Resumo: A compreensão das variáveis que influenciam a adaptação e sucesso dos estudantes da educação superior é fundamental para definição de ações institucionais que favoreçam o sucesso e a permanência acadêmica, em especial dos estudantes de primeiro ano. Neste estudo, analisamos como o coeficiente de rendimento escolar de 715 estudantes do primeiro ano da Educação Superior do Instituto Federal da Paraíba, Brasil, está influenciado por variáveis pessoais, sociais, de adaptação acadêmica, de envolvimento em atividades obrigatórias e em não-obrigatórias dos estudantes. A par das classificações escolares dos estudantes no final do primeiro e do segundo semestre, convertidas no rendimento escolar, e das suas características sociodemográficas, foram aplicadas três escalas ao longo do primeiro ano: escala de satisfação com suporte social, questionário de adaptação ao ensino superior, e escala de envolvimento acadêmico. Os resultados da análise de regressão sugerem que as variáveis quantidade de horas semanais de estudo, sexo, envolvimento do estudante em atividades não-obrigatórias e se trabalha não contribuem de forma estatisticamente significativa para explicar a variância no coeficiente de rendimento dos estudantes. Por outro lado, o fator geral de suporte social, o projeto de carreira, a localização do campus, o envolvimento em atividades obrigatórias e o número de faltas ao longo do ano letivo apresentam um efeito estatisticamente significativo, estando associadas aos níveis de rendimento acadêmico dos estudantes no final do primeiro ano, com variância total explicado do rendimento escolar de 42.6 %.
Palavras-chave: educação superior, estudantes de primeiro ano, sucesso acadêmico, permanência, rendimento acadêmico.
Abstract: Understanding the variables that influence the adaptation and success of higher education students is essential for defining institutional actions that favor academic success and permanence, especially for 1st-year students. In this study, we analyze how the school performance coefficient of 715 1st year students at the Federal Institute of Paraíba, Brazil, is influenced by variables personal, social, adaptation, involvement in activities mandatory and in non-mandatory of students. Along with the classifications of students at the end of the 1st and 2nd semesters, converted into school performance, and the students´ sociodemographic characteristics, three scales were applied throughout the 1st year: satisfaction with social support scale, questionnaire for adaptation to higher education, and scale of academic involvement. Results on regression analysis show that the variables number of weekly hours of study, gender, engagement in non-mandatory activities and if the student works are not statistically significant to explain the variance in the school performance of students. On the other hand, the general social support factor, the career project, the location of the campus, the involvement in mandatory activities and the number of absences throughout the school year have a statistically significant effect, being associated with the academic performance levels of the students, with a school performance total variance explained of 42.6 %.
Keywords: higher education, first-year students, academic success, permanence, academic achievement.
Artículos
Adaptação e sucesso acadêmico em estudantes brasileiros do primeiro ano da educação superior
Adaptation and academic success among first-year students of higher education in Brazil

Recepción: 12 Diciembre 2021
Revisado: 29 Marzo 2022
Aprobación: 01 Abril 2022
Publicación: 01 Julio 2022
Analisando a Educação Superior (ES) no Brasil no final do século passado, ou seja, três décadas atrás, é possível reconhecer que ela permanecia destinada a uma pequena parcela da população, em especial homens brancos, de classe econômica mais elevada e oriundos de famílias que também frequentaram essa modalidade de ensino. A democratização desse acesso, no Brasil e noutros países, só foi possível mediante significativas mudanças sociais e políticas ocorridas nas últimas décadas, incluindo a criação de leis voltadas para ampliação e democratização do acesso a grupos étnicos e sociais mais desfavorecidos, assim como aumento do número de instituições e de cursos ofertados (Borracci et al., 2014; Ministério da Educação, 2012; Marinho-Araújo & Almeida, 2020). No Brasil, estima-se que o número de matrículas no ES cresceu mais de 35 % entre 2010 e 2020, com predominância dos cursos de bacharelado, que representa 2/3 destas matrículas, bem como de estudantes do sexo feminino e estudantes trabalhadores (Ministério da Educação, 2021). A democratização do acesso agora verificada deu então espaço a uma massificação da ES, com a entrada de maior número e maior diversidade sociocultural de estudantes. Esses novos públicos, incluindo negros e indígenas, adultos, mulheres, estudantes trabalhadores, casados, com deficiência, por exemplo, passaram a frequentar em taxas crescentes a universidade (Almeida et al., 2012; Araújo, 2017; Chiroleu, 2013).
