RESUMO: Este estudo analisou como o psicodrama de grupo auxilia na construção do papel dos pais de crianças e adolescentes em acolhimento institucional. Utilizou-se uma abordagem qualitativa, fenomenológica e psicodramática, com pesquisa-ação, envolvendo oito familiares em um município do Amazonas. O psicodrama foi aplicado como forma de intervenção e compreensão grupal, promovendo uma vivência espontânea e criativa dos vínculos. Os resultados destacaram que o acolhimento institucional, apesar de desafiador, foi percebido pelas famílias como uma oportunidade de reorganização de papéis e fortalecimento de vínculos, possibilitando o retorno das crianças ao lar em condições mais favoráveis. Conclui-se que o psicodrama de grupo é uma ferramenta poderosa e eficaz no trabalho com famílias em contextos de acolhimento institucional, promovendo mudanças significativas.
Palavras-chave: Psicodrama, Relação parental, Acolhimento institucional, Amazonas.
ABSTRACT: This study analyzed how group psychodrama helps in the construction of the role of children and adolescents in institutional support. A qualitative, phenomenological and psychodramatic approach was used, with action research involving eight family members in a municipality in the state of Amazonas. Psychodrama was applied as a form of group intervention and understanding, promoting a spontaneous and creative experience of bonds. The results highlight that institutional support, although challenging, was perceived by families as an opportunity to reorganize parents and strengthen bonds, enabling the children to return home in more favorable conditions. The conclusion is that group psychodrama is a powerful and effective tool for working with families in institutional care, promoting significant changes.
Keywords: Psychodrama, Parental relationship, Institutional support, Amazonas.
RESUMEN: Este estudio analiza como el psicodrama de grupo auxiliar en la construcción del papel dos países de niños y adolescentes en el aprendizaje institucional. Utilizou-se uma abordagem qualitativa, fenomenológica y psicodramática, com pesquisa-ação, involucrando a oito familiares em um município do Amazonas. El psicodrama se aplica como forma de intervención y comprensión grupal, promoviendo una vida espontánea y criativa de vínculos. Os resultados destacanm que o colhimento institucional, apesar de desafiador, foi percebido pelas famílias como uma oportunidade de reorganização de papéis e fortalecimento de vínculos, possibilitando o retorno das crianças ao lar em condições mais favoráveis. Concluyendo que el psicodrama de grupo es una herramienta poderosa y eficaz no trabajar con familias en contextos de aprendizaje institucional, promoviendo cambios significativos.
Palabras clave: Psicodrama, Relación parental, Acogimiento institucional, Amazonas.
ARTIGO ORIGINAL
Parentalidade de crianças e adolescentes em acolhimento institucional: Caminho psicodramático no Amazonas
Parenting of children and adolescents in institutional care: A psychodramatic path in the Amazon
Crianza de niños y adolescentes en acogimiento institucional: Camino psicodramático en Amazonas
Recepción: 01 Diciembre 2024
Aprobación: 12 Marzo 2025
O psicodrama representa o ponto decisivo na passagem do tratamento do indivíduo isolado com métodos verbais, para o tratamento com métodos de ação. Do ponto de vista técnico, constitui, em princípio, um processo de ação e de interação, no aqui e agora. No psicodrama, cada indivíduo é compreendido e trabalhado como protagonista da sua história, sendo inserido em diferentes contextos sociais, desenvolvendo diferentes papéis sociais, sendo criador e responsável por suas ações, e influenciador e influenciado no contexto social ao qual pertence (J. Moreno, 1923/2012).
É na dramatização que o sujeito consegue se transformar e treinar os seus papéis. O papel refere-se ao modo como uma pessoa age em uma situação particular, em resposta a estímulos específicos que envolvem outras pessoas ou objetos (J. Moreno, 1923/2012). O psicodrama de grupo possibilita o desenvolvimento e o treinamento de um papel.
Jacob Levy Moreno (1946/1975), criador do psicodrama, escreveu sobre o que os diferencia. Moreno, ao desenvolver o psicodrama, acreditava que as interações revelam nossa essência; que os encontros possuem um potencial terapêutico; que as pessoas podem atuar como agentes de cura umas para as outras; que a partilha democrática de poder, afeto e conhecimento no grupo promove a libertação de sofrimentos; e que é possível cultivar forças para a saúde e a resolução de conflitos (Nery & Conceição, 2012).
O psicodrama contribui para o aprimoramento dos papéis parentais, fundamentais para o desenvolvimento infantil. O ambiente em que a criança cresce, especialmente nos primeiros anos de vida, bem como os vínculos estabelecidos nesse período, exerce influência direta em seu desenvolvimento cognitivo, social e emocional. Segundo Maldonado (2013), o desenvolvimento infantil ocorre dentro de uma rede de relações que, quando estabelecidas de forma saudável, promovem vínculos seguros e contribuem para o fortalecimento de diversas habilidades, como a construção de uma autoestima positiva, o prazer pelo aprendizado e a capacidade de compreender emoções e sentimentos.
Estabelecer limites na educação infantil, sem recorrer à chantagem envolvendo a retirada do valor intrínseco da criança, é uma das tarefas mais desafiadoras. Muitos pais, por terem sido criados dessa forma por seus próprios pais, tendem a considerar esse tipo de abordagem como algo natural e inofensivo (Cukier, 2017). É importante reconhecer a recorrente fragilidade de muitas famílias, que enfrentam um histórico transgeracional de privações e exclusão contínua. Adultos que, na infância, vivenciaram desproteção podem encontrar desafios ao desempenhar papéis de proteção, cuidado e educação de seus filhos, demandando apoio especializado para superar essas dificuldades.
