Bandido bom é bandido que ninguém vê massificação do cárcere em Alagoas e a “cegueira” social insculpida pelo modelo neoliberal

Good Criminal is a Criminal that Nobody Sees: Massification of Prision in Alagoas And the Social “Blindness” Carved by the Neoliberal Model

Bruno Cavalcante Leitão Santos
Centro Universitário CESMAC – Maceió/AL, Brasil
Francisco de Assis de França Júnior
Centro Universitário CESMAC, Brasil
Thaís Sarmento Cardoso Wedekin
Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Brasil

Bandido bom é bandido que ninguém vê massificação do cárcere em Alagoas e a “cegueira” social insculpida pelo modelo neoliberal

Revista Brasileira de Segurança Pública, vol. 17, núm. 2, pp. 60-83, 2023

Fórum Brasileiro de Segurança Pública

Recepción: 04 Junio 2021

Aprobación: 23 Febrero 2023

Resumo: Por muito tempo, a prisão foi meio para a aplicação da punição estatal, e não a punição em si mesma. A mudança de perspectiva sobre a prisão, sobretudo com a disseminação dos ideais democráticos, acabou sendo impulsionada pelo argumento de que, para além de punir, seria preciso recuperar e reinserir o transgressor de maneira útil na sociedade, consolidando-se o que se revelou ser uma importante estratégia política de segregação social, extremada pelo modelo neoliberal, que massifica o cárcere para determinados grupos politicamente não representativos, ampliando-se as desigualdades sociais. No presente artigo, portanto, é dessa dinâmica entre as aspirações do modelo econômico e a alegada utilidade social do cárcere que trataremos, cujo objetivo principal será o de desvelar e analisar criticamente como se dá este ciclo correlacionado de segregação social – desemprego – criminalidade – punição – encarceramento em massa. Nesse sentido, para que se possa alcançar tal objetivo, utilizamos a metodologia hipotético-dedutiva, de base majoritariamente qualitativa, com a articulação da técnica da revisão bibliográfica e da consequente coleta de dados na literatura pertinente e nas bases oficiais sobre o cárcere brasileiro mantidas por veículos oficiais de controle e de punição. Conquanto, para que tal pudesse ocorrer da maneira menos complexa e generalista possível, optamos por ilustrar algumas das reflexões apresentadas com os dados a respeito do estado de Alagoas (um dos mais pobres do Brasil), quer seja por ser o lugar de onde falamos, quer seja por seus indicadores revelarem da maneira mais clara e direta aquilo problematizado.

Palavras-chave: Encarceramento em massa, Neoliberalismo, Pobreza, Estado Penal, Dignidade humana.

Abstract: For a long time, prison was a means of applying state punishment, not punishment itself. The change of perspective on prison, especially with the dissemination of democratic ideals, ended up being driven by the argument that, in addition to punishing, it would be necessary to recover and reinsert the transgressor in a useful way in society, consolidating what was revealed to be an important political strategy of social segregation, extreme by the neoliberal model, which massifies imprisonment for certain politically unrepresentative groups, widening social inequalities. In this article, therefore, it is this dynamic between the aspirations of the economic model and the alleged social utility of prison that we will deal with, whose main objective will be to unveil and critically analyze how this correlated cycle of social segregation - unemployment - crime - punishment takes place – mass incarceration. In this sense, in order to achieve this goal, we will use the hypothetical-deductive methodology, mostly qualitative, with the articulation of the bibliographic review technique and the consequent collection of data in the relevant literature and in the official databases on Brazilian prison maintained by official vehicles of control and punishment. Although, so that this could happen in the least complex and generalist way possible, we chose to illustrate some of the reflections presented with the data about the State of Alagoas (one of the poorest in Brazil), either because it is the place from which we speak, be it because its indicators reveal in the clearest and most direct way what is problematized.

Keywords: Mass incarceration, Neoliberalism, Poverty, Penal State, Human dignity.

INTRODUÇÃO

Dizem às melhores práticas de manejo de bovinos em confinamento que o produtor destine de 10 m² a 12 m², no mínimo, por cabeça. As pesquisas no setor mostram que “instalações adequadas e conservadas são fundamentais para garantir o bem-estar dos bovinos” (QUINTILIANO; DA COSTA, 2007). Não, este não é um trabalho sobre produção agropecuária. Mas ao nos depararmos com estes dados, não pudemos sossegar a inquietação sobre a realidade dos seres humanos confinados nos cárceres brasileiros, especialmente aqueles do lugar com o pior Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), qual seja: o estado de Alagoas.

O dado apresentado sobre o espaço destinado a animais criados em confinamento nos inquieta quando sabemos que seres humanos em cadeias superlotadas chegam a viver em menos de 1 m², muito aquém dos 6 m² exigidos pela Lei de Execução Penal (Lei Nº 7.210/1984). Concluímos com isso que esta não é tão somente uma condição sub-humana, pois nem os animais vivem dessa forma. Aliás, os humanos que se encontram em tal situação, não se pode afirmar que vivem, mas insistentemente sobrevivem.

O cárcere, antes acessório garantidor da sentença, se tornou em pouco tempo a principal opção dos detentores do poder para punir e recuperar (?) condenados pela prática de um crime, e a sociedade, de forma geral, clama por mais encarceramento, seja por desconhecimento de que o cárcere superlotado não é capaz de recuperar o criminoso, seja por intimamente desejar que o delinquente seja alijado do seio social para que não seja sequer visto.

Essa política encarceradora que, no nosso entender, não se trata propriamente de uma política criminal, é parte de um sistema penal autoritário e punitivista que toma corpo com o modelo de Estado neoliberal, na medida em que este reforça a lógica da pena como consequência individual às escolhas individuais daqueles que delinquem. Mais: é um modelo que se volta ao distanciamento de classes, amplia as diferenças sociais, alimenta a delinquência de rua e impõe força intolerante para punir esta mesma criminalidade que ajuda a construir com o fosso socioeconômico.

Neste artigo, portanto, dada a importância da problematização proposta para a caracterização de um ambiente que se anuncia constitucionalmente como democrático, o objetivo principal será o de desvelar e analisar criticamente como se dá este ciclo correlacionado de segregação social – desemprego – criminalidade – punição – encarceramento em massa, e como essa dinâmica guarda certa incoerência com os postulados democráticos, o que se desenvolverá por meio de uma metodologia hipotético-dedutiva, de base majoritariamente qualitativa, com a utilização da técnica da revisão bibliográfica e da consequente coleta de dados na literatura pertinente e nas bases oficiais sobre o cárcere brasileiro mantidas por veículos oficiais de controle e de punição.

Por fim, para que tal pudesse ocorrer da maneira menos complexa e generalista possível, optamos por ilustrar algumas das reflexões apresentadas com os dados a respeito do estado de Alagoas, quer seja por ser o lugar de onde falamos, quer seja por seus indicadores revelarem da maneira mais clara aquilo problematizado.

A PRISÃO

Nem sempre a prisão foi uma pena em si mesma. Por muito tempo, de modo geral, o cárcere servia como meio para garantir a execução da sentença à qual o delinquente houvera sido condenado: “a forma geral de uma aparelhagem para tornar os indivíduos dóceis e úteis, por meio de um trabalho preciso sobre seu corpo, criou a instituição-prisão, antes que a lei a definisse como a pena por excelência” (FOUCAULT, 2020, p. 223).

É bem verdade que grandes mudanças nas formas de punição acontecem quando o encarcerado passa a figurar como possível mão de obra a ser utilizada nos idos do Século XVI: “essas mudanças não resultaram de considerações humanitárias, mas de um certo desenvolvimento econômico que revelava o valor potencial de uma massa de material humano completamente à disposição das autoridades” (RUSCHE; KIRCHHEIMER, 2004, p. 43).

A PRISÃO COMO ACESSÓRIO

O cruel cumprimento de uma sentença criminal condenatória narrado pela Gazette d’Amsterdam abre a leitura de Vigiar e punir, obra clássica de Michel Foucault (2020). Uma sequência de atos de tortura, como esquartejamento e derramamento de enxofre em chamas sobre a pele, que findou com o corpo do condenado queimado na fogueira acesa em praça pública.

