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Qualidade de Vida no Trabalho em tempos de pandemia: um estudo com professores de uma instituição pública de ensino no Ceará
Quality of Life at Work in times of pandemic: a study with teachers from a public educational institution in Ceará
Calidad de Vida en el Trabajo en tiempos de pandemia: un estudio con profesores de una institución pública de enseñanza en Ceará
Qualidade de Vida no Trabalho em tempos de pandemia: um estudo com professores de uma instituição pública de ensino no Ceará
Olhar de Professor, vol. 27, pp. 01-26, 2024
Universidade Estadual de Ponta Grossa

Recepción: 13 Octubre 2023
Aprobación: 18 Febrero 2024
Resumo: A investigação sobre a Qualidade de Vida no Trabalho (QVT) em tempos de pandemia na percepção de professores de escolas públicas no Brasil é ainda escassa e necessária para implementar políticas educacionais e maximizar resultados organizacionais. Assim, este artigo objetiva avaliar a QVT, a partir da perspectiva de professores de uma escola pública no Ceará no período de 2020 a 2022. A literatura foi revisada de forma narrativa e sistemática. O estudo de caso do tipo descritivo e exploratório, valeu-se da abordagem qualitativa, tendo utilizado um roteiro semiestruturado de questões abertas como instrumento de coleta de dados; a entrevista como técnica e a Análise de Conteúdo como técnica de análise dos dados. Os participantes foram 15 professores da instituição de ensino, lócus da pesquisa. Os resultados apontaram que o conceito de QVT na perspectiva docente está alinhado com a literatura. As dimensões do modelo de Walton (1973) foram realçadas nos relatos.
Palavras-chave: Qualidade de Vida no Trabalho, Percepção docente, Tempos de pandemia.
Abstract: Research into Quality of Life at Work (QWL) in times of pandemic from the perspective of public school teachers in Brazil is still scarce and necessary in order to implement educational policies and maximise organisational results. Therefore, this article aims to assess QWL from the perspective of public school teachers in Ceará between 2020 and 2022. The literature was reviewed narratively and systematically. The descriptive and exploratory case study used a qualitative approach, using a semi-structured script of open questions as a data collection instrument, interviews as a technique and Content Analysis as a data analysis technique. The participants were 15 teachers from the educational institution, the locus of the research. The results showed that the concept of QWL from the teachers' perspective is in line with the literature. The dimensions of Walton's (1973) model were emphasised in the reports.
Keywords: Quality of Life at Work, Teachers’ perceptions, Times of pandemic.
Resumen: La investigación sobre la Calidad de Vida Laboral (CVT) en tiempos de pandemia en la percepción de los profesores de escuelas públicas en Brasil es aún escasa y necesaria para implementar políticas educativas y maximizar los resultados organizacionales. Por lo tanto, este artículo tiene como objetivo evaluar la CVT desde la perspectiva de los profesores de escuelas públicas de Ceará entre 2020 y 2022. La literatura fue revisada de forma narrativa y sistemática. El estudio de caso descriptivo y exploratorio utilizó un enfoque cualitativo, utilizando un guión semiestructurado de preguntas abiertas como instrumento de recolección de datos, entrevistas como técnica y Análisis de Contenido como técnica de análisis de datos. Los participantes fueron 15 docentes de la institución educativa, locus de la investigación. Los resultados mostraron que el concepto de QWL desde la perspectiva de los docentes concuerda con la literatura. Se destacaron las dimensiones del modelo de Walton (1973).
Palabras clave: Calidad de Vida en el Trabajo, Percepciones de los profesores, Tiempos de pandemia.
Introdução
A pandemia da COVID-19, que se originou em Wuhan, na China, em dezembro de 2019, levou a Organização Mundial de Saúde (OMS) a declarar, em janeiro de 2020, Emergência de Saúde Pública de Importância Internacional (ESPII). No Brasil, tal declaração ocorreu por meio da Portaria nº 188, de 3 de fevereiro de 2020, na qual o governo anunciou a emergência no âmbito nacional. Isso alterou eminentemente a vida cotidiana, as dinâmicas laborais, as relações humanas e o panorama educacional em todo o mundo (Elsayary, 2021; Kim et al., 2022). Embora, o ápice do número de casos de infecções registradas tenha ocorrido em diferentes momentos ao longo dos países, o conjunto de medidas profiláticas ou de contenções adotadas tem seguido um padrão de conduta semelhante por parte das autoridades governamentais.
Dados da Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura (UNESCO - United Nations Educational, Scientific and Cultural Organization), destacaram que instituições de ensino foram fechadas com rápida sucessão em mais de 190 países por mais de dois meses, afetando 1,57 bilhão de indivíduos, o equivalente a cerca de 90% da população estudantil do mundo. O Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP) no ano de 2021, revelou que 99,3% das escolas brasileiras suspenderam as atividades presenciais (Brasil, 2021). Adentraram-se assim, as aulas remotas e o uso obrigatório de plataformas digitais, substituindo temporariamente, o contato presencial e socializador. O trabalho dos professores passou a ser realizado em domicílio, com aumento de carga de trabalho (Giovannella; Passarelli, 2020) demandando novos desafios, a exemplo da cobrança pela rápida definição de conteúdo e dos recursos tecnológicos a serem utilizados, desenvolvimento de nuances para a comunicação síncrona ou assíncrona, para a gestão de tempo de atividades propostas, para as formas de monitorar e avaliar o desempenho discente (Loziak et al., 2020).
Isso recolocou em pauta o protagonismo da qualidade de vida no trabalho desses professores até porque a educação de qualidade para todos os cidadãos, tem se estabelecido e se popularizado como garantia e meta prioritária da Agenda para o Desenvolvimento Sustentável das Nações Unidas até 2030 (López-Fernández et al., 2021), sinalizando a necessidade e pertinência de enfoque acadêmico nessa temática. O construto QVT ocupa espaço importante na agenda de pesquisas no Brasil e no mundo, já que as organizações necessitam de profissionais motivados, produtivos, presentes e satisfeitos nos postos de trabalho e, consequentemente, com melhor desempenho. O tema da QVT remonta a aspectos físicos e a aspectos psicológicos do ambiente de trabalho e está intimamente vinculado com o bem-estar do indivíduo em relação ao seu trabalho, sendo assim, mediada por um conjunto de aspectos como as tarefas desempenhadas (percepcionadas pelo sujeito como fonte de prazer ou não), o ambiente físico e social, o sistema de carreiras e a relação entre a vida no trabalho e a vida em geral (Vital, 2019).
A investigação sobre a QVT na perspectiva de professores em escolas públicas de ensino médio e profissional sobretudo no Brasil é ainda escassa e necessária para a melhoria da produtividade, de aspectos operacionais, que influenciam nos processos internos, bem como em investimentos, implementação de políticas e maximização de resultados organizacionais (López-Fernández et al., 2021). Buscar nova compreensão e novas articulações teóricas sobre a área de gestão estratégica de pessoas pode trazer significativas diferenças no entendimento sobre como tornar o desempenho desses profissionais e das instituições de ensino das quais fazem parte, mais eficaz, em termos de sua capacidade de produzir resultados condizentes com as demandas do ambiente e das formulações estratégicas.
Face ao exposto, este artigo tem como objetivo avaliar a QVT, a partir da perspectiva de professores de uma instituição pública de educação profissional no Ceará no período de 2020 a 2022. Especificamente, buscamos traçar o perfil sociodemográfico dos professores e as características da instituição, lócus da pesquisa; b) analisar o conceito de QVT sob a perspectiva dos professores e 3) Identificar aspectos favoráveis e desfavoráveis relacionados às dimensões da QVT relatados pelos professores no exercício de suas funções.