Uma questão que se impõe é se este movimento de maior democratização do acesso se traduziu em taxa equivalente de permanência e de sucesso acadêmico desses novos públicos. Na verdade, apesar dos avanços, as instituições de educação superior (IES) ainda apresentam algumas características elitistas, por exemplo horários de funcionamento pouco flexíveis e práticas de ensino assentes em manuais. Como noutros países, diremos que a maior democratização do acesso não tem correspondência, ainda, numa equivalente democratização do sucesso, verificando-se taxas mais elevadas de insucesso e abandono, logo no primeiro ano, junto destes novos públicos estudantis (Branco, 2020; Casanova et al., 2021; Marinho-Araújo & Almeida, 2020; Pather et al., 2017; Tinto, 2007).
A democratização do sucesso e permanência de estudantes adultos, trabalhadores e oriundos dos grupos socioculturais mais desfavorecidos requer uma atenção especial aos estudantes do primeiro ano e à forma como se processa a sua adaptação à universidade (Pather et al., 2017; Riviera-Muñoz et al., 2020; Tinto, 2007). Tendencialmente esses estudantes apresentam algumas dificuldades na sua adaptação acadêmica, associadas às particularidades das suas expectativas, experiência acadêmica prévia, recursos econômicos, competências de estudo e níveis de autonomia para lidarem com os desafios da ES (Almeida, 2019; Araújo, 2017; Farias & Almeida, 2020; Soares et al., 2014). A investigação sugere que estudantes sem tradição familiar de frequência da universidade, estudantes mais velhos com poucas competências acadêmicas ou que deixaram de estudar vários anos atrás, estudantes que necessitam conciliar o estudo com uma atividade profissional ou com o assumir de responsabilidades familiares, por exemplo, apresentam maiores dificuldades na sua adaptação acadêmica. Esta adaptação assume diversas dimensões, sendo particularmente importante a participação nas aulas e a realização atempada dos trabalhos acadêmicos, o relacionamento positivo com colegas e professores, o estabelecimento de novas amizades, se o estudante passou a viver numa outra cidade e afastado da família e dos amigos de infância, ou ainda possuir recursos econômicos suficientes para custear os seus estudos (Casiraghi et al., 2021; Gasparotto et al., 2020; Vieira-Santos et al., 2019). Todas estas variáveis pessoais e contextuais assumem particular relevância na explicação da adaptação e do sucesso acadêmico dos estudantes (Almeida, 2019; Casanova, et al., 2020; Ferrão & Almeida, 2019), sugerindo que a progressiva heterogeneidade dos estudantes ingressantes na ES, associada à diversidade de instituições e cursos, justifica uma maior atenção às vivências adaptativas e ao sucesso acadêmico dos estudantes do primeiro ano.
Não se podendo confinar o sucesso acadêmico ao rendimento escolar, é certo que se mantém na investigação a sua associação ao desempenho acadêmico. A maior facilidade na sua obtenção, a objetividade e a generalização fácil aos estudantes de diferentes cursos explicarão essa opção em grande número de pesquisas (Araújo, 2017; Morais et al., 2019; Moura et al., 2020). Por outro lado, a falta de rendimento positivo, nomeadamente quando o estudante desinveste nas suas tarefas acadêmicas e deixa unidades curriculares por realizar ou não transita de ano, aparece como fator decisivo na sua intenção e decisão de abandono em vários países (Casanova et al., 2020; Heublein, 2014; Rodriguez-Muñiz et al., 2019; Tight, 2019; Tinto, 2007). Assim, também neste estudo, o sucesso acadêmico toma por referência as classificações curriculares, aqui convertidos no coeficiente de rendimento escolar (CRE), pretendendo-se verificar em que medida variáveis pessoais e sociodemográficas, assim como dimensões da adaptação, envolvimento e aprendizagem, impactam no rendimento acadêmico no final do primeiro e do 2º semestre, em estudantes do primeiro ano.
