Artigo
Recepção: 27 Setembro 2020
Aprovação: 01 Dezembro 2021
DOI: https://doi.org/10.11137/1982-3908_45_38477
Resumo : O aperfeiçoamento do método de previsão a curto prazo de trovoadas é de extrema importância para a segurança de toda a população no estado de Alagoas. O principal objetivo desse trabalho é contribuir no aperfeiçoamento da previsão de trovoadas, através da análise sinótica e termodinâmica de eventos já ocorridos. Para isso, foram utilizados dados do Departamento de Controle do Espaço Aéreo; Núcleo de Monitoramento de Descargas Atmosféricas do Grupo de Eletricidade Atmosférica do INPE; Reanálise do European Center for Medium range Weather Forecasting e modelo HYSPLIT. A análise foi feita para os anos de 2018 e 2019 e permitiram identificar quatro casos com duração superior a 3 horas. Os sistemas sinóticos que mais atuaram foram Correntes de Jato do Nordeste Brasileiro e Vórtice Ciclônico de Altos Níveis. O Perfil Simulado das temperaturas mostra que a energia CAPE e índice LI apresentam uma atmosfera propícia à existência de instabilidade moderada e possibilidade de trovadas. Em Alagoas o CAPE foi maior nas trovoadas de 18 UTC do que em horários anteriores. O Perfil Previsto em até 48 horas indicou a presença de chuva e trovoadas através dos índices LI e Showalter. Os índices K e TT apontaram resultados não satisfatórios. As descargas elétricas atingiram as regiões com aumento do relevo e maiores valores de precipitações. A análise de distribuição de descargas elétricas nos eventos de trovoadas é um resultado novo para a região do estudo.
Palavras-chave: Instabilidade atmosférica, nordeste brasileiro, hysplit.
Abstract : Improving the short-term forecasting method for thunderstorms is extremely important for the safety of the entire population in the Alagoas state. The main objective of this study is to contribute to the improvement of thunderstorm forecasting, through the synoptic and thermodynamic analysis of the phenomenon. For that, data from the following sources were used: Airspace Control Department; Lightning Monitoring Center of the Atmospheric Electricity Group of INPE; Reanalysis of the National Centers for Environmental Prediction; Reanalysis of the European Center for Medium range Weather Forecasting and HYSPLIT model. The analysis was carried out for 2018 and 2019 and allowed the identification of four cases lasting more than 3 hours. Jet Streams from the Northeast of Brazil and Upper Tropospheric Cyclonic Vortices were the most active Synoptic systems. Simulated Temperature Profile shows that the CAPE energy and LI index presented moderate atmospheric instability and thunderstorm possibility. In the Alagoas, CAPE was higher in thunderstorms at 18 UTC than in previous times. Predicted Temperature Profile within 48 hours indicated rain and thunderstorm through the LI and Showalter indices. K and TT indices presented unsatisfactory results. Lightning reached the regions with increased relief elevation and higher precipitation values. The analysis of lightning distribution in the thunderstorm events shows a new result for the study region.
Keywords: Atmospheric instability, brazilian Northeast, hysplit.
1 Introdução
Entre os principais fenômenos meteorológicos que atingem o estado de Alagoas (AL), podemos citar as trovoadas, que se formam em nuvens do tipo Cumulonimbus. Essas nuvens, estão associadas a precipitações intensas, ventos fortes, formação de gelo em altos níveis, turbulência, e as descargas elétricas. As descargas elétricas podem ser identificadas por relâmpago (luz intensa de curta duração) e trovão (som estrondoso), e podem ocorrer tanto no interior de uma nuvem (intranuvem), como entre nuvens (intranuvem) ou entre uma nuvem e o solo (nuvem-solo) (Saba 2001). As do tipo nuvem-solo são as de maior interesse para os seres humanos, devido ao grau de periculosidade que elas podem trazer para a população (Mendes & Domingues 2002). Esse fenômeno quando combinado com forte precipitação, pode causar diversos transtornos socioeconômicos, que ameaçam diversas atividades importantes, como, o tráfego aéreo, áreas civis propensas de desmoronamentos, riscos de morte para a população, principalmente em áreas rurais e em rebanhos e até interferir na transmissão e distribuição de energia elétrica.
Segundo um levantamento feito pelo Grupo de Eletricidade Atmosférica (ELAT) do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), o Brasil é líder mundial em registros de raios, apresenta uma média de aproximadamente 77,8 milhões de raios por ano. Quanto ao número de mortes provocadas pelo fenômeno, também é mencionado que o país ocupa a sétima posição mundial: neste século já foram registrados 2.194 casos; uma média de 110 casos por ano no período (INPE 2021).
