Resumo: Um dos contextos mais afetados pela pandemia da COVID-19 foi o escolar, requerendo de alunos, pais e professores o desenvolvimento de novas habilidades. O distanciamento social imposto em muitos países trouxe como legado a criação de práticas inovadoras de ensino-aprendizagem e novas formas de interação social e de expressão de afetos. Essas mudanças destacam a importância das técnicas de autorregulação emocional e do desenvolvimento de valores e ações em prol do bem-estar coletivo. Nesse sentido, a Psicologia e a Educação Positivas têm efetivamente contribuído para ajudar as escolas a promover, além de habilidades acadêmicas, valores e crenças positivos (como compaixão/autocompaixão, esperança/otimismo, solidariedade e sentido de vida), que impactam o desempenho escolar, a saúde e a forma como as pessoas percebem a si no mundo, seus propósitos e potencialidades. O objetivo desse artigo é apresentar evidências científicas de como a Psicologia e a Educação Positivas, por meio de suas técnicas e linhas de atuação, podem empoderar a comunidade escolar, e em particular os alunos, no contexto atual da pandemia.
Palavras-chave: Psicologia Positiva, bem-estar, sentido de vida, valores coletivos, pandemia.
Abstract: One of the contexts most affected by the COVID-19 pandemic was the school, requiring students, parents and teachers to develop new skills. The social distance imposed in many countries brought as a legacy the creation of innovative teaching-learning practices and new forms of social interaction and expression of affection. These changes highlight the importance of emotional self-regulation techniques and the development of values and actions in favor of collective well-being. In this sense, Positive Psychology and Education have effectively contributed to helping schools to promote, in addition to academic skills, positive values and beliefs (such as compassion/self-compassion, hope/optimism, solidarity and life meaning), which impact school performance, health and the way people perceive themselves in the world, their purposes and their potential. The purpose of this article is to present scientific evidence on how Positive Psychology and Education, through their techniques and lines of action, can empower the school community, especially students, in the current context of the pandemic.
Keywords: Positive Psychology, well-being, meaning of life, collective values, pandemic.
Artículos
Como a Psicologia/Educação Positiva podem empoderar as escolas no contexto da pandemia?
How can Positive Psychology/Education empower schools in the context of the pandemic?
Recepción: 02 Septiembre 2021
Revisado: 21 Octubre 2021
Aprobación: 01 Noviembre 2021
Publicación: 01 Diciembre 2021
A Psicologia Positiva pode ser definida como movimento em prol de uma perspectiva mais ampla e apreciativa do potencial humano, que busca valorizar atributos positivos e aumentar as chances de que todos tenham uma vida mais engajada, com propósito e feliz (Reppold & Almeida, 2019). Estabelecida nos anos 2000 por Seligman e Csikszentmihalyi, a Psicologia Positiva (PP) não representou propriamente uma mudança de paradigma em relação à ciência da época, visto que estudos com foco no desenvolvimento pessoal já eram presentes na literatura anteriormente. Assim, a PP pode ser compreendida como uma proposta de trazer novamente para agenda temática e econômica das pesquisas em Psicologia o interesse por estudar os talentos e as potencialidades humanas, o que, no período pós-guerra, ficou preterido frente ao empenho da área em apresentar tratamentos clínicos que ajudassem as pessoas a enfrentar as psicopatologias decorrentes das adversidades do período. Em uma das primeiras obras importantes da área, Oxford Handbook of Positive Psychology (Snyder & Lopes, 2002), já se observara o escopo da PP e os construtos de interesse à área, sendo esses relacionados a atributos emocionais positivos (por exemplo, bem-estar, autoestima ou flow), a atributos cognitivos positivos (por exemplo, criatividade, curiosidade, autoeficácia ou mindflulness) ou a atributos relacionados à vivência pessoal (por exemplo, amor, gratidão, altruísmo, perdão e compaixão).