A amostra deste estudo é formada por 715 estudantes do primeiro ano letivo do Instituto Federal da Paraíba (IFPB), Brasil, com idades compreendidas entre 16 e 59 anos (M = 22.10; DP = 6.92), sendo 447 do sexo masculino e 268 do sexo feminino, cuja maioria não trabalha formalmente (83.0 %). Os participantes eram provenientes de cursos de Tecnologia (50.5 %), de Licenciatura (31.3 %) e de Bacharelado (18.2 %), distribuídos em 10 unidades administrativas localizadas em regiões geográficas próximas à capital (39.4 %) e em regiões do interior (60.6 %). Dentre os cursos dos estudantes, podemos destacar: Alimentos, Análise e Desenvolvimento de Sistemas, Automação Industrial, Construção de Edifícios, Design Gráfico, Gestão Ambiental, Negócios Imobiliários, Redes de Computadores, Segurança no Trabalho, Sistemas para Internet e Gestão Comercial (cursos de Tecnologia), Ciências Biológicas, Educação Física, Física, Letras com habilitação em Língua Portuguesa, Matemática e Química (cursos de Licenciatura), Engenharia Civil, Engenharia de Computação, Engenharia de Controle e Automação, e Medicina Veterinária (cursos de Bacharelado). Este conjunto de cursos estava distribuído nas modalidades presencial ou a distância. Os critérios para inclusão da amostra foram (a) aceitar participar do estudo voluntariamente ao longo de um ano de investigação para assegurar o acesso às classificações escolares no final do primeiro e do segundo semestre, e (b) ser estudante do primeiro ano e estar matriculado pela primeira vez no ES.
A par das classificações escolares dos estudantes no final do primeiro e do segundo semestre, convertidas no coeficiente de rendimento escolar (CRE), e das características sociodemográficas, foram aplicadas três escalas ao longo do primeiro ano.
Desenvolvida originalmente por Ribeiro (1999) e, posteriormente adaptada transculturalmente ao Brasil por Marôco et al (2014). Trata-se de uma escala de autopreenchimento do tipo likert com 5 pontos variando entre “concordo totalmente” e “discordo totalmente” que utiliza 15 itens para avaliar 4 fatores relacionados com: (a) satisfação com amizades com 5 itens (exemplos: estou satisfeito com a quantidade de amigos que tenho / estou satisfeito com a quantidade de tempo que passo com meus amigos), (b) intimidade com 4 itens (exemplos: por vezes sinto-me só no mundo e sem apoio / às vezes sinto falta de alguém verdadeiramente íntimo que me compreenda e com quem possa desabafar sobre coisas íntimas), (c) satisfação com familiares com 3 itens (exemplos: estou satisfeito com a forma com que me relaciono com a minha família / estou satisfeito com a quantidade de tempo que passo com minha família), e (d) atividades sociais com 3 itens (exemplos: não saio com amigos com tantas vezes quanto gostaria / sinto falta de atividades sociais que me satisfaçam). Esa escala apresenta adequada confiabilidade, validade fatorial, validade concorrente e divergente, com valores de α variando entre .72 (intimidade e atividades sociais) e .66 (satisfação com amizades). O instrumento apresentou bom ajustamento na análise fatorial confirmatória, sendo: χ2/gl = 2.820, CFI = .939, GFI = .953, TLI = .919, RMSEA = .042.
