Resumo: Com o crescente interesse e avanços nas áreas das STEM, a matemática afigura-se como essencial para o percurso escolar e profissional das crianças e jovens. Providenciar uma visão global acerca do que é a ansiedade matemática, quais são as suas causas, as suas consequências, e como intervir nesta problemática, é o objetivo deste artigo com carácter de revisão bibliográfica. Pesquisaram-se trabalhos científicos nas bases de dados: B-on, Proquest Psychology Journals, PsyARTICLES. Destacámos investigações e informação recentes com particular interesse para a prática de psicologia e de ensino nos contextos escolares. A ansiedade matemática tem um impacto negativo no bem-estar e desempenho dos sujeitos, podendo influenciar as escolhas educativas e profissionais destes. O contexto social desempenha um papel crucial no desenvolvimento desta problemática. Em relação às diferenças de género, os resultados são díspares, pelo qual tentamos compreender as razões para tais evidências. Por fim, no campo da intervenção, ainda são poucas as evidências científicas, no entanto é possível extrair algumas conclusões e estratégias a partir destas.
Palavras-chave: ansiedade matemática, desempenho matemático, diferenças de género, intervenção psico-educacional.
Abstract: With the growing interests and advances in the STEM field, mathematics plays an essential role in the education and professional lives of children and young adults. It becomes relevant, then, to understand what math anxiety is, its causes, consequences and how to intervene in this issue, which is the aim of this literature review. In this overview, we highlight recent developments particularly relevant for the psychological and teaching practices. We searched for scientific works in the following databases: B-on, Proquest Psychology Journals, PsyARTICLES. Math anxiety has a negative impact on the subject’s well-being and performance, potentially influencing their educational and professional paths. The social setting plays a crucial role in the development of math anxiety. In regard to gender differences, the literature presents various results for which we try to understand the factors that explain them. Lastly, when it comes to interventions, there is still little scientific evidence in this field. However, it is possible to extract some conclusions and strategies that might be helpful to deal with this issue.
Keywords: mathematics anxiety, mathematics performance, gender differences, psycho-educational intervention.
Artículos
Ansiedade matemática: Uma visão global acerca da sua origem, impacto e possíveis intervenções
Maths anxiety: an overview of its origins, impact, and possible interventions

Recepción: 18 Septiembre 2021
Revisado: 24 Enero 2022
Aprobación: 28 Enero 2022
Publicación: 01 Julio 2022
Quando a investigação acerca da ansiedade matemática teve início nos anos 70, pouco se sabia acerca da sua prevalência e relação com outros tipos de ansiedade, competências/ características pessoais e desempenho matemático (Betz, 1978).
Com os rápidos progressos científicos e tecnológicos, a área das STEM afigura-se como promissora em termos educacionais e profissionais. No entanto, são muitos os alunos que evitam esta área devido à ansiedade matemática. A matemática não é apenas relevante nesta área, estando cada vez mais presente em todos os domínios do conhecimento, sendo também crucial na vida quotidiana. Neste artigo, fazemos uma breve análise global acerca desta temática e dos seus recentes desenvolvimentos. Analisamos para além do conceito de ansiedade matemática, os fatores que se têm demonstrado como relevantes nesta área de investigação, bem como possíveis intervenções.
Para esta revisão bibliográfica recorremos às bases de dados B-on, Proquest Psychology Journals, PsyARTICLES, e posteriormente, ao arquivo da Revista de Estudios e Investigación en Psicología y Educación. Para a pesquisa utilizaram-se as palavras-chaves ansiedade matemática, desempenho matemático, fatores escolares, fatores sociais, diferenças de género e intervenção. No processo de seleção dos estudos a incluir, deu-se prioridade a estudos recentes, sobretudo dos últimos cinco anos, e particularmente relevantes para o contexto educativo.