Apesar de inúmeras pesquisas relacionadas à temática do ensino em tempos de pandemia terem sido realizadas em nível mundial, no Brasil não foi possível identificar nenhuma pesquisa que se se propôs avaliar o alinhamento do conceito de QVT, segundo professores, com a literatura e com base nas dimensões de um modelo clássico como o proposto, considerado o mais completo dentre outros existentes (Sabonete et al., 2021).
Assim, pode-se afirmar que o objeto de pesquisa aqui proposto possui relevância e originalidade no que diz respeito à perspectiva acadêmica pois, se trata de um tema recente, que balizará futuros estudos sobre o campo do trabalho do docente na educação profissional de nível médio durante o período da pandemia no país, analisando a sistemática pedagógica, o trabalho do professor e o retorno as aulas presenciais e contribuindo para o desenvolvimento de práticas inovadoras de intervenção local.
O artigo está estruturado da seguinte forma: para além desta introdução, apresentamos a fundamentação teórica, que parte de uma abordagem temática geral para uma mais específica, trazendo uma breve discussão conceitual sobre QVT, modelo QVT proposto por Walton (1973) e a QVT associada ao trabalho docente em tempos de pandemia. A metodologia, na sequência, se encarrega de mostrar a tipologia e procedimentos da pesquisa, instrumento de coleta de dados, lócus e participantes, análise de dados e aspectos éticos da pesquisa. Por sua vez, a seção intitulada Análise e Discussão de Resultados, apresenta os dados empíricos em função dos objetivos específicos, buscando em paralelo confrontá-los com a teoria apresentada. As considerações finais retomam os principais resultados apresentados, contributos e limitações do trabalho, sinalizando oportunidades de investigações futuras.
Definindo Qualidade de Vida no Trabalho
O termo qualidade de vida no trabalho (QVT) foi introduzido no cenário das organizações no início de 1950, tornando-se um campo de estudo na academia por uma perspectiva social e técnica, nesse contexto, até agora as tendências e os desafios modernos no desenvolvimento da sociedade determinam o interesse contínuo pelo problema da QVT (Liliy et al., 2015). Há autores que definem a QVT como as questões relacionadas à saúde das pessoas. Conforme os estudos de Limongi-França (2004), os conceitos de QVT estão atribuídos a dois pontos: primeiramente, são as preocupações médicas necessárias das pessoas, certificando a segurança, até o conjunto de tarefas que os mesmos poderão realizar em ocasiões de motivação e prazer.
Lírio, Severo e Guimarães (2018), fortalecem essa definição retratando que o termo QVT vislumbra qual percepção que o colaborador tem de sua organização no tocante ao bem-estar e atitudes, que reproduzam uma atuação saudável. Sobre isso, Lírio et al. (2020), acrescentam que os colaboradores necessitam de condições de trabalhos adequadas para que possam ter desempenhos satisfatórios, assim como ambiente físico e ambiente agradável, sentindo-se bem numa perspectiva pessoal e profissional. Outras definições para QVT contemplam fatores que comprometem a saúde física e psíquica do indivíduo no ambiente de trabalho, podendo gerar afastamentos e licenças. A QVT é ainda definida como algo subjetivo, dinâmico e multifacetado, como mostra o Quadro 1.
| Autor | Construção e entendimento da QVT | Ênfase |
| Walton (1973) | Atendimento de necessidades e aspirações humanas, calcado na ideia de humanização e responsabilidade social da instituição. | Humanização e responsabilidade social, com foco no poder da instituição. |
| Lippitt (1978) | Oportunidade para o indivíduo satisfazer a grande variedade de necessidades pessoais. | Trabalho, crescimento pessoal, tarefas completas, sistemas abertos. |
| Guest (1979) | Um processo pelo qual uma organização tenta revelar o processo criativo de seus funcionários, envolvendo-os em decisões que afetam a vida deles no trabalho. | Melhoria da produtividade e eficiência, assim como autorrealização e autoengrandecimento. |
| Westley (1979) | Esforços voltados para a humanização do trabalho, buscando solucionar problemas gerados pela própria natureza das instituições produtivas. | Forma de pensamento envolvendo pessoas, trabalho e instituição. |
| Werther e Davis (1983) | Esforços para melhorar a qualidade de vida, procurando tornar os cargos mais produtivos e satisfatórios. | Valorização dos cargos mediante análise de elementos organizacionais, ambientais e comportamentais. |
| Nadler e Lawler (1983) | Maneira de pensar a respeito das pessoas, participação na resolução de problemas, enriquecimento do trabalho e melhoria no ambiente de trabalho. | Visão humanista no ambiente de trabalho. |
O Quadro 1 apresenta diversas definições e ênfases da QVT sendo aplicada e construída em cenários institucionais e diferentes campos de estudo. Os autores realçados no quadro são clássicos e desenvolveram modelos de avaliação da QVT (Vital, 2019). Numa perspectiva geral, os autores buscam refletir a humanização no ambiente de trabalho, discutir a contribuição da QVT na produtividade e no bem-estar dos colaboradores, tornando-os mais dispostos e motivados, para entregar mais resultados dentro das organizações. Notam-se ainda, esforços de sistematização de tecnologias voltadas para a humanização da situação de trabalho e a busca de conciliação entre interesses e necessidades das instituições e dos trabalhadores. Como toda avaliação relacionada à QVT que se preze, requer uma análise conceitual, é evidenciada no Quadro 2, a evolução de definições do fenômeno, abrindo a discussão para contemplar a percepção de autores contemporâneos.
| Evolução Conceitual da Qualidade de Vida no Trabalho - 2000 até 2022 | ||
| Autor | Compreensão do tema | Ênfase |
| Lacaz (2000) | O Tema QVT apresenta maior visibilidade nos anos de 1970, no momento em que sucede um enfraquecimento da organização do trabalho na perspectiva taylorista/fordista, onde se acompanha uma intensificação do absenteísmo, da insatisfação no ambiente de trabalho e da não adesão dos funcionários às metas estabelecidas pela gestão. | Enfraquecimento do Taylorismo/fordismo possibilita maior visibilidade da QVT. |
| Royula, Tamayo e Suriñach (2007) | QVT se refere às ações que um gestor faz juntamente com o colaborador visando a melhoria da vida dos trabalhadores e do seu ambiente de trabalho. É uma junção de benefícios visíveis e implícitos, palpáveis e impalpáveis, que propiciam um bom lugar para trabalhar. | Junção dos trabalhos de empregador e empregado para melhorar o ambiente de trabalho. |
| Sampaio (2012) | Conforme o autor, não há conceito consolidado de QVT, mas um entendimento no qual estão inseridas três concepções essenciais: referente ao humanismo e humanização do ambiente laboral, das sugestões de cogestão, administração compartilhada e perspectiva de participação nas decisões; e da compreensão de bem-estar dos trabalhadores. | Humanização do ambiente de trabalho e gestão compartilhada. |
| Andrade (2020) | A respeito da Qualidade de Vida no Trabalho é conceituado como a existência prevalente de bem-estar no ambiente de trabalho, orgulho de fazer parte do ambiente com imagem positiva, com a predominância de emoções e sentimentos positivos, satisfação e êxito pessoal e profissional[...]. | Bem-estar no ambiente laboral, imagem positiva do ambiente de trabalho. |
| Sabonete et al. (2021) | A qualidade de vida tem sido um dos aspectos mais importantes a ser considerado para as empresas visando alcançar os objetivos organizacionais. E para que haja um avanço do QVT é necessário melhorar as condições de vida das pessoas, criando modelos de acordo com o nível econômico e social do país. | Melhores condições de vida, e bem-estar das pessoas. |
No Quadro 2, os autores nos anos de 1990 até os dias atuais trazem um conceito bastante amplo no que diz respeito à QVT. A discussão parte de que a QVT tem seus primeiros estudos a partir do enfraquecimento dos modelos capitalista de produção instituídos pelo Fordismo e Taylorismo, no qual os empregados tinham um trabalho observado, sistemático e padronizado sem ao menos discutir os seus próprios métodos de produção. A partir dessa mudança, percebe-se a importância que tem a QVT para a melhoria dos processos e desempenho organizacionais.
