Resumo: Os acelerados avanços tecnológicos e científicos, as rápidas transformações sociais, económicas, ambientais e, atualmente, as questões de saúde, apontam para a necessidade de a escola oferecer novas aprendizagens baseadas em competências que ainda são pouco desenvolvidas no sistema educativo. Aprender para o Bem-Estar é uma visão de escola onde todos os alunos podem realizar o seu potencial único, através do desenvolvimento cognitivo, físico e emocional. O presente artigo é realizado no âmbito do projeto de investigação «Promoção de Mudanças na Aprendizagem: Comunidades Escolares de Aprendizagem Gulbenkian XXI», e procurou conhecer as perceções dos professores sobre os impactos deste projeto que procurou criar ambientes de aprendizagem para o bem-estar. Foram realizados dois estudos, um primeiro pretendeu conhecer o estado que se encontrava Portugal ao nível da implementação de programas de aprendizagem socioemocional. No segundo estudo foram realizadas entrevista aos professores participantes. Os resultados permitem concluir que para criar dinâmicas inovadoras e promotoras de ambientes de aprendizagem para o bem-estar é necessário definir claramente os objetivos educacionais; valorizar o professor e a relação professor-aluno; investir na educação; criar comunidades de aprendizagem; fomentar a prática reflexiva; envolver os líderes escolares; reorganizar e flexibilizar a gestão do currículo; reformular a gramática escolar na base de equipas educativas; criar um ambiente de trabalho promotor de bem-estar físico e psicológico; estimular as competências socioemocionais e a criatividade; integrar tecnologia educativa e promover atividades que sejam motivadoras para os alunos.
Palavras-chave: aprender para o bem-estar, tecnologia educativa, competências socioemocionais e criativas, organização do processo ensino e aprendizagem, dinâmicas educativas.
Abstract: The accelerated technological and scientific advances, rapid social, economic, environmental changes and, currently, health issues, point to the need for the school to offer new competency-based learning that is still underdeveloped in the education system. Learning for Well-being is a vision of a school where all students can fulfil their unique potential through cognitive, physical and emotional development. This article is carried out within the scope of the research project «Promoting Change in Learning: Gulbenkian XXI School Learning Communities», and seems to answer the research problem: how can we create educational environments that promote learning for well-being? Two main studies were carried out, in the first phase a bibliometric study was carried out, which aimed to discover existing publications on the implementation of socio-emotional learning programs in Portuguese schools. The second study aimed to understand the impacts of project implementation in its various dimensions. In this sense, teachers participating in the project were consulted through choice and focus groups. The results indicate that to create innovative dynamics that promote learning environments for well-being it is necessary to define educational goals; valuing the teacher and the teacher-student relationship; create learning communities; foster reflective practice; involve school leaders; reorganize and make curriculum management more flexible; reformulate school grammar on the basis of educational teams; create a work environment that promotes physical and psychological well-being; stimulate socio-emotional skills and creativity; integrate educational technology; and promote activities that are motivating for students.
Keywords: learning for well-being, educational technology, socioemotional and creative skills, organization of the teaching and learning process, educational dynamics.
Artículos
Dinâmicas inovadoras e promotoras de ambientes de Aprendizagem para o Bem- Estar
Innovative and promoting dynamics of learning environments for Well-Being

Recepción: 15 Julio 2021
Revisado: 02 Marzo 2022
Aprobación: 02 Marzo 2022
Publicación: 29 Abril 2022
As exigências do mundo atual apontam para a necessidade de se desenvolverem processos de ensino inovadores que garantam novas aprendizagens baseadas em competências que, atualmente, os sistemas educativos não desenvolvem suficientemente ou desenvolvem ainda de forma pouco estruturada. Cristóvão (2021) refere ser urgente uma nova visão de escola que respeite o aluno e o seu potencial, que seja solidária e inclusiva e que seja promotora de bem-estar como elemento-chave no desenvolvimento sustentável das crianças e jovens. A autora refere ainda que é necessária uma escola onde se “combine o conhecimento das disciplinas, com competências tecnológicas, com competências sociais e emocionais, atitudes e valores humanos e que tenham sempre em vista a construção de um mundo melhor” (Cristóvão, 2021, p.23). O século XXI está a ser caraterizado por profundas alterações e, num contexto de incertezas as escolas precisam de se desenvolver e de se adaptarem à mudança, à capacidade de desenvolver mudanças educativas e inovar passa, em larga medida, pelo comprometimento do professor (Cardoso, 2014; Sebarroja, 2001; Fullan e Hargreaves, 1996, 2000; Thurler, 1994).