A ansiedade matemática pode ser definida como reações emocionais negativas e/ou fisiológicas que um sujeito sente quando confrontado com matemática (Hembree, 1990; Kiss e Vukovic, 2021; Moscoso et al., 2020; Miguel et al., 2019); sendo então uma dimensão emocional e não cognitiva da experiência matemática (Wang et al., 2018). O grau de ansiedade pode variar desde pequeno desconforto a ataques de pânico (Higgins et al., 2020).
Sendo um tipo de ansiedade recorrente, pode ser analisada como estado ou traço (Miguel et al., 2019). Enquanto traço, representa um aspeto estável da personalidade relativamente à sua tendência para interpretar estímulos como intimidantes. Enquanto estado, a ansiedade afeta o estado emocional, fisiológico e cognitivo, o que resulta numa reação excessiva do sujeito, comprometendo a sua capacidade de realização (Miguel et al., 2019; Moscoso et al., 2020).
Esta ansiedade dificulta a concentração durante as aulas, a aprendizagem de matemática e o desempenho de tarefas relacionadas com esta temática, levando a uma resposta típica de evitamento (Higgins et al., 2020; Tomasetto et al., 2021). Assim, as pessoas tendencialmente evitam percursos académicos/profissionais que envolvam matemática e recorrem menos às suas competências matemáticas no quotidiano (Kiss e Vukovic, 2021).
A ansiedade matemática pode ser considerada ansiedade de desempenho específica a um domínio (Hembree, 1990; Levy et al., 2021). Pode também ser encarada como um construto multidimensional pois abrange respostas emocionais negativas perante atividades matemáticas em diversos contextos (Moscoso et al., 2020).
A ansiedade matemática tem características em comum com outros construtos relacionados com afetos no contexto educacional, como a ansiedade a testes (Devine et al., 2012; Moscoso et al., 2020). No entanto, a ansiedade matemática não se restringe a situações de avaliação, como no supramencionado, abrangendo situações matemáticas na vida quotidiana (Tomasetto et al., 2021).
Em suma, existe um consenso entre investigadores na definição de ansiedade matemática no que concerne ao facto de que, para as pessoas que sofrem deste tipo de ansiedade, o confronto com situações relacionadas com a matemática provoca uma resposta emocional que impacta o seu desempenho (Suárez-Pellicioni et al., 2016).
A ansiedade matemática surge na infância (Kiss e Vukovic, 2021; Lu et al., 2021), podendo persistir até na vida adulta. As explicações para o seu aparecimento podem distinguir-se em três categorias: predisposições genéticas, competências individuais e causas socioambientais (Artemenko et al., 2021; Ramirez et al., 2018; Yi e Na, 2020).
A ansiedade matemática pode ser influenciada por fatores genéticos. Em efeito, Wang et al. (2014) verificaram que 40% da variância de ansiedade matemática podia ser explicada por fatores genéticos relacionados com a ansiedade generalizada e com as competências matemáticas. Os restantes 60% devem-se a causas socioambientais relacionadas com a criança. Assim, ambos os fatores genéticos e os fatores socioambientais contribuem para a manifestação da ansiedade matemática (Wang et al., 2018; Wang et al., 2014). Até à data, a relação entre genética e ansiedade matemática é pouco estudada, sendo o trabalho dos autores supramencionados dos primeiros a explorar esta relação.
Competências matemáticas pobres, como uma fraca competência de representação numérica, processamento matemático ou competências de raciocínio abstrato, podem explicar em parte, o aparecimento da ansiedade matemática (Lu et al., 2021; Pizzie, Raman, et al., 2020; Suárez-Pellicioni et al., 2016; Yi e Na, 2020).
Já a motivação é um fator crucial. Ansiedade matemática e motivação para a matemática são duas dimensões distintas de atitudes relativas à matemática, que se relacionam (Trigueros et al., 2020). Ambas representam aspetos emocionais, e, portanto, não-cognitivos, da experiência matemática (Wang et al., 2018).
No contexto do desempenho, os efeitos da ansiedade matemática variam não só com a intensidade desta, mas também com o grau de motivação dos alunos (Wang et al., 2015). Apenas no caso dos estudantes com alta motivação para a aprendizagem de matemática e com moderada ansiedade a esta, a ansiedade facilitava o desempenho ao invés de o prejudicar. Já no caso de alunos com baixa motivação, a ansiedade prejudicava o seu desempenho.
