Caderno temático "As reformas educacionais no Ensino Superior"

Base Nacional Comum Curricular na Formação Inicial de Professores de Química: o que pensam os licenciandos

Fernanda Welter Adams
Universidade Federal da Bahia, Brasil
Rafael Moreira Siqueira
Universidade Federal da Bahia, Brasil
Edilson Fortuna de Moradillo
Universidade Federal da Bahia, Brasil

Base Nacional Comum Curricular na Formação Inicial de Professores de Química: o que pensam os licenciandos

Olhar de Professor, vol. 25, pp. 01-26, 2022

Universidade Estadual de Ponta Grossa

Recepción: 28 Abril 2022

Aprobación: 09 Noviembre 2022

Resumo: Sujeitos sociais atuantes e políticos são formados por meio de uma educação que permita a apropriação do legado histórico-social produzido pela humanidade, entretanto, o acesso a esses conhecimentos vem sendo negado/minimizado por meio de documentos como a BNCC, que influenciam também a formação de professores. Assim, problematizamos: qual o conhecimento sobre a BNCC e sobre os possíveis impactos em sua formação e na Educação Básica os licenciandos em Química na UFBA apresentam? Este artigo tem como objetivo analisar o conhecimento de Licenciandos em Química da UFBA frente à implementação da BNCC na Educação Básica. Trata-se de uma pesquisa qualitativa tendo o questionário como instrumento de coleta de dados. Responderam 24 licenciandos que já haviam feito uma leitura/discussão do documento e citaram principalmente a sua organização em competências. Observamos a importância da discussão sobre a BNCC de forma crítica com licenciandos, levando-os a evidenciar o esvaziamento do conteúdo científico e a compreender que a formação por competências não objetiva a humanização dos sujeitos.

Palavras-chave: Licenciatura em Química, Slogans da educação, Competências.

Abstract: Active and political social subjects are formed through an education that allows the appropriation of the historical-social legacy produced by humanity, however, access to this knowledge has been denied/minimized, through documents such as the BNCC, which also influence the formation of teachers training. Thus, we problemataize question: what is the knowledge about the BNCC and about the possible impacts on its formation and on the basic education that undergraduates in chemistry at UFBA present? This article aims to analyze the knowledge of undergraduates in chemistry at UFBA regarding the implementation of the BNCC in basic education. This is a qualitative research using a questionnaire as a data collection instrument. Respondents were 24 undergraduates who had already read/discussed the document, citing mainly their organization in terms of competences. We observed the importance of critically discussing the BNCC with undergraduates, leading them to observe the emptying of scientific content and that training by competences does not aim at the humanization of subjects.

Keywords: Degree in Chemistry, Education slogan, Skills.

Resumen: Los sujetos sociales y políticos activos se forman a través de una educación que permite la apropiación del legado histórico-social producido por la humanidad, sin embargo, el acceso a este conocimiento ha sido negado/minimizado a través de documentos como el BNCC, que también inciden en la formación docente. Así, problematizamos: ¿qué conocimientos sobre la BNCC y sobre los posibles impactos en su formación y en la Educación Básica tienen los graduados en Química de la UFBA? Este artículo tiene como objetivo analizar el conocimiento de los graduados en Química de la UFBA sobre la implementación de la BNCC la Educación Básica. Se trata de una investigación cualitativa que utiliza el cuestionario como instrumento de recolección de datos. Respondieron 24 graduados que ya habían leído/discutido el documento y citaron principalmente su organización en términos de competencias. Observamos la importancia de discutir críticamente la BNCC con los estudiantes de graduación, llevándolos a resaltar el vaciado de contenido científico y a comprender que la formación basada en competencias no tiene como objetivo la humanización de los sujetos.

Palabras clave: Grado en Química, Lema Educación, Habilidades.

Introdução

A educação desempenha uma função fundamental na vida dos indivíduos e na construção da sociedade, pois possibilita às novas gerações se apropriarem do legado histórico-social acumulado pela humanidade, dando seguimento à reprodução social em condições, geralmente, mais favoráveis à manutenção da vida. Desta forma, influencia diretamente na cultura e no modo de vida das pessoas. Por isso, Saviani (2011) destaca que a educação, de um lado, deve identificar elementos culturais que precisam ser assimilados pelos indivíduos para que eles se tornem humanos e, de outro lado e concomitantemente, levar à descoberta das formas mais adequadas de atingir esse objetivo, enfatizando e defendendo uma formação de cunho crítico e transformadora.

Sendo assim, destacamos a necessidade de no processo formativo os professores vivenciarem uma formação de qualidade e que promova a discussão a respeito de uma educação transformadora, vinculada a um projeto histórico de sociedade. Defendemos um processo formativo que vá além do domínio dos conhecimentos específicos da área de formação do professor e que explicite as relações histórico-sociais estabelecidas entre a história e a filosofia do ser social, da ciência e da educação com a sociedade, tendo a categoria trabalho como fio condutor, com o objetivo maior de garantir a reprodução humana. A isto temos denominado de formação integral, omnilateral.

Concordamos com Schnetzler (2004, p. 50), quando afirma que: “o domínio do conhecimento químico é condição necessária para o propósito e desenvolvimento de pesquisas no ensino, mas não é suficiente, dada a complexidade de seu objeto, das interações humanas e sociais que o caracterizam”. Nesse contexto, Siqueira (2019, p. 55) ressalta que:

O trabalho do professor deve ser direcionado para a mediação da relação teoria-prática, de forma dialética, na prática social global, de forma à transmissão dos conhecimentos acumulados historicamente pela humanidade para os indivíduos, seres sociais, por meio do ensino, direto e intencional, de tal conjunto de elementos conceituais, com vista ao desenvolvimento pleno das capacidades humanas de cada indivíduo.

Relação dialética que pouco ocorria/ocorre na formação dos professores de Química, que durante muito tempo vivenciaram a chamada formação 3+1, em que os licenciandos cursavam durante os três primeiros anos do seu curso disciplinas específicas, e no último ano se deslocavam para a Faculdade de Educação onde cursavam as disciplinas de base pedagógica com o objetivo de dominar alguns “instrumentos pedagógicos”. O que demonstrava/demostra a crença de que para ser professor de Química bastava/basta conhecer os conceitos científicos (SILVA et al., 2016).

Observamos também que as políticas curriculares, reflexo das demandas de mudanças vivenciadas na educação, influenciam diretamente na formação de professores. Entendemos que essas políticas curriculares devem ser analisadas na sua dinâmica social, sem perder de vista a materialidade da realidade objetiva, que na contemporaneidade, aqui no Brasil, tem sido moldada por uma sociabilidade que se baseia na reprodução do capital, estruturada em duas classes fundamentais antagônicas, demandando uma educação, e consequentemente a formação de professores, voltada para uma sociedade de mercado, que tende a colocar limites para uma formação de professores e de educandos numa vertente integral e omnilateral.

A formação de professores de Química vem sofrendo transformações de forma sistemática no Brasil desde a década de 1990, com tendência ao rompimento do formato clássico 3+1 (SCHNETZLER, 2004; ROSA, ROSSI, 2008; MORADILLO, 2010; CUNHA, 2014; ANUNCIAÇÃO, 2012, 2014; SILVA et al., 2016; MENDES, 2018;LIMA, 2021), em um cenário de penetração de forma vigorosa do neoliberalismo em nosso país, com suas demandas de reorganização da base produtiva da sociedade moderna - baseada na acumulação de capital -, assentada nas novas tecnologias da informação e comunicação, com fortes implicações socioculturais, principalmente as econômicas, políticas, estéticas, éticas e educacionais.

