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Ciberabuso no namoro em estudantes do ensino superior: autoestima e tempo de duração da relação
Cyber dating abuse in higher education students: self-esteem and relationship length
Revista de Estudios e Investigación en Psicología y Educación, vol. 9, núm. 0, Esp., pp. 18-30, 2022
Universidade da Coruña

Artículos

Aviso de derechos de autoría: Los trabajos publicados en esta revista están bajo una licencia Creative Commons Reconocimiento-CompartirIgual 4.0 Internacional. Los/as autores/as son los titulares de los derechos de explotación (copyright) de su trabajo, pero ceden el derecho de la primera publicación a la Revista de Estudios e Investigación en Psicología y Educación, la cual podrá publicar en cualquier lengua y soporte, divulgar y distribuir su contenido total o parcial por todos los medios tecnológicamente disponibles y a través de repositorios. Se permite y anima a los/as autores/as a difundir los artículos aceptados para su publicación en los sitios web personales o institucionales, antes y después de su publicación, siempre que se indique claramente que el trabajo pertenece a esta revista y se proporcionen los datos bibliográficos completos junto con el acceso al documento, preferiblemente mediante el DOI (en caso de que sea imprescindible utilizar un pdf, debe emplearse la versión final maquetada por la Revista).

Recepción: 15 Julio 2021

Revisado: 22 Febrero 2022

Aprobación: 23 Febrero 2022

Publicación: 29 Abril 2022

Resumo: O aumento da popularidade, quer das novas tecnologias, quer da Internet, tem dado oportunidade ao surgimento de novas formas de violência. O ciberabuso no namoro representa uma nova forma de violência no namoro, tendo o mesmo vindo a ganhar dimensões preocupantes. Assim, este estudo tem como objetivos caraterizar a prevalência do ciberabuso no namoro, estudar a relação entre o ciberabuso no namoro e a autoestima, e averiguar se existem diferenças no ciberabuso no namoro consoante o tempo de duração da relação. Participaram 894 estudantes do ensino superior com idades compreendidas entre os 17 e os 56 anos (M = 21.27, DP = 3.69). Foram aplicados um Questionário Sociodemográfico, o Questionário sobre Ciberabuso no Namoro e a Rosenberg Self-Esteem Scale. Os resultados obtidos indicaram que mais de 50% dos participantes sofreram e/ou perpetraram ciberabuso no namoro, verificando-se uma prevalência superior de ciberabuso no namoro por controlo. A autoestima relacionou-se significativamente com alguns fatores desta tipologia de violência, verificando-se ainda que indivíduos que nunca tinham sido vítimas de ciberabuso no namoro, bem como aqueles que nunca tinham perpetrado ciberabuso no namoro, apresentaram uma autoestima mais baixa. Por fim, observou-se que os participantes que estavam há mais tempo numa relação praticaram mais atos de agressão por controlo. Assim, parece pertinente adotar medidas de consciencialização acerca deste fenómeno.

Palavras-chave: ciberabuso no namoro, autoestima, tempo de duração da relação.

Abstract: The rise in popularity, both of new technologies and of the Internet, has given opportunity to the emergence of new forms of violence. Cyber dating abuse represents a new form of dating violence, which has taken on worrying prevalences. Therefore, this study aims to characterize the prevalence of cyber dating abuse, to study the relationship between cyber dating abuse and self-esteem, and to investigate whether there are differences in cyber dating abuse depending on relationship length. 894 higher education students, aged between 17 and 56 years (M = 21.27, SD = 3.69), participated in the study. A Sociodemographic Questionnaire, the Portuguese version of Cyber Dating Abuse Questionnaire and the Rosenberg Self-Esteem Scale were applied. The results indicated that more than 50% of the participants suffered and/or perpetrated cyber dating abuse, with a higher prevalence of cyber dating abuse by control. Self-esteem was significantly related to some factors of this type of violence, and it was verified that individuals who had never been victims of cyber dating abuse, as well as those who had never perpetrated it, had lower self-esteem. Finally, it was observed that the participants who had been in longer relationships practiced more acts of control. Thus, it seems pertinent to adopt awareness measures about this phenomenon.

Keywords: cyber dating abuse, self-esteem, relationship length.