Outro estudo evidencia quão as emoções que o sujeito experiencia no momento da aprendizagem influencia a sua motivação e a ansiedade matemática sentida por este (Brown et al., 2020). Enquanto sentimentos de curiosidade, interesse e alegria levam a uma maior motivação para a aprendizagem, sentimentos de receio de fracassar e desespero levam a que o sujeito sinta mais ansiedade.
Contudo, a motivação não é algo que surge espontaneamente, sendo influenciada pelas experiências do sujeito e pelo contexto em que se encontra (Trigueros et al., 2020).
Então, estudantes que sentem ansiedade matemática podem evitar situações semelhantes no futuro (Pizzie e Kraemer, 2017; Pizzie, Raman, et al., 2020), ou ultrapassar esta esforçando-se mais na tarefa (Brown et al., 2020) dependendo das suas características pessoais.
Um vasto corpo de literatura evidencia diversos fatores de ordem social e ambiental que podem influenciar o desenvolvimento da ansiedade matemática. Estes fatores, expostos seguidamente, estão presentes tanto no contexto de sala de aula, como fora dela (Foley et al., 2017; Ramirez et al., 2018).
Fatores do contexto escolar. Diversos fatores como uma relação hostil entre alunos/professor, inadequação do professor e das estratégias de ensino a que recorre e pressão por parte dos colegas de turma, estão relacionados com o surgimento da ansiedade matemática (Demirtaş e Uygun, 2020; Schaeffer et al., 2020; Suárez-Pellicioni et al., 2016).
O ambiente da sala de aula tal como é percebido pelo aluno influencia o seu desempenho na disciplina de matemática, visto que afeta o seu entusiasmo, interesse e motivação pela aprendizagem (Luttenberger et al., 2018; Trigueros et al., 2020). A perceção do ambiente de sala de aula como sendo mais desafiador, acolhedor e orientado para o domínio dos conteúdos traduz, por parte dos alunos, autoeficácia mais elevada e melhor desempenho (Kelly et al., 2020; Luttenberger et al., 2018). No entanto, ambientes dominados pela competitividade e constante avaliação das aptidões, em que o professor é distante, pode criar ansiedade respeitante a atingir expectativas relativas ao desempenho, bem como diminuir a iniciativa e participação ativa por parte dos alunos (Kelly et al., 2020; Trigueros et al., 2020).
A ansiedade matemática sentida pelos alunos está relacionada com o receio destes cometerem erros, terem más notas, receberem feedback negativo por parte dos professores, especialmente quando este ocorre em frente aos seus pares (Lu et al., 2021; Szczygieł, 2020a). Estas situações levam a uma fraca motivação para a matemática, pouco interesse na disciplina e perceções de baixa competência (Lu et al., 2021).
Finalmente, outro fator importante neste contexto é a própria ansiedade matemática sentida pelo docente (Artemenko et al., 2021). A ansiedade matemática sentida pelo docente influencia a sua escolha de métodos pedagógicos. Docentes mais ansiosos dão as aulas de uma forma mais dogmática e optam por favorecer a aprendizagem mecânica através da repetição ao invés de atividades mais concetuais (Kelly et al., 2020; Schaeffer et al., 2020). Adicionalmente, estes docentes, por terem atitudes negativas relativas à matemática e à sua importância, podem ter expectativas inferiores relativas ao desempenho dos seus alunos, o que pode influenciar o desempenho destes (Schaeffer et al., 2020).
Sobretudo, quando se trata de professoras do primeiro ciclo que apresentam ansiedade matemática, estas transmitem inconscientemente as suas atitudes negativas aos seus alunos (Artemenko et al., 2021; Beilock et al., 2010). Estas docentes geralmente apresentam mais ansiedade matemática por comparação com os seus colegas do género masculino, e com docentes de outros domínios e níveis escolares (Artemenko et al., 2021). Os docentes do primeiro ciclo têm uma formação mais generalizada visto que lecionam diversas áreas do conhecimento, provocando que alguns não se sintam à vontade no domínio da matemática.
