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Efeito das competências de literacia emergente na aprendizagem inicial da leitura
Helena Matias; Bruna Rodrigues; Irene Cadime;
Helena Matias; Bruna Rodrigues; Irene Cadime; Iolanda Ribeiro
Efeito das competências de literacia emergente na aprendizagem inicial da leitura
Effect of emerging literacy skills on early reading learning
Revista de Estudios e Investigación en Psicología y Educación, vol. 9, núm. 0, Esp., pp. 233-244, 2022
Universidade da Coruña
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Resumo: Vários estudos têm sugerido que os conceitos acerca do impresso, os conhecimentos acerca da escrita, o reconhecimento de letras e a consciência fonológica são preditores da aprendizagem inicial da leitura. No entanto, são mais escassos os estudos que visam determinar em que medida estas variáveis permitem identificar com precisão os alunos em risco na aprendizagem inicial da leitura, sendo esta a questão visada neste estudo. A amostra foi constituída por 60 alunos do 1º ano de escolaridade, com idades compreendidas entre os 6 e os 8 anos. Os alunos foram avaliados no início do 1.º ano com provas que avaliavam os conceitos acerca do impresso, os conhecimentos acerca da escrita, o reconhecimento de letras e a consciência fonológica. No final do ano foi-lhes administrada uma prova de leitura de palavras. Os resultados da análise de regressão logística indicaram que as variáveis em estudo não predizem o risco de dificuldades na leitura no final do 1.º ano de escolaridade. Todavia, a análise de curvas ROC sugeriu uma precisão razoável na identificação de alunos em risco na aprendizagem da leitura, tendo por base o desempenho em consciência fonológica.

Palavras-chave: Conceitos acerca do impresso, conhecimentos acerca da escrita, reconhecimento de letras, consciência fonológica, descodificação.

Abstract: Several studies have suggested that concepts about print, knowledge about writing, letter recognition and phonological awareness are predictors of early reading acquisition. However, there are fewer studies that aim to determine to what extent these variables accurately identify students at risk for reading difficulties, which is the research question addressed in this study. The sample consisted of 60 first graders, aged between 6 and 8 years. The students were assessed at the beginning of the school year with tests evaluating concepts about print, knowledge about writing, letter recognition and phonological awareness. At the end of the school year, they were administered a word reading test. The results of the logistic regression analysis indicated that the variables under study do not predict the risk of reading difficulties at the end of the first grade. However, ROC curve analysis suggested reasonable accuracy in identifying students at risk for reading difficulties, based on phonological awareness performance.

Keywords: concepts about the impress, knowledge about writing, knowledge about letters, phonological awareness, decoding.

Carátula del artículo

Artículos

Efeito das competências de literacia emergente na aprendizagem inicial da leitura

Effect of emerging literacy skills on early reading learning

Helena Matias
Escola de Psicologia, Universidade do Minho, Braga, Portugal
Bruna Rodrigues
Escola de Psicologia, Universidade do Minho, Braga, Portugal
Irene Cadime
Escola de Psicologia, Universidade do Minho, Braga, Portugal
Iolanda Ribeiro
Escola de Psicologia, Universidade do Minho, Braga, Portugal
Revista de Estudios e Investigación en Psicología y Educación, vol. 9, núm. 0, Esp., pp. 233-244, 2022
Universidade da Coruña

Recepción: 15 Julio 2021

Revisado: 14 Febrero 2022

Aprobación: 24 Febrero 2022

Publicación: 29 Abril 2022

A investigação tem identificado um conjunto de competências, conhecimentos e atitudes manifestadas pela criança antes do início da aprendizagem formal da leitura e da escrita que se encontra relacionado com essa aprendizagem (Campos et al., 2011; Wasik et al., 2006). Quando iniciam o processo formal de alfabetização, muitos alunos construíram já um conjunto de conhecimentos e conceitos sobre o ato de ler, evidenciando que tiveram oportunidade de pensar sobre a linguagem oral, sobre a linguagem escrita e sobre a relação entre ambas (Cardoso & Balça, 2017). Uma vez que a aprendizagem da leitura em línguas alfabéticas exige uma elevada reflexão sobre o oral, uma das questões que importa analisar prende-se com a possibilidade de identificar alunos em risco na aprendizagem da leitura com base nas suas competências de literacia emergente, onde se incluem os conhecimentos que os alunos têm sobre o impresso e a escrita, bem como a sua capacidade ao nível do reconhecimento de letras e de consciência fonológica. Este constitui o objetivo principal deste estudo.