Mudanças na formação de professores a partir das reformulações curriculares, motivadas pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN) de 1996, aconteceram (BRASIL, 1996). Mesmo com tais mudanças, a formação de professores de Química ainda se encontrava voltada para a memorização e aplicação dos saberes de forma acrítica, sem problematização dos conhecimentos químicos, pedagógicos, epistemológicos e sociológicos, por exemplo (ROSA; ROSSI, 2008).

Concordamos que a formação de professores de Química teve avanços e que esses devem continuar; por isso, defendemos uma formação contra hegemônica que possa levar o professor a ter acesso à produção do conhecimento químico de modo a concebê-lo na sua dinâmica histórico-social, proporcionando maior clareza conceitual e entendimento da Química não só como produto, mas também como processo, dentro de uma concepção de conhecimento crítico-dialético, no qual se articulam o lógico/categorial e o histórico, tendo a reprodução humana para dar conta da vida, a partir da categoria trabalho, como pano de fundo do Projeto Político Pedagógico, do currículo e dos processos de ensino e aprendizagem. É isso que temos procurado fazer no curso de Licenciatura em Química da Universidade Federal da Bahia (UFBA) (MORADILLO, 2010; SILVA et al. 2016).

Algo nada trivial de se realizar e efetivar devido aos limites impostos pelas demandas da base produtiva da sociedade moderna e sua consequente forma de organizar a vida, expressa na educação como uma educação de migalhas, em doses homeopáticas, para a classe trabalhadora, suficiente para preparar mão de obra adequada para as demandas do mercado (MÉSZÁROS, 2005; MORADILLO, 2010; MINTO, 2014). Contudo, defendemos que devemos tensionar por dentro dessas relações e, de forma específica, na educação defender e procurar operacionalizar uma formação integral, omnilateral, tendo clareza dos limites individuais e sociais que estão postos socialmente (MORADILLO, 2010; MORADILLO; MESSEDER NETO; MASSENA, 2017).

Assim, observamos que as atuais políticas educacionais, tais como a implementação da Base Nacional Comum Curricular (BNCC), podem promover diversas influências sobre a formação de professores de Química. Desta forma, problematizamos: Qual o conhecimento sobre a BNCC e sobre os possíveis impactos em sua formação e na Educação Básica os licenciandos em Química na UFBA apresentam? Diante desse questionamento, objetivamos com este trabalho analisar o conhecimento de licenciandos em Química da UFBA frente à implementação da BNCC na Educação Básica.

Neste texto, seguimos com a apresentação de nosso referencial teórico, tratando a respeito do ensino de Química, da formação de professores e das atuais políticas curriculares para a Educação Básica e a formação inicial docente. Passamos então à apresentação do percurso metodológico da pesquisa, desenvolvida por meio da aplicação de questionários, respondidos por licenciandos em Química da primeira metade do curso durante a ocorrência de uma disciplina da dimensão prática do currículo. Nosso texto procede à apresentação dos resultados e a sua análise, realizada com base nos pressupostos da Pedagogia Histórico-Crítica. Finalizamos o texto com nossas considerações sobre a pesquisa realizada, abrindo pontos para possíveis trabalhos posteriores.

Referencial Teórico

O que se espera do ensino de Química é que ele seja capaz de transformar para melhor a vida da sociedade e dos alunos, humanizando-os e preparando-os para dominar as inovações científicas e tecnológicas, para lutar contra as mazelas e as desigualdades da sociedade reprodutora do capital, tornando-se sujeitos sociais atuantes, políticos e que busquem a emancipação humana. Para isso, conforme já esboçamos na introdução, é imprescindível que para ensinar Química os professores vivenciem uma formação inicial que valorize os conteúdos científicos, filosóficos e artísticos historicamente acumulados, sistematizados e organizados pela humanidade, para darem conta da sua existência, e compreendam como a ciência Química se estrutura e se insere nesse processo, assim como expliquem os grandes problemas socioculturais na atualidade, tendo como última instância a sua determinação dada na economia política, isto é, a forma como nos organizamos para consumir e distribuir a riqueza produzida socialmente visando dar conta da vida - o modo de produção da vida. Necessário também que sejam valorizados profissionalmente, seja por meio de uma política salarial e de carreira decente e que reflita a sua importância social para a formação das novas gerações, seja com investimentos em recursos estruturais, humanos e financeiros necessários à realização do ato educativo, principalmente o escolar público.

Na história do ensino de Química, observamos que em muitos momentos a formação do professor se adequa para atender às políticas curriculares orientadoras, sempre vinculada às ideias pedagógicas hegemônicas em determinado período. A partir da última LDBEN, a formação do professor se adequou para atender às políticas curriculares orientadoras ou obrigatórias do Ensino Médio (MORADILLO, 2010; SAVIANI, 2011, 2014, 2016, 2019; SIQUEIRA, 2019). De acordo com Costa (2018), mais recentemente, através das Diretrizes Curriculares Nacionais de 1998, foram estabelecidos os conteúdos mínimos necessários para as modalidades de ensino das diversas áreas do conhecimento. Por meio desse marco regulatório do currículo, foi estabelecido que todas as localidades nacionais deveriam estar apoiadas em um mesmo objetivo, organizando-se de acordo com seu sistema de ensino, sendo o Ministério da Educação (MEC) responsável pela função de normatização.

Ainda, podem-se citar os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) em 1999 (BRASIL, 1999), em 2002 os PCN+ (Orientações Educacionais Complementares aos Parâmetros Curriculares Nacionais) (BRASIL, 2002), que eram documentos orientadores para os currículos dos componentes e das áreas de conhecimento nos currículos das escolas, e mais recentemente a BNCC (BRASIL, 2018a).

Segundo Feitosa (2019), tais documentos apresentam um discurso de construção de uma sociedade democrática, plural e justa, por meio da educação, promovendo a diversificação do ensino de Química através da contextualização, da interdisciplinaridade e de outras metodologias e recursos didáticos que garantam a formação de sujeitos ativos e críticos. Entretanto, faz-se necessário refletir se tal discurso realmente se relaciona com uma concepção de educação transformadora ou se apenas busca atender à demanda da sociedade capitalista.

De acordo com Pinheiro e Nascimento (2018), nas Diretrizes Curriculares Nacionais (DCN), o currículo integrado busca na interdisciplinaridade, na transversalidade e na contextualização formas de flexibilizar o conteúdo e promover sua real significação na vida cotidiana e na sociedade. Já os Parâmetros Curriculares Nacionais para o ensino médio (PCNEM) definem competências e habilidades e trazem orientações que norteiam cada sistema de ensino no desenvolvimento de seus currículos.

Evidenciamos que foi visando uma reorganização do ensino para favorecer a expansão do capital e sua restruturação produtiva, formando indivíduos competentes e com habilidades demandadas pelo mercado de trabalho por meio do discurso sedutor do currículo integrado, interdisciplinar, transversal e contextualizado, que o ensino voltado para as competências e habilidades ganhou espaço, tendo como via principal os PCN. Entretanto, os documentos não lograram êxito em se firmar como orientações normativas para a Educação Básica, podendo ser apontadas como causas disso o fato de os mesmos não serem obrigatórios e por terem sido elaborados e instituídos sob muitas críticas, especialmente, as advindas dos educadores (BRANCO et al., 2019). Desta forma, novas demandas e incursões têm sido realizadas nas políticas públicas educacionais visando contornar e superar os problemas estabelecidos com a implantação da LDBEN de 1996, sempre tendo como objetivo maior dar conta da restruturação produtiva e do empresariamento na educação (FREITAS, 2016; 2021).

