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Ciberabuso no namoro: Que relação com a sensibilidade moral numa amostra de estudantes universitários?

Cyber dating abuse: What is the relationship with moral sensitivity in a sample of university students?

Bárbara Costa
Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro, Vila Real, Portugal
Margarida Simões
CIIE, Centro de Investigação e Intervenção Educativas, Porto, Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro, Vila Real, Portugal
Inês Carvalho Relva
Centro de Investigação em Desporto, Saúde e Desenvolvimento Humano da Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro, Vila Real, Portugal CIIE, Centro de Investigação e Intervenção Educativas, Porto, Portugal
Maria da Conceição Azevedo
CeiEd, Centro de Estudos Interdisciplinares em Educação e Desenvolvimento e do IF, Instituto de Filosofia da Universidade do Porto, CIIE, Centro de Investigação e Intervenção Educativas, Porto, Portugal

Ciberabuso no namoro: Que relação com a sensibilidade moral numa amostra de estudantes universitários?

Revista de Estudios e Investigación en Psicología y Educación, vol. 9, núm. 0, Esp., pp. 31-44, 2022

Universidade da Coruña

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Recepción: 15 Julio 2021

Revisado: 10 Marzo 2022

Aprobación: 10 Marzo 2022

Publicación: 29 Abril 2022

Resumo: A presente investigação procurou explorar a relação entre ciberabuso no namoro e sensibilidade moral numa amostra de estudantes universitários. A amostra foi constituída por 239 estudantes universitários com idades compreendidas entre os 17 e os 49 anos (M = 21.50; DP = 4.70). Foram utilizados como instrumentos a Escala de Sensibilidade Moral (ESE), o Questionário sobre Ciberabuso no Namoro (CibAN) e um questionário sociodemográfico. Os principais resultados sugerem que existem diferenças em função do sexo nas dimensões Ler e Expressar Emoções, Tomar Perspetiva dos Outros, Cuidado ao conectar-se com outros e Gerar Interpretações e Opções, sendo que o sexo feminino, de um modo geral, apresentou níveis superiores comparativamente ao sexo masculino. Relativamente à variável ciberabuso no namoro, foram encontradas diferenças estatisticamente significativas em função do sexo nas dimensões vitimação – agressão direta e perpetração – agressão direta, sendo que o sexo masculino apresentou maior pontuação face ao sexo feminino em ambas. Verificaram-se ainda correlações negativas significativas entre dimensões do ciberabuso e dimensões da sensibilidade moral. Face aos resultados evidenciados, considera-se de extrema relevância a implementação de programas de intervenção direcionados para o desenvolvimento de competências ligadas à sensibilidade moral pois estas parecem permitir o desenvolvimento de comportamentos pró-sociais, contribuindo assim para a diminuição de comportamentos desviantes.

Palavras-chave: sensibilidade moral, ciberabuso, estudantes-universitários, sexo.

Abstract: The present investigation sought to explore the relationship between cyber dating abuse and ethical sensitivity in a sample of university students. The sample consisted of 239 university students aged between 17 and 49 years (M = 21.50; SD = 4.70). The Ethical Sensitivity Scale (ESS), the Cyber Dating Abuse Questionnaire (CDAQ) and a sociodemographic questionnaire were used as instruments. The main results suggest that there are differences in terms of gender in the dimensions: Reading and expressing emotions, Taking the perspective of others, Caring by connecting to others and Generating interpretations and options, with females, in general, showing higher levels when compared with males. Regarding the variable cyber dating abuse, statistically significant differences were found according to gender in the victimization – direct aggression and in the perpetration – direct aggression, with males scoring higher than females in both dimensions. There were also significant negative correlations between dimensions of cyber abuse and dimensions of ethical sensitivity. Regarding the results, the implementation of intervention programs aimed to the development of skills linked to ethical sensitivity is considered extremely relevant, as these seem to allow the development of pro-social behaviour, thus contributing to the reduction of deviant behaviour.

Keywords: ethical sensitivity, cyber abuse, university students, sex.

O estudo do desenvolvimento moral surgiu na psicologia através de Lawrence Kohlberg (1974) que, com base na sua investigação, concluiu que a forma de pensar acerca de questões morais e o sentido de justiça são termos instintivos e naturais no desenvolvimento do indivíduo, acrescentando ainda que o ser humano tem capacidade de chegar aos seus juízos morais de forma individual, ao invés de apenas internalizar aquilo que lhe é ensinado, conferindo-lhes um conteúdo único.

