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Análise de projetos de vida no início da adolescência através do software IRaMuTeQ

Analysis of life plans among early adolescents using IRaMuTeQ software

Christian Winters
Pontifícia Universidade Católica de Campinas, São Paulo (SP), Brasil
Andressa Melina Becker da Silva
Universidade de Sorocaba, São Paulo (SP), Brasil
Letícia Lovato Dellazzana-Zanon
Pontifícia Universidade Católica de Campinas, São Paulo (SP), Brasil

Análise de projetos de vida no início da adolescência através do software IRaMuTeQ

Revista de Estudios e Investigación en Psicología y Educación, vol. 9, núm. 1, pp. 117-136, 2022

Universidade da Coruña

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Recepción: 30 Marzo 2022

Revisado: 19 Junio 2022

Aprobación: 22 Junio 2022

Publicación: 01 Julio 2022

Resumo: O objetivo deste estudo foi investigar os projetos de vida no início da adolescência, considerando o sexo e tipo de escola (pública, privada e do Serviço Social da Indústria - SESI). O estudo consistiu numa análise das redacções apresentados como parte do projecto “EPTV na Escola” de 2018. O corpus consistiu em 60 ensaios: 20 de cada uma das três escolas, subdivididos por género para dar um total de seis subgrupos de ensaios. Os dados foram analisados utilizando o software IRaMuTeQ. Os resultados mostram uma maior preocupação com o seu futuro entre as estudantes do sexo feminino, e mais alusões a bens materiais e um desejo de contribuir para a sua comunidade entre os sujeitos masculinos. Os estudantes das escolas públicas expressaram mais dúvidas sobre a profissão a escolher, os das escolas privadas mostraram maior preocupação com os assuntos financeiros, e os das escolas do SESI foram considerados mais decididos sobre o seu futuro. Os resultados deste estudo podem contribuir para a construção de conhecimentos sobre os projetos de vida dos adolescentes, principalmente no que diz respeito à fase do início da adolescência. Estes conhecimentos podem ajudar a orientar o trabalho dos professores e outros profissionais na área da Educação implicados na tarefa de transmitir projectos de vida.

Palavras-chave: projetos de vida, início da adolescência, psicologia do desenvolvimento, psicologia educacional, IRaMuTeQ.

Abstract: The aim of this study was to investigate the life plans in early adolescence, considering gender and school type (public, private and Industry Social Service schools). The study consisted of an analysis of essays submitted as part of the 2018 “EPTV na Escola” project. The corpus consisted of 60 essays: 20 from each of the three schools, subdivided by gender to give a total of six subgroups of essays. The data were analysed using IRaMuTeQ software. The results show greater concern with their future among female students, and more allusions to material goods and a desire to contribute to their community among male subjects. Students from public schools expressed more doubts about what profession to choose, those from private schools displayed greater concern with financial matters, and those from SESI schools were found to be more decided about their future. The results of this study may contribute to the construction of knowledge about the life plans of adolescents, mainly regarding the phase of early adolescence. This knowledge may help to guide the work of teachers and other professionals in the area of Education involved in the task of transmitting life projects..

Keywords: life plan, early adolescence, primary school, developmental psychology, educational psychology, IRaMuTeQ.

A adolecência é uma fase de transições biológicas, psicológicas e sociais, no qual ocorre a passagem de habilidades cognitivas e experiências emocionais menos desenvolvidas da infância para habilidades cognitivas e experiências da idade adulta, emocionalmente mais equilibradas (Breinbauer & Maddaleno, 2008). Compreensões contemporâneas têm indicado que a adolescência é um período sensível para a busca por sentido e propósito na vida (Dahl et al., 2018). Por outro lado, a efemeridade do mundo contemporâneo pode dificultar a construção de um projeto de vida e de uma visão de futuro esperançosa e positiva (Faria, 2017). Essas são razões a mais para a condução de pesquisas sobre projetos de vida de adolescentes, os quais tem sido tema de pesquisas de diferentes perpespectivas teóricas desde as publicações pioneiras de Piaget e Erikson (Dellazzana-Zanon et al., 2021).

Os últimos anos têm sido especialmente promissores para a discussão sobre projetos de vida de adolescentes na educação do Brasil. Essa temática ganhou destaque nos documentos educacionais contemporáneos brasileiros, sobretudo, na Base Nacional Comum Curricular (BNCC, Brasil, 2017a) e na Lei 13.714/2017 (Brasil, 2017b), que alterou a Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB). Por ocasião da implementação do Novo Ensino Médio, o projeto de vida começou a ser praticado como um componente curricular em todas as escolas de Educação Básica do Brasil em 2022. Resultados de pesquisas sobre projetos de vidas de adolescentes são necessários para subsidiar o debate e o trabalho a ser realizado no contexto escolar.

