A Base Nacional Comum Curricular (BNCC) no contexto das reformas educacionais

Políticas de currículo para a educação básica e a formação de professores de Língua Portuguesa: uma abordagem integrativa

Curriculum policies for basic education and the education of portuguese language teachers: an integrative approach

Políticas curriculares para la educación básica y la formación de profesores de lengua portuguesa: un enfoque integrador

Marcos Bispo
Universidade do Estado da Bahia (UNEB), Brasil
Cláudia Santos de Jesus
Rede Estadual de Educação Básica da Bahia (SEC-BA), Brasil
Ruthe Barros Santiago
, Brasil

Políticas de currículo para a educação básica e a formação de professores de Língua Portuguesa: uma abordagem integrativa

Olhar de Professor, vol. 25, pp. 01-30, 2022

Universidade Estadual de Ponta Grossa

Recepción: 14 Mayo 2022

Aprobación: 08 Febrero 2024

Resumen: Nuestro objetivo en este texto es analizar, de forma descriptiva y normativa, el proyecto de integración curricular entre BNCC y BNC-Formação en lo que respecta a la disciplina de Lengua Portuguesa, destacando la importancia de la participación de la universidad en la planificación, implementación y evaluación de las políticas educativas. La metodología de análisis está inspirada en la propuesta integradora de Dunn (2018), según la cual el análisis de políticas se realiza a través de la articulación de diferentes disciplinas y métodos que permiten explicar los procesos de prescripción, previsión, seguimiento y evaluación de políticas. Los análisis mostraron que las directrices curriculares vigentes no anulan la autonomía universitaria en la elaboración de proyectos de curso, pero establecen nuevos parámetros para el ejercicio de esa autonomía, visando la elaboración de currículos efectivamente comprometidos con los intereses públicos.

Palabras clave: Análisis de políticas, Formación de Profesores de Lengua Portuguesa, políticas curriculares.

Resumo: Nosso objetivo, neste texto, consiste em analisar, descritiva e normativamente, o projeto de integração curricular entre a BNCC e a BNC-Formação no tocante à disciplina Língua Portuguesa, destacando a importância do envolvimento da universidade no planejamento, implementação e avaliação das políticas educacionais. A metodologia de análise se inspira na proposta integrativa de Dunn (2018), segundo a qual a análise política se faz por meio da articulação de diferentes disciplinas e métodos que permitam explicar os processos de prescrição, previsão, monitoramento e avaliação das políticas. As análises demonstraram que as atuais diretrizes curriculares não anulam a autonomia universitária na elaboração dos projetos de curso, mas estabelecem novos parâmetros para o exercício dessa autonomia, visando a elaboração de currículos efetivamente comprometidos com os interesses públicos.

Palavras-chave: Análise de políticas, Formação de professores de Língua Portuguesa, Políticas de currículo.

Abstract: Our objective in this text is to analyze, descriptively and normatively, the curricular integration project between BNCC and BNC-Formação regarding the Portuguese Language discipline, highlighting the importance of the university's involvement in the planning, implementation and evaluation of educational policies. The analysis methodology is inspired by Dunn's (2018) integrative proposal, according to which policy analysis is done through the articulation of different disciplines and methods that allow explaining the processes of prescribing, forecasting, monitoring and evaluating policies. The analyzes showed that the current curricular guidelines do not annul university autonomy in the elaboration of course projects but establish new parameters for the exercise of this autonomy, aiming at the elaboration of curricula effectively committed to public interests.

Keywords: Policy analysis, Education of portuguese language teachers, Curriculum policies.

Introdução

No Brasil, os pesquisadores educacionais costumam analisar as políticas curriculares recorrendo, principalmente, às teorias de currículo, com destaque para as teorias críticas e/ou pós- críticas (SILVA, 2005). Embora apresentem significativas contribuições à análise e avaliação das políticas de currículo, as discussões orientadas pelas perspectivas críticas, sobretudo as de base (neo)marxistas – libertárias, economicistas e culturalistas –, apresentam limitações significativas para a compreensão do currículo no contexto das políticas públicas. Essas limitações se devem à diferença de compromissos políticos assumidos pelos teóricos das pedagogias críticas e aqueles que orientam a chamada democracia liberal, entendidas por esses teóricos como intrinsecamente associadas ao capitalismo neoliberal, cuja superação é entendida como indispensável para o fim das injustiças sociais.

A noção de pedagogia crítica surgiu por analogia à distinção que Horkheimer (1980), da famosa Escola de Frankfurt, estabeleceu entre teoria tradicional e teoria crítica. Em linhas bem gerais, verifica- se que Horkheimer classificou o paradigma positivista como teoria tradicional e associou os produtos e procedimentos técnicos derivados do conhecimento positivo à manutenção/reprodução da ordem social capitalista e dominada pela burguesia. Em contrapartida, caberia à teoria crítica o papel de desvelar a ideologia que a suposta neutralidade e objetividade do saber esconde e, dessa forma, fornecer as novas bases de uma filosofia da práxis, necessárias para promover a conscientização revolucionária aos oprimidos. Marcuse (1973), outro membro da Escola de Frankfurt, elaborou uma teoria de como o conhecimento técnico positivista se tornou a base do sistema de produção industrial capitalista e de novas formas de alienação do trabalho. A teoria crítica, portanto, está comprometida com a transformação social, enquanto a tradicional serve à reprodução.

Teóricos educacionais identificados com esses princípios classificaram as primeiras políticas de currículo, elaboradas a partir dos trabalhos de Tyler (1959) e Bobbit (2004), amparados na psicologia da aprendizagem comportamentalista (SKINNER, 1972; BLOOM, 1990), como um modelo tecnicista, que ficou conhecido como pedagogia dos objetivos4. O tecnicismo atribuído a esse modelo se deve ao processo de racionalização científica que resulta na elaboração de objetivos cognitivos e afetivos que orientariam os processos de ensino e aprendizagem, com profundos impactos no planejamento, na implementação e avaliação das políticas de currículo, além de importantes transformações na organização escolar e no trabalho docente. Os pedagogos críticos relacionaram essa pedagogia científica à teoria tradicional e, inspirados na teoria crítica, propuseram sua contraparte pedagógica: a pedagogia crítica. Na esteira da teoria crítica, essa abordagem pedagógica assume compromissos com a transformação social e tem produzido um vasto conjunto de obras que denunciam os problemas do tecnicismo científico nas políticas de currículo e na formação de professores.

Como podemos ver, a teoria e a pedagogia críticas estabelecem relações de oposição inconciliáveis com aquilo que elas mesmas classificam como teorias ou pedagogias tradicionais, vinculando estas a projetos de reprodução social e manutenção da dominação capitalista, ao passo que se apresentam como as únicas perspectivas de análise social e educacional capazes de conduzir projetos de transformação social. É com base nesse entendimento que muitos pesquisadores brasileiros vêm analisado as últimas reformas curriculares que estão em fase de implementação gradativa no Brasil. Estamos, portanto, diante de abordagens inconciliáveis.

Com efeito, as formulações da pedagogia crítica lançaram luzes sobre muitos problemas que afetavam a educação orientada pelo paradigma positivista. No entanto, é importante destacar que esse modelo de racionalidade que, inicialmente, dominava também a produção de conhecimento no campo das humanidades, passou a ser contestado pelas ciências sociais, que rompendo com a neutralidade e o objetivismo positivistas, desenvolveram metodologias qualitativas e interpretativas, a partir das filosofias hermenêuticas e fenomenológicas (GADAMER, 2015). Nesse sentido, é fundamental compreender que as políticas de educação contemporâneas, da mesma forma que as ciências humanas, não seguem exclusivamente os postulados positivistas e que já dialogam de modo muito profícuo com novas racionalidades e epistemologias.

Além do influxo das contribuições das ciências humanas, as atuais políticas de currículo dialogam também com a crítica pós-moderna, que rompe com as metanarrativas – incluindo as (neo)marxistas –, ou seja, explicações universais sobre o mundo e a sociedade, e a visão do sujeito centrado e consciente da modernidade. Com isso, a nova crítica chamou a atenção para as relações entre diversidade cultural e os impactos dessa diversidade na constituição identitária de sujeitos descentrados por questões de raça, gênero, sexualidade e os reflexos dessas questões nas relações de poder. Todos esses fatores estão presentes nas novas diretrizes curriculares brasileiras.