O fato se passa em meados do Século XVIII, em Paris, período em que o suplício era uma das penas aplicadas aos condenados. O Estado castigava os corpos dos delinquentes para que estes suplicassem publicamente por perdão. Antes de chegar ao que Foucault chama de “nova era” da justiça penal, o criminoso pagava pelo ato praticado com o seu próprio corpo.

O encarceramento era o meio que o Estado utilizava para manter aprisionado aquele que deveria ter sua sentença cumprida. A prisão era um acessório para garantir o espetáculo popular que envolvia a punição.

Durante a Idade Média e parte da Idade Moderna, a ideia era a de que as prisões serviam para aprisionar os indivíduos e não para puni-los:

Até o Século XVIII, as grades foram simplesmente o lugar de detenção antes do julgamento, onde os réus quase sempre perdiam meses ou anos até que o caso chegasse ao fim. As condições de encarceramento desafiam qualquer descrição. As autoridades usualmente não previam nenhuma provisão para a manutenção dos presos. (RUSCHE; KIRCHHEIMER, 2004, p. 95).

Pouco a pouco, os castigos físicos objetivando arrancar do condenado uma confissão pública dão lugar a outra forma de punir com a suspensão de direitos.

A PRISÃO COMO FIM

O castigo deixa de ter como ponto central o sofrimento e passa a figurar como a perda de um direito: a liberdade. O corpo do delinquente não é o que mais importa. O que não significa dizer que ao criminoso não restará qualquer sofrimento.

Com os novos moldes punitivos, o desviante deve sofrer não mais pela dor física:

O corpo se encontra aí em posição de instrumento ou de intermediário; qualquer intervenção sobre ele pelo enclausuramento, pelo trabalho obrigatório visa privar o indivíduo de sua liberdade considerada ao mesmo tempo como um direito e como um bem. Segundo essa penalidade, o corpo é colocado num sistema de coação e de privação, de obrigações e de interdições. (FOUCAULT, 2020, p. 16).

Em meio a essas reformas, Marquês de Beccaria, em Dos delitos e das penas, publicado originalmente em 1764, revolucionou o debate penal da época com reflexões, especialmente, sobre a punição pela crítica aos excessos. Já naquele momento, Beccaria (2015, p. 30) sugeria que as prisões eram “a horrível mansão do desespero e da fome” e perguntava: “qual o fim político dos castigos?”.

O Marquês (2015, p. 43) expõe a tese de que a punição pela tortura favorece o culpado e prejudica o inocente, porque este “ou será condenado, se confessar um crime que não cometeu, ou será absolvido, mas depois de sofrer tormentos que não mereceu”. Dessa maneira, lança a ideia de uma prisão onde a justiça assume o lugar da força e do poder.

E se a prisão, principalmente depois da segunda metade do Século XVIII, passa a figurar com protagonismo no sistema punitivo, discussões sobre o cárcere tomam conta do debate penal, desta vez, como verdadeiras instituições.

Esses mecanismos de disciplina se apresentam como proposta de humanização da justiça penal e passam a ser vistos como a “pena por excelência”. Houve uma “agitação contra a estupidez e a crueldade da punição, que levou à aceitação do encarceramento como uma penalidade normal para os delinquentes de todo tipo” (RUSCHE; KIRCHHEIMER, 2004, p. 109).

O encarceramento, entretanto, acabou por se tornar a pena em si, fazendo surgir uma distinção entre o aprisionamento como punição e a detenção antes do julgamento ou até aplicação da pena. O processo por meio do qual o encarceramento se tornou a maneira primária de punição imposta pelo Estado estava intimamente relacionado à ascensão do capitalismo e ao surgimento de um novo conjunto de condições ideológicas. (DAVIS, 2020, p. 46).

Desde então, mundo afora, ampliar o número de vagas nos sistemas penais se tornou parte necessária de um discurso político de combate ao crime, criando um paradoxo: o criminoso deve ser encarcerado, quanto mais encarcerados, menor a criminalidade. Discurso este que não se restringe a países como o Brasil. Davis (2020, p. 16) aponta que a prisão é vista como um fato inevitável da vida, como o nascimento e a morte. Muito em parte, essa naturalização das prisões se deve ao esforço para construir mais prisões e encarcerar mais: “quando, na década de 1980, durante o que ficou conhecido como Era Reagan, políticos argumentaram que medidas severas no combate ao crime – incluindo algumas detenções e penas mais longas – manteriam as comunidades livres da criminalidade” (DAVIS, 2020, p. 16).

No Brasil, a primeira penitenciária ficou pronta em 1850. Era a Casa de Correção do Rio de Janeiro que, décadas depois, se transformaria no Complexo Penitenciário Frei Caneca. Para erguer a prisão, foram usados como parte da mão de obra trabalhadores, condenados e africanos libertados.

Vimos que no ano de 1834 foram deslocados sessenta sentenciados a trabalhos para as obras de construção da nova prisão. Embora tenham sido condenados com base em crimes e leis distintos, os galés e sentenciados faziam parte do mesmo grupo de trabalhadores que ali estavam sob a determinação da justiça. A esse grupo podemos acrescentar também os condenados pela chefia de Polícia da Corte. Os detidos por pequenos delitos ficavam por curtos períodos prestando serviço nas obras da Casa de Correção, sendo classificados como vadios e correcionais. (ARAÚJO, 2009, p. 107).

Desde então, foram erguidas milhares de unidades prisionais. Sendo hoje, um total de 1.443 entre unidades estaduais e federais espalhadas pelo território brasileiro, de acordo com dados do Relatório Consolidado do Departamento Penitenciário Nacional do Ministério da Justiça, apurados de janeiro a junho de 2020 (DEPEN, 2020b). Em uma conta superficial, é como se o Brasil tivesse construído uma média de 8,5 unidades prisionais por ano desde que a Casa de Custódia foi inaugurada no Rio de Janeiro, em 1850.

Cresceu, e cresce dia a dia, o número de encarcerados na onda do discurso punitivista de prender para castigar e, principalmente, para varrer dos olhos da sociedade o malfeitor.

A HIPERTROFIA DO ESTADO PENAL

Enquanto fim em si mesma, a prisão surge como uma utópica solução para a criminalidade. Não se pretende aqui adentrar nas teorias sobra a finalidade da pena, afinal, a discussão não se exaure em alguns parágrafos, tampouco é o objeto desta pesquisa. Mas para seguirmos, é interessante que entendamos os principais vieses acerca do assunto.

Há os que defendem ser a pena uma retribuição, é “o mal justo para punir o mal injusto” (TASSE, 2008, p. 66). Por outro lado, têm os que enxergam na punição um caráter utilitário. A pena serviria, portanto, como prevenção para que o criminoso reincida, além de funcionar como alerta para desencorajar os que pretendem delinquir. Por fim, há aqueles que apostam na dupla finalidade da pena: retributiva e preventiva.

Sendo a pena de aprisionamento retributiva, preventiva ou ambas, o fato é que encarcerar é o principal meio utilizado pelo sistema penal atualmente. Os cárceres são o endereço de quase 760 mil pessoas no Brasil, segundo o Departamento Penitenciário Nacional (Depen).

Desde que os espetáculos em torno dos suplícios por perdão deram lugar à privação da liberdade, o número de encarcerados só cresceu. O Estado Penal ganha força em detrimento do Estado Social. Cria-se, pois, o que Pires (2004, p. 43) chama de “racionalidade penal moderna”, pela qual o sistema penal, a partir do Século XVIII, “projeta um autorretrato identitário essencialmente punitivo, em que o procedimento penal hostil, autoritário e acompanhado de sanções aflitivas é considerado o melhor meio de defesa contra o crime (‘só convém uma pena que cause sofrimento’)”.

É a força do punitivismo como justificativa ao “combate ao crime”, impondo um peso à responsabilização individual: “a consciência de que cada indivíduo é livre e, portanto, responsável pelos seus atos construiu o arcabouço teórico pelo qual a pena, por si só, consegue criar um desestímulo em cada indivíduo, inibindo-o de cometer delitos” (ABRAMOVAY, 2010, p. 14). Nesse sentido, também Dardot e Laval (2016, p. 224): “esse trabalho político e ético de responsabilização está associado a numerosas formas de ‘privatização’ da conduta, já que a vida se apresenta somente como resultado de escolhas individuais. O obeso, o delinquente ou o mau aluno são responsáveis por sua sorte”. Essa lógica da responsabilização individual, em detrimento da coletiva, nasce da consolidação do modelo neoliberal, conforme nos debruçaremos mais tarde.