Diversas razões podem ser listadas para explicar a rápida expansão da Psicologia Positiva. Dentre elas, o fato de ser uma teoria que aumenta o senso de realização dos psicólogos que trabalham nessa perspectiva, à medida que foca no florescimento e bem-estar dos indivíduos, ou o fato de ter seu início na virada do século, época em que a sociedade estava mais aberta a renovações e esperançosa dos tempos vindouros. Contudo, é sobretudo pelo fato de ser baseada em evidências científicas que cientistas de diferentes campos do conhecimento aderiram à área e passaram a respaldar seus estudos nos pressupostos da PP. Desde o início, Seligman ressalta que a PP deveria fundamentar seus estudos sobre a eficiência/efetividade das intervenções propostas em ensaios clínicos randomizados. Isso seria ponto fundamental para elevar os preceitos da PP à ciência e diferenciá-los de práticas de autoajuda. Cite-se, por exemplo, o artigo publicado em 2005 (Seligman et al., 2005), que apresentava os resultados de estudos randomizados de cinco diferentes intervenções destinadas a aumentar a felicidade e diminuir sintomas de humor deprimido, indicando que destas, apenas três apresentavam evidências que demonstravam sua efetividade. Ou ainda, o artigo em que o grupo de Seligman apresentava o conceito de Educação Positiva e as evidências sobre a efetividade de diferentes intervenções por eles realizadas no contexto escolar em anos anteriores (Seligman et al., 2009).
A Educação Positiva (EP) é definida como uma área voltada para o desenvolvimento de habilidades acadêmicas tradicionais e para promoção do bem-estar (Seligman et al., 2009). Ou ainda, como a união entre os ensinamentos da Psicologia Positiva com as melhores práticas de ensino, de modo a estimular o florescimento da comunidade escolar e formar alunos realizados e cidadãos (Norrish, 2015).
A EP baseia-se no modelo de florescimento da PP conhecido como PERMA, um acrônimo que descreve cinco elementos relacionados ao bem-estar, a saber: Positive Emotions (busca de emoções positivas), Engajament (engajamento), Relationships (busca de relacionamentos positivos), Meaning (encontrar propósito de vida e significado nas atividades realizadas), e Accomplishment (encontrar realização e gratificação nas ações desenvolvidas). Assim, os programas de treinamento da EP buscam o desenvolvimento de competências acadêmicas e pessoais por meio de intervenções que promovam esses elementos. No artigo de Seligman et al. (2009), três intervenções que ficaram clássicas no campo da EP são apresentadas, incluindo evidências empíricas sobre sua efetividade.
A primeira delas, intitulada Penn Resiliency Program, é um programa de intervenção baseado em evidências, desenvolvido pelo Centro de Pesquisas em PP da Universidade da Pensilvânia/EUA e coordenado por Seligman, aplicado desde 1990 em diferentes países (Seligman et al., 2009). Esse programa tem como foco a promoção da resiliência, do bem-estar e do otimismo e busca ampliar as competências de alunos entre 8 e 15 anos para lidar com problemas cotidianos que são típicos dessa faixa etária. Suas atividades visam ajudar os alunos a superar adversidades e desafios, gerenciar estresse e prosperar. Trata-se de um projeto que pode ter configurações diversas, visto que sua estrutura depende de uma avaliação prévia de cada escola. Assim, o desenvolvimento de habilidades sociais e emocionais nessa intervenção pode envolver, por exemplo, o treinamento de assertividade, resolução de problemas, práticas de relaxamento ou a estimulação da criatividade, a depender da demanda de cada grupo e dos recursos disponíveis.
O Penn Resiliency Program envolve um modelo de promoção de resiliência baseado em seis pilares: a) promoção de autoconsciência frente a sentimentos, pensamentos, comportamentos e reações fisiológicas, b) autorregulação emocional, c) agilidade mental (promoção de pensamento crítico, criatividade e flexibilidade cognitiva), d) otimismo, e) criação de senso de conexão social e f) desenvolvimento de forças pessoais. Resultados apresentados no artigo de Seligman et al. (2009) indicam que a maioria das escolas participantes foi bem-sucedida em prevenir e reduzir sintomas de depressão entre os alunos (inclusive nos estudos de segmento), diminuir desesperança e aumentar otimismo. Com menor tamanho de efeito, também efetiva para diminuir sintomas de ansiedade e reduzir problemas de externalização (vide ainda Brunwasser et al., 2009, 2018; Şahin & Türk, 2021).