A violência pode ser definida como o uso intencional da força ou do poder contra alguém (tanto na forma real como sob a forma de ameaça) que resulte, ou possa resultar, em malefícios físicos, psicológicos, desenvolvimentais ou até em morte (Organização Mundial da Saúde, 2014). De acordo com o Relatório Anual da Associação Portuguesa de Apoio à Vítima (APAV), durante o ano de 2020, foram registados mais de 66 mil atendimentos, verificando-se que o total de crimes e outras formas de violência ultrapassou os 19 mil casos, e que mais de 44% das relações encontradas entre o autor do crime e a vítima se constituíam como relações de intimidade (APAV, 2020).

A violência no namoro, a qual se constitui como uma forma precoce de violência por parceiro íntimo, pode ser definida como uma forma de violência (pontual ou persistente), perpetrada por parte de, pelo menos, um dos parceiros no seio de uma relação, podendo a mesma ser física, psicológica, sexual, verbal, social e/ou digital (APAV, n.d.; Gracia-Leiva et al., 2020).

A última década foi marcada por desenvolvimentos exponenciais ao nível da tecnologia (Rocha-Silva et al., 2021) sendo, atualmente, as novas tecnologias indispensáveis no dia-a-dia da grande maioria das pessoas (Borrajo et al., 2015; Douglas et al., 2019).

A utilização das novas tecnologias acarretou diversos benefícios e, hoje em dia, um aspeto cada vez mais significativo da comunicação nas relações interpessoais dos jovens adultos é o uso das tecnologias de informação e comunicação (TIC) (e.g. internet, telemóveis, mensagens de texto, ou redes sociais) (Cantu & Charak, 2020). Os adolescentes, e também os estudantes universitários, utilizam as novas tecnologias nas suas relações de namoro (Stonard et al., 2017), sendo que as mesmas facilitam a conexão emocional, dado permitirem a interação a qualquer momento (Mosley & Lancaster, 2019; Smith et al., 2018). No entanto, não só de aspetos positivos se constitui esta realidade, uma vez que as novas tecnologias podem também funcionar como um meio para que a violência tenha lugar (Cantu & Charak, 2020), sendo um exemplo o ciberabuso no namoro.

O ciberabuso no namoro pode ser definido como a utilização de meios eletrónicos/tecnológicos para perpetrar comportamentos agressivos no seio de uma relação ou ex-relação romântica (Reed et al., 2016; Wolford-Clevenger et al., 2016), estando estes comportamentos divididos em duas tipologias: a agressão direta (comportamentos agressivos realizados com o intuito de ferir o outro, e.g. ameaças) e o controlo (controlar ou invadir a privacidade do outro) (Borrajo et al., 2015).

Existem diversos fatores de risco associados à ocorrência de violência. De acordo com o Centers for Disease Control and Prevention (2019), a baixa autoestima constitui-se como um fator de risco para uma probabilidade aumentada de violência por parceiro íntimo. Já em relação ao ciberabuso no namoro, Hancock et al. (2017) verificaram que o mesmo se constituía, não só como preditor de sofrimento emocional, mas também como preditor significativo de uma baixa autoestima em jovens adultos, dado que as vítimas experienciam comportamentos que podem resultar em sentimentos de inferioridade o que, a longo prazo, pode resultar numa autoestima mais baixa. No mesmo sentido, também Smith et al. (2018) observaram que o ciberabuso no namoro estava associado a uma baixa autoestima e a sofrimento psíquico em adolescentes tendo, por outro lado, verificado que a ciberperpetração se associava a uma autoestima mais elevada.

Também o tempo de duração da relação pode ser um fator que contribui para um aumento do risco de ocorrência de violência no seio de uma relação de namoro sendo que, de acordo com a APAV (2011) existe, em relações mais longas, uma maior probabilidade de surgimento de conflitos. No mesmo sentido, Giordano et al. (2010) observaram que, numa amostra de adolescentes, relações mais longas pareciam estar associadas a uma maior probabilidade de perpetração de violência no namoro, tendo também outros investigadores verificado que relações mais longas estavam associadas à ocorrência de mais violência (Daspe et al., 2018; Rizzo et al., 2020). No que diz respeito ao ciberabuso no namoro, a literatura é ainda escassa. No entanto, de acordo com Van Ouytsel et al. (2018), o tempo de duração da relação associa-se positivamente com a vitimação por controlo, em adolescentes.

Face ao exposto, bem como à escassa evidência empírica existente acerca do ciberabuso no namoro a nível nacional, o presente estudo tem como objetivos: caraterizar a prevalência do ciberabuso no namoro; estudar a relação entre o ciberabuso no namoro e a autoestima, e ainda averiguar se existem diferenças no ciberabuso no namoro consoante o tempo de duração da relação, em estudantes do ensino superior, em Portugal.