Projetos de vida podem ser definidos como: “uma intenção estável e generalizada de alcançar algo que seja significativo para o eu e que gere consequências para o mundo além do eu” (Damon et al., 2003, p. 121). De acordo com essa definição, bastante utilizada na literatura internacional (Dellazzana-Zanon & Freitas, 2015, Winters et al., 2018), projetos de vida representam um objetivo final, para o qual é possível fazer esforços ao longo do tempo, produzindo progressos; dão significado para o sujeito, são voluntários e automotivados; e devem ser significativo para a sociedade (Damon, 2009).

Estudos conduzidos nas últimas décadas produziram uma quantidade abundante de evidências que apontam para os benefícios potenciais de se ter projetos de vida (Hill & Burrow, 2020; Sumner et al., 2018). Elaborar projetos de vida pode ajudar o indivíduo a ter uma vida mais saudável e feliz (McKnight & Kashdan, 2009), mais esperança e maior bem-estar psicológico (Bronk, 2014), mais forças de caráter (Mariano et al., 2021). Sobretudo, a construção de projetos de vida pode oportunizar um panorama de conexão entre o momento presente e o futuro (Koshy & Mariano, 2011). Por essas razões o projeto de vida tem sido considerado como um fator de proteção que contribui para a resiliência do adolescente (Dellazzana-Zanon et al., 2021). Assim, projetar-se no futuro e direcionar seus comportamentos rumo a esses objetivos pode proteger o indivíduo de possíveis comportamentos de risco (Damon, 2009), o que é especialmente importante quando se trata de adolescentes.

Um aspecto a ser considerado quando se estuda projetos de vida é a desigualdade social, característica presente nas grandes cidades brasileiras (Guzzo & Euzébios Filho, 2005). Considerando-se que o Brasil apresenta uma grande desigualdade social e que o sistema educacional revela a mesma disparidade entre os contextos escolares (Guzzo & Euzébios Filho, 2005), frequentar a escola pública ou a escola privada pode impactar na construção dos projetos de vida dos adolescentes (Pereira et al., 2021).

Resultados de um estudo teórico sobre projetos de vida realizado com publicações brasileiras indicaram que a escola não tem sido vista pelos adolescentes como um contexto favorável para a construção de seus projetos de vida, especialmente as escolas públicas (Dellazzana-Zanon et al., 2020). Segundo Nascimento e Rodrigues (2018), embora a escola seja vista pelo adolescente como o caminho para o desenvolvimento de habilidades acadêmicas e de vida, quando a escola é pública ela é considerada mais como um obstáculo do que como uma oportunidade de realizações. Para essas autoras, adolescentes que buscam na escola uma oportunidades de desenvolvimento, mas encontram professores mal qualificados e desinteressados, perdem o interesse pelo ensino, o que gera defasagem escolar e evasão.

Por essas razões, frequentar a escola pública no Brasil pode significar estar mais sujeito aos impactos e aos limites que a marginalização causa na construção dos projetos de vida de adolescentes, levando-os a escolher um caminho necessário e não por interesse pessoal (Rogers & Way, 2016). Não se pode, no entanto, atribuir apenas ao professor a tarefa de criar oportunidades para a construção do projeto de vida de seus estudantes: todos os adultos de referência do adolescente devem contribuir para esse processo, especialmente os familiares. Segundo Damon (2009), os adultos têm falhado nessa função e deveriam estar mais atentos ao seu papel na construção dos projetos de vida dos adolescentes com quem convivem.

Quanto mais os adolescentes refletem sobre suas próprias vidas e sobre como se relacionam com outros indivíduos e com a sociedade, maior a probabilidade de eles refletirem sobre seus objetivos e assim, desenvolver a consciência sobre um projeto de vida engajado, descrevendo um mecanismo que liga apoio social e o desenvolvimento do projeto de vida (Sumner et al., 2018). Considerando-se que: (a) a adolescência é um período senvível para a construção de projetos de vida, (b) o projeto de vida começou a ser implementado como um componente curricular nas escolas brasileiras recentemente, (c) o tipo de escola frequentado pelo adolescente pode impactar na construção de seus projetos de vida, o objetivo deste estudo foi investigar os projetos de vida de adolescentes do final do Ensino Fundamental, considerando seu sexo e contexto escolar: pública, privada e do Serviço Social da Indústria (SESI).

Método

Este estudo foi realizado a partir de um banco de dados composto por redações que foram enviados para um concurso. Portanto, não houve contato com participantes, apenas com as redações que eles enviaram ao concurso. Por se tratar de um estudo documental, não foi preciso aprovação de Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos. A identidade dos autores das redações foi preservada ao longo de todo o estudo.

Fontes de dados

Analisaram-se as redações do concurso EPTV na Escola de 2018, cujo tema foi “Minha vocação e meu propósito de vida”. Esse projeto é um concurso de redação entre todos os alunos do último ano do Ensino Fundamental das cidades de cobertura geográfica da EPTV, uma rede de televisão regional sediada em Campinas – SP. Todas as redações eviadas ao concurso foram cedidas para a terceira autora deste estudo pela coordenação do projeto da EPTV. A base de dados continha 1425 redações, sendo 1135 de escolas públicas, 220 de escolas particulares e 67 de escolas do SESI. Cada adolescente podia enviar apenas uma redação para o concurso.