A ERUPÇÃO DO ESTADO PENAL COMO CONSEQUÊNCIA DO (NEO)LIBERALISMO

O sistema quer fazer parecer que a punição é consequência pura e simples da prática de um delito. Mas a análise criminológica nos impõe observar o crime e o criminoso sob outros vieses.

A lógica de que o encarceramento é parte de uma política criminal voltada tão somente para o controle e combate da criminalidade é inócua quando se compreende que o crime é um fenômeno social e como tal deve ser encarado como multifatorial e multidisciplinar.

A nova tarefa a ser enfrentada pelos criminólogos requer, porém, superação dos limites normativos do direito, contato com outra(s) disciplina(s). Para tanto, aproximam-se – intentando, ao estudar objeto comum (o crime e o criminoso), dar melhor especificidade – antropologia, sociologia, biologia, psiquiatria e psicologia. Tais disciplinas, ao configurarem um campo de experimentação (a criminologia), passam pelo processo de auto-adjetivação criminal. (CARVALHO, 2005, p. 5).

Significa dizer que a prisão, como consequência lógica do alegado delito, não deve ser vista numa única dimensão. Por estar “apensa” à prática do crime, e por ser o crime multifatorial, há que se dizer que o cárcere também possui múltiplos fatores que o justificam e sustentam, para além das razões óbvias e ingênuas de ser um lugar destinado ao cumprimento de pena.

Pavarini (2010, p. 310) explica que a penitenciária nasceu no Século XVIII no contexto das primeiras economias capitalistas “e tão profunda e estruturalmente vinculada àquele sistema econômico (que) em bem pouco tempo impôs-se em todo o mundo”.

Quando Rusche e Kirchheimer (2004, p. 109) defendem que o sistema carcerário tem como fundamento o mercantilismo, vinculam a política criminal ao modelo de produção de riquezas que, para além de outras consequências, teve no encarceramento um meio usado pelos detentores do poder para afastar os indesejáveis.

E quem são os indesejáveis? Quem são os que devem ser afastados? Wieviorka (1997, p. 6) explica que, quando tomado este ou aquele período como referência, percebem-se mudanças: “(n)o início da era industrial, quando as classes contestadoras nascentes eram percebidas como classes perigosas”.

A partir dessas novas percepções de “perigo”, o Estado Penal se torna mais forte, presente e indispensável:

Isso significa que as intervenções estatais na sociedade, na forma de políticas sociais, tornam-se rarefeitas, enquanto que, de outro lado, as práticas punitivas encarceradoras são incrementadas e maximizadas. Essa característica poderia ser bem observada, inicialmente, nos Estados Unidos, mas tem sido exportada rapidamente para outros países, incluindo o Brasil. (SANTOS, 2018, p. 174).

Isso significa que as intervenções estatais na sociedade, na forma de políticas sociais, tornam-se rarefeitas, enquanto que, de outro lado, as práticas punitivas encarceradoras são incrementadas e maximizadas. Essa característica poderia ser bem observada, inicialmente, nos Estados Unidos, mas tem sido exportada rapidamente para outros países, incluindo o Brasil. (SANTOS, 2018, p. 174).

Seguindo nessa esteira, observa Bauman:

O confinamento espacial, o encarceramento sob variados graus de severidade e rigor, tem sido em todas as épocas o método primordial de lidar com setores inassimiláveis e problemáticos da população, difíceis de controlar. Os escravos eram confinados às senzalas. Também eram isolados os leprosos, os loucos e os de etnia ou religião diversas das predominantes. (BAUMAN, 1999, p. 113).

Em sua obra, Bauman traça um paralelo sobre como a sociedade se reestrutura enquanto as políticas de punição se fortalecem em torno do encarceramento de populações vulneráveis. Isso acontece com mais ênfase quando o capitalismo ganha força nos idos dos anos 1970, impulsionado pelo capital sem “domicílio fixo” e pela falta de controle dos governos quanto ao fluxo de capitais.

As velhas práticas políticas deixam de atender às novas demandas, inclusive àquelas geradas pela crescente massa de miseráveis:

De outro lado, os párias gerados por essa economia e pela desmobilização do Estado de bem-estar, as massas largadas à própria sorte que buscam nas estratégias de sobrevivência, nem sempre legais, um lugar ao sol – marginalizados que serão cada vez mais imobilizados nos guetos, nas periferias, circunscritos à miséria de sua existência, e que passarão a frequentar as prisões. (SALLA; GAUTO; ALVAREZ, 2006, p. 332).

É certo. A sanha punitivista moldada pelo endurecimento do Estado Penal não nasceu do dia para a noite e não à toa. “É necessário pesquisar a origem e a força dos sistemas penais, o uso e a rejeição de certas punições e a intensidade das práticas penais, uma vez que elas são determinadas por forças sociais, sobretudo pelas forças econômicas” (RUSCHE; KIRCHHEIMER, 2004, p. 20).

O capitalismo, que nasce, segundo Marx (2013, p. 71), da transformação em capital daquilo que é extorquido do trabalhador, toma a sua face mais nefasta quando usa a violência, o roubo e os massacres como meios para se concretizar. Daí que se concluir por óbvio que se a prática delitiva é elemento fundante do capitalismo, este está intimamente ligado aos sistemas e às políticas criminais. O cenário de extorsão estatal do trabalhador fica ainda mais nítido e intenso quando se observa a possibilidade de remuneração menor ao trabalho da pessoa encarcerada (art. 29 da Lei 7.210/1984), o que, segundo Roig (2018, p. 86), não condiz com o permitido pela Constituição.

Para se manter dominante, o modelo capitalista, de forma camaleônica, criou a seus moldes meios que o garantissem como “melhor opção” no decorrer dos anos e em (muito) diferentes quadras históricas, passando pelo “Estado Liberal de Direito, o Estado Social de Direito, o Estado Fascista, o Estado Democrático de Direito e, agora, o Estado Pós-Democrático” (CASARA, 2019, p. 26).

Não há como negar a necessidade de intervenção estatal para sustentar o modelo que, para além das mudanças inerentes a ele, poderia ruir ante “os conflitos de classe que ameaçavam a ‘propriedade privada’ e as novas relações de forças internacionais” (DARDOT; LAVAL, 2016, p. 38). E, para “sustentar” essas mudanças capitalistas, o Estado, outrora liberal, agora social, precisava também se adaptar. Na realidade, se abster “no jogo predatório econômico e agigantar-se no controle social, em especial na repressão, sempre seletiva e politicamente direcionada, da população (Estado Penal)”. (CASARA, 2019, p. 37). E ainda, Baldez (2010, p. 334): “evidentemente que, transmudando a feição do capital, muda-se também a forma que se produz o controle social, que precisa ser adequado ao novo modelo econômico imposto para a sobrevivência do capitalismo”.

Dardot e Laval (2016) seguem no mesmo sentido ao defenderem que o capitalismo se transformou graças ao neoliberalismo e, com isso, mudaram também as sociedades e as formas de controle exercidas sobre elas:

[...] o neoliberalismo não é apenas uma ideologia, um tipo de política econômica. É um sistema normativo que ampliou sua influência ao mundo inteiro, estendendo a lógica do capital e a todas as esferas da vida. [...] não devemos ignorar as mutações subjetivas provocadas pelo neoliberalismo que operam no sentido do egoísmo social, da negação da solidariedade e da redistribuição e que podem desembocar em movimentos reacionários ou até mesmo neofascistas. As condições de um confronto de grande amplitude entre lógicas contrárias e forças adversas em escala mundial estão se avolumando. (DARDOT; LAVAL, 2016 p. 7-9, grifo nosso).

A distância entre as classes sociais, a nosso ver, é a razão e o objetivo do capitalismo sustentado pelo modelo neoliberal. Ilha das Flores (1989), curta-metragem roteirizado e dirigido por Jorge Furtado, retrata de forma icônica as consequências dessa forma de produção e consumo no final da década de 1980, quando as práticas liberais ganham força no Brasil, ao acompanhar o caminho de um tomate, desde a sua produção no campo até o descarte no lixo e o seu reaproveitamento para alimentar suínos e os miseráveis. No jogo do capital, quem (sempre) perde é quem já é alijado de direitos fundamentais básicos.