No que concerne ao aspecto legal, o Estatuto da Criança e do Adolescente (Brasil, 1990), por meio da Lei n.º 8.069, de 13 de julho de 1990, dispõe sobre os direitos fundamentais das pessoas em desenvolvimento e sobre os mecanismos de proteção, como deveres da família, da comunidade, da sociedade e do poder público. A lei é vista como avanço, contudo é preciso que nos conscientizemos de que esse cuidado é responsabilidade de toda uma sociedade em transformação. A lei por si só não basta, é necessária a prática (Romano & Chleba, 2020).
O afastamento do convívio familiar gera profundas consequências para a criança ou o adolescente e sua família, devendo ser adotado somente quando for a alternativa que melhor atenda aos interesses da criança ou adolescente, com o menor impacto possível em seu desenvolvimento. Ressalta-se que essa medida deve ser aplicada exclusivamente em situações onde não seja viável uma intervenção que preserve o convívio com a família nuclear ou extensa (Brasil, 2009).
Os serviços de alta complexidade oferecem proteção integral a indivíduos ou famílias que se encontram sem referências ou em situações de ameaça, exigindo o afastamento do núcleo familiar. Dentre esses serviços está o acolhimento institucional, uma medida provisória e excepcional, destinada a promover a transição para a reintegração familiar ou, quando inviável, a integração em uma família substituta, sem representar privação de liberdade (Brasil, 2009).
Sandriele, a primeira autora, desempenhou nos anos de 2022 a 2024 a atividade de psicóloga na Defensoria Pública do Estado em um município do Amazonas, uma instituição pública que oferece, de forma integral e gratuita, assistência e orientação jurídica aos cidadãos que não possuem condições financeiras de pagar por esses serviços. Nessa atuação, por intermédio do Núcleo Psicossocial, buscamos desde o início a aproximação e a articulação com todos os representantes das redes de serviços do município, para fortalecimento e contribuições na troca de ideias.
O quantitativo de crianças e adolescentes acolhidos no município em questão era de cinquenta no momento do desenvolvimento desta pesquisa. Seus familiares buscaram a Defensoria Pública por causa da aplicação da medida de proteção de acolhimento institucional. A partir disso, foi realizado um trabalho multidisciplinar no qual uma das diligências é a visita domiciliar, em que foi possível à autora observar as condições em que vivem os assistidos e analisar o cotidiano das suas relações que geralmente escapam às entrevistas no espaço institucional. A visita facilita a aproximação com a realidade das famílias e, por isso, a capacidade de descrever através de relatórios seus aspectos relevantes vivenciados no contexto: econômico, psicológico, social, familiar e cultural.
Através dessa visita, foi possível constatar que muitas famílias vivem em extrema vulnerabilidade social, abaladas emocionalmente, em relação à entrada dos filhos numa instituição de acolhimento e a possibilidade ou não da reinserção familiar. Essas experiências impactam o desenvolvimento das crianças e dos adolescentes, no que tange à família como um todo. Por essa razão, o grupo de apoio surgiu, implementado pela Defensoria Pública, para dar voz e acolhimento a essas famílias, proporcionando um espaço seguro e confortável para compartilhar seus dilemas e experiências, respeito às diferenças, segurança, acolhimento, escuta sem julgamento, cooperação, educação em direitos humanos, com o objetivo de promover reflexões, troca de experiências e mecanismos de proteção.
Foi a partir desse grupo que surgiu o interesse em realizar a presente pesquisa, a qual foi acolhida no processo de orientação. Sentiu-se a necessidade de contribuir com essas famílias utilizando o psicodrama de grupo, compreendendo que ele poderia contribuir na construção do papel de pais de crianças e adolescentes institucionalizados, de uma forma que pudessem viver o aqui e agora, resgatando a espontaneidade ao se imaginarem atuando com seus filhos novamente. Isso permitiria a reflexão sobre suas conservas culturais e o desenvolvimento de um novo modo de agir, ser e pensar, por meio da espontaneidade e da criatividade. Nesse sentido, esse trabalho foi desenvolvido fora do espaço da Defensoria Pública, porém com um grupo que já havia se formado naquele espaço e com a autorização devida.
Esta pesquisa utilizou o psicodrama de grupo no desenvolvimento do papel de pai e mãe de crianças e adolescentes institucionalizados buscando auxiliar nesse cenário. O objetivo geral foi de analisar como o psicodrama de grupo auxilia na construção do papel dos pais de crianças e adolescentes em acolhimento institucional.
Esta é uma pesquisa-ação com abordagem qualitativa, que permitiu à pesquisadora participar no sentido de transformar as realidades observadas, a partir da sua compreensão, conhecimento e compromisso para a ação dos elementos que são envolvidos na pesquisa (Fonseca, 2002). Caracterizou-se também como uma pesquisa fenomenológica e psicodramática (Brito, 2006), pois utilizou o psicodrama como forma de ação e compreensão do grupo.