Procedimentos gerais

Antes do estudo propriamente dito, realizou-se estudo piloto para fins de apropriação do conteúdo das redações. O estudo piloto foi realizado com todas as redações da cidade de Campinas, escolhida por ter o maior número de redações entre todas as cidades que participaram do concurso. Foram excluídas todas as redações que estavam escritas em forma de poemas e cartas. As redações escritas em formato de texto corrido foram separadas nos três tipos de escolas – pública, privada e SESI –, e depois em outros dois subgrupos – sexos feminino e masculino – totalizando seis subgrupos de redações. De cada um desses subgrupos foram retiradas aleatoriamente cinco redações (totalizando 30 redações), que foram lidas na íntegra a fim de familiarizar o pesquisador com o seu conteúdo e orientar o que poderia ser encontrado no banco de dados. Após a finalização do estudo piloto, todas as redações que não foram utilizadas foram devolvidas ao banco de dados.

Para o estudo principal as redações foram separadas nos mesmos seis subgrupos do estudo piloto. De cada um desses subgrupos foram retiradas aleatoriamente 10 redações, totalizando 60 redações. Essa escolha ocorreu para uma melhor equivalência de redações por sexo e tipo de escola. Foram excluídas as redações que não estavam de acordo com as regras do concurso (e.g. poemas e cartas) e as redações da Educação de Jovens e Adultos (EJA).

Procedimentos e análise de dados

Os dados foram transcritos e codificados no Notepad++ e adicionados para processamento pelo pesquisador no software IRaMuteQ 0.7 alpha 2 Interface de R pour les Analyses Multidimensionnelles de Textes et de Questionnaires (Baril e Garnier, 2015). O IRaMuTeQ permite fazer diferentes formas de análises estatísticas sobre corpus textuais e sobre tabelas de indivíduos, por palavras, o que contribui para os estudos em Ciências Humanas e Sociais, que usam o conteúdo simbólico como uma fonte importante de dados de pesquisa (Camargo & Justo, 2018). A análise feita pelo software é considerada qualitativa, pois analisa as palavras utilizadas no discurso, e quantitativa, pois são analisadas pela frequência e pelo método estatístico inferencial do Qui-Quadrado. Parte-se de uma análise indutiva, pois não há categorias prévias, e sim o software vai criando tais categorias de acordo com a semelhança dos termos, que são previamente constatados nas bibliotecas textuais (uma para cada idioma, sendo que o pesquisador escolhe qual idioma irá usar de acordo com o texto a ser analisado).

O corpus foi submetido à Análise Hierárquica Descente (CHD) e Análise de Especificidade (Camargo & Justo, 2013, 2018). Na CHD, o software formula uma matriz que relaciona segmentos de texto em repetidos testes do tipo Qui-Quadrado, obtendo-se uma classificação em termos de classes de palavras (conjuntos de sentidos atribuídos ao texto). A CHD objetiva agrupar os termos em função da similaridade entre si e afastar, para outra classe, o que é diferente. Além disso, os resultados quantitativos de frequência e Qui-Quadrado são gerados automaticamente pelo software, o que permite a descrição de cada classe. A apresentação de exemplos que compreendem cada palavra é gerara de forma automática, pelo sentido dado na classe, cabendo ao pesquisador nomear cada classe (Camargo & Justo, 2013, 2018). Já a Análise de Especificidade permite associar textos com variáveis que o pesquisador deseja investigar (Camargo & Justo, 2013, 2018). Neste caso verificou-se se havia diferenças significativas entre o conteúdo tradizo de acordo com o sexo e o tipo de escola.

Resultados

Realizou-se a Classificação Hierárquica Descendente (CHD). No total, o software identificou 329 segmentos de textos de 380 (aproveitamento de 86,58%), que geraram 4 Classes distintas para a investigação (Figura 1). Uma amostra considerada fidedigna necessita de no mínimo 75% de retenção (Camargo & Justo, 2018).

Através da CHD (Figura 1) é possível perceber que o software dividiu o corpus primeiramente em duas classes (Classe 4 e 3) e em outras duas classes (Classe 2 e 1), cada uma dessas divisões contendo semelhanças em termos de conteúdo (Classe 4 e 3; Classe 2 e 1), mas opondo-se entre elas. O que cada clase representa, a frequência das palabras e a importância estatística (significância) de cada termo para a classe específica é apresentada na Figura 1.