Do ponto de vista ideológico, as pedagogias críticas definem suas propostas como modelos educativos de esquerda. Amparada pela sociologia do conflito, essa perspectiva educacional defende que os conteúdos curriculares tradicionalmente privilegiados pela escola atendem aos interesses da classe dominante. As abordagens críticas culturalistas, principalmente as pós-modernas5, então, passaram a defender que o currículo deve ser composto pelas culturas dos distintos grupos sociais representados na escola. No entanto, a pedagogia histórico-crítica (SAVIANI; DUARTE, 2015; DUARTE, 2016), rejeitando o multiculturalismo, postula que a aprendizagem dos conteúdos clássicos pelos filhos dos trabalhadores é condição indispensável para a revolução do proletariado tal qual prevista por Marx. Apesar dessas diferenças, as abordagens críticas convergem acerca do entendimento marxiano de que o Estado é uma instituição que está a serviço unicamente dos interesses burgueses. Obviamente, Marx não viu as transformações pelas quais o Estado passou e as formas que assumiu nos chamados Estado de Bem-estar Social e Estado Democrático de Direito, nos quais foram implementadas várias políticas que visavam garantir direitos sociais e trabalhistas a todos. Dessa forma, se não podemos afirmar que todos os problemas sociais foram efetivamente resolvidos, não podemos também afirmar que o Estado se caracteriza unicamente como uma instituição opressiva a serviço da burguesia.

Há ainda impasses epistemológicos a serem enfrentados pelos pedagogos críticos no interior dos cursos superiores de formação de professores. Como foi dito, a teoria e a pedagogia críticas rejeitam a racionalidade positivista e reputam-lhe um papel fundamental na manutenção da dominação burguesa. Essa crítica se estendeu também às ciências humanas qualitativas, que, classificadas como meramente descritivas, estão descomprometidas com projetos de transformação social (MCLAREN, 2008). Ora, sabemos que os currículos multidisciplinares dos cursos de licenciatura compõem-se de disciplinas oriundas do paradigma positivista, das ciências humanas qualitativas, além das teorias críticas. Isso significa que a pedagogia crítica precisa disputar espaço com as demais perspectivas epistemológicas no processo de formação de professores. Ou seja, o currículo não pode ser reduzido ao sociologismo dos modelos críticos.

Diante das transformações sociais e dos papéis que o Estado assume na condução das políticas públicas, é impossível a essa instituição assumir os postulados da pedagogia crítica como parâmetros exclusivos para o planejamento de suas políticas. Dada a diversidade social, ideológica, cultural e científica que caracteriza o mundo contemporâneo, seria impossível que apenas as perspectivas críticas ditassem os rumos das políticas públicas. Essa posição se mostra ainda mais sensata quando avaliamos que não existe apenas uma pedagogia crítica, mas várias. Assim, qual delas teria a palavra final nas muitas questões em que divergem6?

Neste texto, propomos uma leitura das recentes reformas curriculares para a educação básica e a formação de professores no Brasil que se inscreve no quadro da análise de políticas, um ramo da ciência política, que, de acordo com Dunn (2018, p. 3), “[...] é um processo de investigação multidisciplinar que visa a criação, avaliação crítica e comunicação de conhecimento relevante para as políticas. Como uma disciplina de resolução de problemas, baseia-se em métodos das ciências sociais teorias e descobertas substantivas para resolver problemas práticos”. Conforme está dito, a análise parte da identificação de problemas nas políticas para produzir, avaliar criticamente e tornar disponível conhecimento relevante para orientar, em nosso caso, as políticas de currículo. A noção de crítica aqui, embora não seja absolutamente oposta à das pedagogias críticas, difere delas pelo fato de que não estamos assumindo nenhum compromisso com a revolução socialista ou defendendo um projeto de educação exclusivamente de esquerda. Nesse sentido, entendemos que a crítica não é uma vocação exclusiva das teorias ditas críticas.

Esse entendimento é corroborado pelo trabalho de Hargreaves et al. (2002), no qual a crítica ao currículo padronizado não redunda na rejeição a toda ideia de estabelecimento de padrões educacionais nem é motivada por ideais revolucionários ou de uma educação voltada para grupos específicos, mas para a melhoria da qualidade do currículo. Assim, o primeiro procedimento de nossa análise consiste em identificarmos o problema de partida. Já são bastante conhecidas as distâncias entre o processo de formação desenvolvido nos cursos de licenciatura e o desenvolvimento das competências profissionais necessárias ao exercício da docência em nosso país e em vários outros. Por aqui, as últimas reformas curriculares formalizadas na Base Nacional Comum Curricular (BNCC) e na Base Nacional Comum para a Formação Inicial de Professores da Educação Básica (BNC-Formação) planificam, pela primeira vez na história da educação brasileira, políticas de currículo efetivamente formuladas para promover a tão almejada integração entre os saberes da formação de professores e os da atuação profissional. Essa proposta de articulação entre currículos afeta consideravelmente a estrutura da educação básica e mais ainda a dos cursos de licenciatura.

Sabemos que nossas universidades, em virtude da redação bastante flexível e evasiva das diretrizes curriculares anteriores (BRASIL, 2002, 2015), conseguiram manter suas formas de organização curricular relativamente incólumes às propostas de reformas curriculares que já previam projetos de cursos orientados pela pedagogia das competências, desenvolvimento de habilidades e construção de saberes profissionais, tendo como referência as didáticas específicas das disciplinas7. Desta vez, no entanto, os novos dispositivos curriculares estabeleceram uma relação vinculante entre os currículos da educação básica e das respectivas licenciaturas, determinando, de modo objetivo e explícito na redação dos documentos, um conjunto de aspectos estruturais obrigatórios. Esse tipo de intervenção direta causou enorme reação da comunidade acadêmica, que classificou tal gesto como um ataque à autonomia universitária. Desse modo, um problema a ser investigado em nossa análise é o seguinte: considerando-se que a formação universitária é um requisito fundamental para a atuação profissional de professores, é politicamente aceitável que a universidade tenha autonomia total para elaborar os currículos dos cursos de licenciatura à revelia das políticas de currículo para a educação básica? Outro problema decorrente desse é o seguinte: a estrutura curricular proposta na BNC- Formação realmente fere a autonomia universitária ou apenas estabelece parâmetros mais objetivos para orientar a elaboração dos currículos?

Nosso objetivo consiste em analisar, descritiva e normativamente, o projeto de integração curricular entre a BNCC e a BNC-Formação no tocante à disciplina Língua Portuguesa, destacando a importância do envolvimento da universidade no planejamento, implementação e avaliação das políticas educacionais. A metodologia de análise se inspira na proposta integrativa de Dunn (2018), segundo a qual a análise política se faz por meio da articulação de diferentes disciplinas e métodos que permitam explicar os processos de prescrição, previsão, monitoramento e avaliação das políticas. Embora nossa análise se detenha apenas na prescrição e na previsão das novas políticas, visto que ainda estão em fase de implementação, entendemos ser coerente classificá-la como integrativa porque ela estabelece uma relação necessária entre as diretrizes curriculares da educação básica e da formação profissional de professores.

Análise das políticas de currículo: propósitos e fundamentos

As políticas de currículo são um tipo de política pública. Essa afirmação aparentemente trivial traz em seu bojo uma série de pressupostos que, se não forem adequadamente compreendidos, podem gerar impasses e problemas para a crítica e a produção de conhecimentos úteis ao planejamento e à avaliação das políticas educacionais. O primeiro pressuposto reside na máxima de que as questões de interesse público são de competência do Estado, diferentemente das privadas, que são de responsabilidade dos indivíduos ou das instituições particulares. Nesse sentido, cabe ao Estado gerenciar as políticas educacionais, o que inclui a elaboração de leis, diretrizes e referenciais curriculares. Segundo pressuposto: se compete ao Estado prestar serviços de educação pública, é sua atribuição também estabelecer o perfil profissional dos agentes públicos encarregados de prestar esse serviço e se encarregar de sua formação, por meio de instituições e procedimentos apropriados à consecução dos objetivos almejados.

