomes deles não seriam revelados, mas apenas a pontuação obtida na redação, conseguiu-se um número suficiente para calcular a média aritmética na produção textual deles.

Foram obtidos 20 boletins de desempenho de estudantes do Censg, da 3ª série do ensino médio regular e da 4ª série do ensino médio integrado à educação profissional. A média atingida pela escola foi de 540 pontos, sendo que o maior índice dos candidatos do Enem 2014 ficou entre 501 e 600 pontos (INEP/MEC, 2015). Fazendo um comparativo com os números do Avalie, considerou-se esse desempenho dos alunos do Censg, no Enem, como em um nível intermediário também (OLIVEIRA, 2016). Essa situação apontou que o desempenho dos alunos do Censg, em redação, tanto no Avalie quanto no Enem, foi semelhante, revelando que os dados do SABE, em produção de textos dissertativo-argumentativos eram consistentes. Logo, o SABE, de caráter estadual, tivera seus números confirmados por um dos exames mais consolidados do país, que é o Enem.

Embora os dados de desempenho dos alunos do Colégio Estadual Nossa Senhora das Graças na redação do Enem 2014 tenham se configurado entre a média nacional, a princípio, não há motivos para contentamentos. Se for considerado o fato de que o total de pontuação a ser atingida na redação do Enem é de mil pontos, considera-se que ainda há necessidade de se avançar no quesito produção de texto dissertativo-argumentativo por nossos estudantes, seja em nível local quanto estadual e, inclusive, em nível nacional.

Passados alguns anos após a apresentação dos resultados, fez-se necessária uma nova verificação dos desempenhos dos estudantes da mesma escola pesquisada em 2013. Foram incluídas mais duas unidades escolares, com o objetivo de analisar se houve melhoria no desempenho dos estudantes do ensino médio na redação do Enem, nas escolas rede pública estadual no município de Araci, em edições posteriores à de 2014.

Metodologia

A metodologia utilizada enquadra este trabalho em um estudo de caso. Este, por sua vez, pode ser aplicado na área educacional, de forma mais estrita, isto é, apenas como um “estudo descritivo de uma unidade, seja uma escola, um professor, um aluno uma sala de aula” (ANDRÉ, 1995, p. 30). Assim, as unidades escolares de ensino médio do município de Araci se configuram como um caso que é representativo de todas as escolas dessa modalidade, na rede estadual, uma vez que, conforme já visto, o desempenho não satisfatório na redação foi geral, em todo Estado da Bahia (BAHIA, 2013), bem como no país (INEP/MEC, 2020).

Sendo assim, os primeiros passos metodológicos desta pesquisa voltaram-se para a coleta de boletins de alunos que produziram a redação nas edições do Enem 2016, nas três escolas estaduais do município de Araci (2 na zona urbana e 1 na zona rural). Os dois primeiros colégios ofertam o ensino médio presencial, sendo que um deles (colégio A) trabalha com o ensino médio integrado à educação profissional, e o outro (colégio B) com o ensino médio regular. Por sua vez, o colégio da zona rural (colégio C) oferta o ensino médio com intermediação tecnológica, denominado Emitec.

No Emitec, as aulas são produzidas em estúdio, transmitidas via satélite, em tempo real para as salas de aula, localizadas nas comunidades rurais de vários municípios, em todo Estado da Bahia. Não há professores nas salas de aulas, apenas servidores de nível médio, contratados para fazerem a intermediação entre os alunos e a equipe de professores. Para a pesquisa de 2016, foram coletados dados dos alunos do Emitec de três comunidades diferentes, no município de Araci.

No primeiro momento, foram coletados 30 boletins de alunos de cada unidade escolar pesquisada, sendo, porém, da terceira série do ensino médio regular, nos colégios B e C, e de estudantes da quarta série do ensino médio integrado à educação profissional, no colégio A. A partir da nota atribuída à redação de cada candidato, foi calculada a média aritmética de cada escola no Enem 2016.