Os participantes da pesquisa foram oito mães e pais de crianças e adolescentes institucionalizados, interessados em participar das sessões de psicodrama de grupo para o desenvolvimento do papel de mãe e pai e fortalecimento dos vínculos com os filhos. É importante destacar que entre os participantes estão também uma irmã, uma avó e uma madrasta que exercem a parentalidade dos acolhidos. Eles residem na região norte do estado do Amazonas e pertencem a um grupo de apoio aos familiares de crianças e adolescentes em acolhimento institucional já formado no município, implementado pela Defensoria Pública, no qual atua uma equipe multidisciplinar, composta por: Defensora Pública, Psicóloga, Assistente Social e Pedagoga, com o objetivo de ensinar aos pais mecanismos de proteção, conhecimento de direitos e deveres.
As mães e os pais participantes do grupo de apoio e desta pesquisa são de idades entre 18 e 50 anos, e o número de filhos acolhidos entre 1 a 2. A idade dos filhos varia de 2 meses a 17 anos. Os critérios de inclusão foram: 1) famílias em vulnerabilidade social; 2) que possuem processos em curso acerca da aplicação da medida de proteção de acolhimento institucional; 3) assistidas pela Defensoria Pública do Polo Rio Negro e Solimões; e 4) buscam a reinserção dos filhos no seio familiar. Os critérios de exclusão foram referidos às pessoas que não possuem filhos e não são assistidas pela Defensoria Pública.
Por se tratar de pesquisa-ação sob escopo do psicodrama de grupo, foram utilizadas técnicas de direção centradas no grupo de forma psicoterápica. Para isso, foi feito o uso dos instrumentos clássicos do psicodrama de grupo: diretor — nesta pesquisa foi a primeira autora —, protagonista, cenário, ego-auxiliar e plateia. Foram utilizadas as etapas do psicodrama: aquecimento, dramatização e compartilhamento, com atividades planejadas de acordo com a proposta de construção do grupo.
Os encontros foram autorizados pela responsável pelo grupo de pais da Defensoria Pública, que autorizou o projeto de pesquisa e posterior execução. Foi realizado um convite ao final de um dos encontros do grupo, apresentando tema, objetivos e esclarecimentos sobre a proposta psicoterapêutica a ser realizada.
Os encontros foram realizados nos meses de outubro e novembro de 2023, em uma clínica psicológica na qual a pesquisadora realiza atendimentos. Os participantes assinaram um Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. Os encontros foram registrados por meio de gravadores de áudio, com o consentimento dos participantes; posteriormente, os dados obtidos foram transcritos e analisados pelas autoras. Os encontros aconteceram quinzenalmente, totalizando três sessões, com duração aproximada de uma hora e trinta minutos.
A análise dos dados foi realizada a partir dos preceitos epistemológicos e teóricos da Socionomia ou psicodrama, de Jacob Levy Moreno. Trata-se de um conjunto de métodos, técnicas e procedimentos que pode servir tanto para a descrição de uma intervenção realizada, como para a interpretação dos fenômenos apresentados (Motta, 2011). Essa análise foi pautada também nos objetivos da pesquisa e na relação destes com as intervenções realizadas pela diretora e as cocriações do grupo.
Em conformidade com a Resolução 466/2012 do Conselho Nacional de Saúde, a pesquisa foi submetida ao conselho de Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos (CEPSH) e foi aprovada pelo parecer número 6.391.258. Os participantes não foram identificados em nenhum momento do estudo, sendo informados sobre a pesquisa e sobre seus procedimentos éticos, considerando a participação facultativa e a possibilidade de desistência a qualquer momento, sem implicação de ônus ou bônus.
Procuramos apresentar os dados coletados nesta pesquisa, sua descrição, análise e interpretação, tendo como embasamento o referencial teórico do psicodrama de grupo. As descrições aqui relatadas são partes fiéis de um todo de três encontros. A apresentação da análise está dividida em quatro etapas; na primeira, faz-se a identificação dos sujeitos da pesquisa e, nas outras três, o título de cada quadro corresponde a um encontro.
A Tabela 1 apresenta as principais informações dos participantes da pesquisa. Cabe ressaltar que nem todas estiveram presentes em todos os encontros realizados. São pessoas entre 18 e 50 anos, pais ou responsáveis pelas crianças ou adolescentes acolhidos. Todos os nomes utilizados são fictícios como forma de proteção de suas identidades.

No primeiro encontro compareceram seis participantes: Tória, Bio, Ray, Urbana, Tiane e Zângela. Deu-se início ao encontro com um contrato psicoterapêutico em que todos concordaram, comprometendo-se ao trabalho em grupo. Nessa fase começa o aquecimento inespecífico, primeira etapa da sessão de psicodrama de grupo. Muitas são as possibilidades de aquecimento, o contrato verbal inicia como um aquecimento inespecífico. O aquecimento inespecífico busca centrar o grupo na sessão, favorecendo que se situe no espaço e no grupo que ocupa no exato momento (Malaquias, 2012).
Após essa conversa inicial, foi solicitado aos participantes que se apresentassem, apresentassem seus filhos e falassem sobre como estão chegando ao grupo e o que esperam dele, já aquecendo também o corpo, através de respiração e movimentos com as mãos. O aquecimento desse primeiro encontro teve por objetivo fortalecer o vínculo e preparar os participantes para a atividade do desenho e, logo em seguida, para a dramatização. A Tabela 2 demonstra como foi esse momento.

Após os relatos, foi aplicada, através do aquecimento específico, a técnica do psicodrama interno, levando os participantes a pensarem sobre como foi a sua infância, nas conservas que foram recebendo dos seus próprios pais, sobre cuidados ou negligências que receberam.