É um instrumento com 40 itens distribuídos igualmente em 5 fatores, e validado simultaneamente no Brasil e em Portugal (Araújo et al., 2014). Busca avaliar as vivências de adaptação dos estudantes de primeiro ano, categorizando seus níveis de adaptação do universitário em 5 fatores: (a) projeto de carreira (exemplos: estou no curso superior com que sempre sonhei / mesmo que pudesse, não mudaria de curso), (b) adaptação social (exemplos: sinto-me bastante próximo/a do grupo de amigos que fiz nesta Universidade / sinto-me integrado no grupo de colegas que frequenta as mesmas aulas que eu), (c) adaptação pessoal-emocional (exemplos: nos últimos tempos na Universidade sinto-me mais irritável do que o habitual / nas últimas semanas tenho tido pensamentos sobre mim próprio/a que me deixam triste), (d) adaptação ao estudo (exemplos: consigo tirar boas anotações nas aulas / sou capaz de me concentrar nas tarefas de estudo o tempo necessário), e (e) adaptação institucional (exemplos: as salas e os espaços físicos da minha Universidade agradam-me / identifico-me com a minha Universidade (por ex., valores, regras). Este questionário foi validado em Portugal e no Brasil (Araújo et al., 2014; Santos et al., 2016), obtendo-se, na amostra brasileira, coeficientes α variando entre .72 (adaptação à instituição) e .92 (adaptação interpessoal) e bons índices de ajustamento na AFC χ2.gl = 1.292, CFI = .979, TLI = .978, RMSEA = .029 (Santos et al., 2016).
Instrumento desenvolvido a partir da realidade brasileira e busca analisar o grau de envolvimento de estudantes de ES em tarefas educativas a partir de uma escala do tipo likert variando entre pouco/nunca a muito/sempre (Fior et al., 2013). Inicialmente, foi aplicada a 1070 universitários brasileiros com 23 itens, indicando uma estrutura bifatorial: (a) envolvimento com atividades obrigatórias (15 itens voltados para experiências acadêmicas curriculares, incluindo comportamentos de aprendizagem, por exemplo estudo somente às vésperas das provas / levo às aulas os materiais necessários para acompanhar as atividades / finalizo, nos prazos estabelecidos, as atividades solicitadas), e (b) envolvimento com atividades não-obrigatórias (9 itens voltados para experiências acadêmicas extracurriculares, por exemplo participo de congressos e eventos científicos fora da universidade / vou às bibliotecas para consultar materiais relacionados à minha formação / participo da organização de atividades artísticas e culturais no campus). Essas dimensões apresentam bons índices de consistência interna, sendo .85 para o envolvimento com atividades obrigatórias e .73 para o envolvimento com atividades não (Fior et al., 2013).
O estudo foi submetido e aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa do IFPB. Os estudantes foram informados dos objetivos, procedimentos, riscos, benefícios da investigação e da natureza do estudo, bem como da confidencialidade dos dados recolhidos, tendo então assinado o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. Os dados foram coletados em cinco momentos distintos. O primeiro decorreu na semana da matrícula, tendo sido recolhida informação sobre o aluno (sexo, idade, ensino médio, escolha do curso, dentre outros). O segundo ocorreu entre o 2º e 3º mês de aula tendo os estudantes preenchido online a Escala de Satisfação com o Suporte Social-ESSS. O terceiro ocorreu no final do primeiro semestre e consistiu na recolha da informação do rendimento acadêmico a partir do sistema unificado da administração pública-SUAP do IFPB. O quarto momento ocorreu entre o 7º e 8º mês de aula tendo-se aplicado online o Questionário de Vivências Acadêmicas no Ensino Superior (QAES; Araújo et al., 2014) e a Escala de Envolvimento Acadêmico (QEA; Fior et al. (2013). Por último, no final do 2º semestre voltamos a recolher as classificações escolares dos estudantes, recorrendo aos serviços administrativos da instituição.
Os dados foram analisados através de procedimentos de estatística descritiva e inferencial, utilizando-se o programa SPSS/IBM, versão 27.0. Inicialmente, realizaram-se análises descritivas dos dados, como medidas de tendência central e de dispersão, além de testes estatísticos preliminares de associação, mediante coeficientes de correlação de Pearson. Para a análise do impacto das variáveis pessoais e de transição e adaptação sobre o rendimento acadêmico recorreu-se à análise de regressão linear múltipla, método enter, assumindo o coeficiente de rendimento escolar (CRE) como variável critério. Oito variáveis independentes, entendidas como explicativas do sucesso acadêmico, foram incluídas na análise: idade (dividida em 2 faixas etárias: até 22 anos e 23 anos ou mais), sexo (masculino e feminino), estudante trabalhador (sim ou não), localização da instituição frequentada (litoral ou interior), dimensão de projeto de carreira extraído do questionário de vivências acadêmicas na educação superior, fator geral de suporte social (quatro dimensões) e envolvimento acadêmico (duas dimensões: envolvimento com atividades obrigatórias e envolvimento com atividades não obrigatórias). Ressaltamos que a divisão da idade em 2 faixas etárias ocorreu devido à forte homogeneidade dos estudantes em termos de idade, os quais muitos frequentam o IF desde a adolescência e ingressam na ES aos 18 anos, concluindo por vezes sua graduação aos 22 anos. Da mesma forma em Portugal a faixa etária dos 23 anos é tomada para que os estudantes possam entrar na ES sem precisarem de fazer os exames de acesso.