Foi para fazer face a estes desafios que, no ano letivo 2014/2015, foi implementado o projeto de investigação «Promoção de Mudanças na Aprendizagem - Comunidades Escolares de Aprendizagem Gulbenkian XXI» (PMA-CEAG XXI), em três agrupamentos de escolas do Alentejo. Com duração de quatro anos letivos, o projeto foi dirigido ao 3.º, 4.º, 5.º e 6.º ano de escolaridade, iniciando com coortes de alunos do 3.º ano de escolaridade. Estiveram envolvidos 151 alunos distribuídos por sete turmas, 7 professores titulares de turma do 1.º ciclo e cinco professores de apoio, e 22 professores de 2.º ciclo de diferentes áreas disciplinares.
O projeto foi baseado nos princípios da abordagem «Aprender para o Bem-Estar» que privilegia uma mudança de paradigmas, onde se passe dos currículos baseados em temas e conteúdos, concebidos fundamentalmente para o desenvolvimento cognitivo, para abordagens onde os sistemas de ensino apoiem as crianças e jovens a desenvolverem competências de que necessitem para viver vidas seguras, saudáveis e preenchidas, e para se envolverem na sociedade de forma significativa (Kickbush, 2012). Este paradigma centra-se no desenvolvimento holístico das crianças, no seu bem-estar e no florescimento como seres humanos, cultivando as suas qualidades e virtudes, integração e harmonia como principal objetivo educacional (Kickbush, 2012)
O projeto PMA-CEAG XXI procurou inscrever uma visão educacional fundada numa perspetiva educativa que encontra nos princípios da ação e as suas principais linhas inspiradoras no paradigma da «Aprendizagem para o Bem-Estar». Neste sentido foi desenhado o Modelo das Comunidades Escolares de Aprendizagem Gulbenkian XXI (Cristóvão, Verdasca & Candeias, 2019), que tem na sua base os princípios da abordagem da «Aprendizagem para o Bem-Estar».

Modelo de referência das Comunidades Escolares de Aprendizagem Gulbenkian XXI
Neste modelo de educação formal foram associadas estratégias à inter-relação entre o bem-estar e a aprendizagem. Esta conceção estimula a criação de ambientes de aprendizagem ricos em novas formas de explorar e desenvolver o currículo, proporcionando aos alunos e professores experiências enriquecedoras e que potenciam o seu desenvolvimento psicomotor, emocional, mental e espiritual em relação a eles próprios, aos outros e ao ambiente. As principais dimensões que operacionalizaram a Aprendizagem para o Bem-Estar neste projeto foram:
Abordagens curriculares abertas e enriquecidas: Uma conceção de currículo aberto e enriquecido, que integrou um conjunto de competências e aprendizagens, não se tratou propiamente de um novo currículo, mas sim, abordagens metodológicas diferenciadas desse currículo. Esta dinâmica encontra-se associada à conceção de que a aquisição de competências e aprendizagens ocorre em espaço aberto, dentro e fora da sala de aula, com outros atores e outros recursos educativos (Redecker, 2011; Fabian, 2013; Verdasca, Ramos & Candeias, 2013). Esta abordagem promoveu um processo de construção curricular colaborativo que permitiu e promoveu soluções de transversalidade e flexibilidade curricular, apoiadas em parcerias sustentáveis estabelecidas com instituições da região, particularmente com a Fundação Eugénio de Almeida e com o Centro de Ciência Viva de Estremoz.
Tecnologia como recurso de aprendizagem: vários estudos indicam que a introdução da tecnologia promove a criação de ambientes de aprendizagem promotores de novas práticas pedagógicas, pode promover a colaboração entre alunos e potenciar o seu envolvimento nos processos que ocorrem na sala de aula, e ser uma ferramenta importante no auxílio aos conteúdos curriculares, através da utilização de aplicações de apoio à aprendizagem e ensino (Rosen e Manny-Ikan, 2012; Moreira, 2012; Storz e Hoffman, 2013; Shapley, Sheehan, Maloney e Caranikas-Walker, 2011, Magalhães, 2020, Kim, Choi e Lee, 2019). No projeto PMA-CEAG XXI a Samsung Portugal proveu o apetrechamento de tablets para todos os alunos, no modo 1 para 1, e para os todos os professores participantes. As salas de aula foram equipadas com Smart Touch TV e no 2.º ciclo os alunos e professores tinham ao dispor um conjunto de materiais complementares (impressora 3D, óculos de realidade virtual, robôs Dash & Dot, Raspberry PI, Drones). Neste projeto o tablet não substituiu o livro, nem as fichas de trabalho ou outros materiais em suporte papel, o tablet foi considerado uma ferramenta de apoio ao processo de ensino e aprendizagem. A gestão do tablet em contexto de sala de aula esteve a cargo dos professores, ficando estes com a responsabilidade de determinar os momentos e o contexto da sua utilização. A solução Samsung SmartSchool foi muito importante para a aceitação do tablet por parte dos professores, esta solução permitiu-lhes que acompanhassem no seu tablet, em tempo real, o que cada aluno estava a fazer, podendo o professor projetar no ecrã da sala de aula o trabalho desse aluno ou de um grupo de alunos. Para além disso, o professor podia bloquear, interromper ou mesmo cessar a atividade de um só aluno, de vários ou de todos.