Richard Walton foi o pioneiro a criar um modelo de avaliação da QVT, o qual foi concebido nos Estados Unidos, na década de 1970. Para tal criação, Walton buscou, por meio de pesquisas e entrevistas, identificar fatores que afetavam a atuação do profissional em seu trabalho. O autor estabelece critérios que influenciam a QVT dos trabalhadores, que, por sua vez, estaria relacionada a oito critérios, cada qual com seus indicadores. Os critérios propostos por Walton, são: compensação adequada, condições de trabalho, uso e desenvolvimento de capacidades, oportunidade de crescimento e segurança, integração social na organização, constitucionalismo, o trabalho e o espaço total de vida e, por fim, a relevância social do trabalho na vida (Walton, 1973 apud Vital. 2019). Os critérios e subcritérios do Modelo de Walton (1973) são detalhados no Quadro 3.
| Critérios | Subcritérios |
| 1. Compensação justa e adequada | Equidade interna e externa |
| Proporcionalidade entre salários | |
| Justiça na compensação | |
| Partilha dos ganhos de produtividade | |
| 2. Condições de Trabalho | Jornada de trabalho razoável |
| Ambiente físico seguro e saudável | |
| Ausência de insalubridade | |
| 3. Uso e desenvolvimento de capacidades | Autonomia |
| Qualidades múltiplas | |
| Informação sobre o processo total do trabalho | |
| Autocontrole relativo | |
| 4. Oportunidade de crescimento e segurança | Possibilidade de carreira |
| Crescimento pessoal | |
| Perspectivas de avanço salarial | |
| Segurança de emprego | |
| 5. Integração Social na Instituição | Ausência de preconceitos |
| Igualdade | |
| Mobilidade | |
| Relacionamento | |
| Senso comunitário | |
| 6. Constitucionalismo | Direitos de proteção do trabalhador |
| Liberdade de expressão | |
| Direitos trabalhistas | |
| Tratamento imparcial | |
| Privacidade pessoal | |
| 7. O trabalho e o espaço total de vida | Papel balanceado no trabalho |
| Poucas mudanças geográficas | |
| Tempo para lazer da família | |
| Estabilidade de horários | |
| 8. Relevância social do trabalho na vida | Imagem da empresa |
| Responsabilidade social da empresa | |
| Responsabilidade pelos produtos | |
| Práticas de emprego |
O primeiro critério Compensação justa e adequada se caracteriza como sendo o senso de uma remuneração justa e apropriada indicando a relação entre o valor que o colaborador ganha com o cargo que ocupa na corporação. Quando se trata de renda justa refere-se a um valor que permite o trabalhador levar uma vida equilibrada quanto aos padrões pessoais, culturais, sociais e econômicos (Walton, 1973; Vital, 2019).
Condições de trabalho e saúde do trabalhador como o segundo dos critérios definidos estabelece que a jornada de trabalho deve estar dentro dos limites instituídos pela legislação trabalhista não devendo causar fadiga, estresse ou absenteísmo. No que diz respeito à presença de um ambiente físico, seguro e saudável, a empresa deve respeitar as normas de segurança, sempre utilizando os equipamentos de proteção individual, quando necessário, e garantir, insistentemente, a segurança física e mental dos colaboradores no ambiente laboral (Walton, 1973; Santos, 2020; Geldart, 2022).
Particularmente, no contexto do trabalho remoto, recomenda-se cultivar o espaço pessoal, desenvolver a ergonomia e aumentar as habilidades de autorregulação (autoaprendizagem). Nesse sentido, a instituição deve respeitar as normas de segurança, proteção física e mental dos seus colaboradores no âmbito do trabalho, tal como defende Geldart (2022). O uso e desenvolvimento das capacidades se refere à possibilidade de extrair benefícios das capacidades humanas de imediato. Logo, está composto em cinco subdivisões: autonomia, diversidade quanto às habilidades, significação da tarefa, identidade da atividade e feedback. Acrescenta-se também Oportunidades de Crescimento e Segurança, segundo o autor, esse critério visa avaliar as oportunidades de carreira dentro do contexto organizacional, assim como também a segurança no cargo, no que se refere a estabilidade do emprego de um funcionário (Sabonete et al., 2021; Vital, 2019).
Segundo Walton (1973), outro critério estabelecido visando avaliar a QVT é a Integração Social no Trabalho, que permite verificar o nível de integração entre colaboradores dentro da empresa, com base nas relações interpessoais harmoniosa, que podem ser concebidas pela inexistência de preconceitos, apoio social, diferenças de hierarquia presente e ausência de favorecimento entre colaboradores na instituição.
Ainda sobre os critérios instituídos por Walton, o autor sugere o Constitucionalismo na Organização do Trabalho, que remete ao senso de cidadania, de acesso aos direitos e senso de responsabilidade e cumprimento de deveres dos colaboradores dentro da empresa. Esta, compreende ainda a privacidade, (que informações sobre o colaborador fora da empresa não é do interesse da organização); igualdade de tratamento, (tratamento justo entre os colaboradores seja por gratificação ou compensação justa) e normas e rotina (discutidas, propagadas e reconhecida por todos) (Walton 1973; Sabonete et al., 2021).
Walton (1973), apresenta o Trabalho e Espaço Total de Vida, como outro critério, segundo o qual, a experiência dos colaboradores dentro da empresa pode impactar, positiva ou negativamente, na vivência pessoal e social. Aconselha-se que se tenha atenção especial acerca do tempo em que o colaborador necessita ter para a convivência familiar sem deixar ser afetado pelo acúmulo de trabalho e presença de atividades físicas benéficas (realização de atividades recreativas, sociais e beneficentes para os colaboradores planejada pela organização). E o último critério estabelecido por Walton (1973), é a Relevância Social na vida no trabalho, que está relacionada à boa imagem que a organização deve alcançar para estar num patamar socialmente responsável e também levando em conta, os benefícios que ela possibilita à sociedade em sua volta (Sabonete et al., 2021).
Ainda que na literatura sejam encontradas diferentes variações do instrumento de avaliação de QVT de Walton, é pertinente ressaltar que esse autor não desenvolveu um instrumento de avaliação, mas um modelo teórico (Vital, 2019). Embora existam diversos modelos para avaliar a QVT, o modelo de Walton pode ser aplicado em distintos ambientes socioculturais, a partir de oito dimensões, que descrevem a ambientação do processo de QVT numa organização em tempos de crise, trazendo uma maior validação e respaldo no que tange sua aplicabilidade em pesquisas, que se debrucem a sugerir propostas de intervenções face aos problemas identificados (Sabonete et al., 2021).
Uma das profissões que conferem mais riscos à QVT é a de professor. Isso poderia ser explicado pela dinâmica do trabalho desempenhado por esses profissionais, as caraterísticas do ambiente onde trabalham, o contato diário com os alunos, a convivência estreita e algumas vezes conflituosa com os pares, as longas jornadas de trabalho e o excesso de atividades extraclasse (BUENO, 2017). Isso certamente se agravou no contexto pandêmico (Liu et al., 2021; Vagos; Carvalhais, 2022; Parte; Herrador-Alcaide, 2021).