Na referida obra, Furtado escancara a forma como seres humanos disputam restos de comida entre si. O mais vil é que se trata de restos de lixo que não serviam mais sequer para alimentar os porcos. “Alguns materiais de origem orgânica como tomates e provas de história são dados aos porcos como alimentos. Aquilo que foi considerado impróprio para a alimentação dos porcos será utilizado na alimentação de mulheres e crianças”, narra, mostrando como que, para o processo de geração de riquezas ser eficaz, é preciso fomentar a desigualdade.

Nessa órbita, Casara (2019) explica que o projeto capitalista precisou incutir a ideia de que os dois principais direitos fundamentais do indivíduo eram a propriedade e a liberdade para adquirir e possuir. Depois de passar por todas as formas de Estado, o capitalismo se vê, segundo o autor, obstaculizado pelos direitos fundamentais:

A razão neoliberal, nova forma de governabilidade das economias e das sociedades baseada na generalização do mercado e liberdade irrestrita do capital, levou ao Estado Pós-Democrático [...]. Um Estado forte e capaz de eliminar os elementos indesejáveis tornou-se uma positividade, algo útil ao capitalismo. (CASARA, 2019, p. 27, grifo nosso).

Entender os direitos fundamentais como obstáculo a um modelo de produção é inverter a lógica do valor do próprio capital, que passa a ser o foco das sociedades, quando o capital deveria, na verdade, servir às sociedades. Por isso, para seguir com o modelo a pleno vapor, é preciso manter o distanciamento entre as classes e abafar as políticas assistencialistas.



Equilibrado num barranco incômodo
Mal acabado e sujo,
Porém, seu único lar, seu bem e seu refúgio
Um cheiro horrível de esgoto no quintal
Por cima ou por baixo, se chover será fatal
Um pedaço do inferno, aqui é onde eu estou
Até o IBGE passou aqui e nunca mais voltou
Numerou os barracos, fez uma pá de perguntas
Logo depois esqueceram.
[...]
Assaltos na redondeza levantaram suspeitas
Logo acusaram a favela para variar
E o boato que corre é que esse homem está
Com o seu nome lá na lista dos suspeitos
Pregada na parede do bar

Fuente: (RACIONAIS MC’s, 1993).

Este trecho transcrito da letra de Homem na Estrada, do grupo Racionais MC’s, retrata as condições de infraestrutura zero em que vive o favelado e como ele se torna o “inimigo” do Estado. Isso porque, para manter a força do modelo, faz-se necessário fortalecer o Estado Penal e relativizar certos direitos considerados empecilhos ao sistema e ao mercado, como a liberdade. “No discurso neoliberal, o problema da liberdade se coloca e se resolve através do mercado, no reino da economia”, critica Casara (2019, p. 40).

A ideia de Casara toma forma com o dizer de Garapon (1999, p. 112) sobre o papel da sociedade no exercício de controle como contrapartida à abdicação de certos direitos fundamentais dentro da ideologia neoliberal, cuja matriz é o Estado (ainda mais) mínimo: “para os neoliberais que levam o individualismo ao extremo, o papel do direito deve limitar-se estritamente ao mínimo, isto quer dizer a enunciar algumas proibições essenciais e referendar o resto à regulação da própria sociedade”.

Como se não bastasse, o neoliberalismo fomenta a individualização, onde “cada pessoa é estimulada a se ver como uma empresa e a eliminar a concorrência, isso em detrimento da solidariedade e dos projetos coletivos” (CASARA, 2019, p. 51). Nessa mesma perspectiva, o modelo separa os que são úteis e funcionais daqueles que não possuem valor de uso. Para estes, a lógica punitivista. A resposta penal tem sido a encarada como a ideal para os que não produzem, não consomem, opõem-se ao modelo (im)posto, em suma, àqueles que não interessam à sociedade neoliberal. Em linha, aliás, bastante aproximada às críticas realizadas pormenorizadamente por Matos (2019).

É aí que se verifica o endurecimento do Estado Penal do qual tratamos anteriormente. Ante à ideologia neoliberal, “o Sistema de Justiça Penal aparece como substituto das políticas sociais inclusivas, típicas do Estado do bem-estar social” (CASARA, 2019, p. 55).

Desde o início da Era Industrial, é possível observar o quão ligados estão o capitalismo e a criminalidade:

Mais e mais as massas empobrecidas eram conduzidas ao crime. Delitos contra a propriedade começaram a crescer consideravelmente em fins do Século XVIII, e as coisas pioraram durante as primeiras décadas do Século XIX. [...] Durante esse período, o número de condenações cresceu em torno de 540%. Engels comentou: a necessidade deixa ao trabalhador a escolha entre morrer de fome lentamente, matar a si próprio rapidamente, ou tomar o que ele precisa onde encontrar – em bom inglês, roubar. E não é motivo para surpresa que muitos dentre eles prefiram o roubo à inanição ou ao suicídio. (RUSCHE; KIRCHHEIMER, 2004, p. 137, grifo nosso).

É dizer que o capitalismo, numa sistemática cruel, sustenta-se tão somente pelo acúmulo de capital. Mesmo que, para tanto, os números do desemprego sejam inflacionados, pelo que vemos, desde sempre.

Aqui nesse bairro tinham poucas oportunidades. Infelizmente, até hoje, têm poucas oportunidades no sentido de a juventude ou as crianças se aproximarem daquilo que pode-se [sic] dizer que são ferramentas de desenvolvimento humano. [...] A associação que eu tinha nesse lugar, nesse bairro era: “para que eu seja alguém, eu preciso ter dinheiro. Para que eu esteja com pessoas ao meu lado, eu preciso ter dinheiro”. Com 14 anos eu já tinha um registro em carteira e na visão das pessoas que me viram com 7 anos vendendo alface no bairro, eu era um jovem extremamente trabalhador. Trabalhei muito tempo em restaurante. Limpava banheiro, limpava chão, limpava tudo. E aí, com 16 anos, nas baladas eu percebi uma certa possibilidade de ter dinheiro, que era inevitavelmente, a venda de droga. (EMERSON FERREIRA In: ENCARCERAMENTO..., 2017, grifo nosso).

O depoimento acima retrata apenas uma dentre tantas histórias de jovens das periferias de cidades brasileiras. O mercado não é capaz de (nem deseja) criar oportunidades para todos, os que ficam “de fora” são marginalizados, e a eles resta o Estado Penal forte, autoritário e intolerante. O qual se concretiza por meio do cárcere.

O modelo alimenta o desemprego, aumenta o número de desocupados, de pessoas vistas pelo mercado como aquelas que não são fonte de consumo, aquelas que são pressupostas como carentes de patrimônio relevante ou mesmo de perspectivas em obtê-lo, e, tendencialmente, com o aumento das tensões, uma vez que, no mundo capitalista, estar empregado e ter patrimônio relevante são indicativos de certa proteção estatal, o número de delitos praticados principalmente contra o patrimônio pode tender a aumentar.

O SUPERENCARCERAMENTO – NÃO HÁ VAGAS!

O encarceramento aumentou nas últimas décadas e continua a crescer dia a dia, ano a ano. No Brasil, são 759.518 encarcerados, definitiva ou provisoriamente, segundo dados do Departamento Penitenciário Nacional (Depen), de janeiro a junho de 2020. É a terceira maior população carcerária do mundo, atrás apenas dos Estados Unidos e da China.

O número de aprisionamentos é ainda mais impactante quando analisados os dados de excedentes. No Brasil, ainda de acordo com o Depen, há atualmente 511.405 vagas no sistema penitenciário (DEPEN, 2020b)[1]. Quer dizer, 248.113 pessoas estão presas sem que o sistema suporte. Não há vagas disponíveis. Aliás, parece que nunca houve.

Há 10 anos já era assim. Entre janeiro e junho de 2010, havia no país uma população carcerária de 494.237 pessoas para as 299.587 vagas existentes (DEPEN, 2010b). Excedente de 194.650 presos. Importante frisar que, ao longo dos anos, o número de vagas aumentou. Depois de uma década, foram criadas novas 211.818 vagas no sistema penitenciário. Número superior ao excedente computado em 2010.