As crianças em idade pré-escolar constroem um conjunto de conhecimentos culturais acerca do impresso, verificando-se uma grande heterogeneidade quando estas entram no 1.º ano de escolaridade. Tais diferenças estarão associadas às práticas em torno do livro e da leitura que lhes foram proporcionadas (Anderson et al., 2019). Os conhecimentos que as crianças estabelecem sobre as relações entre a linguagem oral e a linguagem escrita, bem como o número de letras que as crianças reconhecem antes de iniciarem a alfabetização formal, têm-se revelado preditores da aprendizagem da leitura e da escrita no início da escolaridade (e.g. Moreira, 2016; Sigmundsson et al., 2020; Ouellette & Sénéchal, 2017). Também a consciência fonológica, definida como a capacidade de manipular e refletir sobre os sons da linguagem oral (Lerner & Lonigan, 2016), é considerada crítica para a aprendizagem da leitura, com vários estudos a demonstrarem que a mesma constitui um dos preditores mais robustos da aprendizagem inicial da leitura em qualquer língua (e.g., Erdoǧan, 2011; Olofsson, 2000; Paulino, 2009; Suehiro & dos Santos, 2015). Estes efeitos poderão ser explicados por uma facilitação no estabelecimento da correspondência entre grafemas e fonemas, aspeto chave na aprendizagem da leitura nos sistemas de escrita alfabética (Figueira & Botelho, 2017). Em síntese, os dados da investigação sobre os conhecimentos culturais acerca do impresso, os conhecimentos acerca da escrita, o reconhecimento de letras e a consciência fonológica têm conduzido a um consenso alargado sobre a sua importância, enquanto competências facilitadoras da aprendizagem inicial da leitura.

Uma das preocupações na intervenção com alunos em risco de dificuldades na aprendizagem da leitura prende-se com o facto de esta dever ser o mais atempada possível. Neste âmbito, importa perceber se os conhecimentos e competências de literacia emergente permitem identificar com precisão os alunos em risco na aprendizagem inicial da leitura. Uma elevada precisão nesta identificação precoce terá implicações importantes para a intervenção, potenciando a sua eficácia. Embora existam estudos internacionais que sugerem que um baixo desempenho no reconhecimento de letras é preditor do risco na aprendizagem da leitura (e.g., Justi et al., 2020; Sigmundsson et al., 2020), são escassos os estudos que contemplem um conjunto mais alargado de competências de literacia emergente. Deste modo, este estudo tem como principal objetivo investigar em que medida o conhecimento cultural acerca do impresso, os conhecimentos acerca da escrita, o reconhecimento de letras e a consciência fonológica permitem identificar com precisão os alunos em risco na aprendizagem da leitura no final do 1.º ano de escolaridade.

Método
Participantes

Participaram neste estudo 60 alunos do 1.º ano de escolaridade, dos quais 41.7% eram do sexo masculino (n=25), com idades compreendidas entre os 6 e 8 anos. Todos os alunos eram provenientes de um agrupamento de escolas da rede pública de ensino, localizado na zona Norte de Portugal. Apenas um aluno não era de nacionalidade portuguesa. Nenhum aluno estava abrangido por medidas educativas seletivas ou adicionais. No final do 1.º ano foram classificados “em risco” (n=15) os alunos que se situavam abaixo do ponto de corte no Teste de Leitura de Palavas (Viana et al., 2014) e “sem risco” (n=45) aqueles cujos desempenhos se situavam acima do ponto de corte.

Instrumentos

Bateria de Avaliação dos Comportamentos Iniciais de Leitura (BACIL) (Teixeira, 1993). Esta bateria avalia o nível de conhecimentos sobre a leitura antes da aprendizagem formal. É composta por 4 subtestes que contemplam o reconhecimento dos comportamentos de leitura e escrita, a compreensão das funções da leitura e da escrita, a compreensão das convenções da leitura e da escrita e a discriminação auditivo-fonética. Neste estudo, foi usado apenas o terceiro subteste (compreensão das convenções da leitura e da escrita). Este é composto por 30 itens e permite determinar: i) o conhecimento que o aluno tem sobre a ordem e sequência da escrita/leitura; ii) a aptidão para identificar números, letras, palavras, frases e marcas de pontuação; iii) a capacidade de perceber frases e palavras como unidades linguísticas distintas, bem como compreender termos como letra maiúscula e letra minúscula, ponto de interrogação, e ponto final. É atribuído um ponto por cada item respondido corretamente. O subteste apresenta um coeficiente de consistência interna de .95.