QVT e docência em tempos de pandemia
A temática QVT no contexto da pandemia, apresenta inúmeras contribuições relacionadas aos problemas, que afetam a saúde do docente, no exercício de suas funções, incluindo relatos como desmotivação, fadiga da rotina de trabalho, cansaço físico e mental, Síndrome de Burnout, desejo de abandono da profissão, desejo de isolamento, problemas associados à fala, estresse, falta de reconhecimento por parte da sociedade, da instituição, perante outros colegas dentre outros, o que podem ocasionar na maioria das vezes, insatisfação e improdutividade no fazer pedagógico (Ahn et al., 2022; Liu et al., 2021; Loziak et al., 2020; Parte; Herrador-Alcaide, 2021; Soares, 2019;Vagos; Carvalhais, 2022).
As condições de trabalho existentes na escola, exercem influências nos níveis de satisfação ou insatisfação com a QVT. O comprometimento e desempenho profissional do docente, se refletem na forma como professores reagem e respondem aos estímulos, que ameaçam e/ou potencializam as suas práticas pedagógicas. Num contexto de crise, essas respostas/reações originam inovações e resultados. (Elsayary, 2021; Giovannella; Passarelli, 2020; Kim et al., 2022; Palacios-Hidalgo, 2020; Perifanou et al., 2022; Sánchez-Cruzado et al., 2021; Saripudin et al., 2020; Sevilla-Pavón; Soares, 2019).
O trabalho do professor envolve alto grau de complexidade, responsabilidade e ambiguidade, pois exige conciliação entre o determinado e o flexível, entre o permanente e o contingente, entre os objetivos gerais e as contingências históricas, entre o ideal e o realizável, entre a instituição escolar e a família, a sociedade e o próprio aluno (Liu et al., 2021). Requer flexibilidade, espiritualidade, empatia, humanização, colaboração, cooperação, engajamento. Este último aparece atrelado à ideia de espiritualidade no local de trabalho, que pode ser descrita como descoberta de significado, consiste no sentido de reconhecer e servir em comunidade, na valorização e realização do trabalho em equipe, do alinhamento entre os valores organizacionais e individuais, do prazer e motivação para a evolução individual e coletiva no trabalho (Adi; Fithriana, 2020).
Embora o contexto de trabalho apresente aspectos que geram dificuldades na atuação dos professores, tais como mobiliário inadequado, manutenção do espaço escolar, acesso às escolas, carência de equipe de apoio, falta de estrutura física e tecnológica para a realização de algumas atividades e escassez de professores substitutos, observou-se que os aspectos considerados como positivos são valorativos para os professores (Giovannella; Passarelli, 2020).
Para Vaizman (2022), a pandemia forçou professores a adotar novas abordagens criativas, posturas, métodos de ensino, soluções, demonstrações, orientação física e técnica de qualidade, maior atenção e compromisso, para se adequar à necessária comunicação remota. O papel do professor como fonte de empatia, tem sido realçado face à necessidade de fortalecer elos, de estar frente a frente e estimular o senso de cooperação humana (Vaizman, 2022).
Dessa forma, a eficácia na aplicabilidade dessa cultura digital, perpassa pela formação desses profissionais, que na maioria das vezes, não são capazes de acompanhar essas mudanças tão rápidas, por não estarem plenamente capacitados para interagir com seus alunos, dos quais já estão inseridos nesse ambiente tecnológico. Educação à distância, ensino remoto e aprendizagem híbrida são modelos de ensino que podem vir a contribuir no ensino eficaz em um era digital, entretanto, o professor, como sujeito partícipe neste processo, precisa ser valorizado (Elsayary, 2021; Giovannella; Passarelli, 2020; Kim et al., 2022; Palacios-Hidalgo, 2020).
Desse modo, o ensino remoto não sairá de cena, havendo ao mesmo tempo encontro presencial e a distância, por conseguinte, a continuação, ainda que de forma limitada ao uso das tecnologias digitais. Essa nova forma de viver, em virtude do caráter emergencial, apresenta-se nas novas formas de ensinar tanto na educação básica, no tocante ao ensino médio e profissional, quanto no ensino superior, que acostumados à educação presencial, encontram-se forçados a se adaptar (Parte; Herrador-Alcaide, 2021; Perifanou et al., 2022; Sánchez-Cruzado et al., 2021; Saripudin et al., 2020; Sevilla-Pavón, 2021).
Metodologia
A definição da problemática e do próprio referencial teórico desta pesquisa só foi possível, depois de muitas leituras, conversas prévias com especialistas e professores doutores e também com professores atuantes no ambiente lócus da investigação. A partir dessa fase exploratória inicial, julgou- se necessário desenvolver uma Revisão Sistemática da Literatura (RSL). A temática das potencialidades e desafios do ensino em tempos de pandemia, segundo a percepção de professores, foi pesquisada, através da base de dados Scopus em maio de 2022, sendo que o processo de captura, seleção e análise integral dos trabalhos foi estendida até o mês seguinte, o que significa dizer que foram consideradas, as publicações até junho de 2022.
Capítulos de livros, relatórios, revisões e trabalhos apresentados em eventos foram incluídos na análise. Procedeu-se à leitura dos resumos de 275 trabalhos. Para o processo de filtro desses trabalhos capturados, foram utilizados os seguintes critérios de exclusão: trabalhos publicados em outros idiomas, que não o inglês e português; 2) trabalhos voltados a investigar exclusivamente a formação, o desempenho e/ou a percepção discente no contexto pandêmico; 3) trabalhos realçando a aprendizagem potencializada por jogos e TICs; 4) trabalhos repetidos e 5) trabalhos, cujo texto integral não estivesse disponível. Desse modo, apenas 23 trabalhos foram selecionados para a leitura integral. Ademais, a revisão da literatura do tipo narrativa, complementado a fundamentação teórica, permitiu a compreensão de constructos e fenômenos, em função da sua própria evolução temporal.
Com efeito, a literatura orientou a construção paulatina das etapas desta pesquisa, que se complementaram e se desenvolveram simultaneamente.
Relativamente à pesquisa de campo. para a coleta de dados primários, foi utilizado um roteiro semiestruturado de entrevista. A elaboração das questões se deu com base na literatura. O roteiro semiestruturado com questões abertas foi dividido por partes e voltado ao cumprimento dos objetivos específicos. A entrevista pessoal semiestruturada, conforme afirmam Miles, Huberman e Saldanha (2014), é uma fonte acurada de dados primários, contando com validade interna e externa. O termo entrevista se refere ao ato de ver e perceber realizado entre duas ou mais pessoas.
O roteiro semiestruturado de entrevista elaborado foi submetido previamente à análise de três professores doutores com experiência na temática em questão, que sugeriram a pequenas alterações em questões adaptadas e com validação definitiva de instrumentos aplicados em contextos similares de pesquisa. Após análise e apreciação do Comitê de Ética em Pesquisa (CEP), o projeto de pesquisa contendo o roteiro elaborado instrumento de coleta de dados para ser aplicado com professores da instituição de ensino, lócus da investigação, de forma presencial ou remota, a partir da Plataforma Google Meet, foi aprovado. Depois disso, foi automaticamente gerado um número (61771522.2.0000.5296), equivalente ao Certificado de Apresentação de Apreciação Ética (CAAE) para identificar o referido projeto de pesquisa. Já a aprovação do parecer mencionado pode ser localizada através do registro n. 5.740.532.