Conclui-se, portanto, que o surgimento de novas vagas não elimina o problema da superlotação carcerária.

Em Alagoas, o problema se repete: entre janeiro e junho de 2010, a população carcerária alagoana era de 2.156 pessoas presas em 1.452 vagas (DEPEN, 2010a). Excedente de 704 presos. No mesmo intervalo entre 2010 e 2020, vê-se o número de encarcerados quase quintuplicar. Sobe para 10.055 pessoas para 4.920 vagas (DEPEN, 2020a). É o assustador número de 5.135 excedentes. Mais de 2 presos por vaga.

Como antevisto, estamos falando do estado brasileiro com o pior Índice de Desenvolvimento Humano do país, cujo rendimento nominal mensal domiciliar per capita é de R$ 731,00 (o segundo pior do Brasil, atrás somente do Maranhão), segundo dados do IBGE. Ainda no primeiro semestre de 2020, cerca de 197 mil alagoanos estavam desempregados, de acordo com a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (IBGE, 2020).

Como já exposto, a delinquência e a falta de oportunidades geradas pelo modelo neoliberal estão de certo modo correlacionadas. A parcela da população sem emprego, ou sem renda de uma maneira geral, tende a entrar em conflito com a lei (RUSCHE; KIRCHHEIMER, 2004, p. 58). Daí que se vê a prisão como solução crescer num ritmo lancinante. Perceba-se, por exemplo, que o número de pessoas presas em Alagoas pela prática de crimes contra o patrimônio (2.961) supera o de pessoas presas por crimes contra a pessoa (2.798).

Paradoxalmente, o mesmo Estado que encarcera massivamente, aponta a superlotação como um dos maiores gargalos do Sistema Carcerário (?). Ora, a análise dos números acima demonstra uma relação diretamente proporcional da superlotação do sistema com o encarceramento massivo da população. Outra constatação que se faz, tão somente ao apreciar os dados, é que ampliar o sistema, até aqui, em nada contribuiu para a diminuição do número de encarcerados. Muito contrariamente.

Entendemos que esse enrijecimento do Estado Penal, o alto número de encarcerados e a busca por manutenção do modelo neoliberal não são coincidência. Apesar dos debates acerca do tema buscarem encontrar causas outras para o superencarceramento, estamos convencidos que quaisquer gênesis estão intimamente ligadas à forma de produção e acumulação de riquezas, o que passa pela necessidade de criminalizar mais, escolher alvos e incutir o sentimento de medo e punitivismo na sociedade.

Como resultado, o encarceramento massivo de pessoas deixa as cadeias superlotadas, onde seres humanos são confinados em condições degradantes, humilhantes, animalescas, como veremos mais à frente. Não há como acomodar decentemente o dobro da capacidade de pessoas numa cela de 6 m², espaço que, conforme a Lei de Execução Penal, deveria comportar apenas uma pessoa:

Art. 88. O condenado será alojado em cela individual que conterá dormitório, aparelho sanitário e lavatório.

Parágrafo único. São requisitos básicos da unidade celular:

a) salubridade do ambiente pela concorrência dos fatores de aeração, insolação e condicionamento térmico adequado à existência humana;

b) área mínima de 6,00 m² (seis metros quadrados). (BRASIL, 1984)

Em 2014, a Coordenação Nacional de Acompanhamento do Sistema Carcerário (COASC), criada pela Ordem dos Advogados do Brasil, realizou uma série de visitas a presídios de todo o Brasil. Em Alagoas, por exemplo, as visitas técnicas, no que diz respeito ao tema da lotação do Sistema Carcerário alagoano, foram responsáveis por um relatório que destacou que na unidade prisional Santa Luzia, destinada às mulheres presas, a ocupação era de mais do que o dobro da capacidade: “a unidade tem capacidade para abrigar 74 presas, sendo que atualmente abriga 181, destas, 142 por força de medida cautelar de privação da liberdade” (FRANÇA JÚNIOR, 2018, p. 112). Por essa razão, as mulheres eram separadas de acordo com a adequação delas ao módulo, para minimizar a possibilidade de tensão.

Ainda segundo o relatório das vistorias (FRANÇA JÚNIOR, 2018, p. 114), a superlotação se repete ainda no “Cadeião”, o Centro de Custódia, unidade que, na ocasião da visita técnica, oferecia 240 vagas, mas abrigava 477 presos em celas insalubres. Situação que levou ao fechamento da sala de aula e à inutilização da quadra de esportes da unidade. Já na unidade prisional destinada aos presos provisórios, o Presídio Cyridião Durval, havia 671 presos para 390 vagas em “celas em estado precário, com presos amontoados, demandando pronta intervenção”.

AS CAUSAS DO ENCARCERAMENTO EM MASSA

Desde que a prisão se tornou a punição por excelência, o número de penitenciárias e de presos cresce progressivamente em todo o mundo. Pavarini (2010, p. 300-302), numa análise sobre o cárcere na atualidade, aponta que, entre o final do Século XX e o início do Século XXI, o número de encarceramentos cresceu 45% entre os países desenvolvidos; nos seis países mais populosos das Américas, esse percentual ficou acima dos 80%; e na Ásia, acima dos 100%.

O autor observa que mesmo em contextos políticos, sociais, culturais, econômicos, históricos e geográficos tão diferentes entre as nações, as taxas de encarceramento subiram praticamente em todo o planeta, o que torna difícil explicar a tendência mundial desse crescimento: “difícil indicar um modelo explicativo do próprio fenômeno capaz de ser válido para contextos tão diversos entre si” (PAVARINI 2010, p. 300-302).

Em seu trabalho, Pavarini (2010) rechaça que as principais razões apresentadas como possíveis causas do aumento dessas taxas sejam tratadas isoladamente: a) o aumento da criminalidade; b) legislações penais mais repressivas; c) maior severidade das agências envolvidas no processo de criminalização secundária; e d) maior repressão traduzida em uma demanda de maior severidade de respostas do sistema penal.

De fato, observar o aumento do encarceramento sob apenas um aspecto leva a um grave defeito de conclusão. Compreendemos que todas as causas juntas formam um modelo mais robusto capaz de apontar as razões do superencarceramento.

Dentro desse aspecto multicausal, não é possível desconsiderar certas políticas criminais inseridas no movimento de lei e ordem e tolerância zero como causas do aumento no número de aprisionamentos:

A espetacular promoção de questões classificadas na rubrica da “lei e da ordem” na panóplia de preocupações públicas, particularmente quando essas difusas preocupações se refletem nas interpretações doutas e autorizadas dos males sociais e nos programas políticos que prometem curá-los. (BAUMAN, 1999, p. 123).

Porém, não podemos olvidar que nenhuma dessas causas nasce de modo abiogênico. Há uma razão para elas. Quer dizer, há um motivo para haver legislações penais mais repressivas, para o aumento da criminalidade, para impor maior severidade das agências e, por fim, mas não menos importante, para maior anseio da sociedade por punição.

Filiamo-nos ao entendimento de que essas razões têm uma mesma gênese nos dias atuais: o modelo neoliberal. Simplesmente porque as escolhas econômicas desse modelo são inconciliáveis com práticas de inclusão social, e aos excluídos resta a dureza do Estado Penal.

O novo modelo de desenvolvimento socioeconômico na produção de crescentes exércitos industriais de reserva não está “naturalmente” aberto apenas à opção de sua posterior exclusão [...], mas, antes, é o governo político, hoje dominante, dessa transformação que impõe como ideologicamente preferível excluir do que incluir. (PAVARINI, 2010, p. 308).

Se, de um lado, o Estado neoliberal aumenta o fosso entre as classes sociais com o favorecimento do acúmulo de capital em poucas mãos, estimula o desemprego e, por tabela, as práticas delitivas; do outro, esse mesmo Estado criminaliza mais condutas:

O que sugere a acentuada aceleração da punição através do encarceramento, em outras palavras, é que há novos e amplos setores da população visados por uma razão ou outra como uma ameaça à ordem social e que sua expulsão forçada do intercâmbio social através da prisão é vista como um método eficiente de neutralizar a ameaça ou acalmar a ansiedade pública provocada por essa ameaça. (BAUMAN, 1999, p. 122).