Posteriormente, o mesmo procedimento metodológico foi realizado, envolvendo, desta vez apenas o colégio B, de oferta presencial, e alunos do Emitec. Tanto no colégio B quanto no Emitec, a modalidade ofertada é o ensino médio regular, embora essa última na modalidade com intermediação tecnológica. Foram obtidos o quantitativo de 20 boletins do Enem 2019, sendo 10 do colégio B e 10 de estudantes do Emitec, das mesmas comunidades que participaram em 2016 (OLIVEIRA, 2016, p. 14).

Por último, foi feito um levantamento da média nacional da redação do Enem nas edições de 2016 e 2019, a partir do espelho divulgado pelo Inep/MEC. Esse órgão disponibiliza o desempenho dos estudantes brasileiros em cada edição do referido Exame, logo, é importante que se tenha esses dados oficiais para que se faça um comparativo entre o desempenho dos alunos do município de Araci com os demais estudantes do Brasil.

Resultados

Desempenho dos estudantes na Redação do ENEM 2016

A seguir, apresentamos quadros, por unidade escolar, com a pontuação de cada estudante na Redação do Enem 2016, sendo 30 boletins em cada uma delas:

Quadro 2: Notas da redação dos alunos do Colégio A
320580600540500540560520440640
360560460440440540480760480640
480600560400440560520000720740
TOTAL DE PONTOS:15.420
MÉDIA:514
Fonte: Boletins do Enem fornecidos pelos alunos, 2017.

Quadro 3: Notas da redação dos alunos do Colégio B
400400440640560520800380460500
520500540760440440800720600400
440540540440480420520420520500
TOTAL DE PONTOS:15640
MÉDIA:521
Fonte: Boletins fornecidos pelos alunos, 2017.

Quadro 4: Notas da redação dos alunos do Colégio C
620400380280400440540600380480
400440480460400600540600540520
520580500680520560520320560540
TOTAL DE PONTOS:14.800
MÉDIA:493
Fonte: Boletins fornecidos pelos alunos, 2017.

De acordo com os dados dos quadros, percebemos que nenhuma das escolas ultrapassou a média dos 600 pontos. Embora tenha havido pontuações individuais acima desse total em cada uma delas, no conjunto a média aritmética entre as três escolas é de 510 pontos, somando-se, portanto, a pontuação de ambas.

Nota-se também que, das três escolas, as duas da zona urbana tiveram melhor pontuação, com uma diferença de apenas 7 pontos entre elas. Já os estudantes da zona rural ficaram um pouco abaixo em relação às da sede da cidade, ultrapassando a casa dos 20 pontos a menos.

Distribuindo-se a pontuação obtida por níveis de classificação, temos o seguinte resultado:

Gráfico 2: Desempenho das três escolas por nível de classificação
Gráfico 2: Desempenho das três escolas por nível de classificação
Fonte: Boletins dos alunos, 2017.

Considerando que o primeiro nível seja relativo aos textos zerados, o Gráfico 2 mostra que, dentre os 90 estudantes participantes, apenas um deles zerou sua redação. As três unidades escolares ficaram empatadas no nível 3 (de 401 a 600 pontos), com praticamente o mesmo número de pontuação. O número de redação no nível 4 (de 601 a 800 pontos) foi pequeno, tendo havido a mesma quantidade de redações nesse bloco entre os Colégios A e B, sendo apenas duas no Colégio C. Por último, nenhuma das escolas teve textos no quinto nível (de 801 a mil pontos).

Desempenho dos estudantes na redação do ENEM 2019

Quadro 5: Notas da redação dos alunos do Colégio B no Enem 2019
PARTICIPANTEPONTUAÇÃOPARTICIPANTEPONTUAÇÃO
Aluno1620Aluno6560
Aluno2660Aluno7660
Aluno2740Aluno8620
Aluno2920Aluno9500
Aluno5560Aluno10780
Total de Pontos6.620
MÉDIA662,0
Fonte: Boletins fornecidos pelos alunos, 2020.

A partir dos números do Quadro 5, vemos que o Colégio B alcançou média superior à própria média no Enem 2016, que fora 521 (OLIVEIRA, 2016, p. 15). Esse resultado aponta que houve um avanço nessa unidade escolar, obtendo-se, assim, um total de mais de 100 pontos a mais em relação à pontuação de 2016.