A segunda intervenção clássica de EP apresentada por Seligman et al. (2009) é intitulada Strath Haven Positive Psychology Curriculum. Trata-se de um programa desenvolvido pela Universidade da Pensilvânia/EUA para alunos da Strath Haven High School, aplicado em larga escala no contexto escolar americano desde 2003. Seu objetivo é favorecer os alunos a identificarem suas forças pessoais, de modo a aplicá-las em situações cotidianas. Além disso, promover resiliência, apoio social, emoções positivas e a busca de propósitos de vida. Um exemplo de atividade do programa é um exercício no qual os alunos são convidados a escrever, por determinado período, três coisas boas que aconteceram ao longo do seu dia e refletir sobre porque aconteceram e como aumentar as chances que se repitam. Outro exemplo é o “uso da força de assinatura de uma nova maneira”, um exercício no qual os alunos, a partir do preenchimento de uma escala de forças de caráter, identificam suas forças pessoais mais proeminentes e pensam como essas forças podem ser utilizadas de novas formas no contexto escolar. O programa mostra-se efetivo, sobretudo, para o aumento do bem-estar, engajamento escolar, da realização e para o desenvolvimento de habilidades sociais e certas forças, como curiosidade e a criatividade (Seligman et al., 2009). No entanto, não há evidências que mostrem sua efetividade quanto à diminuição de ansiedade ou humor deprimido.
Outra intervenção clássica da Psicologia Positiva que fundamentou a área da Educação Positiva é o Modelo de Educação Positiva da Geelong Grammar School. Trata-se de um programa também desenvolvido na Universidade da Pensilvânia e aplicado em uma escola australiana, que se tornou referência pelo seu pioneirismo e pelo rigor metodológico dos estudos relacionados. Mais abrangente que os anteriores, esse programa propõe uma modificação em todo currículo escolar, de modo que o ensino e as relações escolares sejam todas pautadas pela promoção de bem-estar. Isso envolve atividades em que os professores inicialmente vivenciam os princípios da PP de modo que possam ensiná-los por meio de suas experiências, ensino psicoeducativo de habilidades específicas aos discentes e incorporação de práticas ao currículo, de modo que os elementos do PERMA possam ser trabalhados em todas as disciplinas. A proposta inclui também uma dimensão de atenção à saúde e busca o florescimento da comunidade escolar tendo por base o desenvolvimento de forças de caráter e do bem-estar.
Assim, sendo as intervenções clássicas inicialmente descritas pelo grupo de Seligman quando da apresentação da área da Educação Positiva (Seligman et al., 2009), ou sejam as intervenções positivas que surgiram no contexto escolar posteriormente (vide Johnstone et al., 2018; Schiavon et al., 2020; Waters & Loton, 2019; White & Waters, 2015), diversos são os recursos disponíveis. Contudo, é preciso observar que todos eles foram delineados em condições experimentais e, a maior parte, executados em um contexto diferente da realidade atual, impactada pelos efeitos da pandemia da COVID-19. Portanto, para que possamos responder com propriedade como a Psicologia e Educação Positivas podem empoderar as escolas no contexto de pandemia, é necessário, em um primeiro momento, compreender os impactos da pandemia em termos sociais, econômicos e de saúde mental.