Vastamente conhecida, a BNCC é um novo documento, de caráter curricular, gestado principalmente a partir da década anterior, que institui uma série de conteúdos e aprendizagens mínimas baseadas em habilidades e competências educacionais para os indivíduos matriculados na Educação Básica. Com modificações que tensionam o currículo escolar e, por consequência, a atuação docente em sala de aula, a BNCC também tem gerado inúmeros impactos na formação docente e exigido discussões formativas a seu respeito. Dentre esses impactos, podemos citar a criação da Base Nacional Comum da Formação de Professores (BNCFP), que tem como objetivo orientar o currículo das instituições formadoras, redefinindo a formação inicial e continuada de professores da Educação Básica (SIQUEIRA, 2019; FARIAS, 2019; GONÇALVES; MOTA; ANADON, 2020).

Segundo Feitosa (2019), o documento apresenta singularidades com as políticas curriculares anteriores no que diz respeito à necessidade de “recriação da escola”, a fim de assegurar o acesso à ciência, à tecnologia, à cultura, ao trabalho e ampliar as condições de inclusão social das “diversas juventudes”.

“Não significa que a escola em sua estrutura física será reformada, mas sim um distanciamento maior do seu papel histórico em assegurar os saberes produzidos pela humanidade em detrimento das demandas do mercado de trabalho” (FEITOSA, 2019, p. 46-47). Com relação à elaboração da BNCC, Branco e Zanatta (2021, p. 61-62) descrevem que:

A instituição de uma Base Nacional Comum Curricular (BNCC) está prevista na Constituição Federal de 1988 e também na Lei de Diretrizes de Bases de 1996 (LDB). Embora a ideia de um documento norteador comum e obrigatório já contar com um amparo legal na Carta Magna há três décadas, somente a partir de 2010 as discussões sobre a base ganharam força. A primeira versão da BNCC foi disponibilizada para consulta em 2015, e a segunda versão foi apresentada em 2016. Já a terceira e última versão do documento, foi disponibilizada em 2017 para a Educação Infantil e para o Ensino Fundamental, e em 2018 para o Ensino Médio.

Assim, o documento apresenta-se como obrigatório para a elaboração do currículo de instituições públicas e privadas, na busca de melhorar a qualidade do ensino, com equidade e autonomia local e regional. Entretanto, Macedo (2016) considera que apesar da BNCC ter como proposta a organização curricular em nível nacional, sob o discurso de promover a equidade e a igualdade de oportunidades, não há garantia alguma de que ela alcance os objetivos delineados, sobretudo porque dificilmente haverá uma real equidade somente pela reorganização curricular das escolas. Nesse tocante, D’Avila (2018) afirma que a BNCC se constitui como uma política curricular destinada à orientação da Educação Básica. Segundo a autora, essa política começou oficialmente a ser elaborada em 2013, com participação e protagonismo de instituições vinculadas à educação e ao mercado.

Corroborando, Rocha (2016) afirma que as reformas são propostas sob a égide dos interesses econômicos e dos problemas decorrentes do processo de modernização. Dessa forma, as políticas educacionais se consolidam na perspectiva de adequar os currículos nacionais aos requisitos estabelecidos pela economia. Frigotto (2016) assevera que, de modo geral, os idealizadores das políticas educacionais estão subordinados aos interesses do Banco Mundial, da Organização Mundial do Comércio e de outros organismos multilaterais. Dessa forma, seus compromissos não são com o direito universal à Educação Básica, pois a consideram um serviço que tem que se ajustar às demandas do mercado.

Macedo (2016) e D’Avila (2018) denunciam que a elaboração da BNCC está calcada em uma intervenção curricular, defendida por empresários e organizações ligadas a grupos financeiros, destacando instituições como: Fundação Itaú Social, Fundação Lemann, Fundação Roberto Marinho, Fundação Victor Civita, Instituto Unibanco, Bradesco, Gerdau, Volkswagen, Instituto Ayrton Senna, Instituto Natura, Instituto Insper, Instituto Rodrigo Mendes, Instituto Singularidades, Instituto Inspirare, Centro de Estudos e Pesquisas em Educação, Cultura e Ação Comunitária (Cenpec), além do organismo Todos pela Educação. Esses são alguns dos grupos privados que se articularam no chamado Movimento pela Base Nacional Comum.

Siqueira (2019) destaca que tais organizações citam como justificativas para a implementação de tais políticas curriculares reformistas a baixa qualidade da educação brasileira, os altos índices de evasão e reprovação, a falta de atratividade do currículo para os jovens alunos e os baixos rendimentos deles em avaliações nacionais e internacionais. Partindo para o ensino de ciências, no qual a Química se encaixa, a BNCC explicita que:

Na Educação Básica, a área de Ciências da Natureza deve contribuir com a construção de uma base de conhecimentos contextualizada, que prepare os estudantes para fazer julgamentos, tomar iniciativas, elaborar argumentos e apresentar proposições alternativas, bem como fazer uso criterioso de diversas tecnologias. O desenvolvimento dessas práticas e a interação com as demais áreas do conhecimento favorecem discussões sobre as implicações éticas, socioculturais, políticas e econômicas de temas relacionados às Ciências da Natureza (BRASIL, 2018, p. 537a).

Branco e Zanatta (2021) também afirmam que a organização da BNCC está centrada não na aprendizagem dos conteúdos historicamente sistematizados, mas em competências e habilidades, formato curricular estabelecido previamente nos PCN e PCN+ e historicamente já criticado de forma ampla por professores e pesquisadores da área da educação (ZANK; MALANCHEN, 2020; SIQUEIRA; MORADILLO; CUNHA, 2020; SIQUEIRA; MORADILLO, 2022).

Portanto, observamos que é um documento que influencia tanto os alunos, quanto os professores em atuação e em formação, pois explicita que a BNCC deve contribuir para a articulação e a coordenação das políticas e das ações educacionais (BRASIL, 2018a). Assim, se promulga a Resolução CNE/CP Nº 2, de 20 de dezembro de 2019, que define as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Formação Inicial de Professores para a Educação Básica e institui a Base Nacional Comum para a Formação Inicial de Professores da Educação Básica (BNCFP), que define:

Art. 2º A formação docente pressupõe o desenvolvimento, pelo licenciando, das competências gerais previstas na BNCC-Educação Básica, bem como das aprendizagens essenciais a serem garantidas aos estudantes, quanto aos aspectos intelectual, físico, cultural, social e emocional de sua formação, tendo como perspectiva o desenvolvimento pleno das pessoas, visando à Educação Integral (BRASIL, 2018b, p. 2).

A Educação, nesse cenário, é mais uma vez o alvo de perspectivas pedagógicas que derivam dos interesses burgueses, ainda que se apresentem como “contra hegemônicas”. O neoescolanovismo, o neotecnicismo e as ideias pós-modernas assumiram o protagonismo das discussões acerca do papel da escola, da gestão, da formação de professores, do currículo, etc. (SAVIANI, 2016). Os termos “aprender a aprender”, “professor reflexivo”, “professor pesquisador”, “competências/habilidades” ganham força e materialidade ao orientarem a construção dos novos documentos oficiais que regulamentam o ensino no Brasil (MORADILLO, 2010).