Quadro 6: Notas da redação dos alunos do Colégio C no Enem 2019
PARTICIPANTEPONTUAÇÃOPARTICIPANTEPONTUAÇÃO
Aluno1540Aluno6680
Aluno2500Aluno7380
Aluno2400Aluno8540
Aluno2430Aluno9520
Aluno5520Aluno10660
Total de Pontos5170
MÉDIA517
Fonte: Boletins fornecidos alunos, 2020.

Já entre os estudantes do Colégio C, no Quadro 6, apesar de ter havido uma pequena melhoria na média da redação em relação ao resultado de 2016, que foi de 593 pontos (OLIVEIRA, 2016, pag.15), por outro lado, o desempenho de 2019 está bem abaixo da média do Colégio B, nesse mesmo ano.

Média Nacional da Redação do Enem

No espelho de redação do aluno, o Inep/MEC apresenta um gráfico comparativo entre a nota de cada candidato com a classificação dos demais, em todo país, revelando em qual nível a pontuação desse candidato foi classificada, conforme imagem a seguir:

Gráfico 3: Espelho de Desempenho na Redação do Enem 2016.
Gráfico 3: Espelho de Desempenho na Redação do Enem 2016.
Fonte: Espelho de Redação do Enem, 2016.

O Gráfico 3 mostra que a maioria dos estudantes produziu textos que oscilaram entre 501 e 600 pontos, o que se repetiu na edição 2019, conforme nos mostra o Gráfico 4, a seguir:

Gráfico 4: Espelho de desempenho da Redação do Enem 2019
Gráfico 4: Espelho de desempenho da Redação do Enem 2019
Fonte: INEP/MEC (2019).

Considerando o percentual de redações classificadas entre 501 e 600 pontos, vemos nos Gráficos 3 e 4 que houve um aumento de textos cuja pontuação se configura nesse nível, de 2016 para 2019 (de 26 para 30.6%).

Quadro comparativo Enem 2016/Enem 2019

Conforme visto nos Gráficos 3 e 4, a média nacional na redação do Enem, tanto em 2016 quanto em 2019, não ultrapassou os 600 pontos. Dessa forma, é importante traçarmos um comparativo do resultado dos estudantes do município de Araci, nessas duas edições do Enem, para que seja possível perceber se houve algum avanço no que diz respeito à pontuação obtida pelas duas escolas, lócus da presente pesquisa, individualmente, bem como em relação à média nacional:

Gráfico 5: Desempenho dos alunos de Araci Enem 2016/2019
Gráfico 5: Desempenho dos alunos de Araci Enem 2016/2019
Fonte: boletins dos estudantes, 2020.

Conforme dados do gráfico 5, nota-se que houve uma considerável ascensão do desempenho do dos alunos do ensino médio regular, da edição 2016 para a de 2019, principalmente em relação ao Emitec. Quanto ao Emitec, por outro lado, mesmo que tenha ficado bem abaixo da pontuação do E.M Regular, ainda assim, houve um pequeno avanço em seus resultados.

Por fim, comparando-se o desempenho dos estudantes de Araci com os demais, em todo país, vemos que ambas as escolas ficaram abaixo, no Enem 2016. Na edição 2019, por sua vez, o Colégio B superou a casa dos 600 pontos, ultrapassando, mais uma vez o Emitec e ficando acima da média nacional. Quanto ao Emitec, vemos que praticamente se configura um mesmo desempenho, tanto em relação a ele próprio quanto comparando-se à média nacional.

Discussão

Conforme apresentado nesse trabalho, os resultados do Exame Nacional do Ensino Médio de 2014 confirmaram os dados do Sistema de Avaliação Baiano da Educação (Sabe), quando classificou, em 2013, o desempenho dos estudantes baianos em um nível intermediário, em todo Estado.

Assim, retomando a questão principal desta pesquisa, que buscou responder se “os dados do Avalie Ensino Médio refletem a realidade dos alunos baianos em produção de textos dissertativo-argumentativos” e teve o objetivo de verificar se houve melhoria no desempenho dos estudantes da rede pública estadual da Bahia na redação do Enem, no município de Araci, os números levantados nesse trabalho, a partir dos dados da edição 2016, confirmam a situação apresentada anteriormente.