Em 1984, James Rest, baseando-se no ponto de partida criado por Kohlberg, desenvolve a teoria dos quatro componentes da moralidade: a sensibilidade moral, o juízo moral, a motivação moral e o caráter. A nossa investigação centrar-se-á na sensibilidade moral que, segundo a pesquisa de Tirri e Nokelainen (2011), tem um papel central na ação moral, considerando-se uma componente prévia a todas as outras, e cuja função distintiva é a construção de uma primeira interpretação de um problema moral. A sensibilidade moral implica a capacidade de reconhecer, numa situação, em tempo real, características moralmente relevantes, perceber que uma determinada situação apresenta um problema moral e ainda imaginar e predizer os efeitos de diferentes ações no bem-estar de quem é afetado (Stankovska et al., 2019; Tirri & Nokelainen, 2007). No entanto, para que seja possível dar resposta a uma situação de forma moralmente correta, é necessário perceber e interpretar os eventos de modo a tornar a resposta numa ação ética, ou seja, ter sensibilidade moral (Tirri & Nokelainen, 2011). Neste sentido, uma pessoa que seja eticamente sensível, consegue identificar várias pistas situacionais e é capaz de observar ações alternativas como resposta a uma dada situação, fazendo uso de determinados aspetos ou capacidades intrínsecas, como por exemplo, tomar a perspetiva do outro (role taking) e ser empático (Tirri & Nokelainen, 2011).

Autores como Espinosa-Pike et al. (2012) mostraram, no que concerne à variável sexo, que “os homens estão mais direcionados para o pensamento formal e abstrato, em torno do respeito aos direitos formais dos outros, na esfera individual de atividade e nas regras” (p. 11). Em estudantes universitários, nota-se que o sexo feminino é mais orientado para o cuidado e expressa mais os seus sentimentos do que o sexo masculino (Stankovska et al., 2019). Essa tendência pode ser explicada pelos tipos de itens que medem a sensibilidade moral. A maioria desses itens inclui ética do cuidado, inteligência emocional e social (Tirri & Nokelainen, 2011), que são características mais relacionadas ao sexo feminino.

Com a extensa popularidade tanto das novas tecnologias como da própria Internet e aplicações de mensagens instantâneas (e.g., Whatsapp, Instagram) (Borrajo et al., 2015a), uma nova forma de abuso no namoro tem vindo desenvolver-se - o ciberabuso no namoro. Nesta palavra composta, utiliza-se o elemento “ciber” para refletir a componente tecnológica (e.g., telemóveis, redes sociais, e-mail) e o elemento “abuso” para refletir a extensão de ações prejudiciais que são perpetradas por esses meios (Wolford-Clevenger et al., 2015). Este inclui ameaças, insultos, humilhação ou comportamentos denegridores, comportamentos excessivos de ciúme e a monitorização da atividade do/a companheiro/a ou ex-companheiro/a (Machimbarrena et al., 2018).

O ciberabuso no namoro pode ser dividido em dois componentes: a agressão direta e o controlo. A agressão direta está relacionada com comportamentos deliberados que têm como finalidade causar prejuízo ao parceiro/ex-parceiro (e.g., ameaças, insultos ou disseminação de informação pessoal) através de meios eletrónicos. Por outro lado, a componente controlo inclui comportamentos que têm como objetivo a vigilância ou invasão de privacidade (e.g., controlo de chamadas ou de mensagens através de aplicações de mensagens e redes sociais) (Borrajo et al., 2015b).

No que diz respeito à literatura existente sobre esta temática face à variável sexo, a mesma sugere que o sexo feminino reportou e experienciou vitimação de forma mais frequente (e.g., Machimbarrena et al., 2018; Peterson & Densley, 2017; Zweig et al., 2013), uma vez que, por norma, este apresenta mais sintomas de distressface a um episódio de ciberabuso, o que o fará reportar com mais facilidade tais situações (Bennett et al., 2011). No que concerne à perpetração agressão direta, estudos indicam que o sexo masculino apresenta uma maior tendência para ameaçar ou divulgar conteúdo explícito do parceiro em comparação com o sexo feminino (Durán & Martínez-Pecino, 2015; Zweig et al., 2013). Relativamente à dimensão controlo, alguns autores apontaram na sua pesquisa que o sexo feminino reportou ser mais propenso a monitorizar ou controlar a atividade online do seu parceiro, considerando as mulheres “mais obsessivas” e “com maior preocupação” do que o sexo masculino (Borrajo et al., 2015b).