Dentro dessa perspectiva, no ensino de Química, pesquisas têm sido desenvolvidas com a finalidade de propor alterações na formação docente de forma a melhorar a sua prática, tornando a ciência mais interessante ao estudante, facilitando assim a sua aprendizagem (MORADILLO, 2010; BELLAS, 2012; MESSEDER-NETO, 2012; ANUNCIAÇÃO, 2012; 2014; SILVA et al., 2016, MORADILLO, MESSENA, MESSEDER-NETO, 2017; entre outras). As discussões sobre as variações das estratégias de ensino na formação de professores é algo importante, entretanto, apontamos para a necessidade de cursos de licenciatura que também promovam discussões que situem este professor no mundo, conforme delineamos na introdução deste texto.

Nascimento, Fernandes e Mendonça (2010) afirmam que a formação dos professores de Ciências deve estar pautada na prática e na formação científica, possibilitando a apropriação de conhecimentos científicos relevantes do ponto de vista científico, social e cultural, assim como a aprendizagem, o aperfeiçoamento e o delineamento de estratégias de ensino e aprendizagem, conduzindo o estudante ao posicionamento crítico e à participação democrática responsável. Para os autores, trata-se, portanto, de considerar a formação do professor de Ciências sob uma perspectiva inovadora e transformadora, balizada em abordagens em que a incerteza não seja banida, mas gerida. Ademais, em que os valores não sejam pressupostos, mas sim explicitados; em que a dimensão histórica, incluindo a reflexão sobre o passado, o presente e o futuro, torne-se parte integrante da caracterização científica da natureza; em que o local, o universal e o processual sejam relevantes para a explicação do mundo e para sua transformação de modo benéfico para a sociedade, e não para pequenos e seletos grupos e elites. Que a prática do professor, portanto, auxilie os alunos na construção de saberes estratégicos e emancipatórios (NASCIMENTO; FERNANDES; MENDONÇA, 2010).

Em caminho similar, encontra-se o projeto de formação de professores na perspectiva sócio-histórica na UFBA, conforme apontado por Moradillo (2010, p. 71):

Tendo como referência a emancipação humana, propomos um currículo para a Licenciatura em Química em que, além dos conhecimentos específicos da área de ciências da natureza e matemática e da pedagogia, sejam incorporados novos conhecimentos relativos à gênese e desenvolvimento do ser social a partir do trabalho, do debate epistemológico atual, da historicidade dos conceitos científicos e das questões éticas, políticas e ambientais surgidas com a atual forma de sociabilidade. Desta forma, defendemos uma abordagem contextual das ciências dentro da perspectiva sócio-histórica.

Assim, questionamos quais influências as tendências pedagógicas presentes nas políticas curriculares, como a BNCC, que se torna obrigatória na Educação Básica e na formação de professores, têm sobre a prática pedagógica na sala de aula. Convém ressaltar que a formação do professor está relacionada com a qualidade do trabalho que será desenvolvido, ao passo que, embora indiretamente, as condições de trabalho nas unidades escolares podem também influenciar a formação docente. Portanto, torna-se justificável pesquisar o conhecimento dos futuros professores do curso de Licenciatura em Química da UFBA sobre a BNCC e como eles se posicionam.

Metodologia

A pesquisa representa um processo de produção de conhecimento, que deve perpassar pelos campos do histórico, do cultural e do social para garantir a compreensão da essência do objeto de estudo e aproximar o pensamento desse objeto de forma a mais fidedigna possível. Dessa forma, partimos de uma pesquisa qualitativa em busca da resposta ao problema apresentado.

Bogdan e Biklen (1994) afirmam que a pesquisa qualitativa se caracteriza por coletar os dados no ambiente natural, por meio do contato direto do pesquisador com a situação estudada, apresentá-los de maneira descritiva e desvendar a “perspectiva dos participantes”, “valorizando o processo” de produção de dados.

Em nosso caso, procuramos trazer para a pesquisa a metodologia dialética em contraposição às metodologias analíticas clássicas nos estudos qualitativos em educação, geralmente mais definidas e prescritivas (tais quais as análises de conteúdo, de discurso, textual-discursiva, entre outras) (TOZONI-REIS, 2009). Colocamo-nos no movimento de descrição dos dados, no escopo do objeto de nosso estudo, e conforme esses vão sendo desvelados, sua historicidade e as relações e nexos que possuem com a sociedade, com a educação, com a política e outros complexos, vão sendo trazidos à análise e sendo elucidados para além da aparência, na dinâmica da dialética singular-particular-universal (GALVÃO; LAVOURA; MARTINS, 2019).

Dessa forma, a pesquisa se fez por meio do contato direto com a situação estudada através da aplicação de questionários, no formato on-line, a licenciandos do curso de Licenciatura em Química nos turnos diurno e noturno da UFBA. Destacamos que esta pesquisa se insere no paradigma da teoria crítica e é de natureza descritiva/compreensiva envolvendo as respostas dos licenciandos.

O questionário foi aplicado durante a disciplina denominada “O professor e o Ensino da Química” (QUIA43), no ano de 2021, semestre em que a oferta da disciplina ocorreu remotamente; ressaltamos que em momento de aula a pesquisa foi apresentada aos licenciandos e eles foram convidados a participar. Desta forma, o questionário foi elaborado a partir da ferramenta Google Forms e encaminhado aos licenciandos via WhatsApp e também disponibilizado a eles por meio do Moodle UFBA. Os licenciandos concordaram em participar da pesquisa de maneira gratuita e com a preservação de suas identidades, tendo recebido junto aos questionários o respectivo Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE), com todas as informações da pesquisa. Os Termos foram devidamente assinados pelos licenciandos com a anuência para o uso de suas respostas.

O questionário foi composto por 30 questões objetivas e discursivas que foram respondidas por 15 licenciandos do curso de Química diurno e nove licenciandos do noturno, totalizando 24 respondentes.

Destacamos que foi mantido o anonimato dos sujeitos, fazendo uso de códigos para identificá-los. Para tanto, fez-se uso da letra L seguida dos números de 1 a 24 para identificá-los. A seguir, apresentamos a análise dos dados coletados. O processo analítico foi realizado com base nos pressupostos da Pedagogia Histórico-Crítica, baseada no materialismo histórico-dialético, que toma como fundamento teórico a noção da cognoscibilidade do real por meio de sucessivas aproximações com a realidade, obtidas por meio de seu estudo sistematizado (TONET, 2013; DELLA FONTE, 2011). Assim, assumimos a objetividade da realidade e do conhecimento, porém sem a confusão de que tal objetividade se assume na forma de neutralidade.

Resultados e Discussão

Conforme já relatado neste trabalho, a BNCC se apresenta como um documento implementado na Educação Básica em escolas públicas e privadas, de caráter obrigatório. De acordo com Ferreti (2018), o governo apresentou tais documentos reformistas com a alegação de tornar o currículo mais atrativo para os alunos do Ensino Médio, de forma a fixá-los, diminuindo a evasão e a reprovação dos jovens, e elevar os índices de qualidade haja vista os baixos rendimentos apresentados por diversos índices e avaliações nacionais e internacionais de larga escala, altamente ventilados pela grande mídia. Ou seja, apresentam o documento como a solução para a garantia da qualidade da educação brasileira.