Num estudo, as alunas aparentaram ser mais afetadas por esta questão, visto que adotaram mais facilmente estereótipos negativos, como o de que os rapazes são melhores a matemática (Beilock et al., 2010). Contudo, um estudo mais recente evidenciou que os alunos de ambos os géneros são igualmente influenciados negativamente pela ansiedade matemática sentida pelas docentes do primeiro ciclo (Schaeffer et al., 2020).
Fatores do contexto familiar. A interação social modera a relação entre a ansiedade matemática sentida pelos pais e o desempenho dos filhos em matemática, o que indica que esta relação não pode ser explicada exclusivamente por fatores genéticos (Kiss e Vukovic, 2021).
Quando os pais que sentem ansiedade matemática participam com os seus filhos em atividades relacionadas com esta área como por exemplo, realizar os trabalhos de casa, as suas crenças e atitudes negativas podem interferir com a forma como tratam este domínio perante os seus filhos (Foley et al., 2017; Kiss e Vukovic, 2021; Ramirez et al., 2018). Por sua vez, isso pode influenciar negativamente a aprendizagem e o desempenho matemático por parte dos filhos (Silver et al., 2021).
Existe um grande corpo de literatura que demonstra que a ansiedade matemática pode predizer o desempenho escolar e o envolvimento futuro em atividades relacionados com a matemática, sendo por isso importante analisar esta relação (Chang e Beilock, 2016; Pizzie, McDermott, et al., 2020).
Uma das ideias prevalentes é a de que os alunos que sofrem mais com ansiedade matemática têm menos competências nesta área do que os seus colegas, visto que geralmente têm um desempenho pior (Hembree, 1990; Moscoso et al., 2020; Pizzie, McDermott, et al., 2020).
Quando confrontados com uma tarefa matemática, as pessoas com ansiedade matemática preocupam-se com a tarefa e com as suas consequências. Esta preocupação pode prejudicar o desempenho dos recursos cognitivos como a memória de trabalho e despertar atitudes negativas relativamente a matemática, tendo um impacto negativo no desempenho do sujeito (Chang e Beilock, 2016; Maloney e Beilock, 2012; Yi e Na, 2020; Yu et al., 2021).
Umas das mais defendidas ideias prende-se com o facto de a ansiedade matemática prejudicar o desempenho através da redução de recursos cognitivos necessários para as tarefas desta área nomeadamente a memória de trabalho (Ramirez et al., 2018).
As pessoas com elevada ansiedade matemática estão na realidade a fazer duas tarefas simultaneamente quando realizam tarefas matemáticas. Estão a lidar com os seus pensamentos negativos e ruminações e a tentar realizar a tarefa matemática (Beilock e Maloney, 2015; Chang e Beilock, 2016; Kelly et al., 2020; Moscoso et al., 2020).
As tarefas de matemática, geralmente, necessitam bastante dos recursos da memória de trabalho. As preocupações e ruminações do sujeito ocupam parte dos recursos da memória de trabalho que poderiam ser utilizados para a resolução da tarefa matemática, prejudicando o desempenho do sujeito (Beilock e Maloney, 2015; Carey et al., 2016; Chang e Beilock, 2016; Pizzie, Raman, et al., 2020; Ramirez et al., 2018). Assim, as preocupações acerca das consequências do seu desempenho, diminuem os recursos da memória de trabalho, resultando num pior desempenho e maior tempo de resposta (Szczygieł, 2020b). Origina-se então um círculo vicioso entre os receios do sujeito e o seu desempenho (Carey et al., 2016; Moscoso et al., 2020).
Existem também evidências de como dificuldades ao nível das capacidades numéricas e espaciais básicas podem contribuir para a relação entre a ansiedade matemática e o desempenho (Beilock et al., 2017; Yi e Na, 2020).