Os participantes concretizaram a vivência em forma de desenhos, foram apresentados materiais, como papel-cartão, lápis coloridos, tesouras, figuras que representem modelos de famílias, entre outros. Eles desenharam uma casa que fez referência à infância de cada um, com objetos e brinquedos que fizeram parte da sua história.
Após a construção dos desenhos, foram formadas duplas, para compartilharem sobre o que vivenciaram na infância, com a orientação de produzirem uma cena que representa dois eus: o meu eu criança e o eu que representa o papel de pai ou a mãe que tem ou tiveram.
Dupla 1, Tiane e Ray: cena de um pai bravo (Tiane), pedindo para os filhos (Ray) pegarem água do poço em uma noite escura, a filha verbaliza sentir medo da noite, de cobras e bichos da floresta, e o medo de chegar em casa e ter deixado a água cair no caminho e “apanhar” do pai.
Dupla 2, Tória e Bio: cena de uma criança (Tória) pedindo permissão do pai (Bio) para brincar na rua, e que, quando chega em casa, o pai “bate” e “briga” com a criança por ter demorado.
Dupla 3, Urbana e Zângela: cena de uma mãe (Zângela) que tem conflitos com a filha, e que, quando a adolescente (Urbana) foge de casa e volta, acontecem muitas agressões entre elas.
A violência intrafamiliar ainda é uma forte conserva cultural na sociedade brasileira. É um fenômeno complexo, influenciado por fatores culturais, sociais e econômicos. Essas formas de violência podem ocorrer em qualquer espaço e afetam crianças e adolescentes de todas as idades e classes sociais. Todos esses tipos de violência abrangem uma ampla gama de comportamentos prejudiciais que podem afetar gravemente o bem-estar e o desenvolvimento saudável de crianças e adolescentes. No Brasil, a violência interpessoal ainda é a principal responsável pelas mortes; dos últimos onze anos (2011–2021), foram 2.166 crianças pequenas (0 a 4 anos), 7.396 crianças (5 a 14 anos) e 97.894 adolescentes (15 a 19 anos) vítimas da violência letal por agressão (Cerqueira & Bueno, 2023).
De acordo com as histórias relatadas, os participantes escolheram a dupla 1 como a cena protagônica do grupo, por terem se sensibilizado pelo sentimento de medo, que contemplava a todos na infância. Com o consentimento da dupla, seguiu-se a dramatização da cena da participante Ray.
A diretora pediu para que Ray contasse um pouco mais sobre a sua infância e pudesse trazer uma cena marcante. Ela relatou: “eu nunca esqueço, meu pai sempre chegava em casa com raiva e bêbado, a gente ia comer, e ele jogava toda a comida no chão, chutava as panelas”.
A diretora pediu que Ray escolhesse um ego auxiliar para representar o pai; Ray escolheu Tiane. Foi-lhe pedido para descrever características do pai para Tiane poder representá-lo, em que ela respondeu que era rígido e raivoso. A protagonista relatou que vivia na casa com seus pais e quatro irmãos. Pediu-se para alguém representar sua mãe, e ela escolheu a participante Urbana, descrevendo as características da mãe como mais calma, que, por mais que o pai “batia” em todos, ela sempre estava ali para os proteger, e que, quando não permitia que o pai “batesse” nos filhos, ela também “apanhava”.
Naquele momento foi montada a cena do almoço com os pais de Ray — a participante Tória representou os irmãos. Foi dramatizada a cena do pai chegando em casa e destruindo tudo, chutando as panelas nas quais estavam os alimentos. A diretora pediu para Ray escolher alguém para fazer seu papel de criança, para que ela se visse de fora naquela cena; Ray escolheu Zângela. Naquele momento, o objetivo era que Ray se olhando pudesse perceber de forma diferente o que ocorria.
A diretora perguntou: “Qual sentimento aparece?”
Ray respondeu: “De medo”.
A diretora pediu para Ray no seu papel de criança: “Rayzinha, se você pudesse fazer algo agora, o que faria?”
Rayzinha respondeu: “Eu fugiria”.
Diretora perguntou: “Pra onde você gostaria de ir?”
Rayzinha respondeu: “Para um cantinho, para me esconder e ficar sozinha”.
Nesse momento, criou-se um lugar para que Rayzinha pudesse se esconder e, ali, foi questionado se ela gostaria de ter alguém para a proteger. Ela respondeu prontamente: “minha avó”. Ray escolheu Urbana para representar a sua avó e relatou que gostaria de receber um abraço dela. A protagonista se emocionou ao abraçar a avó (Urbana enquanto ego), verbalizando que a “ama muito e que estava com saudade, e que ela faz muita falta”.
Foi criada entre os demais participantes uma rede de proteção, em que eles entregaram algo para proteger a criança, como: amor, cuidado, carinho, dedicação, educação, palavras de afeto. A conserva cultural, portanto, não é apenas negativa. Foi trabalhada com os familiares a possibilidade de inserir simbolicamente novas conservas que atuem de forma positiva no vínculo. Segundo Vidal (2021), as conservas culturais protegem, guiam e permitem aos indivíduos e ao grupo continuar o desenvolvimento como sociedade e humanidade.