Teste de Escrita Inventada (Vale, 2000). A tarefa de escrita inventada é composta por 18 palavras, das quais 15 incluem a produção fonológica do nome de uma letra ou do som correspondente a uma letra e três contêm fonemas nasais. É pedido às crianças que ouçam com atenção as palavras ditadas e que as escrevam do modo que sabem, ainda que sejam apenas algumas letras que considerem que podem pertencer à palavra. Se precisarem, a palavra poderá ser ditada até duas vezes. O teste tem a duração de 15 a 20 minutos e as crianças devem escrever as palavras numa folha de papel. As respostas foram cotadas segundo o sistema de classificação fonológica. Não existem dados sobre as propriedades psicométricas deste teste.

Tarefa de Reconhecimento de Letras. Esta tarefa avalia o conhecimento da criança sobre as letras do alfabeto. São apresentadas de forma aleatória 23 letras do alfabeto (não foram incluídas as letras K, W e Y), em letra maiúscula, devendo a criança nomear a letra visualizada. A apresentação das letras é feita com recurso ao software PowerPoint (uma letra por diapositivo) e a transição entre diapositivos é feita pelo psicólogo. A cada letra identificada de modo correto é atribuído 1 ponto. A tarefa é aplicada de modo individual. Por se tratar de uma tarefa informal, não existem dados psicométricos para esta medida.

Prova de Avaliação de Consciência Fonológica (PACOF) (Meira, 2017). Esta prova destina-se à avaliação da consciência fonológica em crianças entre os 5 e os 6 anos e inclui três subescalas (consciência silábica, intrassilábica e fonémica). A PACOF é uma prova informatizada, administrada de modo individual. Os itens são pontuados com (0) quando a resposta é errada e com (1) quando a resposta é correta. A PACOF apresenta um coeficiente de consistência interna de .91. Em termos de validade, foram encontradas correlações significativas e de magnitude moderada entre os resultados obtidos na PACOF e os obtidos noutra prova de consciência fonológica (Meira, 2017). Neste estudo foram aplicadas as tarefas de segmentação silábica, identificação da sílaba inicial e identificação do fonema inicial.

Teste de Leitura de Palavras - TLP (Viana et al., 2014). O TLP avalia a leitura isolada de palavras e é composto por 4 versões destinadas a alunos do 1.º ao 4.º ano de escolaridade. Cada versão é constituída por 30 itens (palavras). As palavras são apresentadas isoladamente, em formato digital, com recurso a uma aplicação informática, sendo pedido que a criança as leia em voz alta. O TLP é administrado individualmente e a sua administração não tem tempo limite. O registo da precisão de leitura de palavras é feito pelo administrador, cotando com 1 ponto cada palavra lida corretamente e 0 pontos quando erram (são considerados erros, a existência de omissões, substituições, acréscimos ou nenhuma resposta). A pontuação total é convertida numa pontuação estandardizada. O manual do teste fornece ainda um valor de ponto de corte para cada versão que permite identificar alunos em risco. Os coeficientes de fidelidade do TLP variam entre .74 e .99. Em termos de evidência de validade, foram obtidas correlações estatisticamente significativas entre as pontuações do TLP e os resultados em provas de compreensão de leitura, memória e vocabulário, bem como com a avaliação dos professores (Chaves-Sousa et al., 2017).

Procedimento

A Bateria de Avaliação dos Comportamentos Iniciais de Leitura (BACIL), o Teste de Escrita Inventada, a Tarefa de Reconhecimento de letras e a Prova de Avaliação de Consciência Fonológica (PACOF) foram administradas no início do 1.º ano de escolaridade. O Teste de Leitura de Palavras (TLP) foi administrado no final do 1.º ano de escolaridade. Todas as provas foram administradas individualmente por psicólogos de acordo com a instrução dos respetivos manuais técnicos. A avaliação decorreu nas escolas frequentadas pelos alunos.

A recolha de dados enquadrou-se num projeto de promoção do sucesso escolar de um agrupamento de escolas, aprovado pelo concelho pedagógico. Este programa de intervenção tinha como objetivo melhorar a qualidade da aprendizagem dos alunos e enquadrou-se numa ótica de ensino universal, no quadro da abordagem multinível. Implicou a formação de professores na utilização de um conjunto de materiais pedagógicos, os quais tiveram em consideração os dados da investigação sobre o ensino da leitura e escrita nas vertentes da compreensão, da aprendizagem das regras de conversão grafema-fonema, da fluência de leitura e da ortografia.