Na Tabela 1, apresentamos dados de estatística descritiva das variáveis investigadas, nomeadamente média (.), desvio-padrão (DP), os valores mínimo (Min) e máximo (Max), bem como os coeficientes de assimetria (Sk) e curtose (Ku).

Análise Descritiva das Variáveis Investigadas (n=715 Participantes)
Analisando os resultados obtidos, verificamos uma grande dispersão de valores no número de faltas às aulas, em que os valores oscilam de 0 a 482, e no rendimento acadêmico onde o CRE calculado oscilou entre 0 e 98 (escala de 0 a 100 pontos). Também no número de horas semanais de estudo se verifica grande variabilidade de valores (entre 1 e 75 horas), embora neste caso se tenha tomado o valor indicado pelos estudantes no preenchimento dos questionários, podendo por isso haver alguma imprecisão nos valores.
A análise de regressão requer o cumprimento de alguns pré-requisitos na distribuição dos dados. Para a análise da independência de resíduos usamos o teste de Durbin-Watson, cujos valores aceitáveis dos resíduos independentes devem variar entre 1.5 e 2.5, situando-se no presente estudo em 1.88 (ausência de correlação elevada entre os resíduos) (Hutcheson & Sofroniou, 1999). As classificações acadêmicas dos estudantes fixaram-se nos valores padronizados entre -3 e +3. Por último, verificaram-se valores adequados de homoscedasticidade, com gráfico de dispersão com padrão próximo de um formato retangular.
Os resultados da análise de regressão mostram um efeito significativo das variáveis independentes na explicação do rendimento acadêmico dos estudantes no final do ano letivo, e explicam 42.6 % da sua variância (R2 ajustado). A Tabela 2 apresenta os coeficientes de regressão relevantes na explicação do rendimento acadêmico de estudantes identificando as variáveis independentes com impacto significativo.

Coeficientes de Regressão para CRE
* p < .05*** p < .001Ao observarmos a Tabela 2, percebemos que as variáveis quantidade de horas semanais de estudo destinadas ao curso, sexo, se trabalha e envolvimento do estudante em atividades não-obrigatórias não contribuem de forma estatisticamente significativa para explicar a variância no CRE dos estudantes. Por outro lado, o fator geral de suporte social, o projeto de carreira, a localização do campus, o envolvimento em atividades obrigatórias e o número de faltas ao longo do ano letivo possuem um efeito estatisticamente significativo, aparecendo associadas aos níveis de rendimento acadêmico dos estudantes no final do primeiro ano. Deste conjunto de variáveis, a localização do campus assume maior impacto, apresentando os estudantes dos campi mais próximos à capital/litoral melhor rendimento acadêmico. Outra variável relevante observada na regressão foi o número total de faltas às aulas ao longo do primeiro ano, registando-se melhor rendimento por parte dos estudantes que faltam menos às aulas, ou seja, estudantes mais assíduos.
Esta pesquisa explorou um conjunto de variáveis relacionadas ao rendimento acadêmico de estudantes do primeiro ano da educação superior no Brasil. Os resultados apontam que o rendimento acadêmico dos estudantes está particularmente associado aos projetos de carreira (QAES) e ao seu envolvimento nas atividades acadêmicas descritas como obrigatórias (EEA). Estes dados mostram que o estar a frequentar um curso de primeira opção e o realizar de forma responsável as tarefas de aprendizagem, como ir às aulas, acompanhar os trabalhos, fazer anotações ou discutir com colegas assuntos vinculados à graduação, são relevantes na adaptação e sucesso acadêmico dos estudantes (Araújo, 2017; Schneider & Preckel, 2017), contrastando claramente com a participação dos estudantes em atividades acadêmicas não diretamente relacionadas com o ensino-aprendizagem (neste estudo designadas de atividades não obrigatórias). Aliás, podemos observar que tais variáveis possuem maior relevância explicativa do rendimento frente ao número de horas de estudo, sugerindo a maior relevância da qualidade das atividades realizadas que o tempo dedicado às mesmas, embora aqui o número de horas tenha sido estimado pelos próprios estudantes podendo haver alguma subjetividade.