Esse quadro apresentado de forma tão simplificada descreve os elementos básicos envolvidos na análise das políticas de currículo. No entanto, o funcionamento dessas políticas depende de uma série de processos bastante complexos de teorização, divisão de tarefas em variados níveis decisórios de planificação, implementação e avaliação, processos que são atravessados por conflitos ideológicos, econômicos, epistemológicos e culturais. Essa complexidade reflete e refrata conflitos sociais, confirmando o caráter essencialmente político da educação. Conforme bem explica Heywood (2019), a existência dos conflitos sociais é exatamente o que justifica a existência da política, prática social que tem a função de resolver conflitos, sempre que possível:

A política, em seu sentido mais amplo, é a atividade por meio da qual as pessoas fazem, preservam e alteram as regras gerais sob as quais vivem. Embora a política também seja uma disciplina acadêmica (às vezes indicada pelo uso de ‘Política’ com P maiúsculo), é então claramente o estudo dessa atividade. A política está, portanto, inextricavelmente ligada aos fenômenos de conflito e cooperação. Por um lado, a existência de opiniões rivais, desejos diferentes, necessidades concorrentes e interesses opostos garante o desacordo sobre as regras sob as quais as pessoas vivem. Por outro lado, as pessoas reconhecem que, para influenciar essas regras ou garantir que elas sejam mantidas, elas devem trabalhar com os outros – daí a definição de Hannah Arendt de poder político como “agir em conjunto”. É por isso que o coração da política é frequentemente retratado como um processo de resolução de conflitos, no qual visões rivais ou interesses concorrentes são reconciliados entre si. No entanto, a política nesse sentido amplo é entendida mais como uma busca pela resolução de conflitos do que como sua realização, pois nem todos os conflitos são ou podem ser resolvidos. A presença inevitável da diversidade (não somos todos iguais) e da escassez (nunca há o suficiente para todos) garante que a política seja uma característica inevitável da condição humana. (HEYWOOD, 2019, p. 2)

O entendimento da política expresso nas palavras de Heywood rechaça qualquer possibilidade de se conceber a sociedade como um organismo intrinsecamente consensual, como propunha a abordagem funcionalista, ainda hoje criticada pela teoria crítica como se ela tivesse se plasmado nas políticas de Estado. Com efeito, a teoria crítica procede como se apenas ela reconhecesse o caráter inerentemente conflituoso das relações sociais, quando a própria existência da política já deve ser vista como um reconhecimento de que o conflito é uma propriedade inalienável da vida social. O que distingue o tratamento político dado ao conflito pela teoria crítica e pelo Estado é a forma de lidar com eles. Enquanto este dispõe de instrumentos, sempre transitórios, negociáveis e reformuláveis, de resolução ou administração dos conflitos sociais, aquela adota uma posição fundacionalista de que o conflito é decorrente das relações de dominação que só poderiam ser efetivamente resolvidos por meio de uma revolução ou de transformações sociais inspiradas em modelos teóricos (neo)marxistas. Nessa perspectiva, não haveria possibilidades de uma resolução justa dos conflitos porque as relações de poder são desiguais, levando qualquer processo de negociação, inexoravelmente, ao favorecimento dos detentores do poder.

Vista pelo prisma da teoria crítica, a resolução de conflitos se mostra impossível na democracia liberal, o que inviabiliza a própria noção de política nos termos definidos por Heywood. Estamos, portanto, diante de abordagens incomensuráveis de análise das políticas públicas em geral e das de currículo, em particular. Ocorre, porém, que as análises das políticas baseadas na teoria crítica, em razão do fundacionalismo já referido, operam com modelos idealizados e restritivos de investigação das políticas de currículo. Consideramos idealista, por exemplo, a concepção do professor, contratado pelo Estado como agente público para implementar políticas públicas de educação, como intelectual transformador que deve agir à revelia de seu empregador para promover uma educação revolucionária (MOREIRA, 2011). Essa visão idealista considera razoável que o Estado contrate professores, mas que não estabeleça suas funções, deixando-os totalmente livres para agir como bem entenderem ou como se todos fossem naturalmente portadores de uma consciência inata e universal que os informasse acerca do que ensinar e como desenvolver o trabalho pedagógico. São caudatárias dessa proposta de consciência inata as propostas de pesquisa-ação desenvolvidas por Sthenhouse (2003), Elliott (2005) e McKernan (2009), que atribuem aos professores a tarefa de elaborar os currículos de maneira autônoma8 por meio de pesquisas orientadas pelos princípios da pedagogia crítica.

É importante enfatizar que nosso entendimento de que a pedagogia crítica idealiza o trabalho docente não tem relação com a coerência interna da proposta, explicada em termos de filosofia ou epistemologia da práxis (SILVA, 2018), mas com o entendimento de que não cabe ao Estado estabelecer objetivos, conteúdos, metodologias de trabalho e dispositivos de avaliação relativos ao trabalho de professores contratados para implementar políticas públicas de currículo. Nesse sentido, o idealismo acerca das atribuições profissionais do professor reflete também um reducionismo que não pode encontrar lugar no serviço público, a saber: a abordagem crítica abarca apenas os professores potencial ou efetivamente comprometidos com seus postulados. E quanto àqueles que se alinham a outras ideologias? De modo análogo, a pedagogia crítica se define como uma teoria educacional de esquerda ou popular. Nesse caso, o que fazer com as pessoas pertencentes a outras classes? Essas restrições no âmago da pedagogia crítica parecem explicar suas dificuldades para apresentar propostas concretas de resolução de conflitos sociais e apostar na utopia da revolução ou transformação sem a necessária travessia pelo enfrentamento dos conflitos. Assim, enquanto a mudança social não acontece, os críticos defendem sempre o discurso da resistência ao que emana do Estado.

Apesar das diferenças entre as finalidades dos modelos propostos pela pedagogia crítica e pelo Estado para as políticas de currículo, a análise de políticas públicas, entendida como um ramo da ciência política, pode utilizar-se de vários de seus insights para produzir conhecimentos capazes de melhorar as políticas educacionais e resolver ou melhor administrar conflitos sociais. Analistas de políticas públicas como Birkland (2016), Dye (2017) e Dunn (2018) ressaltam a importância da análise para a melhoria das políticas públicas. Para que isso aconteça, é indispensável que as práticas analíticas se preocupem com “[...] quem recebe o quê na política e, mais importante, por que e que diferença isso faz. Estamos preocupados não apenas com as políticas adotadas pelos governos, mas por que os governos adotam as políticas que adotam e quais são as consequências dessas políticas.” (DYE, 2017, p. vii; prefácio). Como os pedagogos críticos estão sempre preocupados com situações de injustiça social e educacional, seus estudos fornecem importantes informações sobre problemas sociais que precisam ser enfrentados nas políticas educacionais.

As reflexões desenvolvidas até aqui nos autorizam a afirmar que, se compete ao Estado a oferta de serviços educacionais à sociedade, é sua atribuição gerenciar o planejamento, a implementação e a avaliação das políticas de currículo. Mas, de onde vem a legitimidade do Estado para assumir esses papéis? Pacheco (2003, p. 10) nos dá uma pista quando afirma que “[...] em termos formais, a política curricular corresponde ao conjunto de leis e regulamentações que dizem respeito ao que deve ser ensinado nas escolas”. Embora a definição de currículo presente nas palavras de Pacheco denote uma confusão entre este dispositivo e o programa de conteúdos disciplinares, questão que será discutida adiante, interessa-nos agora explorar sua afirmação de que as políticas de currículo se apresentam primeiramente à sociedade na forma de leis. Embora o autor não explique, cabe perguntar por que toda política pública deve ser precedida de leis que a instituam e entender como esse processo funciona (abordagem descritiva) para avaliar se ele funciona como efetivamente deveria (abordagem normativa).

Em Estados federativos, como o Brasil, a administração pública obedece à Constituição, lei maior de uma nação, elaborada de acordo com regras democráticas previstas no próprio documento. A Constituição Federal do Brasil, de 1988, descreve não apenas normas de organização jurídica da vida social, mas também um conjunto de princípios, explícitos e implícitos, que fundamenta tais normas, além das atribuições de cada ente federado (estados e municípios) na gestão das políticas. Em relação à administração pública, destacaremos três princípios diretamente ligados à análise das políticas de currículo: o da legalidade, da impessoalidade e da eficiência. O princípio da legalidade estabelece que todas as ações do Estado estejam de acordo com a lei, ou seja, que o Estado só pode agir se houver previsão legal. Assim, para oferecer os serviços públicos educacionais, é preciso que tudo o que diz respeito a eles seja devidamente codificado em textos legais. É esse princípio que explica a existência da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional – a atual LDB 9.394/96 – da BNCC, da BNC- Formação, dos Referenciais Curriculares Estaduais e Municipais, dentre outras resoluções, pareceres, portarias e editais que regulam as políticas educacionais no país. Diante disso, é completamente incabível a afirmação de Freitas e Selles (2021) de que as atuais reformas curriculares no Brasil são tentativas de controle político da educação e da formação docente, visto ser responsabilidade constitucional do Estado gerenciar a educação pública.