Nesse sentido, compreende-se que a sanha punitivista não se restringe ao Estado. A sociedade comunga desse ideário, seja pelo medo provocado velada e deliberadamente, pelos detentores do poder, seja pela real crença na efetividade do modelo.

Na modernidade recente, a exclusão social gera uma insegurança coletiva, que termina projetando-se sobre os grupos sociais marginalizados e estigmatizados. O temor faz com que se desejem que sejam controlados punitivamente. Desenvolve-se, dessa maneira, um sentimento coletivo de punitividade, verdadeiro câmbio de mentalidade social, que popularizou a ideia de que seria necessário o aumento desmesurado no rigor punitivo, para com os criminosos. (SANTOS, 2018, p. 178, grifo nosso).

Tal postura leva ao que Santos (2015, p. 77) chama de eficientismo: uma busca “irracional” por reação estatal mais eficaz, utilizando o punitivismo penal como primeira medida, e por vezes única, a ser tomada para pôr um freio às ações criminosas. Mesmo que o preço a se pagar seja demasiado alto, como a lesão irreparável aos princípios penais constitucionais.

Esse eficientismo é uma resposta ao medo, à ansiedade pública provocada pela insegurança coletiva.

O efeito geral é a autopropulsão do medo. A preocupação com a segurança pessoal, inflada e sobrecarregada de sentidos para além de sua capacidade em função dos tributários de insegurança e incerteza psicológica, eleva-se ainda acima de todos os outros medos articulados, lançando sombra ainda mais acentuada sobre todas as outras razões de ansiedade. (BAUMAN, 1999, p. 124).

Bauman fala sobre como os veículos de comunicação perceberam que o crime e o combate a ele produzem “um excelente e excitante espetáculo”. A mídia corrobora ainda com a criação e a perpetuação de estereótipos delinquentes dos quais a sociedade entende que precisa se ver livre.

A criminologia midiática cria a realidade de um mundo de pessoas descentes, diante de uma massa de criminosos, identificada através de estereótipos, que configuram um eles separado do resto da sociedade, por ser um conjunto de diferentes e maus, os eles da criminologia midiática incomodam, impedem que se durma com portas e janelas abertas, perturbam as férias, ameaçam as crianças, sujam por todos os lados e, por isso, devem ser separados da sociedade, para deixar-nos viver tranquilos, sem medos, para resolver todos nossos problemas. Para isso é necessário que a polícia nos proteja de seus assédios perversos, sem nenhum obstáculo nem limite, porque nós somos limpos, puros, imaculados. (ZAFFARONI, 2013, p. 197).

Na lógica de Zaffaroni (2013, p. 200), se eles são os maus e nós somos os limpos, os bons, é necessário criar um discurso que comporte com naturalidade um processo de higiene social, como chama o autor, que diz ainda ser o sistema penal uma espécie de “cloaca” usada para evacuar os excrementos da sociedade: eles. “Nossa função seria a de limpador de fezes e o código penal um regulamento para condutos de despejos cloacais”.

E mais. Se, como já dito, o endurecimento do Estado Penal fez do cárcere a punição por excelência, podemos afirmar, utilizando-se da metáfora zaffaroniana, que a prisão é a fossa do sistema. É para lá onde eles, os dejetos, devem ser levados, para a manutenção de uma sociedade limpa.

Analisando Wacquant, Batista (2010, p. 30) resume dizendo que o Estado de bem-estar social foi desconstruído pelos governantes neoliberalistas, que levaram o subproletariado urbano à marginalização, no intuito de “priorizar a administração penal dos rejeitos humanos”. Na mesma linha, Davis (2020, p. 17): “a prisão se tornou um buraco negro no qual são depositados os detritos do capitalismo contemporâneo”.

O ENCARCERAMENTO PARA LIMPAR OS REJEITOS HUMANOS DO CAPITALISMO: BANDIDO BOM É BANDIDO QUE NINGUÉM VÊ – UMA CEGUEIRA COLETIVA

Zaffaroni choca ao dizer que o sistema penal é o meio pelo qual são evacuados os excrementos da sociedade, objetivamente, as fezes sociais. Resta-nos compreender o que nos choca mais: se a sincera e contundente análise do Mestre ou a realidade excludente e cruel imposta pelo modelo neoliberal impulsionada pelo capitalismo. Ousaríamos dizer que nada é mais impactante do que a compreensão de que o Estado age deliberadamente para excluir, sob o falacioso pretexto de (re)inserir.

Zaffaroni chama de fezes; Batista, de rejeitos; Davis, de detritos. O fato é que a lógica é a mesma: segregar. A face mais cruel dessa constatação é a de que se segrega porque, no Brasil, por força constitucional, não há pena capital. Não por falta de apoio popular.

Em 2016, o Instituto Datafolha, a pedido do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, realizou pesquisa sobre a afirmação “bandido bom é bandido morto”. O resultado foi que 52% dos entrevistados defendem a afirmação. O percentual sobe para 62% de concordância em municípios com menos de 50 mil habitantes.

A pesquisa reflete o sentimento de medo e eficientismo, aos quais nos referimos anteriormente, elevados ao extremo. Claro, em parte, inflados pelo discurso de ódio que tomou o debate sociopolítico, mas também, entendemos, por uma parcela do que compõe a essência da sociedade. E “o medo cega [...] o medo nos cegou, o medo nos fará continuar cegos” (SARAMAGO, 1995, p. 74).

Como resta claro que a compreensão em torno desse anseio punitivista da sociedade não cabe numa rasa análise numérica, buscamos nos segurar, inclusive, na literatura. Em Ensaio sobre a cegueira, o sábio lusitano Saramago mergulha na essência humana, o que nos parece caber muito bem neste trabalho, que também traz inquietações sobre a razão de ser humana diante do anseio coletivo por uma segregação social daqueles que, de algum modo, subvertem (ou parecem subverter) a “ordem”.

Enquanto na obra literária são os cegos os isolados, colocados em quarentena em um manicômio abandonado; a sociedade real é aquela que não quer ver, e, por essa razão, retira do alcance da visão (e do convívio) aqueles que são os rejeitos da humanidade: “é desta massa que nós somos feitos. Metade de indiferença e metade de ruindade” (SARAMAGO, 1995, p. 19).

Nesse aspecto, compreendemos que a concordância de metade dos brasileiros com a afirmação de que “bandido bom é bandido morto” é reflexo dessa massa indiferente e ruim que é a sociedade, em particular, a brasileira. Mais ainda, não nos parece que essa sociedade capitalista e medrosa esteja de fato interessada sobre o futuro do “bandido”. Morto ou vivo, o corpo social deseja que o delinquente desapareça, sob o argumento da segurança.

Talvez, por essa razão, os presídios sejam construídos distantes dos centros urbanos, longe dos olhos e ouvidos do povo: “art. 90 da Lei de Execução Penal (Lei 7.210/1984) – a penitenciária de homens será construída, em local afastado do centro urbano”. Para além do afastamento físico, a sociedade cobra a criação de novos tipos penais e sanções mais duras. Quer dizer, quanto mais distante e por mais tempo estiver o delinquente segregado, melhor.

Essa “cegueira coletiva”, pensamos, não passa de uma maquiagem mal feita numa sociedade que prefere não ver os porquês da delinquência, muito em razão de também contribuir para ela, na medida em que aceita e estimula o modelo socioeconômico, mesmo sabendo que as diferenças entre classes são um dos principais gatilhos da criminalidade de rua: “se queres ser cego, sê-lo-ás” (SARAMAGO, 1995, p. 73).

Mas aí, onde dorme o caráter humanitário que deveria embeber o corpo social? Para onde vai a condição humana que costumamos confundir com bondade e empatia? Ou será que erramos quando usamos a expressão “humanidade” como sinônimo de gestos solidários? Teríamos nós confundido o verdadeiro teor do que é ser “humano”? A cegueira coletiva deliberada e cruel diz mais sobre a sociedade do que certos conceitos ultrapassados e antiquados. Ora, escolher não ver para não saber é a melhor estratégia para os que buscam se abster. No dizer de Saramago (1995, p. 142): “pode ser que a humanidade venha a conseguir viver sem olhos, mas então deixará de ser humanidade”.