Método

Participantes

Após a exclusão dos participantes que nunca tinham estado numa relação de namoro, a amostra ficou reduzida a 894 sujeitos, 485 (54.3%) pertencentes ao sexo feminino e 409 (45.7%) ao sexo masculino, tendo idades compreendidas entre os 17 e os 56 anos (M = 21.27, DP = 3.69). Quanto ao relacionamento amoroso, 554 (62%) participantes estavam numa relação e 340 (38%) não, sendo que, destes, 153 (17.1%) referiram não ter estado numa relação de namoro há menos de um ano.

Instrumentos

Foi utilizado um Questionário Sociodemográfico a fim de recolher informações relativas aos dados pessoais dos participantes.

No que concerne à variável ciberabuso no namoro foi utilizado o Questionário sobre Ciberabuso no Namoro (CibAN) validado por Caridade e Braga (2019), que constitui a versão portuguesa do Cyber Dating Abuse Questionnaire (CDAQ) (Borrajo et al., 2015), o qual permite estimar o padrão de vitimação e o padrão de perpetração do ciberabuso no namoro, abrangendo as duas tipologias de violência acima referidas (agressão direta e controlo). É constituído por 40 itens, respondidos numa escala tipo Likert. No que diz respeito às suas propriedades psicométricas, foi obtido no fator vitimação-agressão direta um α de Cronbach de .86, um α de Cronbach de .91 no fator vitimação-controlo, um α de Cronbach de .89 no fator perpetração-agressão direta e um α de Cronbach de .84 no fator perpetração-controlo (Caridade & Braga, 2019).

Relativamente à variável autoestima, foi utilizada a versão portuguesa da Rosenberg Self-Esteem Scale (RSES) (Rosenberg, 1965), adaptada por Santos e Maia em 2003, a qual mede a autoestima global dos participantes, através de 10 itens respondidos numa escala tipo Likert. Quanto mais elevado o resultado obtido, mais elevada a autoestima do indivíduo. No que concerne às suas propriedades psicométricas, Santos e Maia (2003) obtiveram um α de Cronbach de .86.

Procedimento

O protocolo de investigação foi submetido à Comissão de Ética da Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro, tendo obtido parecer favorável (Doc75-CE-UTAD-2019). A recolha de dados foi realizada de duas formas: online, através da divulgação do link do questionário construído online, e presencialmente. O preenchimento dos instrumentos teve uma duração aproximada de 10 minutos, tendo as questões éticas e deontológicas da prática investigativa sido tidas em conta.

Análises de dados

Em relação ao tratamento estatístico, inicialmente foi realizada a análise de simetria da distribuição das frequências (normalidade univariada) através dos coeficientes de assimetria e achatamento, de forma a verificar o pressuposto de normalidade dos dados, constatando-se ser adequada a utilização de testes não-paramétricos. Seguidamente, foi caraterizada a prevalência do ciberabuso no namoro e das respetivas tipologias de violência. A associação entre o ciberabuso no namoro e a autoestima foi medida através do coeficiente de correlação de Spearman. Foram realizados testes de Wilcoxon-Mann-Whitney para verificar se, quer os grupos de vitimação, quer os de perpetração, diferem relativamente à autoestima. Para esse efeito, foi dividida a vitimação e os seus fatores em dois grupos: Grupo I - indivíduos que nunca sofreram ciberabuso no namoro e Grupo II - indivíduos que sofreram pelo menos uma vez um ato de ciberabuso no namoro, assim como, a perpetração e os seus fatores: Grupo I - indivíduos que nunca praticaram ciberabuso no namoro e Grupo II - indivíduos que praticaram pelo menos uma vez um ato de ciberabuso no namoro. Para verificar se existiam diferenças no ciberabuso no namoro em relação ao tempo de duração da relação recorreu-se ao teste de Kruskall-Wallis, seguido de testes de comparação múltipla da média das ordens. Todas as análises foram realizadas através do Software Statistical Package for the Social Sciences (SPSS) – versão 25, tendo sido considerados valores de significância de p < .05.

Resultados

Prevalência do ciberabuso no namoro

A tabela seguinte apresenta os dados de prevalência do ciberabuso no namoro, ao nível da vitimação e da perpetração.