Criatividade e Competências Socioemocionais: A Aprendizagem Social e Emocional (SEL) constitui uma abordagem para promover o sucesso dos alunos na escola e na vida. Elias et. al. (1997) define a SEL como “a capacidade de compreender, gerir e expressar os aspetos sociais e emocionais da vida de cada um de forma a lidar adequadamente com as situações” (p.6). Baseados na filosofia SEL foram criados dois programas de desenvolvimento de competências socioemocionais e criativas no 1.º ciclo: Programa de Literacia Emocional - ELP e Programa de Desenvolvimento do Pensamento Criativo – FLOW. Nestes programas o mediador fundamental foi o professor, este introduziu as atividades, geriu as dinâmicas grupais, a organização das metodologias ativas no programa FLOW, e processos de identificação, compreensão, e autorregulação emocional no programa ELP. Estas intervenções foram estendidas a todos os conteúdos curriculares e as famílias também foram envolvidas. No 2.º ciclo a componente socioemocional foi trabalhada sobretudo a partir do desenvolvimento de projetos interdisciplinares. Foi privilegiada a aprendizagem por experienciação, que envolveu processos emocionais, cognitivos e metacognitivos, criativos e cinestésico-corporais.
O aspeto essencial neste projeto para levar a cabo os objetivos foi a formação e desenvolvimento profissional dos professores. No âmbito da componente socioemocional e criativa foi desenvolvido um plano de formação designado de «Mediadores para o Bem-Estar», cujos principais objetivos foram: capacitar os professores no desenvolvimento de atividades de mediação do desenvolvimento holístico dos alunos, o currículo aberto, a aprendizagem baseada em problemas e projetos; promover o desenvolvimento de competências socioemocionais através do trabalho colaborativo, do desenvolvimento de competências de comunicação, resolução de problemas e criatividade, bem como fornecer aos professores técnicas de relaxamento, promotoras de bem-estar para aplicarem com o seu grupo de alunos. Na componente da Tecnologia foram promovidas ações de formação em contexto nacional e internacional e disponibilizado apoio técnico in loco e a distância ao longo dos quatro anos letivos.
A questão de partida para a presente investigação foi: como podemos criar ambientes educativos que estimulem a aprendizagem para o bem-estar?
Para responder a esta questão, numa primeira fase, foi realizado um estudo bibliomético para conhecer o panorama português em termos de publicações sobre a implementação de programas de aprendizagem socioemocional em escolas portuguesas. Neste projeto foi assumido que um dos fatores primordiais para o bem-estar dos alunos e professores é a promoção das suas competências sociais e emocionais. Numa segunda fase, recorremos à auscultação de diversos professores que participaram no PMA-CEAG XXI, captando as suas perceções sobre a implementação deste projeto baseado no paradigma do Aprender para o Bem-Estar.
A Aprendizagem Socioemocional (SEL) pode ser definida como uma estratégia para estimular as competências sociais e emocionais dos alunos através do ensino explícito (Weissberg et al., 2015). O CASEL (Collaborative for Academic, Social and Emotional Learning) (2003) recomenda que os programas SEL tenham como prioridade cinco competências-chave: autoconsciência; autocontrolo; consciência social; competências relacionais; e tomada de decisão responsável. Na literatura encontramos um grande número de estudos correlacionais e longitudinais que indicam que o desenvolvimento de competências socioemocionais contribui para um melhor ajustamento psicossocial dos alunos, melhoria das atitudes e comportamentos e melhoria dos resultados escolares (Weissberg et al., 2015). Da revisão de literatura sobre programas SEL constatámos que a maioria das publicações eram originárias dos Estados Unidos e de Espanha. Neste sentido, procurámos responder à seguinte questão de investigação: Como se encontra o panorama português em termos de publicações sobre a implementação de programa SEL?
Procedimento
A abordagem metodológica utilizada foi a bibliometria, que Araújo (2006) define como uma “técnica quantitativa e estatística de medição dos indicies de produção e disseminação do conhecimento científico” (p.12). A recolha de dados foi realizada nos seguintes repositórios online: Repositório Científico de Acesso Aberto de Portugal (RCAAP), Online Knowledge Library (b-on) e Web of Science (WoS). Os critérios utilizados para a recolha de dados foram: documentos publicados até final de 2016; palavras-chave em inglês e português; programas SEL implementados em escolas portuguesas no ensino básico e secundário e alunos do ensino regular.