Figura 1
Figura 1
Figura 1

Dendograma resultante da Classificação Hierárquica Descendente das redações dos participantes do EPTV Na Escola de 2018 (N=60)

Nota: **p < .01; ***p < .0001, teste Qui-Quadrado, software IRaMuTeQ

Conforme apresentado na Figura 1, o primeiro grupo (composto pelas Classes 1 e 2), referente a fundamentos para a criação do projeto de vida, compõe 47,7% do conteúdo total de segmentos. O segundo grupo (composto pelas Classes 3 e 4), referente a projetos de vida definidos dos participantes, compõe 52,3% do conteúdo total de segmentos. O software dividiu o primeiro grupo em duas Classes opostas: a Classe 1, que se refere à avaliação de projetos antigos e a 24,6% do conteúdo total de segmentos e a Classe 2 referente a reflexões sobre os alicerces dos projetos de vida e a 23,1% do conteúdo total de segmentos. O segundo grupo foi dividido pelo IRaMuTeQ em duas Classes opostas: a Classe 3, que se refere a projetos de vida que incluem outrem e a 21,9% do conteúdo total de segmentos e a Classe 4, referente a projetos de vida ligados ao trabalho e ao aspecto financeiro e a 30,4% do conteúdo total de segmentos.

A Classe 1 denominada “Avaliação de projetos antigos” teve como principais palavras utilizadas “quando”, “crescer”, “criança”, “sonhar” “pequeno” e “querer” (p < 0,001) (Figura 1). Esta Classe demonstra aspirações infantis em comparação com o tempo atual evidenciadas por todos os vocábulos acima, como ilustra o exemplo a seguir: “Quando nós somos mais novos é fácil responder sobre nossas escolhas para o futuro, as crianças costumam sonhar muito, porém a medida que nós crescemos, nós nos deparamos com tantas críticas, contrariedades, obstáculos e assim nós temos que refletir sobre algumas escolhas” (P33 – SESI, Feminino).

A Classe 2, nomeada “Reflexões sobre os alicerces do projeto de vida” teve como principais vocábulos “dom”, “algo”, “experiência” e “gostar” (p < 0,001) (Figura 1). Este vocabulário evidencia uma relação com aquisições de experiências para o futuro mediante o uso de “dom” e “experiência”. A seguir, apresenta-se um trecho relacionados à Classe 2: “O autoconhecimento – ter compreensão e domínio de si mesmo – é algo fundamental para que o jovem faça uma escolha consciente, pois é preciso saber que é para saber onde quer chegar” (P11 – Pública, Feminino).

A Classe 3, nomeada “Projetos de vida que incluem outrem” teve como principais vocábulos “vida, “caminho”, “além”, “encontrar”, “propósito” e “sentido” (p < 0,001) (Figura 1). Esse vocabulário sugere uma ligação com projetos de vida focados para além de si mesmo, evidenciados pelo uso das palavras “vida”, “caminho”, “além”, “propósito” e “sentido”, coforme ilustra o exemplo a seguir: “Se um dia eu me tornar o que eu almejo, meu principal propósito será não apenas produzir produtos, mas melhorar a vida do ser humano e com esse propósito de melhorar a vida do humano, além do meu crescimento pessoal, melhorar a sociedade como um todo” (P3 – Pública, Masculino).

A Classe 4, nomeada “Projetos de vida ligados ao trabalho e ao aspecto financeiro” teve como principais vocábulos “escolher”, “condição”, “pessoa” e “trabalho” (p < 0,001) (Figura 1). Esse vocabulário sugere uma ligação com o trabalho e o aspecto financeiro evidenciada pelas palavras “escolher”, “condição” e “trabalho”, conforme pode ser vito no exmplo a seguir: “Entre diversas opções de carreiras e profissões, eu não hesitei nem por um segundo ao escolher medicina” (P14 – Pública, Feminino).

Os resultados da Classificação Hierárquica Descendente indicaram dois caminhos divergentes, formados pelos grupos “Fundamentos para a criação de projetos de vida” e “Projetos de vida definidos”. O primeiro grupo é baseado em reflexões sobre processo de autoconhecimento e amadurecimento do adolescente, circunscritos à comparação dos projetos antigos aos projetos atuais e ao que é necessário para a construção de um projeto de vida. O segundo grupo abarca os projetos de vida que os adolescentes já definiram.

A Análise de Especificidade associa os textos com as variáveis escolhidas pelo pesquisador para realizar sua pesquisa, ou seja, possibilita a análise da produção textual em função das variáveis de categorização. Na primeira análise foi comparado a variável sexo, e os resultados mostram que as participantes do sexo feminino utilizam mais as palavras “aquilo” (χ2 = 3.15), “seguir” (χ2 = 2.19), “mesmo” (χ2 = 2.17), “estar” (χ2 = 2.03), “futuro” (χ2 = 1.90) e “animal” (χ2 = 1.88). Este resultado demonstra que as meninas se preocupam mais com o futuro e o caminho a se seguir até alcançá-lo, como pode ser observado no trecho: .[...] Sob pressão, somos obrigados a escolher nossa vocação e seguir um futuro que nem sempre é o desejado! Porque nós sofremos influências da sociedade, que nos diz ser necessário escolher o futuro pensando apenas em status social [...].(P36 – SESI, Feminino).