Desta forma, observamos que este é um documento que afeta a organização da Educação Básica, especificamente o Ensino Médio, uma vez que junto dela se apresenta a Reforma dessa modalidade de educação através da Lei n° 13.415 de 2017, que apresenta a substituição dos currículos, considerados rígidos e desmotivantes, por currículos mais flexíveis, dinâmicos, que acolham os jovens, promovendo a possibilidade de diferentes “itinerários formativos” para os alunos, impulsionando um suposto protagonismo deles por meio da liberdade de suas escolhas sobre o que estudar (BRASIL, 2017). Mas, além desta legislação destacamos a Resolução CEB/CNE 3/2018 (BRASIL, 2018c) e a Portaria nº 1.432, de 28 de dezembro de 2018 (BRASIL, 2018c), que são documentos que regem essa nova proposta de Ensino Médio.

Enfatizamos que essa não é uma política atual, mas que vem se gestando na educação brasileira há um tempo; evidenciamos aspectos dessa política quando a LDBEN (BRASIL, 1996, p. 21) apresenta em seu Art. 26:

que os currículos do ensino fundamental e médio devem ter uma base nacional comum, a ser complementada, em cada sistema de ensino e estabelecimento escolar, por uma parte diversificada, exigida pelas características regionais e locais da sociedade, da cultura, da economia e da clientela.

Assim, observamos que a lei se impõe como um marco legal para o estabelecimento de uma reforma da educação que atenda a esse projeto neoliberal e pós-moderno, alinhado com os desejos das classes dominantes (SAVIANI, 2011).

Nos anos 1997, 1998 e 2000 há a divulgação dos PCN, documentos com sugestões para a Educação em cujo discurso aparecem questões voltadas para a pedagogia do aprender a aprender, a contextualização e a interdisciplinaridade, e se verifica uma grande valorização dos conhecimentos superficiais, cotidianos, voltados para a resolução de problemas imediatos, de forma pragmática, com a valorização de conhecimentos ditos “úteis” ou mesmo “significativos”, de aplicação mais direta na vida dos alunos (DUARTE, 2004). Além disso, ressaltamos as competências, que são destaque na BNCC e que deixamos claro que não condizem com a ideia de educação que é defendida neste trabalho.

E assim concordamos com Santos e Moradillo (2017, p. 46), que explicam que esses documentos se mostram como a essência da flexibilização dos saberes, voltando-se para o ideário neoliberal pós-moderno imposto pelo capital, centrado no estabelecimento para os alunos de “saberes e competências adaptáveis ao mundo do trabalho flexível e da sociedade do conhecimento”.

Em sequência, temos diversos outros movimentos que levam à organização da BNCC, tais como: as Diretrizes Curriculares Nacionais Gerais para a Educação Básica de 2010 (BRASIL, 2010), as Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Médio em 2012 (BRASIL, 2012), o Plano Nacional de Educação (PNE) em 2014 (BRASIL, 2014), entre diversos outros. Até que em 2015 se institui a Comissão de Especialistas para a Elaboração de Proposta da Base Nacional Comum Curricular, que elabora as versões do documento. Destacamos que esse processo de construção da BNCC passa pelos governos Lula e Dilma, do partido dos trabalhadores, mas que gestaram a formulação de um documento que precariza o processo de ensino da classe trabalhadora.

Vale salientar que a BNCC, na mesma linha dos documentos anteriores, apresenta a necessidade de promover uma educação que seja emancipatória e integral e que apoie a construção dos projetos de vida dos estudantes, colocando sempre em evidência a questão da competência. Mas, por trás dos slogans (EVANGELISTA, 2014) “emancipatória”, “integral”, “projeto de vida” e “competências”, que podem iludir o leitor desatento, o que encontramos nos documentos é:

1- Uma concepção (neo)liberal de “emancipação”, na perspectiva da emancipação política. Defendemos a emancipação humana em contraposição a uma emancipação política, que é limitada e representa a máxima possibilidade de liberdade na concepção liberal (TONET, 2013; 2016);

2- Uma concepção de “integral” muito mais relacionada ao tempo de permanência do estudante na escola: o estudante permanecer na escola em dois turnos e não integral no sentido de uma formação omnilateral;

3- Um “projeto de vida” de adaptação à lógica da sociedade reprodutora do capital, com as suas demandas de mão de obra adequadas para as novas formas de reorganização produtiva, com base na eletroeletrônica;

4- Demandando assim “competências” operacionais via o aprender a aprender (aprender a conhecer e a fazer na nova era do capital e sua restruturação produtiva)4, que se expressa no chão do empreendimento empresarial, resultando em trabalhadores adestrados ao saber se virar “nos 30” – saber ser (ser flexível e polivalente/multifuncional/multipropósito) e saber conviver com os outros (adaptando-se aos constantes conflitos do desemprego e do aumento das diversas formas de violência social).

Enfim, “emancipação”, “integral”, “projeto de vida” e “competências” se articulam em uma proposta educacional com o objetivo de tornar os trabalhadores(as) e seus filhos e filhas adaptados e flexíveis para conviverem pacificamente, em uma sociedade instável, com diminuição dos postos de trabalho (empregos) e aumento da pobreza e fome, em crise econômica e social permanente (crise estrutural do capital), e com aumento do Estado policialesco e punitivo; uma sociedade que tende cada vez mais a culpabilizar os indivíduos pelos seus fracassos e pelos problemas sociais (a problemática ambiental é um bom exemplo). Em síntese, uma sociedade que aprofunda ainda mais a desigualdade social estrutural. Tudo isso dentro do quadro da restruturação produtiva que sai da base eletromecânica para a base eletroeletrônica e do trabalho parcelar repetitivo para o trabalho parcelar flexível (MORADILLO, MESSEDER, LIMA; 2017; SANTOS, MORADILLO, 2017).

Por isso, Duarte (2016) caracteriza essa formação como uma educação voltada para o atendimento às demandas por trabalhadores com capacidade intelectual e de flexibilização para a rapidez das mudanças do mercado e do capital, mas somente nos aspectos relativos à necessidade de sua força de trabalho, sem uma formação integral, libertadora, que os permita a realização da crítica de sua condição de dominados.

Assim, como Siqueira e Moradilo (2022) afirmam, esse ideário de uma formação baseada em competências é incompatível com uma educação que se proponha integral e emancipatória. Pelo contrário, vai favorecer as injustiças promovidas pelo sistema capitalista, no qual a educação para a classe trabalhadora ocorrerá baseada em conteúdos rasos e mínimos de forma a levar estes sujeitos apenas a aceitarem o seu status quo na sociedade, sem uma formação baseada na promoção da consciência crítica e revolucionária. Enquanto isso, para a classe dominante haverá o aprofundamento nos conteúdos de todas as áreas necessárias, buscando a formação de líderes que vão manter o sistema vigente por meio de sua formação no ensino superior (SIQUEIRA; MORADILLO; CUNHA, 2020).

Com as mudanças promovidas na educação por meio dos referidos documentos, a formação de professores também sofrerá mudanças, uma vez que a BNCC deverá ser incorporada ao currículo de formação de professores, nesse sentido Bazzo e Scheibe (2019, p. 673) afirmam que:

A BNCC, portanto, determinada pela agenda global da manutenção do capitalismo, passou a conduzir e a dominar as discussões e o debate a respeito da formação dos professores para a educação básica. O professor deveria ser formado para atender aos ditames dessa base curricular, que, como sabemos, teve uma tramitação sensivelmente polemizada pelos educadores nas diversas entidades, uma vez que sua aprovação acontecia para atender a um modelo de currículo padrão para todo o país, elaborado de acordo com uma visão tecnicista/instrumental, favorável às orientações dos grupos empresariais, interessados em formar um trabalhador que lhes fosse submisso, a partir, portanto, de um currículo próximo do que poderíamos chamar de mínimo e muito distante de uma base curricular que lhe propiciasse formação capaz de desenvolver sua autonomia e criticidade.