No que concerne a aspetos morais envolvidos na existência deste tipo de abuso, a literatura é escassa. No entanto, existem estudos que apontam o descomprometimento moral como um dos fatores moderadores da existência de violência no namoro (e.g., Cuadrado-Gordillo et al., 2020a). Este conceito foi introduzido por Albert Bandura (1999), sendo que o mesmo envolve um descomprometimento das responsabilidades morais por meio da difamação da vítima e o uso de rótulos eufemísticos para prejudicar os outros sem sentir culpa. Neste sentido, existe um afastamento no envolvimento dos indivíduos em ações morais, do qual emerge um sentido de despreocupação relativamente às consequências que os seus atos podem ter contra outra pessoa. Alguns estudos recentes apontam a relação significativa entre descomprometimento moral e a perpetração de violência no namoro (Cuadrado-Gordillo et al., 2020a; Sanchéz-Jimenéz & Muñoz-Fernández, 2021), sendo possível perceber que indivíduos com alto nível de descomprometimento moral apresentam maior probabilidade de violentar o seu parceiro (Cuadrado-Gordillo et al., 2020b; Hood & Duffy, 2018).

Dado que a sensibilidade moral envolve o cuidado com o outro, a preocupação com as emoções, e se centra essencialmente na predição dos efeitos de diferentes ações no bem-estar de quem é afetado, podemos colocar a hipótese de que ela terá um papel central na diminuição da violência no namoro, no presente caso, online.

Face aos dados até aqui aportados, o presente estudo teve como objetivos: i) verificar as diferenças das dimensões da sensibilidade moral e do ciberabuso no namoro em função do sexo e ii) analisar as associações entre a sensibilidade moral e o ciberabuso no namoro.

Método

Participantes

Na presente investigação, a amostra foi constituída inicialmente por 520 participantes. Após terem sido realizados os procedimentos de limpeza da amostra e aplicado o critério de inclusão (estar envolvido numa relação amorosa), esta ficou reduzida a 239 estudantes universitários, dos quais 200 eram do sexo feminino (83.7%) e 39 (16.3%) do sexo masculino, com idades compreendidas entre os 17 e os 49 anos (M = 21.50; DP = 4.70). Estes foram selecionados de forma não aleatória, por conveniência.

No que diz respeito ao ciclo de estudos que frequentavam, 190 frequentavam o 1º ciclo de estudos (79.4%), 46 o 2º ciclo de estudos (19.2%) e, por fim, apenas 1 frequentava o 1º ano de Doutoramento (0.4%). Dois dos participantes não colocaram o ano (0.8%).

Por último, relativamente à duração da relação amorosa, uma pessoa encontrava-se numa relação há menos de um mês (0.4%), 37 entre um a seis meses (15.5%), 34 entre sete a onze meses (14.2%), 107 entre um a três anos (44.8%), 32 entre quatro a seis anos (13.4%), 12 entre sete a 10 anos (5%), oito há mais de 10 anos (3.3%) e oito não colocaram informação relativamente à duração da sua relação (3.4%).

Instrumentos

Na presente investigação foi construído um Questionário Sociodemográfico com o objetivo de obter informações acerca do sexo, idade, curso, ano e universidade e ainda se os participantes estariam ou não num relacionamento amoroso e o tempo de duração do mesmo.

A Escala de Sensibilidade Moral (ESE) foi traduzida para português por Azevedo (2019), sendo que os seus dados psicométricos estão ainda a ser trabalhados. Esta escala avalia sete dimensões relacionadas com a sensibilidade moral: (1) Ler e expressar emoções, (2) Tomar a perspetiva dos outros (e.g., “Em situações de conflito consigo identificar os sentimentos dos outros”), (3) Cuidado ao conectar-se com outros (e.g., “Tento ter em conta as necessidades dos outros, mesmo quando os meus interesses são afetados”), (4) Trabalhar com diferenças interpessoais e de grupo, (5) Prevenção do viés social, (6) Gerar interpretações e emoções e (7) Identificar as consequências das ações e opções tomadas (e.g., “Quando tomo decisões éticas, considero as consequências dos meus atos”). Este instrumento é composto por 28 itens e as respostas são dadas numa escala tipo Likert, que vão desde 1 “discordo totalmente” a 5 “concordo totalmente”. O presente estudo apresentou valores de alfa de Cronbach para a escala total de .83. A nível individual apresentou valores de alfa entre .55 e .83.