Um outro resultado dessa análise foi a utilização da palavra “animal”, mais utilizada pelo sexo feminino. Isso demonstra uma preocupação maior das meninas com os animais, exemplificada com o trecho a seguir: .[...] Eu fico indignada ao ver o quanto o ser humano é maldoso em relação aos animais, terminando a faculdade eu quero me estabilizar financeiramente com meu trabalho em um consultório que eu mesma montarei [...]. (P55 – Particular, Feminino).

Quanto à análise das redações dos participantes do sexo masculino, os resultados mostraram que as palavras mais utilizadas neste grupo foram: “dia” (χ2 = 3.7283), “carro” (χ2 = 3.2158), “vários” (χ2 = 2.93), “muito” (χ2 = 2.48), “amigo” (χ2 = 2.42), “outro” (χ2 = 2.32) e “casa” (χ2 = 2.14). Estas palavras demonstram que os meninos se referem com mais frequência a aquisição de bens materiais, conforme ilustra o trecho a seguir: .[...] Hoje em dia é difícil sobreviver com emprego, sem emprego é muito mais difícil. Para comprar um carro ou uma moto sem ter um trabalho fixo é difícil, fica difícil comprar comida, pagar contas, comprar casa, realizar sonhos, viajar” (P1 – Pública, Masculino). Outro resultado encontrado na análise de comparação das respostas entre sexos foi a utilização das palavras “amigo” e “outro”, que demonstra que os meninos majoritariamente se referem mais a amigos e a outros: [...] Eu acredito que o objetivo da minha vida é ser feliz e levar alegria aos outros [...]. (P27 – SESI, Masculino).

Na segunda Análise de Especificidade foi utilizada a variável tipo de escola, dividida entre escolas públicas, escolas particulares e do SESI. Foi encontrado na análise de escolas públicas maior uso das palavras: “difícil” (χ2 = 3.42), “sentir” (χ2 = 2.94), “dia” (χ2 = 2.31), “pensar” (χ2 = 2.04) e “desistir” (χ2 = 1.77). Observou-se nas redações de adolescentes de escolas públicas um maior uso das palavras “pensar”, “sentir”, que evidenciam as reflexões destes alunos, conforme pode ser visto nos trechos a seguir: .[...] Hoje, eu não penso em uma profissão que possa me ser perfeita, eu sinto que possuo vocação para uma futura desenhista ou ilustradora, porém eu tenho medo de não me dar estabilidade financeira que eu procuro e desejo [...]. (P17 – Pública, Feminino).

Outro resultado encontrado na análise das redações dos adolescentes de escolas públicas foi o uso das palavras “difícil” e “desistir” que indica que esses adolescentes reconhecem mais as dificuldades da vida referentes à escolha de uma profissão e à possibilidade da desistência de escolher uma profissão, conforme ilustram os trechos: .[...] Eu creio que adolescentes como eu se sentem angustiados também, mas têm que ter uma mente forte para não desistir, já vi muitas pessoas desistirem e eu não desistirei [...]. (P4 – Pública, Masculino).

No grupo de escolas particulares encontrou-se um maior uso das palavras: “animal” (χ2 = 2.17), “professor” (χ2 = 2.09), “dinheiro” (χ2 = 1.99), “paixão” (χ2 = 1.66), “melhor” (χ2 = 1.60) e “trabalho” (χ2 = 1.51). O uso das palavras “dinheiro” e “trabalho” sugere que, apesar de alguns adolescentes demonstraram uma maior preocupação ao aspecto financeiro, a maioria deles não se sente influenciada pela questão financeira, como pode ser visto no trecho a seguir: .[...] Umas pessoas acham que a felicidade está ligada a ganhar dinheiro por isso escolhem carreiras que trazem riqueza e esquecem que a felicidade é fazer o que amamos [...] muitas crianças decidem seu futuro, por impulso, pressão e como eu já citei até mesmo dinheiro, mas o trabalho deve ser algo que nós fazemos por prazer, amor e vontade de ver uma sociedade influenciada pelas nossas ações [...]. (P56 – Particular, Feminino).

Na utilização das palavras “professor”, “paixão” e “melhor” é possível observar uma preocupação em contribuir com a melhora do mundo e da sociedade, evidente no trecho: .[...] Encontre sua paixão, e se dedique a essa paixão, seja um trabalhador apaixonado e honesto [...] Se cada humano do mundo seguir sua vocação e propósito, todos os empregos serão realizados com paixão, então o mercado financeiro estará em equilíbrio, tornando o mundo justo e melhor [...]. (P52 – Particular, Feminino).

No grupo escolar SESI, as palavras mais utilizadas foram: “vida” (χ2 = 2.20), “querer” (χ2 = 1.90), “sonhar” (χ2 = 1.71), “criança” (χ2 = 1.45) e “decisão” (χ2 = 1.43). A utilização das palavras “sonhar”, “criança” e “decisão” demonstram uma maior reflexão de projetos antigos neste grupo de estudantes, evidenciada pelo trecho: “Quando nós somos mais novos é fácil responder sobre nossas escolhas para o futuro, as crianças costumam sonhar muito, porém a medida que nós crescemos, nós nos deparamos com tantas críticas, contrariedades, obstáculos e assim nós temos que refletir sobre algumas escolhas” (P33 – SESI, Feminino).