Um dos principais impactos que a pandemia trouxe às instituições de ensino foi a necessidade de isolamento social e suas consequentes taxas de evasão escolar. De acordo com dados da UNICEF (2020, 2021a), 95% dos alunos matriculados na América Latina e no Caribe (154 milhões) ficaram temporariamente fora da escola devido à Covid-19 e cerca de 114 milhões permaneciam sem aulas presenciais em março de 2021. No Brasil, o levantamento apresentado pela UNESCO revela que foram 65 semanas o tempo médio em que as escolas permaneceram fechadas (UNESCO, 2021), o que representa um número maior que o dobro da média mundial.
Um relatório da UNICEF (2021b) sobre o panorama da exclusão escolar antes e durante a pandemia mostra que o Brasil corre o risco de regredir duas décadas no acesso de meninas e meninos à educação. Isso porque se, no início de 2020, o Brasil tinha cerca de 1,3 milhão de crianças e adolescentes fora da escola, durante a pandemia, a evasão aumentou aproximadamente em 4 milhões, de forma que hoje há mais de 5 milhões de alunos desvinculados da escola. Dentre as razões para o fato, estão a falta de acesso à internet e a equipamentos eletrônicos para ensino remoto, as dificuldades familiares e a necessidade de ingresso no mercado de trabalho para aumento da renda familiar. No país, 46% da população declarou que diminuiu sua renda familiar no cenário da pandemia e a taxa de desemprego até hoje segue alta, por volta de 14%. Isso teve, por exemplo, um impacto direto sobre a segurança alimentar da população: em 2020, 9% da população estava em situação de insegurança alimentar grave, o dobro dos dados de 2018 (PENSSAN, 2021). Em todos os continentes, a pandemia representou um retrocesso de anos na política de erradicação da fome (FAO, IFAD, UNICEF, WFP & WHO, 2021).
As consequências desse cenário sobre a saúde mental dos estudantes, professores e familiares foram a elevação das taxas de incidência de adoecimento mental e estresse, a sobrecarga de trabalho, a baixa tolerância frente às dificuldades cotidianas, e, em alguns casos, o aumento das taxas de violência doméstica. Um estudo realizado no Brasil com 45.161 brasileiros adultos indicou que praticamente metade da amostra apresentou indicadores clínicos de humor deprimido, ansiedade e/ou início de problemas do sono durante a pandemia (Barros et al., 2020). Portanto, só faz sentido pensar no empoderamento das escolas se isso incluir um olhar sobre a comunidade escolar como um todo, de modo que as práticas a serem planejadas não se restrinjam aos alunos, mas envolvam um cuidado para com suas famílias e docentes.
No que diz respeito aos efeitos adversos da pandemia sobre o desenvolvimento infantil, é preciso reconhecer que, em termos longitudinais, os impactos ainda são desconhecidos e imensuráveis nesse momento. Em termos imediatos, os impactos mais notáveis no microssistema familiar foram mudanças de rotina familiar, sobrecarga de trabalho, reorganização do ambiente doméstico para realização do ensino remoto/home office, eventuais situações de luto e divórcio, diminuição da rede de apoio familiar, etc. (Emuno & Linhares, 2020). No microssistema escolar, cite-se a necessidade de aprender sobre novas formas de aprender/ensinar e interagir de forma remota e as perdas que o isolamento impôs às crianças e adolescentes, impedindo/dificultando vivências compartilhadas que poderiam contribuir para o desenvolvimento de habilidades socioemocionais, como resolução de conflitos, autonomia, autocontrole, colaboração, empatia, etc. (Emuno & Linhares, 2020; Reppold et al., 2021).
Assim, se em algumas famílias, o ensino remoto aproximou pais e filhos à medida que os pais tiveram uma participação mais ativa na aprendizagem formal das crianças, em muitas outras a condição de distanciamento social fomentou sentimentos de medo, raiva, tristeza, tédio e irritação. Por consequência, manifestações de distração, hostilidade, apatia e impulsividade, ou mesmo comportamentos regressivos em termos desenvolvimentais. Portanto, no contexto atual é importante que os profissionais da educação e da saúde possam contribuir com as escolas pensando formas de colocar em prática estratégias que promovam o desenvolvimento de competências socioemocionais (CSE).