Para finalizar a dramatização, foi realizado um encontro do Eu grande com o Eu pequeno, que objetiva sensibilizar o protagonista para suas necessidades infantis. A ação é simbólica, configurando um psicodrama interno (Cukier, 1992).
Ray fala para Rayzinha: “eu te dou carinho, cuidado, amor. Fique perto de pessoas que te protejam”, a protagonista complementa espontaneamente o relato com seu momento atual, em que seus enteados estão em situação de acolhimento institucional, e expressa: “E hoje, é isso que sou para meus enteados, como uma mãe que protege, cuido e dou amor para eles, estou com muitas saudades”.
Finalizada a dramatização, é dado início ao compartilhamento. Os participantes voltam a se sentar em seus lugares e é explicado que esse momento é do grupo se mobilizar e compartilhar suas experiências pessoais com a protagonista que trouxe algo dela e da vida pessoal para o grupo. Os participantes trouxeram relatos de vivências semelhantes, com situações de abandono e de pais que faziam uso de substâncias, além do excesso de trabalho em virtude da pobreza.
Após o compartilhamento, a diretora pediu que cada participante falasse uma palavra que representasse tudo o que tinha-se vivido para fechar o encontro. As palavras foram: proteção, amor, alegria e esperança.
Nesse encontro, pôde-se perceber algumas conservas culturais, sendo comportamentos engessados, dos quais foi possível identificar que o sentimento de medo perpetua na vida adulta, em razão da medida de proteção dos seus filhos, com falas recorrentes: “não quero ser, ou fazer o que fizeram comigo”. O grupo participou de todas as etapas do psicodrama de grupo e conseguiu expressar seus conflitos e sentimentos, promovendo um clima acolhedor e seguro para a protagonista e para todos.
O psicodrama de grupo contribuiu para que fosse alcançado o objetivo desse primeiro encontro, que era identificar as conservas culturais relacionadas ao papel de pai e mãe, proporcionar um espaço de interação e integração entre os participantes e a oportunidade de conhecerem realidades, sentimentos e situações semelhantes às suas, e vivenciar os conflitos no aqui e agora, desenvolvendo sua espontaneidade e criatividade, e os benefícios do uso das técnicas e o referencial teórico. Dessa forma, o psicodrama de grupo interveio terapeuticamente e proporcionou acolhimento aos participantes.
O segundo encontro aconteceu em 23 de outubro de 2023 e quatro participantes compareceram: Elma, Zângela, Urbana e Vice.
No primeiro momento, o grupo foi acolhido e a importância do contrato do grupo foi reforçada. Esse encontro teve como objetivo verificar quais as necessidades no papel de pai e mãe, buscando a criação dessas necessidades de forma espontânea e criativa. Foi utilizado o baralho do autoconhecimento, em que cada participante escolhia uma carta e respondia à pergunta. Dessa forma, houve uma interação, aquecendo o grupo.
Foi realizada a fantasia dirigida da bolha. A diretora pediu para que os participantes deixassem os olhos fechados ou semiabertos, como considerassem melhor. Foram convidados para fazer uma viagem interna, pensando em pessoas que fizeram parte da sua história; que visualizassem, através de fotografias no seu imaginário, momentos bons e ruins no decorrer da vida com essas pessoas; e depois momentos mais atuais: o que levou ao acolhimento institucional dos filhos.
O direcionamento continuou com os participantes entrando em uma sala na qual tiveram um encontro com: uma parte de sua vida que se perdeu ao longo do caminho e que precisa ser resgatado/recuperado ou alguém com quem precisa ter algum tipo de conversa ao se lembrar dessas memórias. Foram levados também a perceber as emoções e os sentimentos no momento.
Ao retornar para o momento presente, o aqui e agora, a pesquisadora pediu para que os participantes se sentissem à vontade e que representassem através de uma imagem corporal como se sentiram com esse encontro.
Os participantes deram também voz à imagem. Elma, foi a primeira pessoa a apresentar e demonstrou no corpo uma imagem, com a mão no queixo, que representa: “pensativa”, ao dar voz a imagem, relatou: “quando entro no quarto e não vejo mais minhas filhas, a Vick, e a Ane que também foi acolhida, mas que faleceu, até hoje não me conformo, não saber o motivo da morte dela, isso me dói muito” (emocionada).
Em seguida, Zângela demonstrou no corpo uma imagem, com os braços fechados no peito, que representa: “saudade”. Ela disse: “minha mãe dando conselho pra minha filha, sinto falta dela, ela já é falecida” (emocionada).
Vice representou uma imagem com as mãos apoiadas na cabeça e os olhos fechados, que representa: “descanso”. Ao dar voz à imagem, relatou: “lembrei do meu pai, que também faleceu, sinto muita falta dele, ele sempre chegava do trabalho e descansava, e chamava eu e minha irmã pra descansar com ele”.
Urbana demonstrou uma imagem com as mãos na frente do rosto que representa: “medo”. Ao dar voz à imagem, expressou: “medo que eu tinha do meu ex-marido, pai dos meus filhos, de quando ele chegava em casa bêbado, drogado, e, se não tivesse nada pra ele comer, ele vinha me espancar, me batia”.
A partir desse momento, foi realizada pelo grupo a escolha sociométrica de um protagonista. A diretora pediu que cada uma escolhesse uma história. O grupo já aquecido com o relato de Elma, que se emocionou ao falar sobre uma das filhas que esteve no acolhimento e faleceu, escolheu-a como protagonista, pois se identificaram com o seu relato, trazendo naquele momento a dor de uma mãe ao perder a filha.