Outro resultado encontrado em relação às redações dos estudantes do SESI foi mais menções às suas vontades do que os alunos das demais escolas a partir da utilização das palavras “querer” e “vida”. O fato deles mencionarem mais suas vontades, no entanto, não significa que eles possuam projetos de vida definidos, como pode ser evidenciado no trecho: .[...] Com a vida sensível e afetada, o jovem se encontra numa grande cilada entre se esforçar e ter tudo o que deseja; sem hesitar, nós jogamos na opção mais amargurada [...]. (P22 – SESI, Masculino).

Discussão

Este estudo teve como objetivo investigar os projetos de vida de alunos do nono ano do Ensino Fundamental II, por meio da análise e comparação das variáveis sexo e tipos de escola. Os adolescentes que escreveram as redações tinham, em sua maioria, idades entre 13 e 15 anos. O tema escolhido para a edição de 2018 do concurso, “Minha vocação e meu propósito de vida”, cumpre a função de promover a reflexão dos adolescentes sobre sua importância na sociedade e, para além disso, estimula que eles façam um exercício de reflexão sobre o seu futuro e seus projetos, o que tem sido fortemente sugerido na literatura (Bronk, 2014).

Entretanto, observou-se que há uma dificuldade de reflexão sobre estes projetos de vida. Apesar dos adolescentes mencionarem que esses projetos são importantes, tema sobre o qual são questionados desde criança, muitos relataram dificuldades para refletir e construir seus projetos de vida. Essa dificuldade de construir projetos de vida pode estar relacionada às múltiplas possibilidades e à constante necessidade de fazer escolhas, típicas do mundo contemporâneo (La Taille, 2009). Outra compreensão possível é que nem a escola e nem a família estejam oferecendo oportunidades para que os adolescentes reflitam sobre o futuro.

Por meio da CHD, os resultados foram primeiramente divididos entre 2 grupos, “Fundamentos para a criação do projeto de vida”, dividido nas classes 1 e 2, e “Projetos de vida definidos”, dividido nas classes 3 e 4. A Classe 1 apresenta avaliações dos projetos antigos dos alunos, nos quais eles evidenciam aspirações infantis em comparação com o tempo atual, no qual refletem sobre o passado para construir o seu futuro. Esses resultados estão em consonância com Dellazzana-Zanon e Freitas (2015), segundo as quais a construção do projeto de vida ocorre ao longo da vida, iniciando na infância, por meio da convivência familiar e social, e concretizando-se com o crescimento do indivíduo.

A Classe 2 possui respostas que evidenciam reflexões sobre os alicerces do projeto de vida, em que os alunos falam sobre aquisições de experiências para o futuro e abordam objetivos fundamentais de um indivíduo. Ao pensarem sobre aquisições de experiência e abordarem objetivos fundamentais de um indivíduo, eles refletem sobre suas vidas e como se relacionam com outros indivíduos e com a sociedade, o que aumenta suas chances de desenvolverem consciência sobre um projeto de vida engajado (Sumner et al., 2018).

A Classe 3 apresentou os projetos de vida que incluem outras pessoas, ou seja, projetos nos quais outras pessoas além de si são consideradas. Esses resultados remetem à dimensão além de si, proposta por Damon et al. (2003), segundo a qual o projeto de vida deve necessariamente considerar algo que seja ao mesmo tempo significativo para o eu e que gere alguma consequência para o mundo além do eu. A presença da dimensão além de si no projeto de vida do adolescente é importante, pois ela é a base da construção de projetos de vida éticos e engajados. Adolescentes considerados engajados são mais orientados e mais propensos a alcançar os objetivos de vida, e possuem um maior nível de satisfação com a vida (Araújo et al., 2014).

A Classe 4, referente aos projetos de vida ligados ao trabalho e ao aspecto financeiro, indicou que alguns adolescentes já têm um projeto de vida em relação ao trabalho definido, na medida em que eles revelam ter escolhido uma profissão. Esses resultados mostram também que a escolha da profissão, para a maioria dos adolescentes está mais ligada à realização pessoal do que ao aspecto financeiro. Esses dados vão ao encontro dos resultados do estudo de Borges e Coutinho (2010), segundo o qual os adolescentes buscam serem felizes a partir de seu trabalho, que ocupa um lugar central em suas vidas. Por outro lado, evidências indicam que, para adolescentes de nível socioenconômico baixo, o trabalho está relacionado à necessidade de superar as dificuldades financeiras presentes em suas vidas e assegurar estabilidade financeira para retribuir e continuar ajudando a família de origem no futuro (Dellazzana-Zanon et al., 2021).