Ou seja, por meio da fala dos autores, assim também pelo que já apresentamos e defendemos, observamos que a implementação de tais discussões na formação inicial de professores se apresenta como mais um retrocesso. Por isso se faz importante saber o que os professores em formação pensam sobre a implementação da BNCC na Educação Básica, de forma a entender como eles compreendem e se posicionam nesse processo.

De forma inicial, apresentamos o perfil dos 24 licenciandos participantes da pesquisa. Eles possuem idades entre 20 e 40 anos, sendo 54% do sexo feminino e 46% do sexo masculino, a maioria deles solteiros, sem filhos e não trabalham. Aqueles que trabalham apresentam uma diversidade de empregos, sendo no setor administrativo, confeitaria, assistente comercial, ajudante de pintor, operador de telemarketing, professor assistente horista e operador de processos químicos. A maior parte (89%) dos licenciandos também não recebe nenhum auxílio da Universidade, já os demais (11%) recebem bolsas pela atuação em programas como o Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência (PIBID) e o Residência Pedagógica. O ingresso dos licenciandos no curso de Licenciatura em Química ocorreu entre os anos de 2013 e 2021, sendo que alguns possuem outros cursos superiores, tais como bacharelado em Química, engenharia Química, farmácia, administração de empresas e tecnólogo em gestão pública. Essa análise inicial demostra que os sujeitos possuem um perfil diversificado de trabalho e de formação acadêmica.

Na sequência, questionamos os 24 licenciandos participantes da pesquisa com relação ao conhecimento sobre a BNCC e 70% deles afirmaram que já haviam feito uma leitura superficial do documento; os demais, 30%, não sabem nada a respeito. Aos licenciandos que conheciam os documentos foi solicitado que explicitassem o que sabiam sobre o mesmo. A seguir, apresentamos algumas das respostas:

Excerto 1 - Consiste em um documento formulado com a prévia intenção de explicitar e uniformizar as competências (a partir de 10 competências gerais) e um grande número de habilidades que os alunos devem desenvolver ao longo de toda a Educação Básica (tanto em escola pública quanto privada) (L5)

Excerto 2 - É um documento que tem como objetivo auxiliar as instituições públicas e privadas de ensino quanto à elaboração dos currículos escolares e das propostas pedagógicas, com o intuito de promover um ensino mais amplo e sistemático (L2)

Excerto 3 - A Base Nacional Comum Curricular é um princípio norteador para o planejamento pedagógico, diante as especificidades de suas áreas de conhecimento e outros documentos norteadores que abrange as modalidades ad educação básica (infantil, fundamental e médio) (L12)

Excerto 4 - Sei apenas que este documento busca regulamentar do ensino nas escolas para que o aprendizado dos estudantes seja desenvolvido plenamente de forma integrada, justa, democrática e inclusiva (L20)

Observamos que os licenciandos entendem o documento como um regulador do ensino que será promovido nas escolas da Educação Infantil ao Ensino Médio, ajudando as instituições públicas e privadas a elaborarem seus currículos baseados em competências. Assim, verificamos que os estudantes têm uma visão inicial do documento que é diretamente relacionada àquilo que o próprio texto apresenta; destacamos ainda aqui que alguns deles ainda citaram a organização do documento em competências, porém sem apresentarem um posicionamento crítico frente a essa perspectiva de formação, numa provável demonstração de que apenas reproduzem o que ouviram ou leram sobre o mesmo.

Apesar de acreditarmos que em nenhum processo educativo alguém queira educar para a incompetência, destacamos mais uma vez que uma formação baseada em competências vai precarizar o processo de ensino e aprendizagem dos alunos do Ensino Médio, e reforçamos, concordando com Kuenzer (2002, p. 2), quando explica que:

No contexto do trabalho, a certificação de competências tem estado presente desde os anos 70 [...] o que lhe confere significado próprio a partir deste modo de organizar e gerir a vida social e produtiva. Determinado por uma modalidade peculiar de divisão social e técnica do trabalho, fundamentada na parcelarização, a competência assume o significado de um saber fazer de natureza psicofísica, antes derivado da experiência do que de atividades intelectuais que articulem conhecimento científico e formas de fazer.

A autora conclui:

Cabe às escolas, portanto, desempenharem com qualidade seu papel na criação de situações de aprendizagem que permitam ao aluno desenvolver as capacidades cognitivas, afetivas e psicomotoras relativas ao trabalho intelectual, sempre articulado, mas não reduzido, ao mundo do trabalho e das relações sociais, com o que certamente estarão dando a sua melhor contribuição para o desenvolvimento de competências na prática social e produtiva. Atribuir à escola a função de desenvolver competências é desconhecer sua natureza e especificidade enquanto espaço de apropriação do conhecimento socialmente produzido, e, portanto, de trabalho intelectual com referência à prática social, com o que, mais uma vez, se busca esvaziar sua finalidade, com particular prejuízo para os que vivem do trabalho (KUENZER, 2002, p. 11).

A partir dessa observação, torna-se importante apontar que somos a favor de que os aspectos relacionados a essa precarização do conhecimento deve ser discutida com os licenciandos de forma a levá-los a compreender qual o objetivo do documento proposto. Siqueira e Moradilo (2022) corroboram afirmando que uma formação por meio das competências acaba por se materializar em uma formação frágil e precária, aligeirada tanto em relação à parte comum quanto à parte específica, e resultará na precarização da educação e na formação de sujeitos meramente reprodutores do que é imposto pela sociedade capitalista. Os autores ainda citam que:

Por meio da formação por competências, a Base aponta para o pragmatismo e a utilização dos conhecimentos em sua superficialidade, sendo justificados para a resolução de problemas complexos do cotidiano e do mundo do trabalho, enfatizando, portanto, uma formação flexível, de caráter alienante e voltada diretamente para o mercado (SIQUEIRA; MORADILO, 2022, p. 435).

Observamos dentre algumas das críticas apresentas pelos licenciandos, que L8 realiza uma síntese crítica do documento citando o esvaziamento para os alunos da educação pública, como pode ser observado no excerto a seguir:

Excerto 6 - Documento bem escrito de forma que apareça a solução de todos os problemas da educação, porém perverso com os alunos de escola pública, já que não terão as mesmas oportunidades e recursos para que tenham as opções de escolha, sucateando mais ainda o ensino público (L8)

Percebemos que o estudante L8 conseguiu se apropriar da crítica que esses e outros autores da comunidade acadêmica realizam frente ao documento. O licenciando aponta para o fato de que o documento tem uma construção atrativa em termos de sua apresentação e discurso de alguma forma “salvacionista” dos problemas da educação do país, porém se mostra na realidade como um lobo na pele de cordeiro, um documento que busca garantir a padronização dos currículos visando suposta garantia dos direitos de aprendizagem dos estudantes e melhoria de suas notas em avaliações de larga escala, mas que tende a resultar no sucateamento da escola pública e na formação de baixa qualidade para aqueles provenientes da classe trabalhadora, conforme também descrito por Freitas (2016).