Elma começou contando e apresentando sua história e como se deu o acolhimento institucional das suas filhas. Relatou que foi convivente da mãe das meninas, Pereira, que esta era dependente de álcool e outras drogas e tinha comportamento andarilho, pois saía de casa, passava dias fora e, quando retornava, estava grávida. Durante esse tempo, Pereira teve a filha, Vick, 17 anos, que é pessoa com deficiência, diagnosticada com paralisia cerebral, e Ane, 14 anos (in memoriam). Pelo contexto de drogadição em que a genitora das adolescentes se encontra, Elma relatou que Pereira abandonou as crianças e passou a viver em situação de rua, que, portanto, sempre esteve suprindo os cuidados sozinha, que tem amor materno para com as adolescentes e esse amor era recíproco por Ane e Vick.
Elma contou que nunca recebeu auxílio da família biológica das adolescentes, tampouco da sua ex-companheira, que cuidou das meninas com o auxílio de sua própria família. Com relação ao acolhimento institucional das suas filhas afetivas (Vick foi acolhida há 2 anos e Ane por 5 meses), relatou que foi denunciada pela sua filha Ane por maus-tratos, que ela estava rebelde, fugia da escola e se envolveu com más companhias. Destacou:
Quando a Ane fez a denúncia na escola dela, ela estava com raiva, querendo ter liberdade, e eu, como mãe, proibia ela de sair, eu só queria proteger ela. Ela se apaixonou pelo meu sobrinho, e eu afastei ela dele.
Ainda relata sobre seu sentimento de injustiça, que não imaginaria que, quando suas filhas foram levadas pelo Conselho Tutelar, uma delas não voltaria com vida. A diretora pediu para Elma se sentir à vontade para que compartilhasse o que aconteceu com sua filha Ane.
Eu tive que ir atrás de informação, porque nem sobre o velório da minha filha me avisaram. Como me proibiram de visitar elas no abrigo, não sabia de nada, me ligaram e nem lembro quem foi, dizendo que minha filha tinha falecido, eu só gritava. ... Fui atrás no dia do velório e vi a família biológica dela, que nunca me ajudaram a cuidar, chorando ao lado do caixão. Neste dia fiz confusão, eu não estava em mim, queria entender o que tinha acontecido com minha filha. ... Descobri que Ane se acidentou na escola, passou mal e caiu da cadeira, bateu a cabeça e teve várias convulsões, não resistiu.
Após a participante compartilhar um pouco mais da sua história para o grupo, conta que o dia mais marcante foi o dia do acolhimento institucional das suas filhas, que nesse dia as meninas ficaram sozinhas em casa, pois precisou sair para renovar a matrícula escolar de Ane. Relatou que recebeu um telefonema da filha, de que o Conselho Tutelar e a polícia estavam na residência.
A diretora convidou a dramatizar a cena em que as adolescentes foram acolhidas. Seguindo o aquecimento, no canto da sala foi montado um cenário que representou a residência da protagonista. Elma escolheu Urbana para representar sua filha Ane e Vice para representar sua filha Vick. Ela falou um pouco das características das suas filhas:
Sobre a Ane, ela sempre me ouvia. Depois dos 12 anos de idade, ela ficou agressiva, rebelde, queria me bater quando era contrariada. A Vick não fala e não anda, mas se expressa muito bem, precisa do nosso auxílio pra tudo.
Urbana, no papel da filha Ane, disse: “Oi, mãe. Vem pra casa, o Conselho Tutelar e a polícia estão aqui em casa”.
Elma: “O que está acontecendo? Aconteceu alguma coisa com a Vick minha filha?”
Urbana no papel de Ane: “Não, mãe, mas vieram aqui pra levar a gente”.
Elma: “Estou indo, só estou finalizando tua matrícula aqui”.
Elma relatou que foi imediatamente para casa. Chegando lá, estava a polícia e o Conselho Tutelar. Ela ficou assustada, tremendo, pensando que tinha acontecido algum problema com Vick e perguntou aos conselheiros o que tinha acontecido.
Nesse momento, Zângela, entrou no papel do conselheiro tutelar: “Recebemos uma denúncia de que a senhora está maltratando as suas filhas, estamos aqui para levá-las para o abrigo”.
A diretora pediu para Elma ser Ane: “Ane o que aconteceu? Por que você denunciou sua mãe?”
Elma no papel de Ane: “Eu denunciei a minha mãe porque ela não me dava liberdade, me proibia de sair, eu só cuidava da Vick, eu não quero mais ficar com ela”.
Troca de papel, Elma respondeu: “Você é menor de idade Ane, o que você quer da vida?”
Vick entrou na cena: “Eu quero minha liberdade mãe, sair com minha colegas, pras festinhas”.
Elma: “Mas tu não tem idade pra ir pra festa”.
Nesse momento, a diretora congelou a cena e questionou: “Elma, se você pudesse hoje falar algo pra sua filha, o que seria?” Elma ficou emocionada, experienciou sua emoção e disse prontamente: “Eu pediria perdão dela”.
A diretora pediu para Urbana no papel de Ane ficar na frente de Elma: “Fale isso pra sua filha”.