A estimativa apresentada por Clerkin (2018) revela que os benefícios dos programas voltados para aprendizagem socioemocional superam os custos dos investimentos na ordem de 11:1. Ou seja, para cada dólar investido, há uma economia de 11 dólares, a longo prazo, com medidas preventivas que minimizam efeitos deletérios de atitudes hostis e de dificuldades comportamentais e aumentam a civilidade, o desempenho escolar e o bem-estar individual e social. No rol das competências socioemocionais a serem aprendidas, estão listadas habilidades diversas, como regulação cognitiva (flexibilidade cognitiva, planejamento, perseverança, controle inibitório), regulação emocional (identificação de estados emocionais, empatia, autocontrole) e o desenvolvimento de habilidades interpessoais (negociação de conflitos, assertividade, cooperação, autonomia, compaixão, etc.). Nesse sentido, o contexto educacional é uma oportunidade ímpar para a aprendizagem socioemocional dos alunos à medida que viabiliza vivências interpessoais compartilhadas com indivíduos de diferentes características psicossociais, é assistida por professores e profissionais que podem colaborar para aumentar a assertividade das experiências discentes e pode ser promovida por meio de atividades que atrelam as experiências pessoais às aprendizagens curriculares, aumentando as chances de engajamento escolar e realização.
No livro intitulado “Intervenções em Psicologia Positiva no contexto escolar e educacional” (Reppold & Hutz, 2021), uma série de estudos nacionais e internacionais são apresentados, discutindo os modelos teóricos que embasam ações na área da EP e as formas de avaliar desfechos positivos, e descrevendo diferentes intervenções da área da PP a serem aplicadas no contexto escolar/educacional. Entre elas, programas de escolas de pais, intervenções para o desenvolvimento de recursos pessoais positivos e de projetos de vida em crianças e adolescentes, bem como programas universitários para promoção de bem-estar e redução de ansiedade e estresse em ambiente universitário. Além disso, o livro inclui quatro revisões de literatura que apresentam programas escolares baseados na PP, os quais abordam construtos centrais no campo educacional, como o desenvolvimento de competências socioemocionais, a autorregulação emocional e a promoção de autoeficácia. Esses textos reúnem publicações que tratam da população em geral ou também de programas voltados para contextos de vulnerabilidade social. A partir deles, é possível compreender quais atividades seriam mais pertinentes a cada faixa etária.
Por exemplo, no caso de intervenções com crianças pré-escolares, as evidências indicam que as intervenções mais efetivas são aquelas que se destinam a promover competências socioemocionais e técnicas de relaxamento em crianças por meio da orientação a pais e professores. Os resultados são observados em relação a um melhor funcionamento adaptativo na pré-escola (engajamento), melhores índices de atenção, concentração e motivação e aumento no bem-estar. Um dos programas que ilustra essa proposta é o intitulado “Primeiras tormentas do coração” (Bradley et al., 2012), uma intervenção que fornece aos professores diretrizes para orientar e apoiar as crianças pré-escolares na aprendizagem de CSE. Especificamente, o programa auxilia as crianças na regulação emocional, à medida que ajuda a: 1) reconhecer e entender melhor os estados emocionais básicos (felicidade, tristeza, raiva, medo) para autorregular emoções; 2) desenvolver estratégias para expressar sentimentos positivos; 3) promover habilidades relacionadas à sociabilidade e a solução de problemas. Um estudo longitudinal demonstrou que o programa resulta em diferenças intergrupo de tamanhos de efeito entre moderado e grande para diversos desfechos relacionados ao desenvolvimento e à aprendizagem (Bradley et al., 2012).