Na pesquisa inicial foram encontrados 2.436 documentos na RCAAP, 311 na B-on e 9 na WoS, um total de 2756 documentos. Pela análise dos documentos verificou-se que 556 estavam repetidos. A aplicação dos critérios de inclusão reduziu a lista para apenas 19 publicações, como pode ser observado na tabela 1.

Síntese dos resultados
Pela análise dos resultados verifica-se que as primeiras publicações surgem apenas em 2008 e é nos últimos anos alvo da análise que se concentram a maioria das publicações. Atualmente já existem mais publicações em Portugal, fruto de várias iniciativas para a implementação de programas SEL. A investigação mostrou que a maioria das publicações são teses de mestrado ou doutoramento, o que faz com que estes programas sejam implementados num curto espaço de tempo e, muitas vezes, percam continuidade. A maioria dos programas foram implementados na região de Lisboa, que pode ser explicado pelo facto de oito das publicações serem teses realizadas na Universidade de Lisboa. Os resultados mostram ainda que Vitor Coelho e colegas apresentam um total de seis publicações no âmbito do programa de aprendizagem socioemocional «Atitude Positiva». Este programa, ainda hoje em desenvolvimento, teve o seu início no ano letivo 2004/05 e, com base na intervenção no terreno, também desenvolve investigação, contribuindo assim para a produção de conhecimento científico e elaboração de várias publicações. Verifica-se ainda que metade dos estudos não fazem qualquer referência à relação entre o desenvolvimento dos programas e os resultados escolares, mesmo que a literatura indique que o desenvolvimento deste tipo de programas tem repercussões nos resultados escolares dos alunos (Berger et al., 2011; Extremera & Fernández-Berrocal, 2003; Stipek & Miles 2008).
O Estudo 2 apresenta as perceções de professores participantes no projeto PMA-CEAG XXI sobre a implementação das diferentes dimensões do projeto.
Participaram neste estudo sete professores titulares de turma do 1.º ciclo do Ensino Básico, e quatro professores de 2.º ciclo do agrupamento de escolas que se destacou no projeto pelos resultados obtidos.
Para a concretização dos objetivos, foram efetuadas entrevistas semiestruturadas aos professores titulares de turma de 1.º ciclo participantes no projeto. Para uniformizar as sete entrevistas e orientar o entrevistador foi contruído um guião de entrevista sobre a implementação do projeto nas suas várias dimensões e validado por três investigadores especialistas. Relativamente ao estudo o 2.º ciclo, foi realizado um focus grupo aos professores de umas das escolas participantes no projeto que se destacou das restantes no ano de transição de ciclo. As opções metodológicas tiveram em conta a natureza da problemática investigada. Podemos afirmar que nos movemos num paradigma de investigação construtivista que, na opinião de Vilelas (2017), “assenta na metodologia qualitativa cuja lógica segue um processo circular que parte de uma experiência e tenta interpretar o fenómeno no seu contexto” (p.158). Assim, em termos globais, foram utilizadas abordagens de natureza qualitativa, de pendor interpretativo, ainda que pontualmente se tenha recorrido a abordagens de natureza quantitativa de descrição estatística simples de dados.
A técnica de análise de conteúdo foi selecionada por se adequar ao tratamento de dados qualitativos e foi realizada com recurso ao software de análise qualitativa de dados WebQDA.
Na presente investigação tivemos como objetivo: (1) apurar o impacto da implementação da componente de desenvolvimento de competências socioemocionais e criativas; (2) conhecer o impacto da implementação da integração da componente tecnológica; (3) conhecer as perceções dos professores de 1.º ciclo sobre implementação de um projeto desta natureza; e (4) perceber que fatores potenciaram o sucesso do projeto quando ocorreu a transição de ciclo. Seguidamente são apresentados os resultados por cada objetivo.
Da análise de conteúdo resultaram quatro dimensões: «Impacto na prática didático-pedagógica», «Impacto nos professores», «Impacto nos alunos» e «Impacto na comunidade escolar». Das quatro dimensões emergiram vinte e seis subcategorias, que se encontram discriminadas na Tabela 1.

Distribuição global das Unidades de Registo (n=401) por categorias e subcategorias
Pela análise dos resultados foi percebido que a formação recebida e o desenvolvimento dos programas FLOW e ELP, tiveram, em geral, um impacto positivo nos professores, nos seus alunos e nas práticas de ensino e aprendizagem. Os professores revelaram que as suas expetativas foram superadas e que têm agora uma melhor compreensão e consciencialização da importância do desenvolvimento de competências socioemocionais e criativas em contexto escolar. Os professores reconhecem que o seu bem-estar e desenvolvimento pessoal saiu reforçado, assim como a necessidade de aprenderem a autorregular as suas emoções para salvaguardar o seu bem-estar emocional, mas também do bem-estar dos seus alunos. Surgiu também a perceção de que será benéfica a formação de todos os professores na área das competências socioemocionais para que, pela importância das mesmas, as possam desenvolver e implementar.