O Questionário sobre Ciberabuso no Namoro (CibAN)(Caridade & Braga, 2019) é constituído por 40 itens que possibilitam obter informação acerca de vários comportamentos associados ao ciberabuso no namoro, como ameaças, roubo de identidade, controlo e humilhação (em termos de vitimação e perpetração nas formas agressão direta e controlo). Assim sendo, 20 destes itens permitem avaliar o indicador de vitimação (e.g., “O/a meu/minha parceiro/a ou ex-parceiro/a já escreveu um comentário numa rede social para me insultar ou humilhar.”) e os outros 20 possibilitam estimar o indicador de perpetração (e.g., “Eu já escrevi um comentário numa rede social para insultar ou humilhar o/a meu/minha parceiro/a ou ex-parceiro/a.”). O sistema de resposta é realizado com recurso a uma escala de resposta tipo Likert de 6 pontos que vão desde 1 – Nunca a 6 – Muitas vezes.

No presente estudo, obteve-se na componente vitimação - agressão direta um α de Cronbach de .70 e na componente vitimação - controlo obteve-se um α de Cronbach de .76. No que concerne à perpetração, obtiveram-se α de Cronbach de .77 tanto na componente agressão direta como na componente controlo.

Procedimento

Numa primeira fase foi efetuada uma pesquisa bibliográfica, em bases de dados científicas, por forma a realizar um enquadramento teórico completo.

Posteriormente, após a escolha dos instrumentos, procedeu-se ao contacto com os autores das validações dos mesmos no sentido de obter a autorização para a sua aplicação sendo que, após estas autorizações, foi elaborado o protocolo de investigação e posteriormente, enviado à Comissão de Ética da UTAD. Após um parecer favorável, foi realizado o contacto aos presidentes, diretores de departamento e diretores de curso de cada Escola, bem como aos professores das turmas selecionadas para a recolha de dados. Esta realizou-se entre fevereiro e abril de 2020, através de um questionário online divulgado nas redes sociais e contacto presencial com as turmas. Foi pedido o consentimento aos participantes, considerando-se os pressupostos éticos subjacentes à prática investigativa, nomeadamente a confidencialidade, o anonimato e a voluntariedade. O tempo de aplicação dos instrumentos não excedeu os 20 minutos.

Métodos de análise de dados

O presente estudo seguiu uma metodologia quantitativa, transversal e correlacional, tendo sido o objetivo geral verificar a relação entre as variáveis em estudo, corroborando os resultados com conclusões previamente obtidas (Marôco, 2018).

A análise estatística foi realizada com recurso ao programa Statistical Package for Social Sciences (SPSS) versão 23. Após inserir os dados na base de dados, foi efetuada a limpeza da amostra que consistiu em excluir missing values bem como outliers. Foi também realizada a análise da consistência interna dos instrumentos, recorrendo aos valores do alfa de Cronbach.

Seguidamente, foram verificados os pressupostos de normalidade dos dados, sendo observados os valores de assimetria (skeweness) e achatamento (kurtosis), sendo posteriormente analisada a informação estatística relativamente ao teste de Kolmogorov-Smirnov (Marôco, 2018).

Após a análise descritiva, foram realizadas análises de comparações de médias (testes-t) com o objetivo de avaliar as diferenças significativas entre as variáveis sociodemográficas e os instrumentos da presente investigação. Foram também realizadas as análises correlacionais interescalares através do r de Pearson com o intuito de determinar o grau de associação entre as variáveis.

Resultados

Variância das dimensões da sensibilidade moral e do ciberabuso no namoro em função do sexo

No que concerne à análise entre as dimensões da ESE e o sexo, foi possível verificar a existência de diferenças estatisticamente significativas nas dimensões Ler e expressar emoções t(237) = 2.38, p = .018, d = 0.41, Tomar a perspetiva dos outros t(237) = 2.13, p = .035, d = 0.34, Cuidado ao conectar-se com outros t(237) = 2.41, p = .017, d = 0.40, e Gerar interpretações e emoções t(236) = 2.52, p = .012, d = 0.42 em função do sexo, tendo o teste d de Cohen demonstrado um tamanho de efeito pequeno. De um modo geral, observou-se que o sexo feminino apresentou níveis superiores comparativamente ao sexo masculino.