A pesquisa foi realizada no município de Pereiro, interior do Estado do Ceará, situada na região Nordeste do País, a uma distância de aproximadamente 327,5 quilômetros da capital, Fortaleza/CE. Sua área territorial é de 435,868 km², com uma população estimada de 16.356 (IBGE, 2021). O Índice de Desenvolvimento Humano da cidade foi de 0,778 em 2017. Ela teve seu Produto Interno Bruto (PIB), de R$ 19.536,99 nos anos de 2017. Mantém a sua principal atividade ainda ligada à agricultura, porém também se destaca pelos diversos segmentos ligados ao ramo comercial (Atlas, 2017).
A área de delimitação da pesquisa no que concerne aos participantes foi voltada aos professores do ensino médio profissional de uma Escola Estadual de Educação Profissional em Pereiro/Ceará. Atualmente, a escola tem 25 professores, sob diferentes tipos de contrato, que exercem o trabalho docente na instituição. Excluindo-se os professores, que estão afastados temporariamente da sala de aula e/ou tenham abandonado a profissão docente para a realização de trabalhos administrativos e de coordenação de cursos da referida instituição, o número de participantes caiu para 15. Importa salientar que esses critérios não tiveram caráter discriminatório; foram apenas determinantes na interação com os participantes, para potencializar a viabilidade e conveniência de dados coletados para o cumprimento dos objetivos propostos.
Para apreciar os dados qualitativamente, facilitar e garantir o rigor científico do trabalho, foi empregada a Análise de Conteúdo, que constitui um conjunto de técnicas de análise de comunicações, o qual tem como objetivo ultrapassar as incertezas e enriquecer a leitura dos dados coletados (Bardin, 2016). No que se referem às diferentes etapas inerentes à Análise de Conteúdo, foram consideradas as orientações de Bardin (2016): 1) pré-análise, 2) exploração do material e 3) tratamento dos resultados, inferência e interpretação. Na primeira fase, o material analisado foi organizado para torná-lo operacional, sistematizando as ideias iniciais. A segunda fase consistiu na exploração do material com a definição de categorias (sistemas de codificação) e a identificação das unidades de registro e das unidades de contexto nos documentos. Essa etapa foi necessária para averiguar a amplitude das interpretações e das inferências, a partir da descrição analítica e do material textual coletado submetido a um estudo aprofundado, orientado pelos pressupostos e referencial teórico. Na terceira etapa, se deu a condensação e o destaque das informações para análise, culminando nas interpretações inferenciais. Para Bardin (2016), esse foi o momento da análise reflexiva e crítica.
Análise e discussão dos resultados
Perfil dos entrevistados e dados da instituição
Dos entrevistados, 11 são do gênero feminino e 4, do masculino. No que se refere à faixa etária observou-se que a maioria dos respondentes são jovens e adultos, variando entre 25 a 41 anos. O período de serviço prestado pelos docentes na instituição está entre 8 meses a 11 anos. E no tocante ao tempo de experiência na docência, varia entre 1 ano e 5 meses a 24 anos. Em relação ao nível de formação e instrução, constatou-se que 5 dos entrevistados concluíram a especialização; 6 finalizaram o mestrado acadêmico, 3 dos docentes estão cursando mestrado na área de formação, e apenas 1 possui o nível de doutorado.
A referida entrevista foi realizada numa escola estadual de educação profissional, localizada no município de Pereiro, estado do Ceará. A escola faz parte de um modelo de educação profissional chamado de Padrão do Ministério da Educação (MEC). Tendo um modelo arquitetônico por ele instituído, exibe uma estrutura em torno de 5,5 mil metros quadrados. Possui 12 salas de aulas; portaria, auditório, biblioteca, bloco administrativo (composto por uma secretaria escolar, duas salas de coordenação, uma sala de diretoria e uma sala destinada aos professores), um laboratório de Línguas, de Química, de Física, de Biologia e de Matemática, 2 cômodos destinados ao depósito de material (pedagógico e multiuso), banheiros masculinos e femininos ambos no térreo e no primeiro andar da instituição.
A estrutura ainda dispõe de um refeitório, uma cozinha, uma quadra de esportes (vestiário masculino e feminino, sala de coordenação de esporte, depósito de materiais - multiuso), um anfiteatro e duas salas de grande extensão (salões), laboratórios equipados de acordo com as especialidades de cada curso, um estacionamento com cabine para os funcionários vigilantes.
A instituição iniciou suas atividades escolares em maio de 2011, sendo reconhecidas como uma das principais escolas de referência entre as 18 escolas profissionais do Ceará construídas dentro do padrão MEC. Nessas condições, contou com um investimento próximo a R$7,8 milhões, provenientes do Tesouro Estadual e do MEC. A implantação dessa escola no município, manifesta-se como uma oportunidade de melhorar a vida de centenas de alunos, que pleiteiam uma inserção numa instituição de ensino superior e/ou uma preparação para o mercado de trabalho, assim como uma formação humanizada. Além de estimular o desenvolvimento econômico local por meio da geração de empregos e prestação de serviços.
Em conformidade com os achados de pesquisas de Ball, Maguire e Braun (2016), pode-se notar que segundo a perspectiva docente, a escola é vista predominantemente como ambiente único, para o qual se pode elaborar políticas e ações de intervenção, que contemple com benefícios, a comunidade em seu entorno. Esta instituição de ensino possui relativamente mais recursos direcionados que outras e por isso se observa que tem mais destaque e assume uma imagem de protagonista no processo de prover o desenvolvimento de competências profissionais para atuação de jovens e adultos, seu público- alvo no mercado. A escola conta com alunos e profissionais com perfis distintos, e ainda com uma diversidade de competências com as quais precisa lidar tanto para atrair novos profissionais e reter talentos existentes. Todos esses elementos mencionados, conferem à escola com múltiplas realidades, responsabilidades e resultados face ao desafio de ter que lidar com a gestão dessa diversidade.
Atualmente, a escola possui capacidade para 540 estudantes, e dispõe de um total de 48 colaboradores com 4 tipos de contratação: terceirização (funcionários da limpeza, cantina, administrativo e vigilância), contrato temporário (professores da base comum), efetivos (professores da base comum, coordenação e direção), Contrato indeterminado - por Consolidação das Leis Trabalhistas - CLT (professores da base técnica).
O conceito de QVT sob a perspectiva dos docentes entrevistados
Quando questionados acerca do conceito de QVT, professores indicaram distintas respostas, mas apesar dos diferentes perfis, as respostas se mostraram alinhadas entre si. Não foram constatadas divergências, apenas situações, conceitos e exemplos relatados de formas diferentes, mas que se complementam, rumo ao consenso da ideia essencial, que está por trás do conceito de QVT definida por autores da literatura, inclusive por Walton (1973).
No geral, os docentes compreendem a QVT como sendo o estar ou se sentir satisfeito no e com o ambiente escolar, enquanto profissional. Inclui estar familiarizado e se agradar com a estrutura física, tecnológica e mesmo abstrata da instituição. Significa ter acesso às condições adequadas e necessárias para realizar as atividades típicas do ofício e também em sala de aula. Envolve a acessibilidade e capacidade de distribuição dos materiais utilizados durante o processo de ensino- aprendizado. Envolve também o bem se relacionar com os professores e demais colaboradores, com os discentes e a maneira positiva de conciliar vida profissional e pessoal.