Elma: “Me perdoa, filha, se eu fiz alguma coisa que você não gostava, eu só queria seu bem, queria te proteger” (choro). A inversão de papéis foi utilizada para oferecer à protagonista condição de atingir a perspectiva da filha sobre ela e sobre si mesma, foi importante para Elma inverter com a Ane para perceber o que a filha queria.
Na sequência da dramatização foi utilizada a técnica do solilóquio, na qual a protagonista “pensa alto” (Z. Moreno, 2008): “Minha filha não vai mais voltar, era pra ela estar viva, junto comigo, sinto saudades” (choro).
A diretora perguntou se alguém do grupo gostaria de representar a saudade.
Zângela, no papel de saudade, aproximou-se de Elma, colocou a mão no seu ombro e disse: “apesar da ausência física, as lembranças estará presente”.
A protagonista afirmou que gostaria de ter se despedido da sua filha e de ter conversado com a filha, pois o professor dela disse que ela queria vê-la. Nesse momento, foi realizada uma nova inversão de papéis e Elma entrou no papel de Ane: “Mãe, me perdoa por tudo”.
Ao voltar ao próprio papel, Elma respondeu: “Eu te perdoo, minha filha”.
Elma começou a chorar muito. Naquele momento, a diretora fez um duplo, falando por ela o que ela não conseguia: “Eu não tenho culpa pelo que aconteceu. Está sendo muito difícil ver todos me culpabilizando”. A protagonista balançou a cabeça afirmando que sim.
A diretora pediu para Elma repetir: “Eu não tenho culpa pelo que aconteceu”, e ela complementou espontaneamente:
É tão difícil criar uma filha sozinha e ver tirarem ela de mim, pra ela morrer, acabar dentro de caixão. Fizeram a minha filha se dopar de remédio no abrigo, por isso que ela caiu, passou mal na escola, porque ela estava tomando muito remédio pra depressão. Minha filha era boa de saúde, ela não tinha nada. Como que deixaram minha filha sozinha na cadeira? Ela caiu sozinha? Minha filha começou a sofrer lá no abrigo, ela se cortava, sofria bullying no abrigo porque ela puxava um pouco a perna, tudo isso fez ela sofrer. Quando me proibiram de ver ela no abrigo, ela falava que eu não ia ver ela, porque eu não perdoava ela pelo que fez (choro).
A diretora pediu, então, para o grupo acolher Elma, e todos naturalmente se abraçaram e entregaram uma palavra: força, consolo, acolhimento, alívio. Protagonista e grupo sentiram que a cena se encerrava por ali, depois do abraço. A protagonista foi acolhida voltando para a roda. Quando a diretora perguntou como ela estava se sentindo, ela respondeu:
Mexeu muito com meus sentimentos, mas é bom pra mim. Pela primeira vez, eu desabafei. Lá em casa sou sozinha. … E eu quero justiça, não vou desistir até minha filha Vick, que ainda está lá no acolhimento, voltar pra casa.
No compartilhamento, foram trazidas falas sobre as barreiras no acolhimento institucional, sobre lutos e perdas vividos pelos participantes e também pelo medo de perder os filhos. De acordo com Zerka Moreno (2008), é durante o compartilhar, depois da dramatização, que os membros do grupo revelam seus sentimentos.
Nesse encontro, foi possível perceber e conhecer as lacunas no papel de mãe, muitas vezes apresentando-se com sentimento de culpa e o desejo de que os filhos as perdoem. Outrossim, expressou-se a sobrecarga vivida, após a medida de proteção das suas crianças e adolescentes, ao conviver com julgamentos da sociedade. A retirada das crianças e dos adolescentes de casa, além de protegê-los dos riscos imediatos, é compreendida como uma estratégia para que as relações familiares sejam trabalhadas e revistas. No entanto nem sempre são oferecidos o tempo e as intervenções necessárias à construção de novas possibilidades. Frequentemente, a situação urgente e grave é tomada como justificativa para ações rápidas e impositivas.
O psicodrama de grupo contribuiu para a protagonista e as participantes relatarem suas dificuldades em comum e, através da dramatização e da aplicabilidade de técnicas como solilóquio, inversão de papel e duplo, proporcionou aos participantes a visualização do seu papel de mãe. Dessa forma, o psicodrama cooperou para que os objetivos fossem alcançados ao verificar quais as necessidades no papel de pai e mãe e o desenvolvimento da espontaneidade nesse papel.
O último encontro ocorreu em 27 de novembro de 2023 às 16 horas com seis participantes: Elma, Urbana, Tória, Zângela, Ray e Bio. Nesse encontro não ocorreu uma proposta de aquecimento inespecífico, pela percepção da diretora de que os participantes se mostraram aquecidos para o trabalho.
A diretora espalhou os recursos — missangas, fios, pingentes — em cima da mesa e solicitou aos participantes que construíssem uma pulseira para o(a) filho(a) e sugeriu que, enquanto construíam, pensassem o que aquela pulseira poderá significar para a vida daquela criança ou adolescente e como era para eles construírem o presente (Tabela 3).

A partir dessa atividade, foi utilizada a modalidade do role-playing (Rodrigues, 2008), e proposta no “como se” aos pais uma visita ao acolhimento institucional para que eles levassem a pulseira e entregassem para seu(sua) filho(a). No role-playing, passa-se a representar como eles imaginam que será essa experiência, possibilitando um pouco mais de jogo de papéis, incrementando o papel (Fonseca Filho, 2008).