Os resultados também indicam que o desenvolvimento destas competências fortaleceu a relação professor-aluno, devido à melhor compreensão dos seus estados emocionais. Os professores manifestaram que trabalhar as competências socioemocionais e criativas possibilitou que os alunos desenvolvessem uma maior abertura para expressar as suas emoções, e que o fizessem de forma mais hábil, melhorando ainda o comportamento e a interajuda, contribuindo, assim, para o seu desenvolvimento pessoal. A realização de atividades diferenciadas, focadas nas competências socioemocionais e criativas, com objetivos claros e multidisciplinares, proporcionaram uma melhoria do clima de sala de aula, tendo várias dessas atividades decorrido também no exterior da sala de aula, e até no exterior da escola. A esta melhoria não foi alheio, na opinião dos professores, o tempo que disponibilizaram por semana para trabalhar especificamente estas competências. Os resultados encontrados estão em linha com os resultados da investigação e literatura existente sobre o tema, que tem evidenciado o efeito positivo do desenvolvimento de competências socioemocionais tanto nos professores como nos alunos (Durlak, J., Domitrovich, C., Weissberg, R., & Gullotta, T., 2015; Extremera & Fernández-Berrocal, 2004; Fernández-Berrocal, Alcaide, Extremera, & Pizarro, 2006; Payton et al., 2008).
Apenas duas subcategorias apontam aspetos menos conseguidos: o impacto residual nas dinâmicas da escola e a necessidade de maior acompanhamento por parte da Direção. Neste último aspeto convém referir que os três professores que o referem são da mesma escola, e que os professores das outras duas escolas não o referiram. Em relação ao impacto residual nas dinâmicas da escola, são os próprios professores a identificar o tipo de projeto como causa do mesmo, ou seja, ao se tratar de um projeto piloto, com carácter de investigação e financiamento para apenas sete turmas, não havia uma intenção direta de trabalhar com as restantes turmas e professores.
Da análise de conteúdo foram encontradas três categorias: «Impacto nos alunos», «Impacto nos professores» e «Impacto nas práticas didático-pedagógicas». Das três categorias emergiram vinte e oito subcategorias, que se encontram discriminadas na Tabela 2.

Distribuição global das Unidades de Registo (n=394) por categorias e subcategorias
Pela análise de conteúdo verificamos que todos os professores referem melhorias significativas no seu desenvolvimento profissional, associadas às competências adquiridas com a utilização de tecnologia educativa no processo de ensino e aprendizagem. Os professores referem que antes de participarem no projeto a utilização da tecnologia em contexto educativo se resumia à utilização do quadro interativo, apresentações em PowerPoint e, esporadicamente, à realização de pesquisas na Internet. Contudo, esta não era uma prática sistemática devido à existência de apenas um computador por sala. Reconhecem que, inicialmente, sentiram algumas dificuldades e receios na integração da tecnologia, mas que com o passar do tempo foram ganhando confiança e integrando a tecnologia nas práticas didático-pedagógicas, afirmando que a utilização do tablet passou a ocorrer de forma natural na sala de aula. Para tal, muito contribuiu a formação proporcionada pela equipa de investigação e pela Samsung Portugal, mas mesmo assim os professores admitem que foi pouca perante as necessidades sentidas.
Em relação ao impacto da tecnologia nas práticas didático-pedagógicas, os professores destacaram a possibilidade e facilidade que o tablet proporciona no acesso a conteúdos, recursos e informação, o que leva à diversificação de práticas pedagógicas e alterações na dinâmica da sala de aula. A utilização do tablet proporcionou novas formas de apresentar e elaborar os trabalhos dos alunos. Os professores destacaram também o impacto positivo da integração do tablet no apoio à avaliação e monitorização das aprendizagens dos alunos. A apropriação de aplicações, como o Kahoot e o Socrative, permitiu que os professores, de uma forma simples, construíssem testes e fichas para avaliação dos conhecimentos e competências. O feedback instantâneo dos resultados dos alunos, que estas aplicações proporcionam, foi um aspeto muito apreciado pelos professores, referindo que foi um ótimo recurso na rentabilização de tempo. O recurso ao tablet também contribuiu para a promoção do trabalho colaborativo, os professores referem que foi fundamental prepararem atividades em conjunto, também como forma de superar determinadas dificuldades que iam surgindo com a utilização de determinadas aplicações.