A Análise de Especificidade possibilita a análise de uma produção textual em função das variáveis de categorização, que foram sexo e tipos de escola. Os resultados quanto ao sexo indicaram que as meninas se preocupam mais com o futuro e o caminho a ser perseguido para alcançar este futuro. Este resultado está em consonância com Breinbauer e Maddaleno (2008), segundo os quais, na fase da adolescência inicial, entre 13 e 15 anos, período em que se encontram os participantes do estudo, o lobo pré-frontal (parte do cérebro responsável pela tomada de decisão e planejamento) e as funções executivas das meninas são mais desenvolvidas que as dos meninos. Assim, apesar de muitos adolescentes contemporâneos terem uma perspectiva frágil de futuro e uma dificuldade de se projetar ao futuro (Damon, 2009) os resultados deste estudo mostraram que meninas em fase de adolescência inicial tendem a estar mais direcionadas rumo à construção de seu projeto de vida do que os meninos. Outro resultado que chamou atenção na Análise de Especificidade foi o fato de que as meninas demonstraram uma maior preocupação com animais. Pode-se pensar que esse resultado esteja relacionado à expectativa social esperada da mulher de que ela tenha maior preocupação com o cuidado de outras pessoas (Biroli, 2018), o que pode incluir o cuidado com os animais.

Em relação aos meninos, os resultados da Análise de Especificidade mostraram que eles se referem mais a aquisição de bens materiais. Diferentes pesquisas têm mostrado que a aquisição de bens é um tipo de projeto de vida comum entre adolescentes brasileiros (Araújo et al., 2020; D’Aurea-Tardeli, 2008; Dellazzana-Zanon et al., 2021; Miranda & Alencar, 2015; Nascimento & Rodrigues 2018; Pereira et al., 2021; Wichmann et al., 2019) especialmente os do sexo masculino (Nascimento, 2006). Os resultados também revelaram que os meninos demonstraram uma maior preocupação com amigos e outras pessoas em seus projetos de vida. Os resultados do estudo de D’Aurea-Tardeli (2008) indicaram que 82,32% das respostas dos adolescentes incluíam outras pessoas de alguma forma em seus projetos de vida. Pode-se pensar que a preocupação com amigos e outras pessoas ocorra em função das mudanças cerebrais próprias da adolescência inicial, na qual ocorre uma maior dependência emocional dos amigos, intimidade, lealdade e os valores compartilhados passam a ter um maior peso, o que aumenta a empatia e a responsividade em relação aos amigos íntimos (Breinbauer & Maddaleno, 2008). Além disso, as relações de amizade colaboram para a obtenção de conhecimento e para a interiorização de princípios centrais e estruturantes como confiança, lealdade, responsabilidade e reciprocidade (Carvalho et al., 2017).

Na Análise de Especificidade feita com os tipos de escolas, a saber escolas públicas, particulares e do SESI, percebeu-se que os alunos de escola pública demostraram um maior número de reflexões, que abordam sentimentos sobre o presente e pensamentos sobre o futuro. Neste sentido, quanto mais os adolescentes refletem sobre suas próprias vidas e sobre suas relações, maior a probabilidade de eles refletirem sobre seus objetivos e assim desenvolver consciência sobre um projeto de vida engajado (Sumner et al., 2018). Ainda, pode-se pensar que as dificuldades financeiras e sociais que os alunos de escolas públicas brasileiras enfrentam influenciam, de alguma forma, na construção de projetos de vida. Estudos realizados com adolescentes marginalizados mostram que essa situação pode, de fato, emponderar os jovens a combater injustiças sistêmicas que os levam à marginalização (Sumner et al., 2018) e impulsioná-los a ter um futuro melhor não apenas para si e para sua família, mas também para a sua comunidade (Dellazzana-Zanon et al., 2020).

Por outro lado, estudantes de escolas públicas que vivenciem situação de marginalização podem perder de vista o seu próprio futuro, na medida em que não há garantias de um futuro positivo, previsível ou longo, o que pode atrapalhar os adolescentes na exploração das diversas possibilidades para suas vidas, e direcionar seus projetos a partir da necessidade ao invés do interesse pessoal (Sumner et al., 2018). Nesse sentido, resultados de um estudo que comparou adolescentes de escolas públicas e particulares mostraram que os de escolas públicas não sabiam o que esperar do futuro, independentemente da definição de uma profissão (Locatelli et al., 2007).

Quanto aos alunos das escolas particulares, os resultados mostraram que há uma maior preocupação com o aspecto financeiro. Esse resultado vai ao encontro dos resultados de Miranda e Alencar (2015), segundo as quais 58,04% das respostas dos adolescentes de classe média citaram projetos de vida relacionados a bens materiais. Para essas autoras a preocupação dos adolescentes com o aspecto financeiro está relacionada às possibilidades reais desse grupo de adquirir esses bens. Uma análise mais aprofundada dos trechos referentes aos estudantes de escolas particulares, indicam, no entanto, que a preocupação desses adolescentes quanto ao aspecto financeiro está mais relacionada a encontrar uma profissão que seja significativa e que leve à realização pessoal do que escolher uma profissão que garanta um retorno financeiro. Pode-se pensar que o fato de os adolescentes priorizarem a realização pessoal ao invés do retorno financeiro, no que se refere ao seu projeto de vida profissional, esteja relacionada ao maior poder aquisitivo de suas famílias e à consequente falta de preocupação desses adolescentes em relação à necessidade de ajudar na subsistência familiar e no próprio sustento.