Em consonância com o princípio da impessoalidade, a contratação de professores não pode discriminar candidatos nos processos seletivos para privilegiar apenas aqueles que apresentam determinadas concepções ideológicas, culturais ou religiosas. Dessa forma, as políticas de formação de professores precisam garantir que todos os candidatos disponham das competências profissionais necessárias para atuar como agentes públicos da implementação de políticas educacionais. Dito de outra forma, para garantir a impessoalidade nos concursos públicos de seleção de professores, o Estado precisa estabelecer os sabres curriculares e profissionais necessários ao exercício da docência. A impessoalidade é impossível num processo formativo concebido segundo os princípios da pedagogia crítica.

O princípio da eficiência determina que a administração pública deve primar pela qualidade dos serviços prestados, preservando os recursos públicos. Aplicado às políticas educacionais, esse princípio explica a existência de dispositivos de avaliação da qualidade educacional oferecida e a adequação dos recursos alocados. As avaliações de larga escala aplicadas pelo Estado e muito criticada por educadores de diferentes tendências pedagógicas por, supostamente, avaliar os alunos quanto ao domínio de conhecimentos técnicos e o desempenho dos professores, buscam, na verdade, verificar se o serviço público está sendo bem prestado e atingindo os objetivos previstos.

Birkland (2016) identifica alguns atributos-chave das políticas públicas, dentre os quais destacamos os seguintes:

Esses atributos funcionam como critérios importantes para a análise das políticas de currículo: quais problemas educacionais elas buscam resolver? A quais interesses públicos atendem? Quais são os resultados previstos? Quais atores sociais interagem com os governamentais na elaboração das políticas? Quais atores são encarregados de sua implementação e quais suas motivações? Quais fatores determinam as decisões governamentais?

Em sua metodologia integrativa de análise de políticas públicas, sintetizada na Figura 1, Dunn (2018) ratifica sua natureza pragmática e comprometida com a resolução de problemas de natureza prática, contemplando todos os fatores associados a eles. Em suas palavras,

A análise de políticas é parcialmente descritiva. Baseia-se nas disciplinas tradicionais das ciências sociais para descrever e explicar as causas e consequências das políticas. Mas também é normativa, um termo que se refere a juízos de valor sobre o que deveria ser, em contraste com declarações descritivas sobre o que é. Para investigar problemas de eficiência e justiça, a análise de políticas baseia-se em economia normativa e análise de decisão, bem como ética e outros ramos da filosofia social e política, todas elas sobre o que deveria ser. Esse compromisso normativo decorre do fato de que analisar políticas exige que escolhamos entre consequências desejadas (fins) e cursos de ação preferidos (meios). A escolha das pontas e meios requer trocas contínuas entre valores concorrentes de eficiência, equidade, segurança, liberdade, democracia e esclarecimento (DUNN, 2018, p. 4).

A análise pragmática das políticas de currículo deve recobrir as relações fins (resultados desejados) e meios (ações preferenciais). Na etapa descritiva, o objetivo é explicar as causas e consequências das políticas. Na normativa, investiga-se a eficiência das políticas implementadas, avaliando a qualidade das decisões quanto aos recursos humanos e econômicos empregados. Para Dunn, a análise de políticas é projetada para fornecer conhecimento relevante para políticas sobre cinco tipos de perguntas:

Figura 1 - Análise Multidisciplinar de Políticas
Figura 1 - Análise Multidisciplinar de Políticas
Fonte: Dunn (2018, p. 6).

Problemas políticos são representações de situações problemáticas, que são conjuntos difusos de preocupações, sinais incipientes de estresse ou surpresas para as quais não há solução aparente. O conhecimento de qual problema resolver requer conhecimento sobre as condições antecedentes de uma situação-problema, bem como de conhecimentos sobre valores cuja realização pode levar à definição do problema e suas possíveis soluções. O conhecimento sobre problemas políticos inclui ainda, pelo menos, duas soluções potenciais para o problema e, se disponíveis, as probabilidades de cada alternativa para alcançar uma solução. O conhecimento sobre problemas de políticas desempenha um papel crítico na análise de políticas, porque a forma como um problema é definido molda a identificação das soluções disponíveis. O conhecimento inadequado ou falho pode resultar em erros graves ou até fatais: definir o problema errado.

Do ponto de vista metodológico, os cinco tipos de conhecimento relevante para a política são produzidos e transformados usando métodos analíticos de política, que são os veículos que impulsionam a produção e a transformação de conhecimento. Os métodos envolvem julgamentos de diferentes tipos: julgamentos para aceitar ou rejeitar uma explicação, para afirmar ou contestar a correção ou incorreção de uma política preferida (monitoramento), para prescrever ou não prescrever uma política preferencial (prescrição), aceitar ou rejeitar uma previsão sobre um resultado (previsão), formular um problema de uma maneira e não de outra (avaliação).

Na próxima seção, utilizaremos esses pressupostos teórico-metodológicos para analisar as novas políticas de currículo de Língua Portuguesa para a educação básica e a formação de professores da mesma disciplina. Essa delimitação disciplinar, longe de simplificar a análise, acrescenta outros fatores epistemológicos, ideológicos e culturais aos já citados que a tornam mais complexa, pelo fato de que nos obriga a problematizar muitas especificidades disciplinares e a produzir conhecimentos sobre elas, visando à formulação de críticas e melhoria das políticas voltadas para uma disciplina particular. Entre os fatores acrescidos, estão a necessidade de uma visão global da disciplina e sua inserção nas políticas de currículo; as relações entre teorias, ideologias linguísticas e as políticas de currículo; as relações entre teorias linguísticas, a perspectiva pedagógica e as teorias da aprendizagem orientadoras das políticas; o processo de transposição didática de saberes científicos e de práticas sociais de linguagem, considerando a concepção de conteúdos ou conhecimentos escolares do currículo.

Diante disso, a concepção de análise integrativa das políticas de currículo aqui proposta se diferencia das análises realizadas por vários pesquisadores da área de Letras e reunidas em coletâneas como as organizadas por Costa-Hübes e Kraemer (2019), Gerhardt e Amorim (2019), Souza e Rutiquewiski (2020) e Rodrigues e Leal (2021), nas quais, apesar das muitas considerações relevantes, verifica-se uma desconsideração de vários dos elementos políticos, epistemológicos e didáticos imprescindíveis a uma análise adequada de políticas educacionais, além da desvinculação entre os currículos da educação básica e da formação docente9. Nossa análise busca relacionar os aspectos políticos, incluindo os burocráticos e econômicos, epistemológicos, culturais e ideológicos envolvidos na elaboração das diretrizes curriculares de Língua Portuguesa para a educação básica (BNCC) e aquelas relativas à formação de professores (BNC-Formação), no sentido de problematizar o papel prescritivo desses documentos na reformulação de currículos da educação básica e dos cursos de Licenciatura em Letras. Como essas últimas abrangem a formação de professores de todas as disciplinas, a análise buscará explicar, criticamente, as mudanças previstas, os possíveis impactos na formação inicial de professores de Língua Portuguesa e as resistências às reformas no ambiente acadêmico.

Reformas curriculares e formação de professores: entre prescrições e resistências

As discussões realizadas até aqui demonstraram que as pedagogias críticas compõem um dos flancos de resistência ideológica às atuais diretrizes curriculares oficiais destinadas a promover reformas educacionais em nosso país. No percurso que traçamos, esperamos ter demonstrado as limitações epistemológicas e políticas dessa abordagem para apresentar soluções aos problemas educacionais no contexto da democracia liberal, ainda que várias de suas críticas à injustiça social sejam altamente relevantes no processo de análise e avaliação das políticas públicas e do currículo. Nesta seção, trataremos dos aspectos normativos, ideológicos e epistemológicos que determinam as políticas de currículo no Brasil, com o objetivo de explicar a necessidade de articulação entre os currículos da educação básica e da formação de professores como condição necessária para o alcance dos objetivos educacionais.