Relativamente ao ciberabuso no namoro, foram encontradas diferenças estatisticamente significativas em função do sexo na componente vitimação – agressão direta t(237) = -2.06, p = .040, d = 0.25, tendo o teste d de Cohen apresentado um tamanho de efeito pequeno e na componente perpetração – agressão direta t(237) = -2.36, p = .019, d = 0.32, tendo o teste d de Cohen apresentado um tamanho de efeito pequeno, sendo que o sexo masculino apresentou maior pontuação face ao sexo feminino em ambas as componentes.

Associação entre dimensões da sensibilidade moral e do ciberabuso no namoro

Partindo do objetivo de analisar as associações entre as dimensões da sensibilidade moral e do ciberabuso no namoro, foram realizadas análises correlacionais entre as diferentes variáveis.

As associações verificaram-se apenas nas componentes relacionadas com a componente perpretação do ciberabuso no namoro. Neste sentido a componente perpetração - agressão direta apresentou correlações negativas significativas, de baixa magnitude, com as dimensões Tomar a perspetiva dos outros (r = -.15, p < .05), Cuidado ao conectar-se aos outros (r = -.14, p < .05) e Gerar interpretações e emoções (r = -.14, p < .05), da sensibilidade moral. Já a componente perpetração - controlo apresentou uma correlação positiva significativa com a dimensão Identificar consequências das ações e opções tomadas (r = .14, p < .05) da sensibilidade moral (Tabela 1).

Tabela 1
Tabela 1
VariáveisVitimação – Agressão DiretaVitimação –ControloPerpetração – Agressão DiretaPerpetração – Controlo
Ler e expressar emoções-.04.07-.10.05
Tomar a perspetiva dos outros-.09.01-.15*.01
Cuidado ao conectar-se com os outros-.09-.043-.14*-.09
Trabalhar diferenças interpessoais e de grupo-.04.01-.05.01
Prevenção do viés social-.03-.06-.03.06
Gerar interpretações e emoções-.09.027-.14*-.004
Identificar as consequências das ações e opções tomadas.05.108.01.14*

Análise Correlacional entre as Dimensões da ESE e do CibAn

Nota *Nível de significância de p <.05; os negritos representam valores significativos.

Discussão

A presente investigação teve como objetivos verificar as diferenças entre as dimensões da sensibilidade moral e ciberabuso no namoro em função do sexo e analisar as associações entre a sensibilidade moral e o ciberabuso no namoro.

No que diz respeito ao primeiro objetivo, foi possível observar diferenças estatisticamente significativas em quatro dimensões relativas à sensibilidade moral. Os resultados revelam diferenças referentes a Ler e expressar emoções, Cuidado ao conectar-se com os outros, Trabalhar com diferenças interpessoais e de grupo e Gerar interpretações e emoções, sendo possível verificar que o sexo feminino se destaca nestas dimensões, obtendo níveis superiores, indo ao encontro da literatura (Golami & Tirri, 2012; Stankovska et al., 2019). Isto pode ser explicado através da maior predisposição que o sexo feminino parece ter para expressar as suas emoções e sentimentos, bem como a sua preocupação e cuidado para com os outros, dado que consideram os dilemas morais e éticos com base no cuidado e preocupação com o outro. De forma contrária, o sexo masculino parece basear os seus dilemas em termos de regras ou direitos, sendo uma abordagem mais racional (Gilligan, 1982; Stankovska et al., 2019).

Face ao ciberabuso no namoro, no presente estudo, foi possível observar diferenças estatisticamente significativas relativamente ao sexo dos participantes nas dimensões vitimação - agressão direta . perpetração - agressão direta, sendo o sexo masculino a obter pontuações mais elevadas. Relativamente à dimensão da vitimação, grande parte do racional teórico indica que o sexo feminino tem uma tendência superior para reportar e experienciar vitimação (e.g., Machimbarrena et al., 2018; Zweig et al., 2013). No entanto, estudos recentes revelaram que o sexo masculino experienciou maiores níveis de vitimação de ciberabuso no namoro (Cutbush et al., 2018; Hinduja & Patchin, 2020), sendo que é conjeturada a possibilidade do desaparecimento da ideia de que o sexo feminino não possa ser perpetrador (Hinduja & Patchin, 2020). No respeitante à perpetração, nomeadamente na sua forma agressão direta, foi possível observar que o sexo masculino pontuou de forma mais elevada, estando esta informação alinhada com a literatura (Durán & Martínez-Pecino, 2015; Zweig et al., 2013).