Desta forma, a pontuação dos alunos das três escolas estaduais de Araci, na redação do Enem, edição 2016, se configurou entre os 400 a 600 pontos, oscilando entre 493 e 521 pontos a média entre as três escolas. Esse resultado ratifica, por um lado, o desempenho do Colégio A (Ensino Médio Integrado à Educação Profissional), lócus da pesquisa de mestrado, quando apresentou média de 540 pontos no Enem 2014, classificando a escola, mais uma vez, no nível intermediário.

Os dados das outras duas escolas (Colégios B e C), em 2016, por sua vez, confirmam a classificação obtida pelo Colégio A. Ambas as escolas também apresentaram pontuação semelhante, ou seja, não ultrapassaram os 600 pontos, se enquadrando no nível intermediário, da mesma forma. Isso significa, portanto, a consolidação dos dados, tanto do Sabe, em 2013, quanto do Enem, edição 2014, no que diz respeito à produção de texto dissertativo-argumentativo em larga escala, no município de Araci-BA.

Posteriormente, com o intuito de confrontar os dados do Enem 2016, o desempenho dos alunos dos colégios B e C na redação do Enem 2019, apontou que houve uma melhora na produção textual nas duas escolas, principalmente, no Colégio B. Essa unidade escolar, que na edição de 2016 ficou na casa dos 600 pontos, dessa vez, teve um salto para quase 700 pontos, em sua média.

No resultado do Colégio C, por outro lado, houve pouca variação, uma vez que em 2016 não ultrapassou os quinhentos pontos, mas em 2019, enfim, obteve pouco mais de 20 pontos a mais. Essa situação, portanto, aponta para uma melhora no desempenho individual de cada escola, entretanto, tendo sido o resultado bem inferior em relação ao do Colégio B.

Ainda que as médias dos dois Colégios (B e C) de 2019 tenham subido em relação ao Enem 2016, quando juntamos os resultados das duas escolas como um desempenho único, no município de Araci, ou seja, como uma média geral, ela se configura com um total de 589,5 pontos. Isso significa que o resultado ainda ficou abaixo da média nacional, em 2019, ratificando, portanto, os desempenhos anteriores (2014/2016), quando a média das escolas de Araci também não ultrapassou os 600 pontos.

Salientamos que, nessa última edição, os dados do Colégio A não foram computados, pelo fato de ter sido dado prioridade aos dois colégios que ofertam apenas a modalidade ensino médio regular, uma vez que na modalidade ensino médio integrado à educação profissional se dá mais ênfase ao ensino técnico e profissionalizante. Ao contrário das escolas regulares, na matriz da educação profissional não há o componente Redação na grade curricular, mas essa disciplina é ofertada concomitante às aulas de Língua Portuguesa (LP), pois “nessas aulas são priorizados os conteúdos gramaticais, ao invés da leitura e da produção textual” Oliveira (2016, p. 154). Do mesmo modo, Rojo e Cordeiro (2004, p. 8) ratificam essa prática ao afirmarem que o que há nas aulas de LP, de modo geral, é um “ensino normativo, que prioriza a análise da língua e da gramática” em detrimento à valorização do “ensino procedimental, em que os usos da língua escrita, em leitura e redação” sejam valorizados.

Uma possível ascensão na pontuação do texto dos alunos perpassa por uma mudança de paradigma no processo de ensino e aprendizagem de textos dissertativo-argumentativos, no ensino médio. Segundo Antunes (2005, p. 23), “não causa nenhuma surpresa ouvir falar das imensas dificuldades dos alunos para escreverem, mesmo no final do ensino médio, textos relevantes, adequados e, consequentemente, coerentes”. E isso pode ser consequência da falta de preparação por parte da escola, quando não cumpre os objetivos propostos nem segue as orientações oficiais quanto ao trabalho com produção de texto. Para a autora:

Todos nós conhecemos também as condições gerais em que esse estudo acontece: sem muito estímulo à leitura e sem tempo para um persistente exercício de se escrever textos que sejam, de fato, representativos da atividade que as pessoas desenvolvem na comunicação no dia-a-dia (ANTUNES, 2005, p. 23).