A qualidade com que os estudantes realizam as tarefas de aprendizagem faz destacar a importância de certas variáveis pessoais tradicionalmente associadas ao rendimento acadêmico na ES, como autoeficácia, motivação e autorregulação (Araújo, 2017; Bardagi & Boff, 2010; Boruchovitch, 2014; Diseth & Kobbeltvedt, 2010; Fior & Mercuri, 2018; Porto & Gonçalves, 2017). Ir às aulas e participar nas aulas, realizar os trabalhos atempadamente e partilhar com os colegas do curso materiais, por exemplo, são comportamentos de estudantes do primeiro ano bem adaptados academicamente, e que aliás diferencia os estudantes tradicionais logo após a conclusão do ensino secundário daqueles que ingressam em idades mais avançadas ou que precisam conciliar o estudo com atividades profissionais e familiares (Busher & James, 2019). Segundo Oliveira-Silva et al. (2021), apesar de os estudantes reconhecerem a importância de rotinas de estudo para o bom desempenho acadêmico, existem algumas dificuldades de gestão de tempo, como elencar prioridades dentre as disciplinas cursadas, administração do tempo, conciliação entre frequência e dedicação frente a atividades curriculares e extracurriculares. A qualidade no desempenho de tais rotinas favorece ou dificulta o processo de aprendizagem, podendo aqui os estudantes provenientes de grupos sociais mais desfavorecidos e os estudantes de 1ª geração apresentarem maiores dificuldades por conhecerem menos as exigências da educação superior e estarem menos familiarizados com a cultura acadêmica (Almeida et al., 2012; Araújo, 2017; Pinheiro, 2003; Tomás et al., 2014) ou, inclusive, por acederem à universidade com menos expectativas, menos competências acadêmicas e menores classificações nos exames de acesso (Casanova, 2021; Ferrão & Almeida, 2019).
Uma variável importante na explicação do rendimento escolar tem a ver com o suporte social percebido pelos estudantes. Mais ainda sendo estudantes do primeiro ano, vários deles vivendo pela primeira vez afastados da família e dos amigos de infância, ganha relevância para a sua adaptação e para o sucesso acadêmico a quantidade e qualidade de amigos e a sua participação em atividades de socialização (Araújo, 2017; Marôco et al., 2014). Estes resultados corroboram outros estudos que apontam a necessidade de manutenção de vínculos afetivos e construção de novas amizades, sendo a universidade também espaço importante de ampliação das relações interpessoais (Cruz et al., 2016; Zuluaga, 2016; Pinheiro, 2003).
De acrescentar que certas variáveis, que nalguns estudos parecem diferenciar o desempenho acadêmico dos estudantes, por exemplo a variável gênero a favor das mulheres (Almeida et al., 2016; Brites-ferreira et al., 2011), não assumiram relevância na análise de regressão. Em relação à variável vinculada ao emprego, sendo questionado ao estudante se ele trabalha formalmente ou não, foi outro fator que não apresentou resultados estatisticamente significativos na explicação do rendimento acadêmico. Este dado sugere que são trabalhos em part-time (não um emprego formal), permitindo ao estudante tempo suficiente para frequentar as aulas e realizar as tarefas de estudo (Casanova, 2021; Lobo & Filho, 2017; Polydoro, 2000; Quintas et al., 2014). É possível que o menor peso de algumas variáveis na explicação do rendimento académico no nosso estudo seja explicado pelo número reduzido de estudantes em certas categorias. Isto pode ocorrer relativamente aos estudantes com um emprego formal, mas também relativamente à idade que no nosso estudo não se mostrou relevante ao contrário da generalidade dos estudos que apontam o seu efeito negativo no rendimento (Brites-ferreira et al., 2011; Casanova, 2021; Costa et al., 2018; Quintas et al., 2014; Silva, 2013). No nosso estudo, a não relevância da idade pode decorrer da quase totalidade dos estudantes se situar entre os 18-20 anos.