Diante desse objetivo, estamos reafirmando a posição já explicitada de que, se compete ao Estado garantir aos cidadãos o acesso à educação, por força dos preceitos constitucionais, cabe a ele o gerenciamento dos processos envolvidos na oferta desse serviço público. Vimos com Dunn (2018) que as políticas públicas são feitas de prescrição, previsão, monitoramento e avaliação. Com Birkland (2016), aprendemos, dentre outras, que vários atores governamentais e não governamentais estão envolvidos nas políticas públicas, ainda que caiba ao Estado a gestão do processo, e que os atores encarregados de planejar e executar as políticas agem mediante diferentes interpretações dos problemas e das soluções adequadas, de acordo com suas próprias motivações. Além disso, não devemos nos esquecer de que o federalismo confere autonomia política, administrativa e financeira a estados e municípios, tornando-os corresponsáveis, juntamente com a União (governo federal), pelo planejamento, implementação e avaliação de políticas públicas. A partir desses pressupostos, as análises e discussões realizadas nesta seção fornecerão elementos para respondermos aos problemas deste estudo referentes à autonomia universitária diante das políticas de currículo do país.

Fatores político-ideológicos e socioculturais das reformas curriculares

A diversidade de atores e de instâncias administrativas envolvidas na elaboração das políticas públicas é, obviamente, geradora de conflitos que só podem ser resolvidos politicamente, nos termos definidos por Heywood (2019), já citado neste texto, os quais incluem a possibilidade de não resolução de conflitos. Nesses casos, é preciso avaliar as previsões legais para a existências de desacordos e flexibilizações nas políticas públicas, visto que, em alguns casos, isso pode comprometer o princípio da isonomia (o tratamento igualitário a todos) ou o da equidade (o entendimento de que os desiguais devem ser tratados de forma desigual). Dye (2017, p. 71-72) apresenta com bastante clareza a importância do federalismo no processo de descentralização do poder, que caracteriza as sociedades democráticas, na melhoria da eficiência da administração pública e na garantia de direitos civis:

Por que são necessários governos estaduais e locais, afinal? Por que não ter um sistema político centralizado com um único governo responsável perante as maiorias nacionais nas eleições nacionais – um governo capaz de implementar políticas uniformes em todo o país? Existem muitos argumentos a favor do federalismo. Muitos entendem que “princípios republicanos” – eleições periódicas, governo representativo, igualdade política – não seriam suficientes por si mesmos para proteger a liberdade individual. Esses princípios podem tornar as elites governantes mais responsivas às preocupações populares, mas não protegem minorias ou indivíduos, “a parte mais fraca ou um indivíduo detestável”, das privações governamentais de liberdade ou propriedade. Com efeito, “o grande objetivo” da redação de uma constituição consiste em preservar o governo popular e, ao mesmo tempo, proteger os indivíduos de maiorias “injustas e interessadas”. O federalismo melhora a eficiência e encoraja a capacidade de resposta política. Vários governos concorrentes são mais sensíveis às opiniões dos cidadãos do que um governo centralizado e monopolista. A existência de vários governos oferecendo diferentes pacotes de benefícios e custos permite uma melhor adequação entre as preferências dos cidadãos e as políticas públicas.

Diante do exposto, de que maneira o federalismo determina as políticas de currículo na educação Brasileira? Nossa Constituição Federal, no Capítulo III, Seção I, Art. 210, estabelece a necessidade de se fixarem conteúdos mínimos para garantir uma formação básica comum a todos os estudantes do país. Atendendo à norma constitucional, a LDB 9.394/96, no Inciso IV do Art 9º, define que o currículo deve ser elaborado em regime de colaboração entre os entes federados, cabendo à União definir o que é básico-comum (as competências, as diretrizes e os conteúdos mínimos) e às escolas e secretarias de educação elaborar os currículos, ou seja, a parte diversificada, de modo a assegurar uma formação básica comum. Acerca dos conteúdos mínimos de que fala a Constituição, Cury, Reis e Zanardi (2018, p. 48), corroborando a descrição de Dye (op. cit.) sobre o federalismo, avaliam que: “[...] a elaboração de uma base nacional comum curricular tem a ver com a constituição de uma cidadania portadora de representatividade e participação. E a educação escolar é uma forma de viabilizar esta vida cidadã nos espaços de uma coesão nacional que garanta os princípios da igualdade e da liberdade.”

Algumas conclusões podem ser extraídas das premissas do federalismo. Uma delas é que o pluralismo cultural e ideológico é uma realidade incontornável das sociedades humanas e que o objetivo da definição de saberes mínimos comuns não tem a finalidade de anular as diferenças, como equivocadamente se pode supor, mas de garantir que as diferenças não sejam motivo de exclusão social. Nesse sentido, como advertem Cury, Reis e Zanardi (2018), é preciso que sejam tomados todos os cuidados para que a unidade pretendida com os saberes mínimos não seja confundida com homogeneidade.

Outra conclusão é que a descentralização das decisões sobre as políticas de currículo torna difusas as disputas sobre o teor da parte diversificada, exigindo dos analistas das políticas a utilização de abordagens integrativas capazes de explicar como as disputas políticas, ideológicas e culturais determinam a seleção dos conteúdos locais a serem acrescidos aos da base nacional comum. Nessa perspectiva, afirma-se a impossibilidade de se considerar a BNCC como currículo impositivo no modelo top-down. Primeiro, porque a BNCC não é currículo; segundo, porque o federalismo confere autonomia relativa para todos os entes federados na elaboração das políticas de currículo, de modo que não se verifica coerência nas críticas que, à semelhança das realizadas por Freitas (2018), classifica as atuais reformas como expressão prioritária dos interesses do capitalismo neoliberal. A rejeição a essa leitura economicista das novas diretrizes curriculares pode ser explicitamente verificada no seguinte trecho da BNCC:

É também da alçada dos entes federados responsáveis pela implementação da BNCC o reconhecimento da experiência curricular existente em seu âmbito de atuação. Nas duas últimas décadas, mais da metade dos estados e muitos municípios vêm elaborando currículos para seus respectivos sistemas de ensino, inclusive para atender às especificidades das diferentes modalidades. Muitas escolas públicas e particulares também acumularam experiências de desenvolvimento curricular e de criação de materiais de apoio ao currículo, assim como instituições de ensino superior construíram experiências de consultoria e de apoio técnico ao desenvolvimento curricular. Inventariar e avaliar toda essa experiência pode contribuir para aprender com acertos e erros e incorporar práticas que propiciaram bons resultados (BRASIL, 2018, p. 18).

A valorização das experiências exitosas desenvolvidas por escolas e universidades de todo o país, ao mesmo tempo em que rechaça o determinismo econômico na configuração do currículo, afigura-se como o mote para a terceira conclusão decorrente das premissas do pacto federativo: a seleção de saberes mínimos comuns não retira a autonomia dos entes federados nem dos professores. A essa altura de nossa análise, já deve ter ficado claro que o federalismo prevê o compartilhamento da autonomia entre todos os entes federados. Na seção em que trata de suas relações com os currículos, a BNCC explicita, por exemplo, as atribuições dos estados e municípios acerca de diversos temas multiculturais e socioculturais para os quais já existem leis específicas:

[...] cabe aos sistemas e redes de ensino, assim como às escolas, em suas respectivas esferas de autonomia e competência, incorporar aos currículos e às propostas pedagógicas a abordagem de temas contemporâneos que afetam a vida humana em escala local, regional e global, preferencialmente de forma transversal integradora. Entre esses temas, destacam-se: direitos da criança e do adolescente (Lei nº 8.069/199016), educação para o trânsito (Lei nº 9.503/199717), educação ambiental (Lei nº 9.795/1999, Parecer CNE/CP nº 14/2012 e Resolução CNE/CP nº 2/201218), educação alimentar e nutricional (Lei nº 11.947/200919), processo de envelhecimento, respeito e valorização do idoso (Lei nº 10.741/200320), educação em direitos humanos (Decreto nº 7.037/2009, Parecer CNE/CP nº 8/2012 e Resolução CNE/CP nº 1/201221), educação das relações étnico-raciais e ensino de história e cultura afro-brasileira, africana e indígena (Leis nº 10.639/2003 e 11.645/2008, Parecer CNE/CP nº 3/2004 e Resolução CNE/CP nº 1/200422), bem como saúde, vida familiar e social, educação para o consumo, educação financeira e fiscal, trabalho, ciência e tecnologia e diversidade cultural (Parecer CNE/CEB nº 11/2010 e Resolução CNE/CEB nº 7/201023). Na BNCC, essas temáticas são contempladas em habilidades dos componentes curriculares, cabendo aos sistemas de ensino e escolas, de acordo com suas especificidades, tratá-las de forma contextualizada (BRASIL, 2018, p. 19-20).