Os professores reconhecem que os alunos tiveram muitos ganhos com a introdução da tecnologia em sala de aula. O desenvolvimento de novas competências tecnológicas e digitais nos alunos foi um aspeto destacado pelos professores, que afirmaram que ficavam muitas vezes surpreendidos pela facilidade que os alunos tinham na utilização dos dispositivos. A disponibilização de tablets a todos os alunos, no modo de um-para-um (1:1), ou seja, cada aluno tinha o seu próprio tablet, foi um marco na vida das crianças até porque uma grande parte delas dificilmente teria outra forma de ter acesso a estes dispositivos se não fosse pelo projeto. Este modelo de utilização permitiu respeitar o ritmo de cada aluno, quer supervisionado quer de forma autónoma. Os professores destacaram o desenvolvimento do sentimento de pertença dos alunos em relação ao tablet, demonstrado através do cuidado que estes tinham com o dispositivo. Destacaram também o surgimento de lógicas de interajuda criadas entre os alunos e promovidas pela tecnologia, referindo que os alunos mais proficientes no domínio das tecnologias ajudavam os colegas com mais dificuldades de forma espontânea. Na opinião dos professores o uso da tecnologia potenciou a aquisição dos conteúdos e facilitou as aprendizagens, e em alguns casos consideram que foi decisivo para os alunos com mais dificuldades. Para além disso, os professores referem que a utilização regular do tablet em sala de aula contribuiu para a motivação dos alunos.
Estes resultados estão em linha com outras investigações que comprovam que o uso da tecnologia aumenta a motivação, leva a mudanças nas experiências de aprendizagem dos alunos, gerando oportunidades de aprendizagem cooperativa e maior frequência na colaboração entre grupos de alunos e entre professores e alunos (Mendez, Mendez e Anguita, 2018; Stošić, 2015; Moreira, 2012).
Da análise de conteúdo resultaram cinco categorias: «Impacto nos professores», «Impacto nos alunos», «Impacto nas práticas didático-pedagógicas», «Fatores facilitadores» e «Fatores de constrangimento». Das cinco categorias emergiram 31 subcategorias, que se encontram discriminadas na Tabela 3.

Distribuição global das Unidades de Registo (n=485) por categorias e subcategorias
Os resultados permitem perceber que os professores de 1.º ciclo apresentam elevados níveis de satisfação com a participação no projeto, havendo professores que referiram que foram os melhores anos das suas carreiras. Os professores referem que o projeto correspondeu às suas expetativas e que, em muitos casos, estas foram largamente superadas. O seu desenvolvimento pessoal e profissional saiu reforçado, e admitem que a experiência da participação no projeto promoveu a reflexão sobre o seu papel enquanto professores, tornando-os mais recetivos à mudança. As relações com os seus alunos saíram fortalecidas, fruto das várias vivências que o projeto promoveu. Também as relações entre os professores saíram fortalecidas, os professores admitem que construíram laços de amizade entre os colegas.
O projeto PMA-CEAG XXI teve um grande impacto nos alunos, sobretudo no desenvolvimento de um conjunto de competências que, segundo os seus professores sem o projeto provavelmente não seriam desenvolvidas. Apesar de todos os alunos terem transitado de ciclo, os professores fazem, tanto nesta como em outras entrevistas, pouca referência aos resultados escolares, talvez por os entenderem como a consequência lógica e inevitável de novas abordagens e metodologias de trabalho e dando mais destaque às competências adquiridas.
Na opinião dos professores o projeto promoveu o trabalho colaborativo, sendo este um aspeto muito valorizado por aqueles e admitindo ser um fator chave para os resultados obtidos. A implementação do projeto promoveu práticas pedagógicas diferenciadas e inovadoras, dentro e fora da escola, fruto dos recursos educativos disponibilizados e das parcerias estabelecidas com o Centro de Ciência Viva de Estremoz e com a Fundação Eugénio de Almeida. Os diferentes ambientes de aprendizagem promovidos pelo projeto foram geradores de momentos de aprendizagens muito diversificados e de bem-estar para alunos e para os próprios professores, contribuindo para uma melhoria do clima de sala de aula e do ambiente educativo.
Como aspetos facilitadores à implementação do projeto os professores referem o apoio da equipa de investigação, a formação proporcionada e a relação privilegiada com os encarregados de educação. Também referiram o suporte dado pela Direção dos agrupamentos e as parcerias estabelecidas, especialmente, com a Fundação Eugénio de Almeida e o Centro de Ciência Viva de Estremoz. Os fatores de constrangimento mais referidos à implementação do projeto foi a extensão do currículo e, por vezes, a dificuldade da sua gestão decorrente da falta de tempo a ele associada e a deficiente internet das escolas. Os professores apesar de considerarem que a formação oferecida foi crucial para os resultados obtidos, referem que, em determinadas áreas, sentiram necessidade de mais formação, tendo em conta que estavam a desenvolver trabalhos com os alunos em áreas completamente novas para os professores.