Este estudo permite destacar um conjunto de variáveis que impactam no rendimento acadêmico dos estudantes. Assim, a clareza do projeto de carreira associada à frequência um curso superior de primeira escolha, a presença nas aulas e o cumprimento das atividades curriculares exigidas, uma adequada rede de amigos e suporte social ou, ainda, o frequentar um campus num centro mais urbano com mais recursos educativos e culturais são variáveis positivamente associadas ao rendimento acadêmico. A relevância destas variáveis, face à revisão da literatura, estará de algum modo associada ao fato deste estudo ter sido realizado com uma amostra de estudantes do primeiro ano.
A terminar, importa mencionar algumas limitações do presente estudo. Ele tomou apenas estudantes de uma única instituição, com insuficiente diversidade nalgumas variáveis. Este aspecto coloca sérias reservas a qualquer generalização dos dados. Por outro lado, o rendimento acadêmico foi aqui associado ao trabalho e variáveis pessoais dos estudantes, não tendo havido suficiente atenção aos cursos, às unidades curriculares e aos métodos de ensino e de avaliação dos professores. Ao mesmo tempo, seria importante futuramente conhecer como as vivências e o rendimento acadêmico dos estudantes no primeiro ano se estabilizam ou modificam nos anos seguintes da sua graduação.
Apesar destas limitações, e tendo havido políticas públicas de democratização da educação superior no Brasil, nomeadamente através da criação de Institutos Federais e do seu funcionamento em regiões do interior mais distantes dos grandes centros e das capitais dos Estados (Fernandes & Tabosa, 2018; Pacheco, 2010), torna-se relevante conhecer como os seus estudantes do primeiro ano se adaptam ao contexto académico e são bem-sucedidos nas suas aprendizagens. Cada vez mais as instituições recebem estudantes diferenciados devendo diversificar as suas formas de acolhimento e de ensino para atender à diversidade de públicos e aumentar as taxas de estudantes que alcançam sucesso e finalizam a sua formação. A democratização do acesso e do sucesso requer políticas institucionais de apoio à adaptação, permanência e sucesso acadêmico de estudantes, nomeadamente dos estudantes provenientes de grupos étnicos e socioculturais mais desfavorecidos face à cultura acadêmica dominante nas instituições.
Os resultados do nosso estudo apontam para quatro tipo de variáveis associadas à qualidade da adaptação e sucesso acadêmico dos estudantes a que a instituição e os professores devem estar atentos. Em primeiro lugar, alguns estudantes chegam com pouca clareza nos seus objetivos de carreira e pouca vinculação ao curso, sendo importante ajudá-los a definir um projeto vocacional ou profissional relacionado à área científica do curso. Um segundo aspecto valorizado neste estudo tem a ver com a rede de suporte social. Alguns estudantes saem de casa dos pais e precisam encontrar novos amigos e estabelecer vínculos socioafetivos no curso e na instituição. Quer os professores podem nas suas aulas disponibilizar algum apoio, como podem proporcionar mais ocasiões para os estudantes trabalharem em grupos e criarem vínculos entre si. Uma terceira variável tem a ver com as caraterísticas da própria instituição. No caso deste estudo, a localização do campus influencia a adaptação e o sucesso dos estudantes, podendo isso decorrer da deslocação diária dos estudantes para regiões afastadas da capital, ou por outras caraterísticas que valeria a pena aprofundar. Finalmente, a participação dos estudantes nas atividades letivas e a sua assiduidade às aulas são bons preditores da sua adaptação e sucesso, justificando que os professores e a instituição tenham mecanismos ágeis de identificar quando os estudantes começam a faltar às aulas e a não entregar os trabalhos, pois pode estar a iniciar-se um processo de desvinculação do estudante com o seu curso e com a sua instituição de formação.

Análise Descritiva das Variáveis Investigadas (n=715 Participantes)

Coeficientes de Regressão para CRE
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