Os sujeitos mais ansiosos ao nível da matemática têm dificuldades nas suas competências espaciais e de representação numérica que são fundamentais para a realização de tarefas matemáticas (Beilock e Maloney, 2015; Moscoso et al., 2020; Yi e Na, 2020). Estas dificuldades resultam num pior desempenho comparativamente aos colegas menos ansiosos ao nível de matemática.
Cria-se então uma relação recíproca viciosa: as dificuldades aumentam a ansiedade matemática, o que leva a evitamento de confronto com situações matemáticas, reduzindo as oportunidades de aprender e desenvolver competências nesta área (Beilock et al., 2017; Hembree, 1990; Maloney e Beilock, 2012).
Contudo, as dificuldades numéricas e espaciais por si só não explicam o desenvolvimento de ansiedade matemática apenas contribuem para o seu aparecimento concomitantemente com outros fatores (Beilock et al., 2017).
Um dos fatores considerados cruciais por vários estudos para a compreensão da relação entre ansiedade matemática e o desempenho do sujeito, são as atitudes relativamente à matemática (Huang et al., 2019).
Um dos fatores que parece influenciar o desempenho é a autoeficácia (Yi e Na, 2020; Yu et al., 2021), confirmando então, que o desempenho em matemática não é apenas explicado pelas capacidades cognitivas dos sujeitos, mas também por outros fatores de origem cognitivo-motivacionais e afetivos.
Muitos alunos têm atitudes relativas à matemática tendencialmente negativas, e estas podem desempenhar um papel negativo no seu desempenho (Chang e Beilock, 2016; Yi e Na, 2020; Yu et al., 2021). Dada a complexidade dos fatores cognitivos e emocionais que influenciam a aprendizagem e o desempenho em matemática, é provável que esta relação seja simbiótica e influenciada por outros fatores (Chang e Beilock, 2016; Foley et al., 2017).
A ansiedade matemática afeta negativamente a aprendizagem, visto que leva a um menor investimento de tempo e esforço no estudo, propensão para ambientes menos favoráveis ao estudo, assim como menor atenção e capacidade de concentração durante as aulas (Miguel et al., 2019; Yu et al., 2021).
Por outro lado, disposições emocionais positivas têm um impacto positivo na aprendizagem, melhorando a persistência e a utilização dos recursos cognitivos (Yi e Na, 2020; Yu et al., 2021).
No que toca às diferenças de género relativamente à ansiedade de matemática, muitos estudos apontam que as raparigas expressam níveis de ansiedade mais elevados do que os rapazes (Hill et al., 2016; Miguel et al., 2019; Xie et al., 2019). Contudo, existem estudos em que não foram encontradas estas diferenças de género (Levy et al., 2021; Ramirez et al., 2018; Wang, 2020).
Apesar de haver estudos que frequentemente mostram que as raparigas reportam maior ansiedade matemática enquanto traço, diferenças de género relativamente a ansiedade matemática enquanto estado, ou seja, ansiedade momentânea, não são encontradas (Milovanović, 2020).
Relativamente à idade do surgimento da ansiedade matemática para cada género, não existe um consenso na literatura, sendo que as evidências são bastante variadas (Ramirez et al., 2018). Enquanto existem estudos que não encontraram diferenças de género ao nível do primeiro ciclo do ensino básico (Levy et al., 2021), existem também estudos onde estas estão presentes neste nível educativo (Szczygieł, 2020a). Vários estudos apontam para a existência ou para o exacerbamento destas diferenças a partir do ensino secundário (Levy et al., 2021; Milovanović, 2020; Xie et al., 2019).
Enquanto estudos mais antigos apontam para uma vantagem masculina no desempenho no nível secundário (Hembree, 1990, a título de exemplo), estudos mais recentes não encontram diferenças de género no desempenho de matemática (Hill et al., 2016; Milovanović, 2020; Xie et al., 2019). A maioria dos estudos apontam que as raparigas demonstram níveis mais elevados ansiedade matemática, mas que têm um desempenho equivalente aos dos seus colegas do género masculino (Devine et al., 2012; Huang et al., 2019; Milovanović, 2020). Várias explicações têm surgido para este fenómeno. O ambiente e a socialização, por exemplo, podem influenciá-lo (Hill et al., 2016).