Tabela 1
Tabela 1

Prevalência da vitimação e perpetração consoante o estado de relacionamento

Nota: Entende-se por vitimação total o conjunto da vitimação-agressão direta e da vitimação-controlo, e por perpetração total o conjunto da perpetração-agressão direta e da perpetração-controlo, sendo que a agressão direta diz respeito aos comportamentos abusivos realizados com o objetivo de ferir o parceiro/ex-parceiro e o controlo diz respeito aos comportamentos de controlo e invasão da privacidade do parceiro/ex-parceiro, através de meios eletrónicos.

Associação entre o ciberabuso no namoro e a autoestima

Para estudar a relação entre o ciberabuso no namoro e a autoestima recorreu-se ao coeficiente de correlação de Spearman. Os resultados mostraram correlações positivas fracas, porém significativas, entre a autoestima e a vitimação-agressão direta (ρ = .088, p = .009), a vitimação-controlo (ρ = .079, p = .018), a vitimação total (ρ = .092, p = .006), a perpetração-agressão direta (ρ = .104, p = .002) e a perpetração total (ρ = .066, p = .047).

Análise diferencial comparativa: ciberabuso no namoro e autoestima

Para verificar se a autoestima influenciou significativamente a vitimação e a perpetração e os seus fatores recorreu-se ao teste não-paramétrico de Wilcoxon-Mann-Whitney.

Tabela 2
Tabela 2

Análise diferencial comparativa da autoestima relativamente à vitimação e à perpetração

Os resultados mostraram que os indivíduos que nunca foram vítimas de ciberabuso no namoro apresentaram scores mais baixos de autoestima do que aqueles que sofreram pelo menos uma vez de ciberabuso no namoro, sendo essas diferenças estatisticamente significativas. Verificou-se ainda que quem nunca perpetrou ciberabuso no namoro apresentou scores mais baixos de autoestima do que quem o perpetrou pelo menos uma vez, sendo, porém, essas diferenças estatisticamente significativas apenas ao nível da agressão direta.

Análise diferencial comparativa: ciberabuso no namoro e tempo de duração da relação

Para verificar se existiram diferenças no ciberabuso no namoro consoante o tempo de duração da relação, agrupado em três grupos: menos de um ano (n = 155), de um a três anos (n = 256), mais de três anos (n = 138), recorreu-se ao teste de Kruskall-Wallis, seguido da comparação múltiplas da média das ordens.

Tabela 3
Tabela 3

Análise diferencial comparativa da vitimação e da perpetração consoante o tempo de duração da relação

Os resultados mostraram que o tempo de duração da relação teve um efeito estatisticamente significativo na perpetração-controlo sendo que, de acordo com a comparação múltipla da média das ordens, o tempo de duração de menos de um ano apresentou uma distribuição significativamente diferente do tempo de duração de mais de três anos (p = .015). Assim, verificou-se que os participantes que estavam há mais tempo numa relação praticaram mais atos de agressão por controlo.

Discussão

O presente estudo teve como objetivos caraterizar a prevalência do ciberabuso no namoro, estudar a relação entre o ciberabuso no namoro e a autoestima, e ainda averiguar se existem diferenças no ciberabuso no namoro consoante o tempo de duração da relação, em estudantes do ensino superior, em Portugal.

Quanto à prevalência do ciberabuso no namoro, os dados revelaram que mais de metade dos participantes afirmaram ter já experienciado ciberabuso no namoro (independentemente de estarem ou não numa relação no momento da recolha). Estes dados são semelhantes aos resultados de Caridade e Braga (2019), as quais observaram que mais de 59% da sua amostra relatou ter sido vítima de algum comportamento de ciberabuso no namoro e mais de 66% afirmou tê-lo perpetrado. Analisando as diferentes tipologias de comportamentos de ciberabuso no namoro, verificou-se que, tanto ao nível da vitimação como da perpetração, os comportamentos de controlo apresentaram uma prevalência superior aos comportamentos de agressão direta, algo também observado noutros estudos (e.g. Borrajo et al., 2015; Caridade & Braga, 2019; Gracia-Leiva et al., 2020). Estes resultados podem ser explicados pelo facto de os comportamentos de controlo, quando comparados com os de agressão direta, englobarem comportamentos menos explícitos e, por isso, potencialmente, mais facilmente aceites pelos indivíduos (Caridade & Braga, 2019), existindo também evidência de que os mesmos são, muitas vezes, percebidos como sinal de amor e/ou de demonstração de ciúme (Caridade & Braga, 2019; Lucero et al., 2014), o que não é, necessariamente, visto como negativo.