Outros conceitos foram abordados pelos docentes no que concerne ao QVT, enfatiza a ausência de fatores psicossociais que afetem a saúde mental e bem-estar dos docentes. Em outras palavras, ter QVT necessariamente também significa estar bem consigo mesmo(a), psicológica e fisicamente. Ainda, outras definições citadas pelos docentes em relação ao significado da QVT estão relacionadas com as jornadas de trabalho menos intensas, associadas com salários decentes, justos adequados à complexidade do cargo e a percepção de um ambiente de trabalho saudável, que favorece o bem-estar individual e coletivo, que favoreça à cooperação, a força da coletividade, um ambiente visto como um caminho para se alcançar a evolução tanto pessoal como profissional. Um ambiente que seja fonte de motivação. Alguns trechos dos relatos dos entrevistados, conforme ilustrados no Quadro 4, sustentam tais resultados.
| “Então, o quanto eu estou satisfeita, né? enquanto, é [...] profissional que exerce essa minha profissão na instituição.” (Entrevistado 1) |
| “Eu entendo que a qualidade de vida no trabalho são as condições necessárias para que você realize seu trabalho de forma satisfatória [...]” (Entrevistado 2) |
| “[...] também tem a ver com as relações que você desenvolve dentro do seu trabalho. Se você é bem recebido, se você é bem tratado, se as pessoas para as quais você oferece o seu serviço realmente te respeitam, se as pessoas que estão em uma hierarquia acima de você realmente te valorizam." (Entrevistado 3) |
| “Qualidade de vida no trabalho, para mim, é você conseguir conciliar a sua vida pessoal com a sua vida profissional. Você conseguir realizar bem isso, né? [...]” (Entrevistado 4) |
| “Bom, a qualidade de vida no trabalho, para mim, seria um trabalho com jornadas de trabalho menos intensas e salários mais dignos, com um ambiente de trabalho mais saudável, confortável [...]” (Entrevistado 5) |
| “É, eu compreendo que são todas as condições físicas [...] oferecidas e necessárias para que nós possamos exercer adequadamente nossa função.” (Entrevistado 6) |
| É[...] eu compreendo que a qualidade de vida no trabalho, ela gira em torno de quando o servidor ele está bem psicologicamente, ele está bem fisicamente, ele está satisfeito, ele está motivado, recebendo o salário ajustado pelas horas trabalhadas e tendo também, a oportunidade de crescer e ajudar os outros a crescer nesse ambiente de trabalho.” (Entrevistado 8) |
| “[...]acredito que a qualidade de vida envolve saúde mental, e isso também tem a ver com o tempo que você trabalha e se relaciona com outras pessoas. E eu acho que o tempo que você trabalha, diz muito mais sobre o tempo que você permanece na instituição.” (Entrevistado 9) |
Os conceitos mencionados pelos professores a respeito do QVT estão de acordo com o conceito definido por Walton (1973) e por outros autores a exemplo de Lírio, Severo e Guimarães (2018), Sabonete et al. (2021), que em síntese definem a QVT como a percepção que os colaboradores têm de sua organização de trabalho, no que diz respeito ao bem-estar e uma conduta saudável e que motive o engajamento para si e para os outros (Nadler; Lawler, 1983; Dash; Mohanty, 2019).
Com referência a isso, e sustentando a fala dos professores sobre ambientação física e condições de trabalho da instituição, Lírio, Gallon e Costa (2020), bem previram que os trabalhadores precisam de condições laborais apropriadas para que sejam capazes de ter uma performance satisfatória, aliado a um ambiente físico e clima harmonioso no sentido de proporcionar bem-estar do ponto de vista pessoal e profissional, individual e coletivo. Diversos conceitos foram citados sobre QVT na percepção dos professores, é compreensível que todos emergem sobre a humanização no ambiente de trabalho, o bem-estar social, a interação entre os colaboradores, entre outros aspectos pertinentes à ao ambiente da empresa.
Em consonância com o que os professores apresentaram, Sampaio (2012), alertou para a possibilidade de mesmo não havendo um consenso sobre o conceito de QVT, há um forte entendimento e concordância da existência de um “guarda-chuva teórico, segundo palavras do autor, em que estão envolvidos três concepções essenciais: da necessidade de humanismo e humanização laboral em sintonia com Freire (1980) de cogestão, administração compartilhada e de participação no processo decisório; e da percepção de bem-estar dos colaboradores.
Dimensões da QVT contempladas nos relatos dos professores entrevistados
Sobre condições físicas e insalubridade, apesar de todos os professores concordarem que há um ambiente de trabalho relativamente seguro quanto à estrutura física, os espaços para a realização das aulas e do planejamento pedagógico coletivo e individual, com a oferta de espaços privilegiados, um grande número de respostas evidenciou que as condições de trabalho, moldadas pelos próprios professores, acaba por tornar o ambiente da escola insalubre. Um trecho do relato de um dos entrevistados contempla essa comum percepção docente:
[...] A nossa instituição, diferente de muitas outras que existem no estado, né? são muito boas. Eu estou falando em relação ao ambiente físico em si, né? A insalubridade acho que estaria mais associada mesmo à jornada de trabalho, que nos permitimos, elas são muito altas, são excessivas, são intensas. Então, acaba que a gente para não deixar de cumprir metas, se sabota em trabalho. Então, o lazer é muito pouco, a gente acaba levando trabalho para casa. Os momentos de descanso ficam indevidos, entende? interfere na forma como a gente vive, né?” (Entrevistado 6, grifo nosso).
Na pandemia, a carga horária de trabalho alta, excessos de tarefas a serem realizadas na escola, muitas aulas, altas demandas de atividades pedagógicas e muitos alunos para atender não puderam se compatibilizar com a própria infraestrutura, tanto física quanto técnica e tecnológica para a realização das atividades. Isso implica na sensação de insalubridade, que se confunde e de fato, comprometimento a saúde mental e emocional dos professores. Particularmente no contexto do trabalho remoto, a recomendação seria cultivar o espaço pessoal, desenvolver a ergonomia e aumentar as habilidades de autorregulação (autoaprendizagem). Segundo os docentes, a instituição deveria respeitar as normas relativas à ergonomia e segurança, sempre utilizando os Equipamentos de Proteção Individual (EPIs) no momento necessário, e assegurando insistentemente a proteção física e mental dos colaboradores no âmbito do trabalho (Walton, 1973).
Os docentes consideram a jornada de trabalho na escola (excedendo 40 horas semanais), como sendo muito cansativa, com carga horária de atividades extensas, excesso de atividades pedagógicas extra sala de aula e atendimento a alunos por meio do Whatsapp, que vem da cultura das aulas remotos de forma intensificada. Os professores ainda relataram que “vestem a camisa da escola”, realizando eventos de cunho pedagógico, que acabam gerando uma sensação de sobrecarga de trabalho, apesar de enxergarem esses momentos como importantes e realçadores de realização pessoal, decorrente do seu senso de utilidade, comprometem de certa forma, os seus períodos de descanso. Os professores costumam levar atividades para os seus domicílios, chegando a realizar atividades da escola nos fins de semana e feriados. Isso é evidenciado no seguinte trecho: “A gente precisa levar trabalho para casa, né? tem correção de provas, elaboração de provas, de trabalho, tem que dar assistência a aluno. Essa jornada intensa, que ultrapassa 40 horas semanais, reflete muito nas nossas emoções, no bem-estar físico, mental.” (Entrevistado 8). Essa discussão sobre jornada de trabalho, pode ser sustentada e corroborada por Santos (2020).
No que se refere à remuneração ser justa e adequada conforme o trabalho exercido na escola, os resultados mostraram um posicionamento geral de que a remuneração não é satisfatória e que precisa melhorar em termos de justiça e equidade entre os colaboradores. Como exposto pelo entrevistado 4:
Não, eu não acredito que o salário seja justo não. Não existe equidade salarial por causa dos regimentos de cada cargo, que diferem [...]. Eu por exemplo, sou contratada, então eu tenho a mesma carga horária que um professor concursado. Eu exerço a mesma função que ele, mas eu sou tratada de modo diferente, em termos do salário que recebo né? [...] eu tenho o mestrado, então, eu teria o direito de ganhar a mais, porque eu estudei. Eu tenho uma qualificação a mais, [...] ganhar 30% a mais, mas eu não ganho, só porque eu sou contratada, como estatutária poderia ser melhor favorecida pelo plano de cargo e carreira” (Entrevistado 4, grifo nosso).