Nessa toada, para retirar do alcance dos olhos da sociedade os dejetos humanos, entra o Sistema Criminal e o Direito Penal, na construção de um inimigo que precisa desaparecer:

O novo caramelo que se oferece nas campanhas eleitorais é um veneno que pode matar, mas que é aceito por uma população presa do pânico porque é apresentado como um remédio para aniquilar monstros de um zoológico no qual se incluem, principalmente, terroristas, narcotraficantes ou violadores de mulheres e meninos, e, por isso, o populismo punitivo se caracteriza pelo oferecimento de penas altas pela mudança da utopia ressocializadora pela inocuização da maldade através de penas degradantes [...]. E como se trata de ganhar consensos e votos, esse populismo tem como destinatário principal as massas e maiorias apresentadas como potenciais vítimas. (MARTÍNEZ, 2010, p. 313, grifo nosso).

A consequência dessa “cegueira coletiva” é o Estado Penal mais fortalecido, com mais criminalização por meio de mais legislação criminal, menor tolerância na repressão à delinquência e, claro, maior encarceramento. Isso porque essa cegueira não desperta um desejo social por prevenção (por meio de políticas públicas de médio e longo prazos). O intuito é reprimir imediatamente por meio do cárcere, mesmo que nem condenados tenham sido ainda.

Em Alagoas, segundo dados do Depen apurados no primeiro semestre de 2020, 3.774 pessoas estavam presas sem condenação. Quer dizer, 76% das 4.920 vagas disponíveis no Sistema Penitenciário alagoano estão ocupadas por presos provisórios.

Querem pena de morte, querem penas altas, e, realmente, querem isso porque não sabem o que se passa dentro do sistema carcerário. Então, para os donos do poder, é importante que ninguém saiba para continuar toda essa tragédia com o apoio social, com o apoio das pessoas. (DES. ANTÔNIO CARLOS MALHEIROS In: ENCARCERAMENTO..., 2017).

Esse clamor social pelo encarceramento a qualquer preço é a arma da qual se utilizam aqueles que deveriam prezar pela efetividade dos valores democráticos, tais como razoabilidade, igualdade e proporcionalidade, mas são silentes e inertes no desenvolvimento de políticas públicas de combate e controle efetivo da criminalidade. É a resposta mais fácil, rápida e falaciosamente eficaz ao clamor da sociedade. É, portanto, aquela mais propensa a angariar votos.

AS CONSEQUÊNCIAS DO SUPERENCARCERAMENTO – FALTA AR NAS PRISÕES SUPERLOTADAS DO BRASIL

Não basta observar que o encarceramento massivo tem causas claras que brotam de uma mesma gênese: o modelo neoliberal. É necessário trazer à baila os desdobramentos dessa política criminal que mais fantasia uma realidade de combate ao crime e de maior segurança do que efetivamente uma batalha contra a criminalidade em si. Sim, porque o crime é pontual, específico, e se resolve (ou deve se resolver) no curso do devido processo penal. Já a criminalidade, de forma ampla e global, demanda uma série de políticas públicas que envolvem diversos segmentos da sociedade, cujo objetivo deve ser evitar a delinquência (antes mesmo do processo penal).

Enquanto essas políticas (reais) de combate à criminalidade não são eficientemente implementadas, resolve-se a questão encarcerando. A lógica é a mesma trazida alhures: se o neoliberalismo é uma máquina de fazer desempregados e de aumentar a distância entre as classes sociais, se isso cria uma tendência maior à criminalidade de rua, se a sociedade não quer no seu seio o delinquente, se isso se resolve encarcerando-o num lugar feio e distante, o que resta é uma massa de “inimigos” encarcerados.

Trouxemos neste artigo números que mostram o quantum de pessoas privadas de liberdade no Brasil e em Alagoas. E como essa realidade se torna ainda mais cruel quando se sabe que as vagas disponíveis no sistema penitenciário não comportam o número de aprisionamentos. O sistema está superlotado, é um fato matemático!

Da mesma forma que este fato é multicausal, apesar da mesma gênese (o modelo neoliberal), enxergamos também uma pluralidade de consequências de toda ordem e que se apresentam em distintos momentos.

Primeiro, há os efeitos mais imediatos, aqueles sentidos pelo encarcerado quando fechadas as trancas das celas. É o cotidiano, a rotina, a falta de ar, de lugar para dormir e para realizar as necessidades básicas de higiene. O despertar de um processo de animalização pela perda da dignidade do (até então) ser humano preso. Como resultado desse processo tem-se o conflito. É o alerta que faz o Defensor-Geral do Estado do Amazonas, Rafael Barbosa:

Você se vê ali como uma coisa, às vezes até transformado num bicho. Isso, obviamente, te tira o padrão de moralidade. Então, o preso faz coisas que uma pessoa que está aqui fora acha repugnante, mas para quem vive a situação dele, quem come a comida estragada, quem tem que ter rodízio para dormir, os padrões passam a ser outros. E aí, a situação de barbárie que nós verificamos quando acontecem os massacres ela se justifica por esses motivos. (A SUPERLOTAÇÃO..., 2019, grifos nossos).

Não há como supor uma convivência amistosa entre pessoas que estão amontoadas umas sobre as outras. O conflito é consequência natural do processo de encarceramento massivo: “a superlotação chega a ponto de nos colocar, enquanto presos, em condições que a mente humana pensa que não vai dar conta de suportar. Eu vivi, por exemplo, situações em que nós tínhamos de 16 a 20 m², onde nós tínhamos 100 pessoas” (JOÃO LUÍS SILVA In: A SUPERLOTAÇÃO..., 2019).

“Eu, por exemplo, dormia no chão, o que a gente chama de praia dormia em um colchão eu dividia o colchão. A gente dormia de valete, eu e mais uma menina. Você sabe o que é valete? Valete é quando uma cabeça está em cima, e uma cabeça está embaixo”. Essa é a descrição da ex-detenta e Assiste Social Karine Vieira (In: ENCARCERAMENTO EM..., 2017). A já humilhante condição narrada por Vieira, nem parece tão aviltante quando se conhece a situação em que presos precisam dormir em pé: “porque não tinha jeito, ou então pendurado na grade. No momento de dormir, você revezava, um ficava em pé e o outro deitava” (CHRISTIANO SILVA In: A SUPERLOTAÇÃO..., 2019).

Total realidade afronta fatalmente o texto constitucional pátrio dos incisos III e XLIX do art. 5º: “ninguém será submetido a tortura nem a tratamento desumano ou degradante” e “é assegurado aos presos o respeito à integridade física e moral”, respectivamente. A CF proíbe ainda, no inciso XLVII, alínea “.”, penas cruéis. Ora, cumprir uma pena (ou aguardar julgamento) no atual Sistema Carcerário brasileiro é, salvo raras exceções, experimentar a materialização da degradação humana, de acordo com os relatos e os registros aqui trazidos. Não nos intimidamos em classificar a pena privativa de liberdade no Brasil de cruel, torturante, desumana e degradante. Como não?

Mais: a Lei de Execução Penal é categórica em seu art. 3º: que todos os direitos não atingidos pela sentença são assegurados aos condenados. Quer dizer, numa sentença que determina pena privativa de liberdade é tão somente da liberdade que deve ser o condenado privado.

Como exposto, não é bem assim que o Sistema Carcerário funciona. E quanto maior o número de encarcerados, mais a própria estrutura do sistema fica comprometida. O Relatório de Visitas Técnicas ao Sistema Carcerário Alagoano (FRANÇA JÚNIOR, 2018, p. 109-127), do qual já extraímos importantes dados apresentados anteriormente, aponta algumas das consequências da superlotação, como o fechamento de salas de aula e a inutilização de espaços destinados ao lazer. Contribuindo para a ociosidade de quem ali está preso.

A animalização do preso, imposta pela relativização da dignidade da pessoa humana, gera uma maior chance de reincidência. A sociedade não aceita o delinquente e o egresso não se reinsere, não se encaixa mais no corpo social que o expurgou tangendo-o para o cárcere superlotado. “Trancar alguém numa cela sem qualquer tipo de assistência ao sentenciado e à própria família é ignorar por completo que essa pessoa um dia retornará ao convívio social, mas de uma forma muito pior que quando ela ingressou no cárcere” (ANTÔNIO CARLOS DA PONTE In: ENCARCERAMENTO..., 2017).