O projeto criou uma cultura colaborativa e cooperativa dentro e fora das escolas, onde foram envolvidos os alunos, professores, as famílias, a Universidade, a Fundação Eugénio de Almeida, o Centro de Ciência Viva de Estremoz e os municípios. A cultura colaborativa que este projeto proporcionou foi um dos grandes ganhos e como refere Sebarroja (2001) “é a única maneira de mudar a escola” (p.131).
A fase de recorte produziu 227 unidade de registo, que foram agrupadas num sistema de categorias e subcategorias. Foram encontradas duas categorias: «Impacto na organização do processo de ensino» e «Impacto nos professores». Das duas categorias emergiram catorze subcategorias, que se encontram discriminadas na Tabela 4.

Distribuição global das Unidades de Registo (n=227) por categorias e subcategorias
As opções tomadas pela Direção do Agrupamento de Escolas e a recetividade e envolvimento dos professores em dar continuidade ao projeto no 2.º ciclo, foram fatores fundamentais para os resultados obtidos. Os professores afirmaram que quando iniciaram o projeto as suas expetativas eram positivas, porque já tinham conhecimento do projeto no 1.º ciclo, através das reuniões com os professores de 1.º ciclo e dos meios de comunicação social. Contudo, mesmo assim, houve professores que referiram ter sentido algum receio fruto da utilização da tecnologia em contexto sala de aula.
Um dos professores participante no focus grupo destacou a insatisfação dos professores face ao estado em que se encontra a educação, admitindo que o projeto veio dar uma motivação extra, pela oportunidade de mudança que anunciava. Para além de uma nova visão de escola, o projeto disponibilizou a estes professores um conjunto de recursos que lhes oferecia, de certa forma, segurança e legitimidade para a mudança. No final do 5.º ano de escolaridade os professores referem ter ficado muito satisfeitos com a participação no projeto, esta satisfação encontra-se associada ao desenvolvimento profissional e pessoal que o projeto imprimiu nas vidas destes professores, ao tipo de trabalho realizado com os alunos e sobretudo às dinâmicas curriculares criadas requerendo no seu desenho e concretização recorrentes momentos de trabalho colaborativo entre os docentes.
Os professores destacam a promoção do trabalho colaborativo nos conselhos de turma como um dos grandes ganhos e mudanças que o projeto promoveu. A promoção do trabalho colaborativo entre os professores do conselho de turma encontra-se diretamente relacionada com as opções tomadas pela Direção deste agrupamento de escolas, em particular na aposta em um modelo de organização de Conselho de Turma alargado, ou seja, com a existência de um mesmo Diretor de Turma para as duas turmas do projeto e de um só Conselho de Turma (os mesmos professores para as duas turmas), adotando, assim, um modelo de organização inspirado no modelo organizacional por Equipas Educativas. Neste modelo, segundo Formosinho e Machado (2012), “o grupo de professores que, tendo a seu cargo um grupo discente alargado, trabalha de modo colaborativo, assegura conjuntamente a planificação e desenvolvimento curricular e o acompanhamento educativo regular das atividades dos alunos e monitoriza sistematicamente as aprendizagens” (p. 45).
As lógicas de colaboração e cooperação criadas nos Conselhos de Turma foram promotoras do desenvolvimento de projetos interdisciplinares que, na opinião dos professores foi um dos resultados que mais os orgulhou. Os projetos interdisciplinares começaram por surgir para dar resposta a uma das componentes do projeto, o desenvolvimento de competências socioemocionais e criativas. Neste sentido, foram criadas diferentes estratégias nas disciplinas participantes no projeto interdisciplinar, para abordar o tema sobre as emoções. O trabalho desenvolvido no âmbito das emoções foi para alguns professores uma novidade. Os resultados obtidos com este trabalho, levaram à tomada de consciência, por parte dos professores, sobre a importância do desenvolvimento das competências socioemocionais nos alunos em contexto sala de aula, como forma de melhorar os comportamentos, o clima de sala de aula e os resultados escolares. Outro aspeto que não foi alheio aos resultados obtidos, foi o uso da tecnologia como ferramenta de apoio ao processo de ensino e aprendizagem. Os professores consideraram uma mais-valia as possibilidades que os tablets em sala de aula e o modelo tecnológico Samsung Smart School proporcionaram. Finalmente, os professores referem que o apoio científico e pedagógico da equipa de investigação foi fundamental para os resultados obtidos, reintroduzindo a importância das parcerias e da cooperação científica e pedagógica como fator crítico do desenvolvimento da escola.