Entre crianças em idade escolar (entre 06 e 12 anos), algumas das intervenções mais frequentemente utilizadas (Reppold & Hutz, 2021) em contextos educacionais são:
Já entre os adolescentes, a revisão sistemática elaborada por Zanini, Fernandes e Avila (2021) indica que algumas das intervenções mais utilizadas no contexto escolar destinadas a esse público incluem o exercício de três de coisas boas (identificar três coisas boas que aconteceram ao longo do dia e pensar por que aconteceram e como aumentar a chance de voltarem a se repetir), técnicas de identificação e promoção de forças de caráter e técnicas de gratidão. Intervenções baseadas na PP para adolescentes que busquem prevenir os riscos e criar oportunidades para que o desenvolvimento juvenil positivo aconteça muitas vezes incluem também a organização de um projeto de vida e de atividades que deem sentido à vida dos alunos e aumentem seu senso de realização e propósito. Nesse público, o uso de recursos de gamificação é especialmente interessante para aumentar a adesão dos alunos às intervenções.
No caso de universitários, diversos pesquisadores têm-se empenhado em apresentar evidências de como intervenções positivas podem resultar em desfechos favoráveis para a adaptação à vida universitária, o desempenho acadêmico e o bem-estar. Nesse sentido, alguns dos temas centrais dos estudos realizados com universitários é a autoeficácia (geral e acadêmica) e a promoção de afetos positivos. Os estudos de Kaiser et al. (2020), Kaiser e Reppold (2021) e Reppold e Kaiser (2021), ao revelar que essas variáveis são as principais preditoras da autorregulação da aprendizagem em universitários e são relacionadas com medidas de bem-estar, descrevem diversas intervenções possíveis de serem aplicadas ao público universitário em prol do desenvolvimento de autoeficácia e autorregulação emocional.
Contudo, para se pensar de forma ampla e completa o empoderamento das instituições de ensino, é preciso considerar também como a Psicologia/Educação Positiva podem ajudar os professores nesse contexto atual decorrente da pandemia. Frente à necessidade de adaptação ao ensino remoto, muitos docentes enfrentaram situações de sobrecarga de trabalho, fadiga por compaixão e outras situações de sofrimento que precisam ser igualmente acolhidas pela comunidade escolar. As evidências científicas anteriores à época da pandemia já demonstravam que os docentes, em vários países, inclusive no Brasil, eram considerados classe de risco à saúde mental. Isso porque muitos professores tinham que enfrentar cotidianamente situações de desvalorização do ensino e de distanciamento entre aquilo que haviam aprendido, em sua formação profissional, como boas práticas de ensino e o que a realidade impunha. Portanto, há de se pensar a importância de intervenções, juntos aos professores, que valorizem seus atributos pessoais e esforços, reforcem sua autoestima e crença de autoeficácia e, sobretudo, desenvolvam práticas de autocompaixão (Souza & Hutz, 2021).
A autocompaixão refere-se a uma atitude direcionada a si, quando se vivencia situações de sofrimento e envolve seis práticas inter-relacionadas diante de experiências de sofrimento, erros e fracassos (Neff, 2003). São elas: 1) ser bondoso consigo; 2) evitar autocrítica severa; 3) ser consciente dos próprios pensamentos e sentimentos; 4) não se identificar com, nem negar o sofrimento; 5) não se isolar de outras pessoas; 6) compreender que o sofrimento é parte das experiências de qualquer ser humano. Assim, exercícios de autocompaixão buscam que os participantes tenham um olhar mais amoroso e complacente para consigo. Um exemplo disso é uma técnica intitulada “Como você trataria um amigo? - Explorando a autocompaixão por meio da escrita” na qual se convida o participante a pensar, em um primeiro momento, quais dificuldades atravessa e quais imperfeições o fazem se sentir inadequado. A seguir, o participante é convidado a escrever uma carta compassiva para si, mas como se estivesse escrevendo para um amigo imaginário.
Dessa forma, pode-se observar ao longo desse texto diversos exemplos de práticas e intervenções que as escolas podem adotar em seu cotidiano, de forma a contribuir para promoção de relações mais positivas, identificação de forças pessoais e desenvolvimento de competências e habilidades que ajudem a comunidade escolar a compartilhar valores e esforços em prol do bem-estar de todos. Contudo, é preciso que se lembre sempre que a Psicologia Positiva é uma ciência e como tal precisa ser baseada em evidências científicas que orientem quais práticas são adequadas a cada contexto.