Causas das diferenças de género
Existem três grandes correntes que explicam as diferenças de género encontradas em termos de ansiedade matemática: diferenças relativas a autoestima e autoconceito matemático, estereótipos de género e diferenças no autorrelato.
Atitudes e autoconceito. Enquanto alguns estudos apontam no sentido de os rapazes terem atitudes relativas à matemática mais positivas comparativamente às raparigas (Milovanović, 2020; Wang, 2020) outros, em alternativa, indicam que não existem diferenças entre os rapazes e as raparigas relativamente a este domínio (Huang et al., 2019).
Já relativamente ao autoconceito a respeito da matemática, existe um corpo de evidências consistente que indica que as raparigas têm um autoconceito mais baixo do que os rapazes (Goetz et al., 2013; Mata et al., 2012; Milovanović, 2020; Wang, 2020; Xie et al., 2019).
Estereótipos de género. A matemática é geralmente caracterizada como uma área predominantemente de excelência masculina (Levy et al., 2021; Milovanović, 2020). Assim, as raparigas que assumem estes estereótipos, geralmente têm atitudes negativas em relação a matemática e têm menores expectativas em relação ao seu desempenho comparativamente aos seus colegas do género masculino, prejudicando o seu desempenho e aprendizagem (Mata et al., 2012; Xie et al., 2019).
Diferenças no autorrelato. Outra explicação para as diferenças de género, pode dever-se a diferenças no autorrelato da sua ansiedade matemática (Hill et al., 2016). De facto, as raparigas parecem estar mais à vontade para reportar a sua ansiedade matemática do que os rapazes (Goetz et al., 2013; Milovanović, 2020; Xie et al., 2019).
Devido aos estereótipos de género, os rapazes são percebidos como sendo melhores alunos a matemática e simultaneamente a experienciarem menos ansiedade comparativamente às suas colegas, o que pode levar a que os rapazes escondam a sua ansiedade matemática quando questionados a este respeito (Milovanović, 2020; Xie et al., 2019).
É relevante notar que fatores potencialmente cruciais para o desenvolvimento da ansiedade matemática, como o docente da disciplina e o ambiente da sala de aula, por vezes não são devidamente considerados pelas explicações apresentadas seguidamente (Beilock et al., 2010).
Depois de analisar o surgimento da ansiedade matemática, o seu impacto e potenciais consequências é importante analisar as intervenções disponíveis para a aliviar ou remediar. Estas intervenções podem ter o objetivo de reduzir diretamente a ansiedade matemática através da mudança de perspetiva e atitudes do sujeito ou reduzir esta ansiedade indiretamente tornando a aprendizagem mais eficaz (Luttenberger et al., 2018).
Visto que os comportamentos de evitamento que os sujeitos com ansiedade matemática adotam têm um impacto negativo no seu desempenho, a intervenção de exposição parece ser uma medida eficaz, aumentando o interesse, motivação, melhorando as capacidades e atitudes do sujeito neste domínio (Ganley et al., 2021; Ramirez et al., 2018).
A nível individual, praticar matemática através de atividades lúdicas, dessensibilização sistemática e sessões de explicações individuais e de terapia focadas na aceitação e compromisso para o esforço, reduzem a ansiedade matemática e melhoram o desempenho (Chang e Beilock, 2016; Luttenberger et al., 2018; Yi e Na, 2020).
Adicionalmente, o aumento de realização de atividades relacionadas com matemática em casa, não só estimula as competências matemáticas das crianças, como as pode ajudar a perceber a utilidade da matemática, a desenvolver atitudes mais positivas perante esta e a dessensibilizar relativamente à ansiedade matemática (Luttenberger et al., 2018; Ramirez et al., 2018).
No entanto, apesar deste tipo de intervenções ser comprovado como eficaz para diversos tipos de ansiedade, não é acessível a todos os estudantes, razão pela qual é necessário encontrar alternativas mais eficientes em termos de tempo e custo (Pizzie, McDermott, et al., 2020).