Na escola, a produção de texto não é vista como uma atividade sociointerativa, mas unilateral. O professor é quem cria as situações de produção e, principalmente, se torna o único interlocutor para quem os textos dos alunos são direcionados. Isto torna a escrita de texto uma atividade artificial e solitária, onde o escritor (o aluno) não tem uma definição clara a respeito dos objetivos de sua produção. É por isso que Marchushi (2005) vem dizer que este é um dos problemas principais nas redações escolares, pois o aluno “tem dificuldade de operar com a linguagem e escreve tudo para o mesmo interlocutor que é o professor” (MARCUSCHI, 2008, p. 78).

Diante de todos os aspectos acima mencionados, pode-se perceber que a escola pode contribuir diretamente para o desempenho dos alunos na produção de textos. De certa forma, é possível justificar a classificação apresentada nas avaliações externas, como no Avalie Ensino Médio e, principalmente, no Enem, uma vez que, para Koch (2007, p. 97), “a linguagem da escola tem se distanciado cada vez mais daquela utilizada pelos alunos, o que torna possível afirmar que muitos desses saem da escola sem saber ‘ler e escrever’” .

Conforme apresentado, muitos fatores contribuem para o mau desempenho dos estudantes na produção textual, mas é possível afirmar que a escola pública brasileira, há muito tempo, não tem cumprido com o papel de formar bons produtores de texto. Grande parcela dos estudantes está concluindo a educação básica sem as habilidades necessárias para produzir textos com qualidade. Os dados acima são confirmados pelo que dizem Fiorin e Platão (2011) ao reconhecerem que “É consensual o reconhecimento de que a escola brasileira não tem cumprido satisfatoriamente o compromisso de ensinar o aluno a compreender e produzir textos com proficiência” (FIORIN; PLATÃO, 2011, p. 5).

Portanto, o trabalho de produção textual na escola é mais suscetível ao sucesso quando esta atividade envolve situações em que os próprios alunos-escritores se sentem motivados para escrever. Quando suas produções são contextualizadas, elas passam a ter significados para os estudantes. É por isso que Ilari (1997) afirma que, para que a prática de redação na escola tenha eficiência, são necessários três aspectos pedagógicos, a saber: “a importância da leitura dos bons autores; observação prévia, pelo aluno, dos fatos que serão assunto da redação; a certeza de que o aluno esteja efetivamente motivado para redigir” (ILARI, 1997, p. 70). Para o autor, estes aspectos devem ser bem evidentes para qualquer profissional que trabalhe com problemas relacionados à redação.

Enfim, outros estudiosos afirmam que, dentre os principais entraves que impedem o avanço educacional do país, um fator, contudo, se destaca: o baixo nível das habilidades de leitura e de expressão dos estudantes brasileiros. Segundo Azeredo (2007), esse fato vem se tornando consenso entre os estudiosos, uma vez que as habilidades de leitura e expressão “são requisitos essenciais ao êxito escolar dos alunos, pois elas alicerçam e alimentam continuamente o crescimento educacional e cultural das sociedades” (AZEREDO, 2007, p. 31).

Um exemplo disso é o desempenho dos estudantes brasileiros no PISA (Programa de Avaliação Internacional de Estudantes). Dados da última edição do PISA, realizada em 2018, apontam que os estudantes brasileiros ocuparam a 44ª colocação no desempenho em Leitura, Matemática e Ciências, num total de 79 países participantes. Segundo a OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico), o Pisa, no contexto mundial, é uma importante referência de avaliação educacional em larga escala (BRASIL, 2020).