Apesar desse claro compartilhamento de atribuições, que garante a autonomia entre os entes federados, a definição de saberes comuns ainda gera resistências, sobretudo no meio acadêmico. Quais justificativas fundamentam esse posicionamento? Pode-se atribuir essa resistência a uma compreensão caudatária das pedagogias críticas, que vê nas habilidades selecionadas pela BNCC uma continuidade ou atualização da pedagogia dos objetivos, também chamada de tecnicista, devido a sua orientação positivista. A crítica a esse entendimento será feita adiante. Por ora, interessa-nos afirmar que a rejeição às teses da pedagogia crítica não significa uma recusa às possibilidades de críticas à ideia de padronização de conteúdos, mas que elas devem ser elaboradas tendo em vista os pressupostos da análise integrativa das políticas de currículo. O trabalho de Hargreaves et al. (2002) oferece um bom exemplo de como fazer tais críticas.

Analisando os processos de padronização de currículos e conteúdos em diversos países, Hargreaves e sua equipe concluíram que, embora esses procedimentos tenham sido motivados por razões nobres de melhoria da educação, geraram resultados imprevistos que acabaram por deturpar as boas intenções de seus planejadores, principalmente porque reduziram significativamente a autonomia dos professores. Sem desmerecer a importância da padronização de conteúdos, esses analistas de políticas educacionais formulam problemas altamente relevantes no quadro de uma crítica não (neo)marxista do currículo:

Como é possível responder às ambições da reforma baseada na padronização sem ficar preso a seus frequentes problemas práticos de superpadronização, escassez de recursos, desprofissionalização e limitações curriculares? Como podemos ir além das dificuldades e dos retrocessos dos programas padronizados para aceitar e entender as virtudes dos melhores princípios da padronização? (HARGREAVES et al., 2002, p. 20).

Fica evidente, na problematização dos pesquisadores, que a padronização, em si mesma, é algo positivo na educação, mas que as formas de a implementar frequentemente tem gerado problemas não previstos e não devidamente enfrentados. Retomando o modelo analítico de Dye (2017), sintetizado na Figura I, entendemos que esses problemas devem ser diagnosticados por meio das operações de monitoramento e avaliação das prescrições, nas quais devem ser adequadamente compreendidos para (re)orientar a (re)formulação de políticas, visando sempre a sua eficiência10. Com base em pesquisas de monitoramento e avaliação da implementação de políticas de padronização, Hargreaves et al. (op. cit.) propõem alguns critérios para que tais políticas sejam mais eficientes:

O uso da modalidade deontológica na formulação dos enunciados está coerente com a faceta normativa da análise de políticas, corroborando a natureza pragmática desse tipo de investigação e seu compromisso com a melhoria das políticas públicas. Nesta seção, demonstramos que, por serem inerentemente normativas, as políticas de currículo não podem ser analisadas de modo apenas descritivo, sob pena de perder sua funcionalidade. Na próxima seção, analisaremos as bases epistemológicas e técnicas das prescrições da BNCC e da BNC-Formação, com o objetivo de avaliá- las em relação aos critérios da “boa padronização” apontados por Hargreaves et al. (2002).

Fatores epistemológicos e técnicos das reformas curriculares

Em tese, toda reforma curricular tem como objetivo a melhoria da qualidade das políticas públicas. Sabemos, porém, que esse objetivo nem sempre se concretiza e isso se deve a fatores diversos, dentre os quais estão a existência de falhas ou incoerência nas prescrições; resistências dos agentes públicos encarregados de implementá-las, motivados por questões subjetivas, ideológicas ou falta de conhecimentos e competências. Nesse sentido, não apenas o planejamento das políticas é um processo extremamente complexo que exige a colaboração de muitos agentes governamentais e não governamentais, mas sua implementação, monitoramento e avaliação também. Sendo assim, a formação profissional adequada dos agentes públicos e mesmo dos profissionais que atuam em instituições privadas que, direta ou indiretamente afetam os serviços públicos, é assumida pelo Estado como uma condição sine qua non para a eficiência das políticas públicas.

Devemos atentar para o fato de que não apenas a formação de professores é alvo de prescrições formativas a serem observadas na elaboração dos currículos de formação em nível superior. Mesmo que uma profissão não tenha seus serviços incluídos no rol de obrigações diretas do Estado, a prestação deles produz impactos sociais e jurídicos, sendo, por isso, necessária a regulamentação tanto da formação quanto dos aspectos envolvidos na prestação de serviços. A profissão docente, até por uma questão de isonomia, não está isenta desses impactos e, portanto, não pode estar excluída dos marcos legais que determinam os contornos das atividades profissionais. Nesse sentido, como garantir a flexibilização das prescrições para permitir que os professores exercitem seus julgamentos e escolhas mais adequadas no exercício de suas atividades?

A resposta a esse problema exige alguns esclarecimentos sobre a natureza do trabalho docente, entendido como agente público a serviço do Estado. Estamos falando de um profissional cujo trabalho vai além da mera realização pessoal, voltado a finalidades socialmente relevantes para a vida das pessoas. Essas finalidades e os valores a elas associados fazem parte das prescrições contidas nas políticas de currículo, sob a forma de objetivos educacionais e conteúdos de aprendizagem. Dessa forma, é fundamental que haja uma relação vinculante entre os currículos da educação básica e o da formação de professores. É justamente o vínculo necessário entre finalidades sociais da educação e atuação profissional docente que justifica a defesa de padrões flexíveis no planejamento curricular, pois assim haverá espaço para os professores, avaliando as condições particulares de cada contexto e os sujeitos neles situados, entenderem a importância de tais padrões estarem comprometidos com a busca de alternativas adequadas de implementação.

Não obstante, diversos pesquisadores que atuam no campo da formação de professores vêm demonstrando que os cursos de licenciatura seguem rotas em que se verificam poucos pontos de contato com as políticas de currículo para a educação básica. Estudos, como os de Santos (2018) e Gatti e colaboradores (2019), demonstram que a cultura dominante nas universidades, mesmo em cursos de licenciatura, é fundamentalmente bacharelesca, seguindo uma perspectiva de formação eminentemente acadêmica. Em geral, os cursos de licenciatura se caracterizam como um conjunto multidisciplinar de componentes curriculares com perfil de bacharelado, acrescido de outro conjunto menor de disciplinas teóricas provenientes das ciências da educação e outro com os componentes de Estágio Supervisionado, sem as devidas conexões entre si e com a prática escolar, reproduzindo a racionalidade da especialização e fragmentação típica do paradigma positivista. Conforme a avaliação de Santos (2018, p. 1164):

Nos cursos de Letras, por exemplo, a especialização coloca de um lado os professores responsáveis pelos saberes didáticos e pedagógicos, e do outro, os responsáveis pelos saberes referentes às teorias linguísticas e literárias. Dessa forma, separa-se o estudo dos processos de ensino-aprendizagem de seu objeto, dado que os formadores especialistas não conseguem relacioná-los. Logo, os professores das áreas de linguística e literatura acabam, do modo geral, não se comprometendo com a transformação do conhecimento teórico/técnico em conhecimento/conteúdo didático para a educação básica.

As análises realizadas por Gatti e colaboradores (2019) destacam também a necessidade de i) superar a condição histórica de não atribuir a devida importância à formação de professores para a educação básica; ii) avançar na compreensão de que a docência é um trabalho fundamentado tanto em conhecimentos e competências específicas quanto em princípios e valores profissionais, o que requer uma formação inicial mais coerente, integrada e interdisciplinar; iii) aproximar as instituições formadoras e as escolas, pois dar a atenção aos estágios e reconhecer que a atividade docente nas escolas é ponto fundamental na formação, sendo necessário que se cuide de oferecer experiências reais, bem orientadas e avaliadas nas redes escolares aos futuros docentes.

Nóvoa (2017) também apresenta uma crítica ao processo de formação de professores no Brasil. Ele assevera que, para avançar no sentido de uma formação profissional universitária, faz-se necessário construir um novo arranjo institucional, dentro das universidades, sem perder de vista as fortes ligações externas, para cuidar da formação de professores. Dentre as possíveis causas para essa falta de vínculo, ele conclui o seguinte sobre a realidade das nossas universidades e seus programas de licenciatura:

[...] as universidades públicas, dotadas de um corpo docente qualificado e de boas condições académicas e científicas, revelam uma grande incapacidade de proceder a mudanças institucionais de fundo. É certo que o Brasil tem uma legislação avançada e muito interessante, bem como programas originais e de grande relevância, como o Pibid, mas a realidade geral do campo da formação de professores é frágil. A urgência da mudança é óbvia. O que está em causa não é apenas a formação de professores, mas o próprio futuro do magistério e da educação pública brasileira (NÓVOA, 2017, p. 1115).