Análise estatística

As análises estatísticas foram realizadas com recurso ao programa estatístico IBM® SPSS Statistics 27.0 para Windows. Foi calculada a estatística descritiva para cada uma das variáveis em estudo e testada a normalidade das distribuições com recurso ao teste Kolmogorov-Smirnov. Recorreu-se ao coeficiente de correlação de Spearman para analisar a relação entre as competências de literacia emergente (preditores). Para explorar a relação entre os preditores e a existência de risco na leitura, recorreu-se ao coeficiente de correlação bisserial. A magnitude das correlações foi examinada considerando os critérios de Cohen (1992): .10 representa uma correlação baixa, .30 uma correlação média e .50 uma correlação elevada. Na análise de regressão logística foram consideradas como variáveis preditoras o conhecimento cultural acerca do impresso, os conhecimentos acerca da escrita, o reconhecimento de letras e a consciência fonológica e como variável critério o risco na leitura no final do 1.º ano de escolaridade. A variável critério é de tipo dicotómico, tendo sido codificada pelos valores 0 e 1, como sendo a ausência ou presença da característica em estudo, respetivamente. Para determinar a precisão de classificação de cada uma das variáveis na identificação dos alunos em risco na leitura no final do 1.º ano de escolaridade, calculou-se a Area Under the ROC Curve (AUC). Como critérios de apreciação consideraram-se os valores propostos por Compton et al. (2006): uma AUC menor que 0.70 indica uma baixa precisão na classificação, entre 0.70 e 0.80 uma precisão razoável, entre 0.80 e 0.90 uma boa precisão, e maior do que .90 uma precisão excelente.

Resultados

Na Tabela 1 apresenta-se a estatística descritiva das variáveis em estudo, bem como os resultados do teste de normalidade e os valores de assimetria e curtose.

Tabela 1
Tabela 1

Estatística descritiva

Nota M = média; DP = desvio-padrão; K-S= Kolmogorov-Smirnov; Assim.=assimetria; Curt.= curtose* p<.05.

Todas as variáveis, tal como indicado pelo teste de normalidade Kolmogorov-Smirnov, atingem o nível de significância convencional p< .05, seguindo uma distribuição não normal. Na Tabela 2 apresentam-se os valores dos coeficientes de correlação de Spearman entre os preditores os coeficientes de correlação de ponto bisserial entre os preditores e a variável “risco na leitura” no final do 1.º ano de escolaridade. A magnitude das correlações entre os preditores variou de baixa (.233) a elevada (.646).

Tabela 2
Tabela 2

Coeficiente de correlação entre os preditores e coeficientes de correlação ponto bisserial entre os preditores e a variável risco na leitura

Nota A variável risco na leitura foi codificada como: 0=sem risco; 1= em risco** p < .01* p < .05.

As variáveis apresentaram uma correlação estatisticamente significativa com o risco na leitura, com exceção dos conhecimentos acerca da escrita. Na Tabela 3 apresentam-se os resultados da análise de regressão logística. Os resultados da análise de regressão logística permitem verificar que as variáveis conhecimentos acerca do impresso, conhecimentos acerca da escrita, reconhecimento de letras e consciência fonológica não predizem significativamente o risco na leitura no final do 1.º ano de escolaridade, χ²(4)=10.308, p=.36, R² Cox & Snell=.158 , R² Nagelkerke=.234.

Tabela 3
Tabela 3

Resultados da regressão logística para predizer o risco de aprendizagem na leitura no 1º ano

Nota E.P.=erro-padrão

Na Tabela 4 são descritos os valores da AUC para cada um dos preditores em estudo.

Tabela 4
Tabela 4

Análise das Curvas Roc (Area Under the Curve) das variáveis preditoras

Nota AUC = area under the curve; E.P.= erro-padrão; IC = intervalo de confiança

O valor da AUC da variável consciência fonológica (AUC=.73, DP=.07) está acima de 0.70. Tendo em conta os critérios de Compton et al. (2006), os dados sugerem que esta variável apresenta uma precisão razoável na classificação de alunos em risco na leitura no final do 1.º ano de escolaridade. No que respeita aos valores AUC do conhecimento cultural acerca do impresso (AUC= .68, DP=.07), conhecimentos acerca da escrita (AUC=0.65, DP=.07) e reconhecimento de letras (AUC= 0.68, DP=.07), estes são inferiores a 0.70, o que sugere uma baixa precisão na identificação de alunos em risco na leitura