Quanto à relação do ciberabuso no namoro com a autoestima, observaram-se correlações positivas entre a autoestima e todos os fatores do ciberabuso no namoro, sendo, porém, importante referir que na perpetração-controlo a correlação encontrada não foi significativa. Verificou-se ainda que indivíduos que nunca tinham sido vítimas de ciberabuso no namoro apresentaram uma autoestima mais baixa. Também os indivíduos que nunca tinham perpetrado ciberabuso no namoro apresentaram um nível de autoestima mais baixo. No que diz respeito à vitimação, os resultados não vão ao encontro da literatura existente, segundo a qual indivíduos com níveis mais altos de ciberabuso no namoro reportam uma autoestima mais baixa (Hancock et al., 2017; Smith et al., 2018), podendo os resultados encontrados ser justificados, por um lado, pelo facto de os comportamentos abusivos (e, principalmente, os comportamentos de controlo) poderem ser encarados como sinónimo de amor e/ou de demonstração de ciúme (Caridade & Braga, 2019; Giráldez & Sueiro, 2015; Smith et al., 2018), o que poderá implicar que os mesmos não tenham influenciado a autoestima das vítimas como esperado. Quanto à perpetração, os resultados obtidos corroboram a literatura, tendo também Smith et al. (2018) verificado que a perpetração de ciberabuso no namoro se associava a níveis superiores de autoestima.

Relativamente ao último objetivo, isto é, à relação entre o ciberabuso no namoro e o tempo de duração da relação, observou-se que indivíduos que estavam numa relação amorosa mais longa perpetraram mais atos de agressão por controlo.

No que concerne à violência offline, a literatura aponta no sentido de uma associação positiva entre a violência por parceiro íntimo e o tempo de duração da relação (Daspe et al., 2018; Rizzo et al., 2020). A pesquisa acerca do ciberabuso no namoro e da sua relação com o tempo de duração da relação é ainda escassa. No entanto, estudos demonstram a existência de uma relação entre o ciberabuso no namoro e a violência no namoro offline (e.g. Borrajo et al., 2015; Hinduja & Patchin, 2020), podendo inclusivamente o ciberabuso no namoro ser considerado uma extensão da mesma (Borrajo et al., 2015). Assim, e dado que os resultados apenas se revelaram significativos ao nível da perpetração por controlo, os resultados obtidos podem ser explicados pelo facto de se terem observado, no presente estudo, valores mais elevados de ciberabuso no namoro por controlo. Neste sentido, e uma vez que estes são, por vezes, normalizados e até entendidos como algo positivo (Caridade & Braga, 2019; Flach & Deslandes, 2017), os mesmos podem não se ter constituído como motivos para o término da relação, o que, consequentemente, pode ter levado a um aumento do seu tempo de duração.

É, no entanto, importante mencionar que o presente estudo apresenta limitações, nomeadamente o facto de ser um estudo transversal. Além disso, o facto de a recolha dos dados ter sido realizada através de instrumentos de autorrelato pode ter possibilitado a ocorrência de vieses de desejabilidade social ou de memória.

As implicações práticas da presente investigação passam, por um lado, pelo seu contributo teórico para a literatura e, a nível mais prático, para uma maior consciencialização da população acerca desta problemática, o que poderá funcionar como forma de prevenção da ocorrência desta tipologia de abuso.

De acordo com Ferreira et al. (2019) existem caraterísticas que distinguem relacionamentos saudáveis de relacionamentos não saudáveis, sendo importante ser capaz de avaliar a “saúde” dos relacionamentos. Também segundo o Centers for Disease Control and Prevention (2020), é importante que, durante a adolescência e a pré-adolescência, os jovens aprendam as capacidades necessárias para criar e manter relacionamentos saudáveis ao longo da sua vida. Neste sentido, e de forma a fazer face ao fenómeno do ciberabuso no namoro, mostra-se importante, por exemplo, a implementação de programas de sensibilização nos quais seja fornecida informação acerca das caraterísticas de uma relação saudável e não saudável, bem como informação no sentido de desfazer possíveis mitos associados às relações amorosas. Por outro lado, torna-se também importante promover um uso responsável das novas tecnologias (Gámez-Guadix et al., 2018).

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