A problemática evidenciada nos estudos citados dá conta de um conjunto de questões que precisam ser resolvidas no âmbito das políticas de currículo. O quadro descrito apresenta os problemas e suas causas, mas fornece apenas insights muito gerais sobre as formas de enfrentá-los. As reformas curriculares anteriores, propostas pela Resolução CNE/CP nº 1, de 18 de fevereiro de 2002 e pela Resolução CNE/CP 2, de 01 de julho de 2015, já enfatizavam a necessidade de alinhamento entre os saberes da formação e os da atuação profissional, mas apenas apresentou parâmetros gerais para a realização desse alinhamento, deixando as Instituições de Ensino Superior livres para interpretar os textos legais e procederem à sua implementação de acordo com suas próprias deliberações. Dada a diversidade de interesses, motivações político-ideológicas e pluralidade epistemológica que caracteriza o ambiente acadêmico como um espaço de conflitos, essa liberdade não poderia resultar em projetos de curso diferentes dos que se vê atualmente, nos quais não se vê efetivamente um currículo, mas um conjunto multidisciplinar heteróclito de programas de ensino de disciplinas autônomas, definidos muito mais em função de objetivos acadêmico-científicos do que educacionais e profissionais. Vistos dessa forma, os projetos de curso são territórios disputados pelos especialistas, que lutam para conquistar espaços a serem ocupados por suas áreas de interesse.

Demeuse e Strauven (2013) explicam que, até a década de 1960, o currículo era confundido com o programa de conteúdos disciplinares. Em sua avaliação, o currículo enriquece a noção de programa de ensino, especificando, para além dos objetivos e conteúdos, as variáveis do próprio processo da ação de educação e formação: os métodos de ensino, os métodos de avaliação e a gestão da aprendizagem. Nesse sentido, consideram que,

[...] um currículo consiste em um plano de ação. Inspira-se nos valores que uma sociedade deseja promover; esses valores são expressos nos objetivos atribuídos a todo o sistema educacional. O currículo oferece uma visão abrangente, planejada, estruturada e coerente das diretrizes educacionais para organizar e gerenciar a aprendizagem de acordo com os resultados esperados (DEMEUSE; STRAUVEN, 2013, p. 11).

Quando comparada com a forma que, em geral, assumem os currículos dos cursos de licenciatura em Letras, essa forma de compreender o currículo torna ainda mais visível a distância que os separa de uma formação efetivamente profissional. Enquanto o currículo exige uma visão sistemática e estruturada de maneira coerente com os objetivos de uma formação docente alinhada com os valores e interesses sociais expressos nas políticas de currículo, os projetos de curso acadêmicos, ainda que citem formalmente a legislação educacional e que incluam diversos componentes obrigatórios como os estágios, funcionam com foco nos programas das disciplinas particulares, autônomas, isoladas entre si e sem as devidas relações com as políticas de currículo para a educação básica.

Sem o enfrentamento desse modus operandi universitário, dificilmente será possível vislumbrar possibilidades de melhoria da qualidade da formação docente e, consequentemente, da educação. Não estamos afirmando que basta formar melhor os professores para resolver os graves problemas educacionais que assolam nosso país, mas entendemos que, sem esse passo, não teremos nenhuma possibilidade de avançar. Com base nesse entendimento, a nova reforma curricular adotou uma postura mais assertiva na elaboração das diretrizes curriculares nacionais de formação de professores, determinando, de modo explícito e pela primeira vez na história da educação brasileira, os saberes e uma organização curricular básica visando à estruturação de cursos que sejam, efetivamente, de licenciatura.

Para alcançar seus objetivos, a BNC-Formação assume, no Artigo 7º, como um dos princípios norteadores para formação inicial, “[...] a integração entre a teoria e a prática, tanto no que se refere aos conhecimentos pedagógicos e didáticos, quanto aos conhecimentos específicos da área do conhecimento ou do componente curricular a ser ministrado.” (BRASIL, 2019, p. 4). No entanto, o sucesso dessa integração está condicionado à realização adequada de processos de transposição didática de saberes, responsáveis pela transformação de conhecimentos científicos e práticas sociais em conhecimentos didáticos e profissionais. Vistos em sua complexidade, os processos de transposição didática são tarefas não das teorias linguísticas e literárias, que se voltam para seus objetos particulares, mas da didática da Língua Portuguesa, uma ciência que, apesar de necessária às políticas de currículo, por seu caráter globalizante, ainda não constitui um campo disciplinar institucionalizado no Brasil11.

Santos (2019) ressalta que a inexistência dessa disciplina integradora faz com que o Estado assuma a responsabilidade de elaborar os conhecimentos didáticos da educação básica, os quais, segundo Altet (2001), compõem uma das dimensões dos saberes docentes: os que devem ser ensinados. A outra dimensão se refere aos saberes de que o professor necessita para desenvolver as competências para ensinar. A transposição didática desses saberes profissionais ainda é algo a ser devidamente estudado no âmbito da didática das línguas. Por ora, a questão a ser compreendida é a seguinte: como se dá a transposição didática nas atuais diretrizes curriculares?

Na BNCC, o processo de transposição didática está diretamente ligado à pedagogia das competências, mas engana-se quem reduz essa perspectiva às listas de competências que expressam os objetivos gerais da educação. É próprio da pedagogia das competências elaborar um referencial para orientar a seleção dos conteúdos e objetos de aprendizagem, mas esse modelo pedagógico exerce um papel estruturante no currículo, uma vez que dele decorrem as concepções de sujeito, linguagem, conteúdos, aprendizagem, metodologia e avaliação. Além disso, essa abordagem amplia consideravelmente a compreensão do que sejam os objetivos educacionais, uma vez que ao estabelecer competências gerais (transdisciplinares) de áreas (interdisciplinares) e específicas (disciplinares), a BNCC abre espaço para abordagens didáticas capazes de contemplar a complexidade do saber, dos sujeitos e da vida social. A concepção de competência adotada no documento comporta os valores sociais que se pretende desenvolver, ao mesmo tempo em que ressignifica a noção de conteúdos: “Na BNCC, competência é definida como a mobilização de conhecimentos (conceitos e procedimentos), habilidades (práticas, cognitivas e socioemocionais), atitudes e valores para resolver demandas complexas da vida cotidiana, do pleno exercício da cidadania e do mundo do trabalho.” (BRASIL, 2018, p. 8).

Uma formação orientada para a resolução de problemas de vida cotidiana, do pleno exercício da cidadania e do mundo do trabalho não pode ser levada a termo a partir de uma visão tradicional de conteúdos, selecionados exclusivamente por seu valor tradicional ou científico. Zabala e Arnau (2020) ressaltam que a principal vantagem de uma educação por competências é que a relevância do saber passa a ser atestada pela sua funcionalidade. Martinand (1986) postula que essa funcionalidade é determinada em função das práticas sociais que são tomadas como referências para a seleção dos conteúdos, que, de acordo com a perspectiva de competência assumida pela BNCC, são classificados como conceituais, procedimentais e atitudinais, seguindo a taxonomia proposta por Coll et al. (2000, 2008). A BNCC opta por apresentar os conteúdos na forma específica de habilidades, selecionadas a partir de gêneros textuais situados em contextos sociais específicos, chamados de campos de atuação porque concebem o sujeito como um ator social, e organizadas nos quatro eixos estruturantes da disciplina Língua Portuguesa, conforme apresentado na Figura 2.

Figura 2 – Práticas sociais de linguagem na BNCC
Figura 2 – Práticas sociais de linguagem na BNCC
Fonte: Adaptado de Brasil (2018).

A amplitude com que são formuladas as competências (transdisciplinares, interdisciplinares e disciplinares) e as habilidades, selecionadas em função das práticas sociais e agrupadas em diferentes eixos, mostra-se coerente com os critérios da “boa padronização” de conteúdos propostos por Hargreaves et al. (2002), de modo que se pode visualizar espaços em que os professores poderão atuar com ampla margem de autonomia na organização de seu trabalho, mesmo a BNCC distribuindo as habilidades pelos quatro eixos, de cada ano letivo. Resta-nos agora compreender como a pedagogia das competências estrutura a proposta de reformulação curricular dos cursos de licenciatura.