Os alunos das escolas particulares mencionaram maior preocupação em contribuir com a melhora do mundo e da sociedade do que os de escolas públicas e SESI. Entretanto, resultados de outras pesquisas sobre o tema indicam que alunos de escolas públicas estão mais propensos a se comprometerem com um projeto de vida cívico, que vise a amenizar as dificuldades encontradas pelo seu grupo social (Malin et al., 2015). O fato de os resultados deste estudo serem diferentes dos encontrados na literatura, os quais evidenciam que os alunos de escolas públicas demonstram mais projetos de vida voltados a contribuir para a melhoria da sua comunidade e da sociedade, pode estar relacionado ao contexto no qual os dados foram gerados: um concurso para escolher as melhores redações sobre o tema “Minha vocação e o propósito de minha vida”. Assim, pode-se pensar que os estudantes das escolas particulares tenham escrito suas redações de maneira que acreditavam que iriam agradar os jurados do concurso “EPTV na Escola” e ter mais chances de ter sua redação premiada.

Em relação às escolas do SESI, os resultados mostraram que os alunos dessas escolas manifestaram mais capacidade de refletir sobre seu passado e seus sonhos de criança e sua relação com seus projetos de vida atuais. Em consonância com Bronk (2014) e Damon (2009), esses resultados ilustram que o processo de construção de projeto de vida acontece ao longo do desenvolvimento humano, tendo início durante a infância e se intensificando ao longo da adolescência.

As redações dos alunos do SESI revelaram mais sobre suas vontades, o que demonstra uma maior reflexão em relação aos seus projetos de vida em relação aos alunos dos outros tipos de escola. Este resultado sugere que apesar de alguns estudantes ainda não terem definido seu projeto de vida, esse processo está em construção, na medida em que eles manifestam uma intenção de realizar algo, priorizando suas escolhas em detrimento de outras, hierarquizando-as (Piaget & Inhelder, 1955/1976).

Considerações Finais

Este estudo documental foi conduzido a partir da análise das redações escritas por adolescentes do último ano do Ensino Fundamental. Os resultados mostraram que as participantes do sexo feminino mencionaram maior preocupação com o caminho a trilhar para o futuro e os do sexo masculino referiram-se mais a bens materiais e a uma maior preocupação em contribuir com sua comunidade. Independentemnte do sexo, os adolescentes de escolas públicas apresentaram mais dificuldades em relação à escolha da profissão, os de escolas particulares mencionaram maior preocupação com o aspecto financeiro e os das escolas do SESI apresentaram maior decisão quanto ao rumo de suas vidas.

Os resultados deste estudo derivam de redações escritas por adolescentes do último ano do Ensino Fundamental, portanto, por adolescentes que estão prestes a ingressar no Ensino Médio. A visão sobre o processo de contrução dos projetos de vida desses estudantes é uma contribuição importante, na medida em que pode servir como embasamento para o trabalho de implementação da disciplina de projeto de vida na Educação Básica do Brasil. Deve-se deixar claro, entretanto, que as redações analisadas foram escritas para fins de um concurso. Nesse sentido, algumas redações podem ter sido escritas de modo a agradar os jurados do concurso, o que pode ter feito com que alguns resultados encontrados neste estudo tenham divergido dos de outras investigações sobre o assunto. Além disso, deve-se salientar que o objetivo das redações foi gerar uma oportunidade para que os estudantes refletissem sobre suas intenções em relação ao futuro, uma fase importante e preliminar para a contrução de seus projetos de vida.

Uma limitação deste estudo foi o fato de que os pesquisadores teveram acesso apenas aos dados contidos no cabeçalho da folha da redação. Assim, informações como classe econômica e configuração familiar dos participantes, que poderiam ter auxiliado na análise e na compreensão dos dados não puderam ser obtidas. Apesar dessas limitações, os resultados deste estudo contribuíram para a construção do conhecimento sobre projetos de vida de adolescentes, principalmente quanto à fase da adolescência inicial. Esse conhecimento pode ajudar a guiar o trabalho de professores e demais profissionais da área da Educação imbuídos da tarefa de ministrar projetos de vida. Os resultados desta investigação geraram ainda informações sobre os projetos de vida de estudantes de escolas do SESI, uma população menos estudada nas pesquisas sobre projetos de vida.

Considerando-se que utilizou-se apenas uma parte do banco de dados referente ao concurso “EPTV Na Escola” de 2018, sugere-se que novas pesquisas sejam conduzidas a fim de ampliar os resultados encontrados neste estudo. Nesse sentido, seria interessante analisar os dados das redações por meio de outros recursos metodológicos como a análise temática, por exemplo. Sugere-se também investigar as redações dos estudantes da Educação de Jovens e Adultos (EJA), que não foram objeto de estudo desta pesquisa.

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