A diretora pediu que cada um escolhesse alguém do grupo para representar seu(sua) filho(a) ou irmã — vale ressaltar que a participante Tória é irmã de uma adolescente, que tem síndrome de Down, que foi acolhida e desacolhida na semana anterior ao encontro; por isso, a genitora, a Sra. Vice, não estava presente, precisou ficar em casa, tem filhos pequenos, sua filha Tória é sua rede de apoio e tem comportamento ativo nesse processo. Enquanto colocavam a pulseira no braço da criança ou do adolescente no “como se”, foi sugerido que falassem o que sentiam vontade.
Tória escolheu Urbana para representar sua irmã:
Mana, eu te peço perdão. Foi eu quem deixou a porta aberta e você saiu no meio da noite. Essa pulseira que coloco no seu braço é um pedido de desculpas e pra dizer que serei mais atenta com você. Isso não vai acontecer de novo.
Urbana escolheu Ray e Bio pra representar seus netos:
Essa pulseira que coloco no braço de vocês é uma forma de demonstrar que sempre vou lutar por vocês. A vovó ama muito vocês, vocês não receberam amor dos seus pais, mas eu quero dar esse amor. prometo pra vocês. E ninguém vai levar vocês pra longe de mim, vou lutar até o fim, até voltarem pra casa comigo.
Elma escolheu Urbana para representar sua filha: “Trouxe esse presentinho pra você, minha filha, com carinho e amor. Vou lutar por você até o fim, a mamãe vai estar com você sempre. Eu lhe amo muito”.
Bio escolheu Tória para representar seus filhos: “Filhos (emocionado), amo muito vocês. Sinto muito por ter chegado até aqui. Prometo que o retorno de vocês pra casa será de muita felicidade, vocês vão voltar para os braços do papai. Prometo me cuidar pra cuidar de vocês, que vocês possam crescer sendo grandes levitas1”.
Ray escolheu Tória para representar seus enteados:
Entrego essa pulseira pra vocês com o amor grande que eu sinto por vocês e como forma de demonstrar que estou lutando e fazendo de tudo pra tirar vocês aqui de dentro. Está chegando o natal e, como ficávamos juntos ajoelhados meia-noite no quarto, como eu queria a gente assim nesse natal, mas tenho esperança da gente ficar junto. Não sou a mãe de vocês, mas mãe é aquela que cria e dá amor e carinho.
Zângela escolheu Urbana para representar sua filha: “Eu fiz essa pulseira com muito carinho e amor. Prometo te proteger e brigar menos com você, te amo”.
Nesse momento a pesquisadora realizou uma intervenção que reforçou as falas dos participantes e foi possível observar que essa atividade e o role-playing proporcionaram reflexões acerca dos próprios comportamentos antes da medida de proteção dos filhos, em pensar sobre mudanças no comportamento após o desacolhimento dos filhos.
Foi potencializado essas ações funcionais com a proposta de que entregassem as pulseiras para os seus filhos na próxima visita ao acolhimento institucional. Foi possível trabalhar o fortalecimento do vínculo com os filhos e, através da ação, pôde-se modificar o pensamento e desenvolver a espontaneidade e a criatividade. No final do encontro, houve uma confraternização.
Por fim, o grupo se mostrou agradecido e feliz pelo acontecimento dos encontros com o psicodrama de grupo. Puderam vivenciar a teoria e a prática do psicodrama de grupo no desenvolvimento do papel de mãe e pai de crianças e adolescentes institucionalizadas. Os participantes formaram uma relação de amizade e confiança. Com relação à pesquisadora, os participantes agradeceram pela oportunidade e disponibilidade (Tabela 4).

A realização desta pesquisa foi um marco para ambas as autoras, em especial para a primeira autora, que, com o decorrer do trabalho desenvolvido na Defensoria Pública do Estado do Amazonas, pode utilizar essa pesquisa para construção de novos grupos com temas pertinentes ao deste trabalho. Destaca-se quanto são indispensáveis uma escuta qualificada e profissionais que façam a diferença nesses territórios vulneráveis.
Além disso, essa pesquisa marca o processo de formação em psicodramatista da primeira autora, que a vivenciou de forma híbrida, em virtude da falta de escolas no Norte do Brasil. Assim, a formação foi realizada virtualmente com aulas ao vivo e momentos de imersão presencial para a prática e a ampliação dos aprendizados de direção de grupos. O processo de orientação da pesquisa ocorreu de forma virtual, com uma professora do curso de formação, residente no sul do País.
O psicodrama de grupo possibilitou aos participantes a reflexão acerca da parentalidade e das conservas culturais, desenvolvendo um novo olhar, uma nova perspectiva de atuação, bem como a transformação de algumas conservas, percepções e atitudes acerca do papel de mãe e pai. A formação do grupo beneficiou sentimentos como empatia, igualdade, confiança, segurança e acolhimento.
É fundamental investir em políticas e serviços que promovam condições dignas para as famílias, repensando os fatores que levam crianças e adolescentes ao acolhimento institucional. Quando o acolhimento se fizer necessário, é essencial dispor de programas específicos e de profissionais capacitados para viabilizar e acompanhar a reintegração social e familiar. Dessa forma, faz-se necessária a ampliação do uso do psicodrama com esse público e de outras pesquisas que tenham essa temática.
Agradecemos aos participantes da pesquisa, por compartilharem suas experiências de forma genuína.
* Autora correspondente: gabrielavidaal@gmail.com