Nas Comunidades Escolares de Aprendizagem Gulbenkian XXI foram criadas um conjunto de oportunidades e de ambientes de aprendizagem promotores de bem-estar, baseados em abordagens curriculares abertas e enriquecidas nas suas fontes de currículo, nos seus intervenientes, nos seus contextos e nos seus recursos, na introdução de ambientes tecnológicos no processo de ensino e aprendizagem, no desenvolvimento de competências emocionais, sociais e criativas e na formação e desenvolvimento profissional docente. Foram proporcionadas, ao longo dos quatro anos letivos, oportunidades e ocorrências educativas que diversificaram a forma como os alunos aprenderam, através das múltiplas e diferentes atividades em que foram envolvidos. A pressão para a mudança foi dirigida sobretudo aos professores e, por essa razão, foram sempre apoiados nos desafios e mudanças que o projeto ia suscitando. Foi oferecido um conjunto de ações de formação e acompanhamento no terreno para apoiar o desenvolvimento profissional e desenvolvimento pessoal dos professores, de forma a capacitá-los para dar resposta aos desafios do projeto.
Este estudo permite concluir que os professores estão abertos à mudança e à inovação, mas precisam de saber e interiorizar de forma clara os princípios do paradigma do «Aprender para o Bem-Estar», e as razões pelas quais devem optar por este paradigma e não por outros. Mesmo sabendo que a aprendizagem é um processo que ocorre em contextos muito diversificados, o foco do processo de ensino e aprendizagem deverá estar na exploração do potencial único de cada aluno, no respeito das singularidades e diferenças entre eles, na capacitação dos alunos, no seu desenvolvimento físico e mental, e na relação destes consigo, com os outros e com o mundo em que vivem.
O desenvolvimento e a interiorização desta visão, que valoriza a prática reflexiva, contribuiu também para o desenvolvimento pessoal e profissional dos professores. O trabalho feito nas três componentes principais do projeto, permitiu aos professores adquirir um conjunto de competências e conhecimentos que os valorizou e os fez sentir mais satisfeitos e motivados. O sugerir que a formação na área da educação emocional devia ser proporcionada a todos os colegas foi o reconhecer da importância de desenvolver estas competência em ambiente escolar. As competências ganhas ao nível da tecnologia, que foi um processo que requereu tempo e resiliência, permitiu aos professores diversificar as práticas didático-pedagógicas, tornando-as mais atrativas e criativas para os alunos. A interdisciplinaridade requer o estímulo à formação contínua dos professores, principalmente nas áreas em que eles sentem ter mais necessidade de capacitação para dar resposta aos desafios que a mudança e inovação lançam. As parcerias estabelecidas, abriram as portas da sala de aula ao exterior. Professores e alunos tiveram a oportunidade de abordar o currículo de uma forma completamente diferente daquela que estavam habituados, através de outros recursos, noutros espaços e com outros atores, nunca contestando a liderança pedagógica do professor. O trabalho colaborativo que o projeto fomentou foi a chave para o sucesso dos resultados obtidos. A cultura colaborativa criada nas Comunidades Escolares de Aprendizagem Gulbenkian XXI estimulou práticas pedagógicas inovadoras, fortaleceu relações profissionais e pessoais entre os professores. Foi dada especial atenção às expressões artísticas como veículo para estimular a inovação, a criatividade, a comunicação, o pensamento crítico e as competências socioemocionais, competências fundamentais neste século.
Para implementar um projeto de promoção de ambientes de aprendizagem para o bem-estar é preciso ter uma comunidade de aprendizagem a partilhar uma visão comum e a aceitar uma responsabilidade social partilhada. Estes projetos não podem ignorar o papel fundamental do maestro do ato educativo, o professor, devendo dotá-lo de conhecimento e liberdade para desenvolver dinâmicas inovadoras, assentes na prática reflexiva e numa gestão curricular flexível, que ocorram em ambientes diversificados, e que não ignorem, para além dos conteúdos curriculares, os aspetos ambientais, cognitivos, criativos, emocionais e sociais das crianças. Ao mesmo tempo são necessários recursos, materiais e financeiros que permitam estimular os aspetos referidos anteriormente e dotar as escolas com tecnologia educativa, um auxiliar precioso para desenvolver as competências necessárias que os desafios da sociedade de hoje e do futuro exigem.
Limitações do Estudo
O estudo apresentado tem como principal limitação o facto de que, para os resultados serem generalizáveis, pela própria especificidade do projeto PMA-CEAG XXI, ser necessário replicar a investigação em outras escolas e em outros contextos.

Modelo de referência das Comunidades Escolares de Aprendizagem Gulbenkian XXI

Síntese dos resultados

Distribuição global das Unidades de Registo (n=401) por categorias e subcategorias

Distribuição global das Unidades de Registo (n=394) por categorias e subcategorias

Distribuição global das Unidades de Registo (n=485) por categorias e subcategorias

Distribuição global das Unidades de Registo (n=227) por categorias e subcategorias