No geral, os professores afirmaram que consideram os salários baixos tendo em vista a alta jornada de trabalho exercida na escola, onde muitas vezes levam muitas atividades para fora do ambiente escolar, gerando exaustão na rotina de trabalho e também na vida pessoal, o que aumento o conflito trabalho-família (Walton, 1973; Liu et al., 2021). Há questionamentos e comparação de salários entre contratados, que são os professores lotados por tempo determinado e os docentes concursados (efetivos). Essa percepção de desigualdade quanto à remuneração e à detenção de certos privilégios para uns em detrimento de outros, além de comprometer o engajamento de professores no exercício de sua função. Docentes que estão em contrato temporário executam o trabalho diariamente, ultrapassando muitas vezes a carga horária de trabalho e possuem formação em nível semelhante ou até num patamar mais alto em relação aos efetivos, e assim mesmo as diferenças salariais são exorbitantes, impactando diretamente nos vencimentos totais do salário mensal, inclusive com poucos direitos trabalhistas assegurados em comparação com os profissionais concursados em regime estatutário e os professores em regime de contratação CLT. Isso interfere na motivação e produtividade, alinhando-se mais uma vez ao que fora previsto por Walton (1973).
O reconhecimento da importância do papel docente no âmbito escolar foi um ponto em comum realçado. Observou-se um consenso de que a profissão docente é desafiadora diante dos obstáculos encontrados, mas também é transformadora, pois colabora para o crescimento e desenvolvimento de indivíduos, que formam uma sociedade. Isso é evidenciado por exemplo no trecho de fala do entrevistado 9:
[...] eu me sinto realizada com minha profissão [...] a docência, ela é transformadora, né? Se a gente observar o papel do professor em relação à sociedade, a gente vê que é um papel de suma importância, né? E a sociedade, ela cresce com profissionais responsáveis e que tem esse compromisso com a sua turma, com a sua sala de aula, com a sua escola. (Entrevistado 9, grifo nosso).
Uma parte significativa dos docentes demonstraram satisfação em estar na sala de aula, percebendo que o seu trabalho tem relevância e sentido para a sociedade e contribui para a evolução pessoal, profissional e espiritual, apesar dos desafios diários e de todas as adversidades percebidas. (Adi; Fithriana, 2020).
A respeito da procura pela capacitação e o desenvolvimento profissional no entendimento dos professores, foi relatado que estão sempre procurando qualificação profissional e desenvolvimento quanto à docência, por meio de: cursos de extensão realizados pela Secretaria de Educação do Estado do Ceará, cursos de atualização na área, cursos de mestrados e doutorados nas áreas, publicação de artigos, participação de eventos científicos e estudos individuais em suas residências. Mesmo com as dificuldades encontradas, estão sempre procurando se adequar às novas tecnologias, dinâmicas, formas de atualização do currículo escolar visando a melhoria do processo de aprendizado dos alunos. A fala de um dos docentes retrata essa reflexão: “A gente sabe que a educação, ela é transformadora como eu já havia falado, e somos eternos aprendizes, então, estamos sempre em processo de aprendizagem, de crescimento e desenvolvimento de habilidades e de resiliência” (Entrevistado 10).
A integração social na organização do trabalho é o elemento em que Walton (1973), destaca as relações interpessoais dentro da QVT. Quando questionado sobre os aspectos de QVT voltados à integração entre professores, trabalho em equipe e senso comunitário na instituição, é observado por parte de todos os docentes como sendo algo que precisa melhorar. Há relato de professores, que há alguns anos, a escola era mais coesa, existia um trabalho mais integrado entre os professores. E com a rotatividade de professores houve modificação quanto ao trabalho e o senso comunitário.
Observa-se na maioria das falas dos professores, uma insatisfação quanto ao relacionamento interpessoal e a integração entre professores, prejudicando a qualidade de vida no âmbito do trabalho. Essa percepção geral dos professores sinaliza para a necessidade de adoção de estratégias que potencializem o trabalho em equipe, e principalmente do censo comunitário, acolhimento, empatia e respeito às individualidades. O ambiente escolar formado pelo grupo de professores precisa trabalhar de forma coordenada colaborando um com outro para o alcance dos resultados no processo de ensino e aprendizado (Palacios-Hidalgo, 2020; Vaizman, 2022).
Os docentes compreendem que os direitos trabalhistas é algo que precisa melhorar, principalmente quando se trata de exceder horários de trabalhos para realizar atividades pedagógicas, entrar em sala de aula substituindo professor ultrapassando a carga horária semanal e solicitações de mensagens fora do horário de trabalho, inclusive nos fins de semana. Ainda sobre a questão dos direitos trabalhistas, os professores que possuem contratos temporários mencionaram ausência de benefícios como valores referente a terço de férias, não pagamento referente ao Fundo de garantia por tempo de serviço (FGTS), salários mais baixos que os concursados e jornadas além das previstas em lei.
No que se refere à liberdade de expressão, a maioria revelou ter respeitada e apoiada a sua liberdade de expressão no ambiente escolar. Ainda que alguns relataram situações que violaram ainda que parcialmente a sua privacidade no exercício de suas funções. A dimensão da responsabilidade social relacionada à imagem da instituição escolar (Andrade, 2020), também foi considerada bem vista pelos professores, mesmo diante das dificuldades provocadas pela pandemia nos últimos anos.
Os professores comentaram que existem as regras e elas são seguidas. Mencionaram também que a pandemia tem impactado diretamente os alunos e também professores que ainda estão tendo dificuldades de se adaptar a elas. Muitas das regras estabelecidas pela escola precisam ser revistas e readequadas às alterações que a pandemia trouxe.
Foi expressiva a manifestação de insatisfação dos docentes de não conseguir conciliar o fator trabalho com os momentos destinados ao lazer. Alguns em tom irônicos, apontaram que é uma questão difícil de responder, é um verdadeiro desafio dissociar a vida profissional da vida pessoal, e por não conseguir separar os horários de trabalho com o lazer. Apenas dois professores relataram ter organização no que se refere à relação vida profissional e lazer, porém mencionaram que antes tinham dificuldade para organizar a rotina de trabalho, que por muitas vezes levavam atividades da escola para o domicílio, e foi a partir das experiências que foi possível uma melhor organização quanto a essa questão. Muitas vezes os professores deixam de priorizar a relação da vida familiar, permitindo que os horários de trabalho excedam a carga horária contratada pelo vínculo estabelecido pela instituição. Isso ocasiona na diminuição da qualidade de vida no trabalho e adoecimento da saúde mental.
O período durante e após o ápice da pandemia, foi considerado bastante conturbado e caótico para os professores, principalmente na adaptação aos equipamentos tecnológicos para a realização das aulas, na interação dos alunos que ocorria de forma bastante superficial, a quebra de vínculos entre os alunos e professor, a ausência dos alunos e a dificuldade de controle desses comportamentos no ambiente virtual (Ahn et al., 2022; Liu et al., 2021; Loziak et al., 2020; Parte; Herrador-Alcaide, 2021; Soares, 2019; Vagos; Carvalhais, 2022).