Perante a análise da associação entre as dimensões da sensibilidade moral e o ciberabuso no namoro, é possível verificar, na sua maioria, a presença de correlações negativas significativas. A nível individual, foram observadas associações negativas significativas entre as dimensões Tomar a perspetiva do outro, Cuidado ao conectar-se com o outro e Gerar interpretações e emoções e a componente perpetração - agressão direta. Por sua vez, a dimensão Identificar as consequências das ações e opções tomadas apresentou uma associação positiva significativa com a componente perpetração - controlo de ciberabuso no namoro. Neste sentido, é possível perceber que quanto maior a sensibilidade moral, menor a presença de perpetração de ciberabuso no namoro (na componente agressão direta). Apesar de não existir literatura que foque a relação entre estas variáveis, e tendo em consideração que os conceitos de sensibilidade moral e descomprometimento moral foram construídos em bases etimológicas e filosóficas diferentes e não são, por isso, completamente comparáveis, é possível elaborar algum paralelismo. Segundo Cuadrado-Gordillo e Fernández-Antelo (2019) o descomprometimento moral tem um papel mediador na relação entre a vitimização e a perceção da agressão, uma vez que as vítimas fazem uso deste descomprometimento para minimizar os abusos sofridos, evitando assim a necessidade de pedir ajuda em situações de risco ou perigo, o que faz aumentar consequentemente a perpetração. Também, Sanchéz-Jiménez e Muñoz-Fernández (2021) apontaram que adolescentes com níveis superiores de descomprometimento moral apresentaram maiores níveis de agressão física e psicológica contra o seu parceiro.

Tendo em conta o exposto, é possível perceber a importância do desenvolvimento de competências ligadas à sensibilidade moral pois estas poderão ser um fator preponderante na diminuição do ciberabuso no namoro. Ao haver uma fuga das responsabilidades morais, os indivíduos não serão capazes de autorregular o seu comportamento de forma a não infligirem dor ao seu parceiro nem de ponderar que tipo de sentimentos o outro poderá ter perante situações de violência. Torna-se, por essa razão, imprescindível fomentar capacidades ligadas à empatia, tomada de perspetiva e cuidado com as relações interpessoais por forma a incutir nestes jovens a adoção de comportamentos pró-sociais que, por sua vez, poderão levar a uma diminuição de comportamentos desadequados e violentos, bem como estarem atentos a possíveis problemas éticos de modo que o seu comportamento seja, de igual forma, ético (Stankovska et al., 2019).

Limitações e Pistas Futuras

Esta investigação tem algumas limitações, das quais aqui queremos dar nota, nomeadamente em ordem ao desenvolvimento da nossa investigação. Em primeiro lugar, esta investigação foi de cariz transversal, o que impossibilitou a análise de relações de casualidade entre as variáveis. Adicionalmente, a amostra, apesar de ter um número razoável de participantes (N = 239), não é representativa da população, o que impossibilita a generalização dos resultados. Ressalta-se a utilização de questionários de autorrelato, os quais têm o risco de criar resposta por desejabilidade social, não correspondendo à realidade. Para colmatar esta situação, seria pertinente, futuramente, cruzar os dados obtidos com uma escala de desejabilidade social (e.g., EDS-20). Acresce ainda o facto de a recolha ter sido realizada, em parte, onlineo que não permitiu o controlo do aparecimento de possíveis dúvidas. A nível individual, a Escala de Sensibilidade Ética, dado o teor da mesma, cria uma maior probabilidade de subjetividade na interpretação das perguntas e consequentemente nas respostas, o que poderá desencadear um efeito negativo na confiabilidade do mesmo (Tirri & Nokelainen, 2011), situação que se verificou na presente investigação.

Em termos de pistas futuras, seria pertinente replicar a investigação em diferentes populações, tanto mais jovens como mais adultas, por forma a observar o comportamento das variáveis em cenários diferentes. Salienta-se ainda a importância da realização de estudos longitudinais uma vez que estes auxiliam a perceção do desenvolvimento da sensibilidade moral e dos comportamentos de ciberabuso no namoro ao longo do tempo, por exemplo, o que poderá ainda contribuir para uma melhor definição e estruturação de programas de intervenção. Seria ainda pertinente a realização de investigações que analisem as consequências das variáveis em estudo na saúde mental, em geral, por forma a definir melhor os riscos bem como estratégias de enfrentamento.

Referências

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