Discussão

Este estudo teve como objetivo investigar em que medida o conhecimento cultural acerca do impresso, os conhecimentos acerca da escrita, o reconhecimento de letras e a consciência fonológica permitem identificar com precisão os alunos em risco na aprendizagem da leitura no final do 1.º ano de escolaridade. O resultado do modelo de regressão logística permitiu concluir que as variáveis em estudo não prediziam o risco na leitura no final do 1.º ano de escolaridade, dado que o modelo não era estatisticamente significativo. Estes dados divergem dos encontrados em outros estudos (Moreira, 2016; Sigmundsson et al., 2020; Ouellette & Sénéchal, 2017) nos quais aquelas variáveis foram preditoras da aprendizagem da leitura. Estas diferenças devem ser analisadas à luz dos objetivos e das análises estatísticas usadas. Na maioria dos estudos revistos foram realizadas análises de regressão múltipla, sendo a leitura avaliada numa escala intervalar. No presente estudo, pretendia-se especificamente verificar se o conhecimento cultural acerca do impresso, os conhecimentos acerca da escrita, o reconhecimento de letras e a consciência fonológica permitiam identificar os alunos “em risco” e sem risco” na leitura, tendo-se por isso efetuado uma análise de regressão logística. Neste sentido, torna-se difícil comparar os dados deste estudo com os de outros estudos prévios porque as metodologias e os procedimentos estatísticos utilizados foram diferentes. Os resultados das curvas ROC, que complementam a análise de regressão logística permitiram verificar que, de todos os preditores, apenas o valor AUC da consciência fonológica era razoável, sugerindo que o desempenho nas restantes competências de literacia emergente no início do ano letivo não permite uma identificação precisa dos alunos em risco no final do 1.º ano. Este resultado diverge particularmente do de outros estudos que demonstraram que o baixo reconhecimento de letras é um preditor significativo do risco na leitura (Justi et al., 2020; Sigmundsson et al., 2020). Esta diferença de resultados poderá estar relacionada com o facto de uma grande parte dos participantes do nosso estudo já reconhecerem a maioria das letras do alfabeto, como se depreende da média de letras identificadas. As discrepâncias que foram encontradas nos resultados do presente estudo podem ainda estar relacionadas com o facto de os alunos deste grupo estarem a participar num projeto de promoção do sucesso escolar em que os alunos que demonstravam dificuldades ao longo do ano eram imediatamente orientados para acompanhamento.

A principal limitação deste estudo é a reduzida dimensão da amostra em geral e, particularmente, do número de crianças identificadas como estando em risco na leitura (n=15). Estudos futuros deverão considerar a replicação desta investigação com uma amostra mais alargada. Uma segunda limitação prende-se com o facto de algumas das provas utilizadas serem tarefas informais de avaliação e não provas estandardizadas, com propriedades psicométricas estabelecidas. Estudos futuros deverão considerar provas alternativas de avaliação.

Em termos de implicações para a prática, merece especial destaque o papel central da consciência fonológica como preditor do risco na aprendizagem da leitura. Como foi anteriormente referido, a consciência fonológica é um dos mais robustos preditores da aprendizagem da leitura em sistemas de escrita alfabética (Erdoǧan, 2011; Olofsson, 2000; Paulino, 2009; Suehiro & dos Santos, 2015). Um bom nível de consciência fonológica facilita a compreensão do princípio alfabético e a aquisição de competências de descodificação (Figueira & Botelho, 2017). Para além disso, a investigação tem também demonstrado que a consciência fonológica é a área que surge frequente e consistentemente alterada nas crianças com dificuldades de leitura, quando estas são comparadas com leitores normais (e.g., Albuquerque, Simões, & Martins, 2011; Deuschle & Cechella, 2009). Por conseguinte, a promoção da consciência fonológica deverá ser um objetivo central ainda na educação pré-escolar, de modo a prevenir dificuldades futuras na aprendizagem da linguagem escrita. Dados os resultados do nosso estudo, a condução de rastreios das competências de consciência fonológica antes da entrada na escolaridade formal é também uma prática aconselhada, de modo a identificar e intervir atempadamente com as crianças em maior risco de insucesso futuro.

Material suplementario
Referências
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Notas
Tabela 1
Tabela 1

Estatística descritiva

Nota M = média; DP = desvio-padrão; K-S= Kolmogorov-Smirnov; Assim.=assimetria; Curt.= curtose* p<.05.
Tabela 2
Tabela 2

Coeficiente de correlação entre os preditores e coeficientes de correlação ponto bisserial entre os preditores e a variável risco na leitura

Nota A variável risco na leitura foi codificada como: 0=sem risco; 1= em risco** p < .01* p < .05.
Tabela 3
Tabela 3

Resultados da regressão logística para predizer o risco de aprendizagem na leitura no 1º ano

Nota E.P.=erro-padrão
Tabela 4
Tabela 4

Análise das Curvas Roc (Area Under the Curve) das variáveis preditoras

Nota AUC = area under the curve; E.P.= erro-padrão; IC = intervalo de confiança
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