Nóvoa (2017) sugere que olhemos as outras profissões universitárias a fim de buscar nelas uma fonte de inspiração e afirma que a referência mais óbvia seria a formação médica, porque se trata, também, de uma profissão do humano. Ao discutir acerca da formação docente, o autor questiona: como construir programas de formação de professores que nos permitam superar a distância entre a universidade e a escola, sem nunca deixar de valorizar a dimensão universitária, intelectual e investigativa? Para ele, a resposta está em se pensar a formação de professores como uma formação profissional universitária, isto é, como a formação para o exercício de uma profissão, a exemplo da medicina, da engenharia ou da arquitetura.

A rigor, o que Nóvoa está propondo, em outras palavras, é aquilo que, numa analogia com as práticas sociais de referência, de Martinand (1986), pode ser chamado de práticas profissionais de referência. Ou seja, a formação de professores deve ter como parâmetro as atividades profissionais do professor. Conforme estabelecido na BNC-Formação, as competências gerais a serem desenvolvidas no processo de formação profissional estão correlacionadas às dez competências gerais da educação básica. Por sua vez, as competências específicas são selecionadas em função de três dimensões interdependentes: a do conhecimento profissional, da prática profissional e do engajamento profissional (Figura 3). De cada competência alocada nesses eixos, o documento extrai um conjunto de habilidades. Nossa análise tem o objetivo de verificar se o tratamento dado às competências na BNC-Formação é coerente com a perspectiva de alinhamento entre os saberes da educação básica e os da formação profissional e em que medida o modelo curricular proposto afeta a autonomia da universidade na elaboração dos currículos.

Figura 3 – Competências específicas docentes definidas pela BNC-Formação
Figura 3 – Competências específicas docentes definidas pela BNC-Formação
Fonte: Adaptado de Brasil (2019).

As competências gerais, específicas e suas habilidades são compostas de saberes necessários aos professores de todas as disciplinas, inegavelmente, mostrando-se, dessa forma, coerentes com o projeto de integração entre os saberes a serem ensinados e os saberes para ensinar. O fato de serem apresentadas de forma genérica, comum a todas as disciplinas, impõe a cada curso a elaboração de especificações curriculares observando as temáticas estabelecidas para cada grupo de componentes curriculares, conforme se verifica no artigo transcrito abaixo:

Art. 11. A referida carga horária dos cursos de licenciatura deve ter a seguinte distribuição:

Chama a atenção nessa estrutura curricular a carga horária do Grupo II, 1.600 para a aprendizagem de conteúdos da BNCC, o que assinala uma inovação nos cursos de licenciatura. Com isso, as universidades terão pela frente o desafio de elaborar projetos de curso comprometidos com as políticas de currículo para a educação básica e de criar novas disciplinas orientadas pelo princípio da transposição didática de saberes. Em nossa avaliação, a realização dessas tarefas garante a autonomia das universidades, mas de uma autonomia que não lhes dá o direito de ignorar o interesse público no campo da educação.

Considerações finais

Este trabalho propôs um estudo descritivo e normativo das políticas de currículo pelo prisma da análise das políticas públicas, com foco na integração curricular pretendida pelo Estado brasileiro entre BNCC de Língua Portuguesa e BNC-Formação. Essa integração representa um passo inédito em nosso país e tem sido interpretada como um ato que fere a autonomia universitária, uma vez que impõe o alinhamento dos cursos de licenciatura ao currículo da educação básica. Por outro lado, a medida se justifica em função da ineficiência das universidades em formar professores com a devida competência profissional para implementar as políticas de educacionais. Assim, nosso estudo buscou responder se, de fato, as novas determinações anulam a autonomia universitária ou se elas apenas a reorientam em função dos problemas de formação docente identificados.

A escolha pela análise de políticas públicas como referencial teórico-metodológico se justifica pelo fato de que outros modelos de análise costumam realizar abordagens teóricas fragmentadas das políticas de currículo, que devem ser estudadas em sua complexidade, observando os fatores políticos e normativos que condicionam sua elaboração, seus agentes e suas finalidades. Essa opção nos impôs a necessidade de procedermos a uma problematização daquela que tem sido a principal referência de análise curricular para a maioria dos acadêmicos e pesquisadores brasileiros: a teoria crítica. Nosso estudo demonstrou vários limites dessa abordagem, destacadamente os que dizem respeito ao pluralismo de um campo no qual teorias conflitantes se apresentam como detentoras da verdade (teoria crítica moderna) ou relativistas (crítica pós-moderna).

Nossa proposta de análise integrativa deixou evidente que as políticas de currículo, como toda política pública, são regidas pelos princípios da legalidade e da eficiência, de modo que compete ao Estado estabelecer os parâmetros orientadores de seu planejamento, implementação e avaliação. Por um lado, essa parametrização, que pode levar à padronização de conteúdos e certos procedimentos, afeta a autonomia dos agentes públicos, o que pode ser interpretado como prescritivismo estatal. No entanto, esperamos ter demonstrado que as limitações de autonomia, nunca sua anulação, têm como objetivo impedir prejuízos ao interesse público e preservar direitos que poderiam ser prejudicados caso algum agente público dispusesse de autonomia ilimitada.

As reformas propostas nas atuais diretrizes curriculares para a educação básica e a formação de professores, ao contrário do que os analistas das pedagogias críticas têm afirmado, não estão inerentemente associadas ao capitalismo neoliberal, pois o federalismo impõe que as políticas públicas sejam elaboradas em regime de colaboração, observando os princípios da igualdade, da equidade e do reconhecimento das diferenças. A pluralidade sociocultural e político-ideológica dos agentes envolvidos na elaboração das políticas públicas pode impedir decisões autocráticas, mas isso não significa que todos os conflitos sociais podem ser resolvidos.

No plano epistemológico, principalmente no contexto universitário, o pluralismo tem garantido a heterogeneidade científica no currículo, entendido como espaço de disputas e conflitos, mas dificulta a elaboração de projetos de curso efetivamente comprometidos com a formação profissional de professores. Nossa análise da BNCC de Língua Portuguesa, ainda que realizada em termos muito gerais, evidenciou que ainda há enormes tarefas teóricas e técnicas a serem realizadas no campo da transposição didática dos saberes dessa disciplina, considerando a perspectiva de competência, conteúdos e linguagem adotadas pelo documento. Essas tarefas, sem dúvida, são atribuições da universidade, que goza de autonomia para realizá-las. Em nosso entendimento, as atuais reformas curriculares que determinam a integração entre currículos da educação básica e da formação profissional de professores, sem ferir a autonomia universitária para realizar pesquisas sobre os mais variados temas, seleciona um conjunto de objetos que devem ser contemplados para atender aos interesses públicos definidos por meio de deliberações políticas nas mais diferentes instâncias decisórias e com o envolvimento de atores sociais com distintas motivações.

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Notas

4 Gimeno Sacristán (2002) apresenta uma análise bastante elucidativa dessa abordagem pedagógica.
5 Silva (1993) analisa os desafios da pedagogia crítica para se manter relevante no mundo pós-moderno.
6 Cf. McLaren (2008) e Saviani (2021) para uma introdução às divergências entre distintos modelos da pedagogia crítica.
7 Acreditamos que um dos principais fatores que afetam a compreensão dos saberes didáticos e profissionais como distintos dos científicos é a inexistência das didáticas das disciplinas como campos institucionalizados de produção de conhecimento sobre as práticas de ensino. Diante disso, o espaço que seria das didáticas das disciplinas é ocupado por outras, de natureza eminentemente científica.
8 Na pedagogia crítica, os processos de racionalização do trabalho docente implementados pelo Estado são classificados, com base na teoria marxista da alienação, como mecanismos que retiram a autonomia docente, levando à proletarização do trabalho dos professores. Para uma visão detalhada dessa perspectiva, veja Contreras (2012).
9 Não é que toda análise de currículo seja obrigada a sempre vincular os currículos da educação básica e o da formação de professores, mas entendemos que esse procedimento é recomendável sempre que o objetivo for avaliar as possibilidades de eficiência das políticas de currículo. Afinal, de que vale uma proposta bem planejada se os agentes públicos responsáveis por sua implementação não dispuserem das competências profissionais necessárias?
10 Os significados da eficiência aqui se referem aos valores atribuídos a ela pelo princípio da eficiência na administração pública já referido neste texto, sem qualquer relação com seu uso no mundo produtivo.
11 Cf. Dolz, Gagnon e Decândio (2014) para um panorama da didática das línguas como ciência emergente.
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