Os licenciandos também foram indagados se acreditavam que a BNCC poderá gerar na Educação Básica benefícios a partir de sua implementação. Os resultados apontaram que 70% dos educandos relataram que a base promoverá impactos positivos para o ensino, enquanto 30% afirmaram que não acreditam na possibilidade de benefícios para a Educação Básica a partir do documento. Questionados sobre quais pontos positivos acreditavam que seriam provenientes da Base, as respostas giraram entre apontamentos que a BNCC vai gerar um “norte para a educação”, valorizar a “interdisciplinaridade”, ampliar a “comunicação e o diálogo” e desenvolver na área científica o “pensamento crítico e científico”.

Acreditamos que essa concepção da BNCC se associa com a forma como a mesma se organiza, por áreas de conhecimento, possibilitando a integração das disciplinas da mesma área, por exemplo, em Ciências da Natureza, por meio da aproximação das disciplinas de Biologia, Física e Química, o que ainda, segundo o documento, vai permitir a contextualização e a interdisciplinaridade, facilitando também o trabalho docente de levar os alunos a uma compreensão menos fragmentada da realidade (BRASIL, 2018a).

Isso nos leva a reconhecer que esse documento precisa ser estudado a fundo com os futuros professores, de forma a levá-los a observar que tais mudanças promovem o esvaziamento do conteúdo científico, pois a BNCC, “não apresenta nenhuma indicação de profundidade ou de sequenciamento para os conhecimentos e para as aprendizagens por meio das competências e habilidades” ou da forma como organiza as áreas de conhecimentos (SIQUEIRA; MORADILO, 2022, p. 437).

É importante observarmos a forma como as respostas dos licenciandos se relacionam com expressões conhecidas como slogans da educação, termos difundidos de modo a levar os sujeitos a acreditarem que a adoção de práticas relacionadas a tais formas seriam maneiras de solucionar os problemas da educação (EVANGELISTA, 2014; FREITAS, 2016). Evangelista (2014) cita alguns dos slogans da educação brasileira: Escola Nova, Pedagogia do Oprimido, Pedagogia do Aprender a Aprender, que são conceitos de um conjunto de ideias, mas que transformados em slogan de uma época, levaram a muitos equívocos de conclusão, ou, como Freitas (2016) aponta, esses slogans (o autor cita também os “direitos de aprendizagem”, as “competências e habilidades”, a “gestão eficiente da escola”, a “interdisciplinaridade”, a “flexibilidade curricular”, entre outros) produzem um senso comum de que tais propostas pretendem a melhoria da qualidade da educação, fazendo com que a sociedade se posicione a seu favor.

Apesar de muitos desses termos e das ideias a partir deles terem como fonte pesquisas e teorias que têm matriz progressista, de cientistas e pesquisadores alinhados a um pensamento de esquerda, que pretende caminhar para um mundo justo e de igualdade social substantiva, os ideólogos das classes dominantes são capazes de incorporar muitos desses argumentos a seu favor, visto que na maior parte das vezes tais ideias não buscam conhecer profundamente e superar radicalmente (pela raiz) o problema do modo de produção capitalista, excludente e criador de desigualdade em sua síntese (SIQUEIRA, 2019; MESSEDER NETO; MORADILLO, 2020). Assim, o slogan sedutor passa a ser considerado como doutrina de fundo liberal ou libertário, que pensa a escola como esvaziada de seu caráter político e influenciada por esta dimensão, sem qualquer sentido em busca de uma sociedade diferente, o que acreditamos que pode ter ocorrido também com os licenciandos, de forma que apresentaram alguns termos dessa seara - contextualização, interdisciplinaridade, comunicação e diálogo na escola - como aspectos positivos da BNCC.

O uso das competências pela BNCC e a repercussão delas de forma a demonstrar que são a melhor forma de promover a aprendizagem, leva os sujeitos a acreditarem e a serem “vítimas” do que vai precarizar a educação. Com relação a isso, Rebou (1975, p. 147) afirma que:

Se os homens são tão facilmente vítimas de todas as propagandas, é por falta de uma educação que lhes permita julgar a propaganda. Ensinar aos homens a discernir, torná-lo livre, em relação a tudo aquilo que o doutrina ou manipula, não é uma questão de educação? (REBOUL, 1975, p. 147).

Portanto, esse e outros slogans passam então a ser ideologia, que se hegemoniza na sociedade e na consciência da maior parte da população. Concordamos aqui com Duarte (2016) e Saviani (2019) em sua defesa intransigente de uma educação de qualidade e que se coloque efetivamente a favor do interesse das classes subalternas, no sentido de garantir formação omnilateral por meio da transmissão e assimilação por todos do legado cultural construído historicamente pelo conjunto da humanidade, e que efetive a formação de uma concepção de mundo concreta e não fetichizada; que consiga, desta forma, afastar-se de qualquer possibilidade de não compreensão de tais propagandas e slogans de viés liberal.

Dos pontos negativos, percebemos uma crítica à diminuição da carga horária das aulas de Química na Educação Básica, como podemos observar a seguir:

Excerto 7- É importante ter uma base, no entanto não concordo com a retirada de disciplinas necessárias e fundamentais deste currículo de ensino (L3)

Excerto 8- Trata-se de uma adequação do ensino médio com o objetivo de inserir o ensino técnico na grade curricular. Porém essa reforma é excludente e desigual, pois elimina do currículo disciplinas importante para o desenvolvimento do pensamento crítico, como filosofia, sociologia e história, além de diminuir a carga horária da disciplina de Química (L15)

Excerto 9 – Diminui as aulas de Química (L2)

Com relação à disciplina de Química, Siqueira (2019) aponta que ela foi negligenciada ao longo do tempo pelos documentos curriculares, o que não é diferente com a promulgação da BNCC.

A disciplina Química para o Ensino Médio [...] foi demasiadamente negligenciada pelas políticas educacionais no país até próximo ao fim do século. Nas primeiras reformas curriculares, a disciplina não foi considerada como obrigatória para muitos dos cursos de nível secundário e os conteúdos de sua especificidade não eram aparentes de forma explícita na área das Ciências também em nível primário. As questões do desenvolvimento histórico do acesso à educação no país, e da gradativa incorporação da obrigatoriedade dos níveis de ensino mais elevados, não contribuíram para que se houvesse maior difusão do ensino da química no país durante o período, visto ser até hoje uma disciplina caracteristicamente presente apenas no nível secundário (como hoje na etapa do Ensino Médio). Além disso, os documentos curriculares analisados do período sempre davam conta desta ciência de forma muito fragmentada em seus conteúdos, tomados sempre de forma descontextualizada e acrítica, sendo calcados na racionalidade técnica e para a aplicação de conhecimentos técnicos, voltados para o trabalho (SIQUEIRA, 2019, p. 238).

Com relação à carga horária da disciplina de Química, observamos por meio dos documentos que estes conteúdos podem ser oferecidos em apenas um ano, em um semestre, ou até na forma de módulos ou somente internamente nos temas previstos na Base, sem estarem separados em sua forma disciplinar (SIQUEIRA, 2019). Isso demonstra mais uma vez o esvaziamento do conteúdo científico e que a preocupação dos licenciandos é legítima.

Martins (2018), nesse contexto de drenagem do ensino das ciências na Educação Básica com as atuais políticas de currículo no Brasil, destaca a importância do papel do professor e de sua devida formação para a garantia do bom ensino e, para que o professor tenha uma boa formação, é preciso que os aspectos da organização da educação e dos currículos sejam discutidos de maneira crítica em sua formação inicial, de maneira que o estudante possa compreender, de forma histórica, complexa e relacional, tais políticas e atuar de maneira crítica frente a elas.