As intervenções de mindset visam alterar o modo como o sujeito perceciona e pensa acerca da situação, da ansiedade que está a sentir, ou o modo como pensa acerca de si mesmo perante a situação (Beilock et al., 2017).
Estratégias que se focam na regulação e controlo de atitudes e emoções negativas, especialmente antes da realização da tarefa matemática, diminuem o impacto que a ansiedade matemática tem nos recursos da memória de trabalho, não só reduzindo a ansiedade, mas também melhorando o desempenho (Beilock et al., 2017; Samuel e Warner, 2021).
Ao nível das intervenções de mindset múltiplas técnicas já foram testadas. Vários estudos recorreram a técnicas de escrita expressiva, onde os alunos partilhavam os seus pensamentos e sentimentos negativos acerca de matemática (Ganley et al., 2021; Higgins et al., 2020). Enquanto alguns estudos encontram benefícios nesta técnica, visto que permite que os sujeitos expressem as suas frustrações e receios livremente (Higgins et al., 2020; Yi e Na, 2020), um estudo não encontrou quaisquer benefícios visto que os sujeitos não melhoraram o seu desempenho e ainda reportaram sentirem mais ansiedade após a intervenção (Ganley et al., 2021).
Através do mindset de crescimento, os sujeitos conseguem atribuir os seus sucessos e fracassos aos seus esforços e estratégias, desenvolvendo um autoconceito realístico, mas positivo (Luttenberger et al., 2018; Samuel e Warner, 2021). O mindset de crescimento assenta na crença que o sucesso em matemática é atingido pelo esforço, recurso a estratégias apropriadas, aceitar desafios e feedback dos seus colegas, pais e professores (Samuel e Warner, 2021). Os erros não são vistos como fracassos, mas como problemas que necessitam de diferentes estratégias para a sua resolução. Os alunos que recebem este tipo de intervenção reportam um decréscimo na sua ansiedade matemática e uma maior autoeficácia matemática (Pizzie, McDermott, et al., 2020; Samuel e Warner, 2021; Yi e Na, 2020).
A ideia central de mindfulness é a de recetividade e consciencialização do momento presente (Black, 2011). Enquanto intervenções de mindfulness a longo prazo são comprovadamente eficazes ao nível do aumento do interesse e atitudes positivas, bem como do desempenho por parte dos alunos (Ganley et al., 2021), as intervenções a curto prazo não parecem ter um efeito equivalente nestes aspetos. No entanto, realizar exercícios de respiração controlada ajudaram os alunos a sentirem-se mais calmos numa situação de teste e a melhorar o desempenho, sobretudo no caso dos alunos com maior ansiedade matemática (Luttenberger et al., 2018). Portanto, apesar de não ser tão eficaz como as intervenções a longo prazo, estas “pequenas” práticas de mindfulness revelam-se como ferramentas úteis para os alunos.
Alguns aspetos essenciais a trabalhar na prevenção da ansiedade matemática são, entre outros, a autoestima dos alunos, assim como a sua autoeficácia matemática, promovendo atitudes positivas e o reconhecimento da utilidade e importância deste domínio tanto na aprendizagem como na vida quotidiana (Demirtaş e Uygun, 2020; Xie et al., 2019).
Por meio da aprendizagem através de autodescoberta e colaboração com os colegas, é provável que os estudantes sintam satisfação da realização das tarefas relacionadas com a matemática e desenvolvam atitudes mais positivas perante esta (Botty et al., 2015; Trigueros et al., 2020). Da mesma forma, através de trabalhos em grupo, da colaboração e partilha de ideias e conhecimentos entre estudantes, promovem-se atitudes positivas, autoestima e autoeficácia, assim como a motivação intrínseca (Botty et al., 2015; Yi e Na, 2020).