Em um artigo intitulado “Felicidade como produto: Um olhar crítico sobre a Psicologia Positiva”, Reppold, Zanini et al. (2019) discutem a expansão da PP, analisando a incorporação dos preceitos da PP pela mídia e as consequências mercadológicas de uma concepção de felicidade autocentrada e utilitarista, alheia às demandas coletivas. Além disso, as autoras “problematizam, em termos éticos e sociais, o uso de construtos positivos em práticas não acadêmicas e apresentam evidências de que intervenções envolvendo construtos positivos podem ter efeitos desfavoráveis às pessoas ou à sociedade, quando descontextualizadas” (p. 333). Isso porque não há intervenção que seja inócua. Assim, observa-se que em determinados grupos, atributos ou práticas inicialmente consideradas positivas podem ter efeitos deletérios. Esse é o caso, por exemplo, do construto otimismo. O que haveria de ruim em fomentar otimismo em tempos de pandemia? O estudo de Salgado e Berntsen (2021) revela que o otimismo irreal pode afetar as avaliações que as pessoas fazem em relação aos riscos de infecção por COVID-19, subestimando-os e fazendo com que deixem de adotar cuidados de proteção contra o contágio, como o uso de máscara e o distanciamento social.
Por fim, o artigo de Reppold, Zanini et al. (2019) apresenta também considerações sobre as diferenças epistemológicas que caracterizam as três ondas da Psicologia Positiva. Nesse texto, observa-se que a primeira onda se referia à tentativa da PP em trazer novamente para agenda da psicologia temas relacionados à promoção de forças e talentos humanos e ao desenvolvimento do bem-estar, em detrimento do olhar psicopatológico. A segunda onda surgiu a partir uma crítica ao caráter maniqueísta de se pensar os conceitos psicológicos como positivos ou negativos, e de uma tentativa de integrá-los na experiência humana. Por sua vez, a terceira onda nasce como crítica ao caráter hedonista que algumas práticas da PP estavam assumindo, à medida que se centravam na busca do bem-estar individual, alheio à coletividade. Portanto, para responder à questão norteadora desse presente artigo, é essencial que se adote a perspectiva da coletividade e da interdependência e se pondere que, no contexto atual, mais do que nunca, a melhor forma de empoderar as escolas é ajudá-las a promover valores coletivos, menos autocentrados e mais contextualizados à comunidade. Isso porque de nada adianta que os indivíduos consigam estar mindfull ou com bons indicadores de autoestima, se estiverem alheios às demandas e propósitos de sua comunidade.
Assim, a Psicologia/Educação Positiva deveria hoje voltar a empoderar as escolas ajudando-as a criar uma cultura de paz e promovendo valores como esperança/otimismo, solidariedade/colaboração, altruísmo, honestidade, justiça distributiva e formação de redes de apoio. No contexto da saúde, Hutz e Reppold (2018) apresentam vários exemplos de estratégias nesse sentido. No contexto da educação, frente às atuais taxas de evasão escolar, a formação de redes de apoio que busquem resgatar as crianças/adolescentes para o ambiente escolar, por exemplo, seria muito bem-vinda. Nesse caminho, ajudar as crianças a formar redes colaborativas de aprendizagem, onde aqueles que dominam determinados conteúdos possam ajudar colegas com dificuldades também é uma prática que pode colaborar em termos educacionais e pessoais, à medida que isso envolve não apenas questões de conteúdo escolar, mas o domínio de habilidades interpessoais como autorregulação cognitiva e emocional, empatia, tolerância à frustração, comportamentos pró-sociais etc.