Em síntese, no período de pico da pandemia, os vínculos afetivos quebraram, as relações tornaram-se mais “frias”, pouca presença dos alunos nas salas virtuais, além da dificuldade de acesso aos equipamentos tecnológicos por parte dos alunos para acessar o ambiente virtual. Compreende-se que a QVT dos entrevistados foi afetada drasticamente com essas mudanças no ambiente escolar comprometendo principalmente a sua saúde mental. Professores sugeriram melhorias a QVT relacionadas às seguintes dimensões do modelo de Walton (1973) aumento da oferta de equipamentos de trabalho e treinamento (Condições de Trabalho e insalubridade), cursos e formações gratuitas mas frequentes para os professores (oportunidades de crescimento e segurança) melhoria nas questões salariais, mais benefícios e valorização salarial docente (compensação justa e adequada) restabelecer jornadas de trabalho menos exaustivas (jornada de trabalho) mais momentos que proporcione integração e socialização entre os professores e colaboradores (integração social); melhoria dos vínculos escola e família (responsabilidade social).
Pode-se reiterar a conformidade dos resultados deste trabalho com boa parte da literatura apresentada e também os limites frágeis, que separam as dimensões analisadas com base no Modelo de Walton (1973). Aspectos se repetem, ora como causa, ora como consequência para explicar como docentes percebem cada dimensão. Como exemplo, a percepção de sobrecarga de trabalho, estresse e outros fatores psicossociais, que comprometem a saúde mental e leva os docentes a avaliar como não sendo favoráveis ou satisfatórias, as condições de trabalho, os relacionamentos interpessoais e o clima institucional. Logo, tomando como referência, o Modelo de Walton e esses resultados apresentados, pode-se dizer que a QVT no referido contexto se mostrou comprometida, já que nem todas as dimensões previstas foram satisfatoriamente contempladas nos relatos docentes.
Considerações finais
Este artigo, avaliou a QVT docente em tempos de pandemia, a partir da perspectiva de professores de uma instituição pública de educação profissional no Ceará foi alcançado. Para tanto, foi indispensável aprofundar o conhecimento acerca do assunto, se debruçando a apreender o estado da arte, do tema num contexto mais amplo. Isso envolveu a revisão da literatura nas formas sistemática e narrativa. Mostrou-se a evolução conceitual de QVT contemplando autores clássicos e mais atuais.
Em suma, os resultados evidenciaram insatisfação moderada por parte de alguns professores, principalmente quanto às condições de trabalho e insalubridade, Capacitação e desenvolvimento profissional, oportunidades de crescimento, preconceito ou discriminação no contexto escolar, fatores que acabam por tornar tóxico para alguns professores, e sobre o quais, foram sinalizados aumentos na intensidade e frequência com que ocorreram no ambiente escolar durante a pandemia. Aspectos que sinalizaram maior insatisfação por parte da maioria dos professores, foram: jornada de trabalho excessivas, com demandas, que vão além do horário de trabalho, remuneração com percepção de desigualdade salarial ou de remuneração injusta ou não adequada, ausência da consciência de integração social, principalmente no que se refere ao trabalho em equipe e ao senso comunitário (de comunidade e para a comunidade), a ausência de alguns direitos trabalhistas, que lhes ampare e proteja perante a lei, principalmente trabalhar fora do horário de trabalho.
Ainda merece destaque, a menção relacionada à dificuldade de conciliação entre trabalho e lazer e à falta de equilíbrio entre trabalho e momentos com a família. Esses dois últimos fatores foram apontados como pontos relativamente mais críticos pela maioria dos docentes. Similarmente, sobre a relação aluno-professor durante e após o período mais crítico da pandemia, os professores se queixaram da dificuldade nas relações, pelo aumento da sensação de ansiedade, estresse e mau humor de ambas. Certamente, essas alterações relacionadas ao humor e fatores psicossociais têm prejudicado o processo de ensino-aprendizado, para além de comprometer o próprio engajamento dos professores e a melhoria dos resultados institucionais, conforme fora sinalizado por vários estudos prévios na literatura.
Outros aspectos da QVT se manifestaram de forma satisfatória. Como exemplos, merecem destaque: o sentimento de utilidade, de resiliência, face à realização nas atividades de docência, apesar das adversidades. Unanimemente, os professores relataram se identificar com a profissão. Também não percebem sua privacidade pessoal comprometida no contexto de trabalho. Esse foi um dos aspectos mais comumente percebidos como positivos e satisfatórios; houve, contudo, alguns poucos casos, em que os entrevistados destacaram que o senso de possuir privacidade não é constante, contínuo e poderia melhorar. O mesmo se pode dizer em relação à liberdade de expressão, ela existe de fato, mas mesmo diante de todas as dificuldades vivenciadas e percebidas, professores percebem que tem sido possível expressar suas opiniões no ambiente escolar. Eles também se sentem contemplados em termos de responsabilidade social sobre seu trabalho.
Percebem a escola como sendo comprometida com ações sociais que favorecem a comunidade e outras partes interessadas em seu entorno. De forma geral, os professores também se sentem responsáveis e protagonistas nesse papel de mediar o conhecimento para que os indivíduos (alunos e mesmo outros colegas de trabalho) possam evoluir. Assim, acreditam bem alinhados aos próprios preceitos da espiritualidade no trabalho, tema tão atual e necessário, os professores sentem que o seu trabalho possui relevância individual e coletiva perante a sociedade; ele é um caminho e o fim, o resultado ao mesmo tempo. A imagem da instituição que prevalece para a comunidade e seu público- alvo é positiva.
Num contexto de análise micro, reconhece-se que como limitação, o fato de a pesquisa ter definido como participantes apenas professores e assim mesmo, não contemplando todos eles no contexto da escola, lócus. A pesquisa empírica se limitou a ser um estudo de caso, ainda que o fato de a escola ser o ambiente de trabalho do próprio pesquisador há mais de 8 anos, seja visto como um fator de motivação, positivo portanto. Dentro desse contexto micro, a pesquisa poderia ter envolvido todos os colaboradores da instituição escolar, inclusive, os alunos. Isso facilitaria o confronto de perspectivas entre as partes e desse modo, o diagnóstico e avaliação da QVT durante a pandemia e na volta às aulas presenciais seria mais completa e rica.
Também se reconhece que ela poderia ter sido realizada, de forma a contemplar um maior número de escolas profissionais existentes noutras cidades do Ceará, ou até mesmo poderia se comparar a QVT em escolas de outros estados da Região Nordeste ou até mesmo entre outras regiões do Brasil. A comparação dos resultados inter-regionais certamente contribuiria para enriquecer o corpo de estudos sobre QVT de professores em tempos de pandemia no contexto brasileiro, um país com dimensões continentais.
Outras limitações identificadas dizem respeito às técnicas e métodos de coleta e análise de dados usadas. A pesquisa sob a lógica da abordagem predominantemente qualitativa, apreendeu importantes insights em profundidade, sobretudo por meio de entrevistas semiestruturadas e Análise de Conteúdo, mas isso inviabiliza generalizações sobre o tema e objeto aqui abordados. Assim, recomendam-se estudos orientados pela lógica de abordagens mistas, do tipo quali-quantitativas, no sentido de quantitativa no intuito de aprimorar e trazer resultados mais profundos, que facilitem comparações entre diferentes contextos sobre a temática em questão. Outra sugestão para pesquisas futuras seria alargar o campo de estudo contemplando instituições de ensino superior para avaliar as similaridades e diferenças percebidas por professores que atuam em diferentes níveis de Educação.
Finalmente, a partir dos resultados apresentados, espera-se ainda que profissionais, formuladores de políticas, educadores, gestores e outros pesquisadores, possam definir estratégias e ações inovadoras de intervenção no instituto de contribuir para melhoria na QVT dos professores desta e de outras instituições de ensino tanto públicas como privadas.
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