O PISA avalia não apenas o conhecimento adquirido pelos estudantes, mas também a capacidade desses em aplicar o que aprenderam em situações fora da escola, a exemplo do Enem, que é uma avaliação externa (INEP/MEC, 2020). No que tange à Leitura, de acordo com o Inep/MEC, avalia-se “a capacidade de compreender, usar, avaliar, refletir sobre e envolver-se com textos, a fim de alcançar um objetivo, desenvolver conhecimento e potencial e participar da sociedade” (BRASIL, 2020, p. 24). Na edição de 2018, no entanto, “a média de proficiência dos jovens brasileiros em letramento em Leitura no Pisa 2018 foi de 413 pontos, 74 pontos abaixo da média dos estudantes dos países da OCDE-487” (BRASIL, 2020, p. 66).

Por último, lembramos que o baixo desempenho na redação do Enem não é exclusividade dos estudantes da rede pública estadual da Bahia. O artigo de Sousa et al. (2019) descreve o desempenho dos alunos em 34 instituições da Rede Federal de Educação Profissional, no Enem, edição 2015, em todas as áreas do conhecimento, bem como na Redação. A média dos estudantes dessa rede na redação foi de 676,98 pontos (SOUZA et al., 2019). Embora essa pontuação seja maior do que a média obtida pelos alunos baianos, ainda não pode ser considerada muita boa, tendo em vista que, geralmente, os cursos mais visados pelos alunos exigem uma pontuação a partir de 800 pontos.

Além disso, sabe-se que a rede técnica federal é vista como uma das melhores do país, uma vez que ofertam uma educação com qualidade reconhecida, pois “apresenta melhor estrutura, professores mais qualificados, já que passam por seleções públicas mais rigorosas” (SOUSA et al., 2019, p. 129). Por esse motivo, é esperado um resultado mais elevado em relação às demais redes de ensino no Brasil, como, de fato, foi verificado em 2015, ainda que não tenha sido uma média tão expressiva, conforme exposto.

Considerações finais

Neste trabalho, foi possível consolidar a importância das avaliações externas no contexto escolar brasileiro. Os dados coletados ratificam a relevância e confiabilidade nos indicadores de desempenho apresentados a respeito da produção de texto dissertativo-argumentativo, no ensino médio. Primeiramente, a partir do Sistema de Avaliação Baiano da Educação, que teve a classificação dos textos dos alunos de toda rede pública estadual da Bahia, realizada em 2013, confirmada pelo Exame Nacional do Ensino Médio, na edição de 2014. Posteriormente, quando os dados do próprio Enem, edição 2016, ratificaram os resultados da redação dos estudantes, levantados pelo próprio Exame de 2014.

Quanto à edição do Enem 2019, os dados apresentados, embora apontem para uma melhoria no desempenho individual das duas escolas pesquisadas, em nível municipal, apenas consolidam um resultado que vem sendo obtido nas últimas edições, quando a média da redação dos estudantes brasileiros não ultrapassa 600 pontos. A média nacional dessa última edição, por exemplo, confirma este quadro, o que, por sua vez, revela o que muitos estudiosos sustentam e registram a respeito da dificuldade que o aluno brasileiro tem em produzir textos, principalmente os de natureza dissertativo-argumentativa.

Dessa forma, o desempenho insuficiente em redação, nos moldes do Enem, por sua vez, não é uma situação exclusivamente local, nem estadual. Essa realidade que nos é apresentada através dos dados coletados, cuja proposta de produção textual do Enem é única para todos os estudantes do Brasil, abrange todo cenário educacional brasileiro. De acordo com dados do Inep/MEC, em 2019, quase 4 milhões de candidatos fizeram o Enem. Desse total, apenas 53 redações alcançaram a nota máxima e, além disso, a maioria dos textos foi classificada entre 501 e 600 pontos, conforme espelho da redação do Enem 2019. Do total de redações, apenas 10% tiveram notas acima dos 700 pontos.

Finalmente, destacamos a consolidação do Sistema de Avaliação Baiano da Educação como um instrumento de avaliação educacional de qualidade, bem como sua confiabilidade no levantamento, produção e divulgação de índices educacionais, contribuindo, assim, para a melhoria da qualidade da educação pública baiana. Por sua vez, ressaltamos também a importância do Enem enquanto política pública já consolidada há mais de duas décadas, sendo um dos maiores instrumento de promoção e acesso ao ensino superior no Brasil.

Referências

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