Além disso, é preciso considerar também que o uso de recursos tecnológicos para ensino remoto foi grande durante a pandemia, de modo que muitas crianças passaram a ter seu tempo ocupado por atividades e brincadeiras que dependiam de telas. Ciente disso, as escolas nesse momento devem estar atentas para fazer uso adequado das facilidades que esses recursos oferecem, mas também planejar atividades diversas, de educação e socialização, nas quais os alunos possam interagir de forma real e colaborativa, em ambiente natural, sem depender de tecnologias. Deve-se lembrar que o conceito de brincadeira envolve justamente uma atividade livre, não estruturada, que dá margem à criatividade e imaginação, o que nem sempre se observa em atividades online.
Visto, contudo, que a facilidade de acesso aos recursos eletrônicos será um dos legados dessa pandemia para a geração infantil, é preciso também que as escolas ajudem seus discentes a criar hábitos saudáveis frente às telas e a encontrarem formas assertivas de se comunicar via remota, o que requer o desenvolvimento de novas habilidades interpessoais. Ocorre que a comunicação remota muitas vezes dá margens para interpretações errôneas, uma vez que a comunicação não verbal fica impedida em trocas de mensagens escritas por chats ou aplicativos. Assim, cabe às escolas ajudar as crianças e adolescentes a encontrar formas de comunicação de viabilizem o diálogo e a expressão de afetos de forma condizente com as novas relações que a condição de pandemia impôs. Por exemplo, em tempos de distanciamento, as crianças tiveram que aprender novos modos de interagir e expressar amizade, amabilidade, companheirismo, medos, desgostos, identificação, etc. Portanto, ajudar os alunos a desenvolver formas assertivas de comunicação remota é algo imprescindível de ser trabalhado em sala de aula, de modo a prevenir riscos frente aos relacionamentos reais e eventuais situações de (cyber)bullying. Algumas ideias, nesse sentido, são a criação de rodas de conversa mediadas, de oficinas nas quais os alunos produzem e troquem cartões com mensagens positivas ou, ainda, a organização de um varal de afeto, no qual pais e professores podem escrever mensagens de incentivo aos alunos, reforçando os pontos fortes desses.
Em acréscimo, nesses tempos de pandemia, em que tantos conflitos e frustrações foram observados, é fundamental também que possamos ajudar as pessoas a desenvolverem práticas de perdão e autoperdão. Nessa direção, seria muito importante que as escolas abrissem espaço para práticas que envolvessem temas como compaixão e autocompaixão. Da mesma forma, fomentar a esperança e a busca de sentido de vida são exercícios que podem ajudar alunos, pais e professores a enfrentar os tempos atuais de forma mais leve e próspera. Isso pode ocorrer por meio de programas de intervenção estruturados ou de técnicas simples, lúdicas, de baixo custo e fácil adesão (vide, por exemplo, GreaterGood Science Center, 2021). Cite-se, dentre essas técnicas, as práticas de metabavana, um exercício de prática de bondade amorosa, na qual se convida os participantes a desenvolverem sentimentos positivos a todos os seres, incluindo alguém com quem esteja em algum conflito no momento. Cite-se também exercícios de esperança, no qual se convida os participantes a elaborarem um mural de sonhos e a imaginarem que melhor vida possível podem ter. Ou ainda, a fazerem uma “visita a seu futuro”, por meio da seleção de fotos, imagens ou desenhos que simbolizem o futuro imaginado.
Os desafios não são poucos, nem mesmo as oportunidades (Reppold, D’Azevedo et al., 2019; Reppold, Tocchetto et al., 2021; Seligman, 2019). Todavia, sendo a escola um lugar privilegiado para o planejamento de ações colaborativas, a Psicologia/Educação Positiva nesse contexto pode em muito contribuir para que todos tenham oportunidade de se engajar em ações que promovam a solidariedade e disseminem a ideia de interdependência (ou seja, que uma ação individual tem impacto na coletividade) e busca de propósito. Mais do que isso, compreendam que as demandas do mundo atual exigem que nosso conceito de bem-estar passe pela ideia de almejarmos o bem-estar comum a todos os seres que nos rodeiam e buscarmos formas de colocar em ação nossas aspirações, com coragem e engajamento