Resume o ex-detento Sidney Salles:

Estás livre, abre-se-lhe a porta que o separava do mundo. Vai, estás livre, tornamos a dizer-lhe, e ele não vai, ficou ali parado no meio da rua”, escreve Saramago (1995, p. 121); algo que parece tão convenientemente adequado ao que se expõe aqui. Esse é o sentimento de quem sai do cárcere. Voltar para o meio que o expulsou se apresenta assustador, o que, muitas vezes, lança-o mais uma vez nos acolhedores braços da criminalidade: “como a sociedade não me quis, eu também não quis a sociedade [...]. Já me deram moto, carro, revólver, dinheiro. Aí, eu volto para o crime de novo, cara! [...] Sou preso de novo. (ENCARCERAMENTO..., 2017).

Em que pese usarmos a esta altura do artigo a expressão “animalização”, há de serem recordadas as notas introdutórias com as quais abrimos esta leitura. Se aos seres humanos encarcerados no Brasil fosse dado tratamento similar àquele dos bois produzidos em confinamento, para os quais recomenda-se cuidado quanto ao espaço mínimo por cabeça, para manutenção do bem-estar dos bichos, muito provavelmente, os encarcerados brasileiros não estariam diante de tantas afrontas a direitos e garantias fundamentais.

REMÉDIO PARA O SUPERENCARCERAMENTO – NÃO MAIS VAGAS

Já dissemos anteriormente, com base na análise dos dados da última década, que a criação de novas vagas não resolve o problema da superlotação carcerária. Em Alagoas, o Sistema Penitenciário mais do que triplicou. Subiu de 1.452 vagas para 4.920, em 10 anos. Já a população carcerária cresceu quase 5 vezes no mesmo período, saltando de 2.156 para 10.055 no mesmo período. A impressão é a de que tantas quantas forem as vagas criadas elas serão prontamente preenchidas. É como se a vaga chamasse a pessoa presa.

Quer dizer, o problema não está na oferta de vagas, mas no índice de encarceramentos. É preciso prender menos. Fazer do Direito Penal verdadeiramente a ultima ratio.

Davis (2020, p. 12) questiona a eficácia das prisões e as considera obsoletas. A autora lança na sua obra diversas proposições de estratégias abolicionistas do sistema, tais como: a descriminalização do uso de drogas e a ampliação da defesa dos direitos dos imigrantes. Concordamos com a ideia de que o cárcere precisa deixar de ser a única (ou principal) alternativa punitiva.

Em que pese este artigo não ter como escopo a propositura de alternativas ao cárcere, não podemos nos furtar de elencar algumas das já lançadas na literatura penal, como as apontadas por Davis. Complementamos com algumas ideias de Baldez (2010, p. 337), como a revisão da legislação criminal, com a adoção de atipicidade material e ampliação de requisitos e pressupostos para adoção de penas alternativas. Reforçando o que Karam (2010, p. 341) chama de “meio paralelo de expansão do poder punitivo”.

Prado e Casara (2010) vão além das propostas de reforma legislativa:

Trata-se de uma questão hermenêutica. [...] Não raro, porém, o juiz/intérprete esvazia o conteúdo libertador do dispositivo legal desencarcerador ao apresentar respostas estatais que prestigiam o cárcere em detrimento de alternativas menos danosas à dignidade humana. (PRADO; CASARA, 2010, p. 354).

Assim, entendemos que as práticas desencarceradoras somente se efetivarão quando houver muito mais do que alterações legais, implementação de penas alternativas, ou algo que o valha. A compreensão do Direito Penal como ultima ratio é o pote de ouro no final do arco-íris. É necessário que, assim como hoje há um sentimento pró-cárcere, faça-se brotar um sentimento geral pró-liberdade. Deixar para o cárcere o que é do cárcere.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O cárcere não nasceu como pena em si. Mas quando assumiu tal condição, o fez com a força de quem chegou sem pretensões diminutas.

Desde que se tornou a punição por excelência, a prisão cresce em números exponenciais. Tanto em números de estabelecimentos, quanto em taxas de encarceramento.

Essa consolidação da prisão toma corpo com o modelo capitalista, na medida em que este segrega, nutrindo como sua clientela preferida no funcionamento do sistema de controle e de punição, pessoas de classes menos abastadas. Não há como refutar essa característica.

Conquanto, embora não se recomende estabelecer definitivamente uma pronta relação de causalidade entre uma coisa (desemprego) e outra (delinquência) no estudo da criminalidade, mesmo porque será possível identificar delitos patrimoniais também entre os integrantes das classes mais abastadas, como no caso dos crimes do colarinho branco (corrupção e prevaricação entre eles), a existência de uma certa correlação é inegável, sobretudo porque a falta de oportunidades no mercado de trabalho gera tensões que muitas vezes servem para acionar o exercício do poder punitivo estatal.

Neste aspecto, entendemos ter alcançado o objetivo do presente artigo, na medida em que nos dispomos a demonstrar como a forma de produção de riqueza interfere no modo como se encara o cárcere. Em que pese as limitações metodológicas impostas pelo cenário pandêmico, cujas dificuldades incluíram a captura e a coleta de dados junto aos órgãos de Segurança Pública.

As mudanças pelas quais passou o sistema punitivo ao longo dos séculos e em diferentes nações não necessariamente refletem uma guinada impulsionada pelo caráter humanitário dos governos. Muito se vê da influência direta dos mercados e modelos socioeconômicos na necessidade de reformulação dos meios de punição.

De fato, o sistema econômico muda, o sistema penal muda com ele. Sob essa ótica, é possível observar que os Estados passaram a compreender que é preciso reprimir, punir, rechaçar crimes contra o patrimônio com a prisão. Mesmo aqueles praticados sem violência ou grave ameaça, como o furto.

Os governos alimentam ainda o sentimento da sociedade por uma espécie de higienização social: tirar do alcance dos olhos os delinquentes que “macularam” a lei e a ordem. Para estes, resta o cárcere.

É preciso que os delinquentes sejam recolhidos em um lugar tão sujo quanto eles, distante (muitas vezes, de difícil acesso), como uma fossa construída debaixo da terra, nos fundos da casa, para comportar os dejetos que ninguém quer ver. Tudo o que não presta vai para este lugar construído especialmente para suportar os desviantes. O problema é que os desviantes são muitos. Assim afirmam os detentores do poder.

A consequência dessa busca desenfreada por punição é o encarceramento massivo que acaba com a superlotação do Sistema Penitenciário. E de nada serve a construção de mais prisões. Alagoas mais do que triplicou o número de vagas nos últimos dez anos e a ocupação do sistema continua (muito) acima da capacidade.

No cárcere superlotado, o resultado não pode ser outro: uma redução da condição humana vivida por pessoas que sequer conseguem deitar para dormir, vivem como bicho e como bicho são devolvidas para a sociedade da qual foram expulsas e para a qual não as aceitam de volta. Continua o desemprego, volta intensamente o cárcere.

É preciso repensar a função da prisão. Diversas ideias são debatidas em todo o mundo sobre os prejuízos humanos, sociais e políticos das prisões. Mas entendemos que nenhuma medida se tornará efetiva enquanto o sentimento punitivista e vingativo se mantiver aceso dentro do corpo social.

Prende-se muito no Brasil, em especial em Alagoas. Faz-se parecer que cada prisão é uma vitória da sociedade contra a criminalidade. Mas para além de uma ingenuidade cega e surda, observemos que quanto mais se prende, mais se tem a prender. Não há vitoriosos. Quanto mais se prende, mais a sociedade perde. Quanto mais se prende, mais se retrocede. Quanto mais se prende, mais se mostra o quanto já se andou para trás.

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Notas

[1] Importante frisar que esses dados servem como parâmetro, mas não absolutos, haja vista o alto fluxo de entradas e saídas diárias do Sistema.

Notas de autor

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Información adicional

Contribuições dos autores: Todos os autores contribuíram com a pesquisa apontando as referências necessárias e com o desenvolvimento do texto final.

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