Evidenciamos também que a maioria deles teve contato com essa discussão em sua formação na disciplina “Didática e Organização da Educação Brasileira”, em que as competências gerais da BNCC foram discutidas por meio de seminários elaborados pelos licenciandos, o que levanta indícios de que esse pode ser o motivo de os mesmos, quando questionados sobre os seus conhecimentos a respeito do documento, terem citado a formação por competências e habilidades proposta pelo documento:

Excerto 10 - Na disciplina EDCA02 – Organização da Educação Brasileira II. Foram discutidos: a política da BNCC baseada em competências e habilidades, desconsiderando a diversidade regional a partir do momento em que: orienta pela visão unilateral acerca dos alunos; o fato de que as metas estipuladas pela BNCC estarão diretamente relacionadas aos indicadores dos diferentes instrumentos de avaliação nacional e internacional; a instauração de uma formação conteudista e tecnicista, cujo objetivo principal é a formação de mão de obra com qualificação apenas para as demandas do mercado de trabalho, exigindo-se indivíduos flexíveis que se adaptem à ideologia dominante e às necessidades do mercado (e do processo produtivo); dentre outras discussões. (L5)

Excerto 11 - Na disciplina formação da educação brasileira fizemos breves discussões sobre a viabilidade, necessidade e possíveis críticas à BNCC (L3)

L8 já indicou que teve contato com a discussão sobre a temática em uma disciplina optativa, em que foram abordados os aspectos da BNCC que impactariam diretamente no contexto escolar. Outros licenciandos, tais como L2 e L13, citaram o PIBID, onde discutiram quais os impactos que a Reforma do Ensino Médio causa na educação, enquanto L17 apontou que discutiu a Base na Residência Pedagógica, afirmando que naquele momento analisaram de forma crítica o documento, principalmente em relação ao Ensino Médio e à área de Química.

Tais falas demostram que as discussões sobre a BNCC começam a ser inseridas no espaço da Universidade, uma vez que esse documento vem sendo amplamente implementado na Educação Básica, mas destacamos a importância de que essas discussões ocorram de forma crítica com os futuros professores, levando-os a reconhecerem que se trata de um documento que representa um retrocesso para a educação.

Enfim, na mesma linha de interpretação de Frigotto (2016), Freitas (2016), Farias (2019), Siqueira (2019 ), dentre outros, reafirmamos que a proposta apresentada pela BNCC, pelo Novo Ensino Médio e demais políticas, como a Base Nacional Comum para a Formação de Professores (provenientes da atual Resolução CNE/CP nº 2/2019 com as diretrizes para formação de professores para a educação básica), não valoriza o professor, não torna a carreira atraente, não fortalece a formação pedagógica nas licenciaturas, não estabelece mecanismos coesos e pertinentes que promovam o desenvolvimento docente desde a inserção profissional, entre outros desafios que permanecem e, assim, convocam-nos a resistir sempre e criativamente. Portanto, reafirmamos que as discussões sobre tais documentos na formação inicial dos licenciandos deve avançar, desmontando os mecanismos ideológicos presentes nos slogans sedutores, por meio de uma formação crítica.

Considerações Finais

Conforme trabalhos e referenciais citados no texto, podemos constatar que houve avanços na concepção e prática de formação de professores de ciências da natureza, em particular da Química, nas duas últimas décadas, rompendo muitas vezes com o formato clássico da formação de professores na perspectiva dos três anos de bacharelado e mais um ano de formação pedagógica, o famoso 3+1; apesar das políticas públicas na educação, expressas em documentos oficiais, tenderem a atrelar essa formação ao mercado de trabalho e a reduzir essa formação a uma educação tecnicista/neotecnicista. O formato 3+1 foi/é expressão dessa formação tecnicista/neotecnicista.

A BNCC nas suas diversas versões, principalmente na última, é expressão modificada desse novo tecnicismo (neotecnicismo), agora recheado de intenções (neo)escolanovistas e multiculturalistas, com os seus novos slogans sedutores de uma educação “emancipatória”, “integral”, de acordo com o “projeto de vida” dos alunos, voltada para as “competências”, que possibilitaria ao estudante “aprender a aprender” e ao professor se tornar um “professor reflexivo”, “professor pesquisador” (DUARTE 2004; SAVIANI, 2011).

Aqui chamamos atenção para a necessidade desse avanço, caminhar na direção de uma perspectiva crítica que não estacione nem se contente com a simples constatação do mundo e suas mazelas atuais, moldadas por relações reprodutoras do capital. Apontamos, em alguns momentos desse texto, para a necessidade de a formação de professores sair dessa mera “constatação do mundo”, com suas explicações no varejo (nos fragmentos do real), muitas vezes de caráter moralizante (necessária, mas não suficiente), para uma explicação no atacado (na relação parte/todo), no movimento histórico da totalidade social, sempre em processo e em eterno devir. Totalidade essa de caráter dialético e que se sustenta na materialidade da realidade objetiva, portanto, uma totalidade aberta, que não se esgota nos seus momentos sociais sincrônicos, saturados das suas múltiplas determinações.

Assim, defendemos uma formação de professores que articule, no mínimo, a filosofia e a história do ser social, da ciência e da educação, indo além, explicitando as suas determinações a partir da realidade materialmente determinada e objetivamente existente, tendo a categoria trabalho como fio condutor e como pano de fundo a reprodução social com ênfase na economia política como caminho para entender o ser social como um ser que, para viver a vida, precisa estar vivo e para isso precisa no mínimo de se alimentar, beber água e respirar, condição sine qua non da sua existência (MARX, 2006; MARX; ENGELS, 2007; MORADILLO, 2010; MORADILLO, MESSEDER-NETO, MESSENA, 2017). Entendemos ser esse um caminho frutífero para uma formação de professores de Química na perspectiva omnilateral.

Compreensível também entender o estágio alienante em que vivemos atualmente, com o qual a forma hegemônica de fazer educação contribui. As perspectivas contra hegemônicas na educação têm avançado, ainda de forma tímida, dentro de um cenário de crise estrutural do capital.

Esta pesquisa demonstra que boa parte dos licenciandos teve contato com a BNCC, mas, por meio do estudo realizado, concluímos que a maioria deles afirma que a base poderá gerar algum tipo de impacto positivo no ensino de Química. Os licenciandos apresentaram o documento como um regulador do ensino que será promovido nas escolas da Educação Infantil ao Ensino Médio, ajudando as instituições públicas e privadas a elaborarem seus currículos baseados em competências.

Os resultados apontam para a necessidade de que estas discussões sobre a BNCC penetrem de forma intensiva e vigorosa, numa perspectiva crítico-dialética, no curso de Licenciatura em Química da UFBA, procurando desnudar a essência daquilo que a propaganda do governo, via seus documentos oficiais, recheados de slogans sedutores, aparenta trazer de benefício para a melhoria da educação dos jovens, assim como para o processo de formação de professores.

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Notas

4 Ver todo um ideário neoliberal expresso no famoso Relatório para a UNESCO da Comissão Internacional sobre Educação para o século XXI, denominado Educação: um Tesouro a Descobrir (1996), sob a coordenação de Jacques Delors, no qual encontramos os quatro pilares de uma educação para o século XXI: aprender a conhecer, aprender a fazer, aprender a conviver e aprender a ser e suas implicações curriculares e pedagógicas.
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