O ambiente da sala de aula e a relação entre professor e aluno é crucial na prevenção da ansiedade matemática (Trigueros et al., 2020). Um ambiente e relação caracterizados por conforto, confiança e acessibilidade facilitam a aprendizagem e a participação ativa dos alunos, melhorando o seu desempenho. Para além disso, os professores devem recorrer às novas tecnologias, estratégias e materiais alternativos, como por exemplo recurso a novas tecnologias e estratégias de gamificação de forma a motivar os alunos para a aprendizagem (Allen et al., 2017; da Costa et al., 2020; Luttenberger et al., 2018; Soneira e Mato, 2020).
É também importante dar formação e guiões que reforcem atitudes positivas aos docentes e pais ansiosos relativamente à matemática, bem como proporcionar atividades lúdicas e que salientem a importância da matemática, especialmente quando interagem com crianças pequenas, reduzindo a transmissão de perceções e atitudes mais negativas em relação à matemática, assim como a ansiedade que ela gera (Beilock et al., 2017; Demirtaş e Uygun, 2020; Ramos e Fonseca, 2015).
A partir destas medidas e outras similares, é possível reduzir a ansiedade matemática e até prevenir o seu surgimento.
A ansiedade matemática pode surgir na infância e prolongar-se até à vida adulta. Caracterizada por nervosismo quando o sujeito é confrontado com situações que envolvam matemática, todavia não se limita a situações matemáticas no contexto escolar/profissional englobando também situações da vida quotidiana; sendo grandemente influenciada por aspetos ambientais e sociais, para além das características individuais de cada sujeito.
A relação entre a ansiedade matemática e o desempenho matemático parece ser recíproca visto que a ansiedade matemática pode, por diversos mecanismos, prejudicar o desempenho nesta área.
Em relação às diferenças de género e a ansiedade matemática conclui-se que, apesar das raparigas reportarem níveis mais elevados de ansiedade, o seu desempenho matemático é equivalente ao dos seus colegas do género masculino. Isto pode dever-se ao facto das raparigas se sentirem mais à vontade para reportar ansiedade enquanto os rapazes tendem a ocultá-la.
Por fim, em termos da intervenção, conclui-se que esta deve trabalhar a autoestima e autoconceito relativo à matemática, para além de estratégias cognitivo-comportamentais para redução da ansiedade. É importante também sensibilizar os pais e os docentes acerca da ansiedade matemática e do seu papel no desenvolvimento desta.
Em termos das limitações das investigações atuais, constata-se que a maior parte destas usa instrumentos de autorrelato como a única forma de recolha de dados. De forma a generalizar as evidências, é necessário recolher dados de outros intervenientes como pais, professores e administradores escolares.
Outra limitação prende-se com a necessidade de mais estudos longitudinais, visto que a maioria dos estudos neste domínio são de carácter transversal (como mencionado, por exemplo, em Carey et al., 2016); são também necessários estudos que recorram a múltiplos métodos de investigação para ter uma melhor compreensão acerca do impacto e consequências da ansiedade matemática, assim como acerca da sua relação com diversos fatores. Seria, pois, vantajoso adotar uma abordagem mais estandardizada a nível psicométrico para a investigação acerca da ansiedade matemática, assim como chegar a um consenso entre investigadores e prática psicológica no sentido de definir e mensurar a ansiedade matemática, aproximando a divulgação científica aos intervenientes em campo.
Relativamente à relação causal entre ansiedade matemática e o desempenho nesta área, são necessários mais estudos que validem a natureza e direção desta relação, visto não existir consenso nas evidências atuais acerca desta.
Outra limitação prende-se com a falta de estudos que analisem as diferenças de género que incluam fatores cruciais para esta como por exemplo, o ambiente de sala de aula. É igualmente necessário a realização de mais investigação acerca da idade de surgimento da ansiedade matemática, visto que as evidências atuais são díspares e que este fator poderá ser importante para a eficácia das intervenções. Por fim, são necessários mais estudos acerca das intervenções nesta área, e da sua respetiva eficácia, sendo que ainda é um campo relativamente pouco explorado; importa ainda alargar as investigações acerca da eficácia das medidas preventivas para a ansiedade matemática.