Uma reportagem divulgada pela Globoplay (AL TV 2018), mostra que no estado de Alagoas, em 2018, ocorreu mais de 300 raios em menos de dois meses, de acordo com os registros do Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas da Universidade de São Paulo (IAG/USP). Além disso, é constado informações sobre a morte de dezenas de animais no interior de Alagoas que trouxe prejuízos aos produtores rurais (AL TV 2018). Uma outra reportagem (Silva & Correia 2008), contabilizou seis vítima fatais, trabalhadores agrícolas, atingidos por descargas elétricas na mesma região.
Em vista disso, alguns estudos vêm sendo desenvolvidos através do levantamento de dados quantitativos de descargas atmosféricas nas Regiões Sul, Sudeste e Norte do Brasil (Albrecht, Morales & Silva Dias 2011; Bourscheidt, Pinto & Naccarato 2016; Dolif Neto et al. 2016; Freitas, França & Menezes 2019; Pinto, Pinto & Ferro 2013; Rodrigues et al. 2018). Entretanto, devido à falta de informações disponíveis de descargas atmosféricas não foram encontrados os estudos para regiões do Nordeste. O primeiro método de previsão de trovoadas a curto prazo para Alagoas foi desenvolvido por Brito et al. (2011), a análise ocorreu no período de 10 anos (1998 a 2007) e dividiu-se em três partes: Climatologia, Sinótica e Termodinâmica. Na Climatologia observou-se que o evento ocorria em meses de verão com sua máxima ocorrência no mês de março. Posteriormente, Cordeiro, Fedorova & Levit (2018) fez novos estudos voltados para a análise da frequência do fenômeno e seus sistemas de escala sinótica e processos termodinâmicos associados. Foram identificados em 15 anos (1998 a 2012) os seguintes sistemas sinóticos: Cavados em Altos Níveis, Zona Frontal, Zona de Convergência Intertropical (ZCIT), Vórtice Ciclônico de Altos Níveis (VCAN) e Vórtice Ciclônico de Médios Níveis (VCMN). Os sistemas que mais apresentaram casos com trovoadas foram VCAN e Cavados em Altos Níveis. Entretanto, para aperfeiçoar esse método é necessário ampliar o banco de dados, e prosseguir com novas metodologias de análise que solidifiquem e sejam mais eficientes na previsão, visto que, a literatura disponível para tratar essa problemática do estado de Alagoas ainda é escassa.
Nesse meio, o trabalho visa como objetivos contribuir para aperfeiçoar o método de previsão de trovoadas, através dos seguintes passos: (1) avaliar o funcionamento do método de previsão de trovoadas, desenvolvidos anteriormente (Brito et al. 2011; Cordeiro, Fedorova & Levit 2018), nos dados independentes e (2) analisar a distribuição de descargas elétricas em Alagoas nos dias de trovoadas, essa análise é nova para a região.
2 Materiais e Métodos
2.1 Área de Estudo e Identificação de Trovoadas
Os dados de trovoadas analisados foram para a região do estado de Alagoas situado no Nordeste Brasileiro (Figura 1). Esses dados foram obtidos através do código METAR disponibilizado pelo órgão DECEA (Departamento de Controle do Espaço Aéreo) do canal da Rede de Meteorologia (REDEMET) no endereço eletrônico: https://www.redemet.aer.mil.br. Realizou-se o download de dados para o Aeroporto Internacional de Maceió - Zumbi dos Palmares com coordenadas 9° 31' 02” S e 35° 47' 01” W, nos anos de 2018 e 2019. O código ICAO do aeroporto utilizado é SBMO.

2.2 Dados Para a Análise Sinótica
Os dados utilizados para a confecção dos mapas de linha de corrente e magnitude do vento (m/s) foram arquivos de reanálise dos modelos ERA Interim, estes apresentam 0,25°×0,25° de resolução, são distribuídos verticalmente nos níveis de pressão e horários sinóticos padrões (00, 06, 12 e 18 UTC), fornecidos pelo European Center for Medium range Weather Forecasting (ECMWF) disponível em: http://www.ecmwf.int/ (Dee et al. 2011). Para gerar os campos de linhas de corrente nos dias com trovoadas em 2018 e 2019 foi necessário baixar as variáveis u e v do vento e selecionar as coordenadas da área desejada para ser feita a observação dos principais níveis de pressão em baixos (1000 hPa), médios (500 hPa) e altos níveis (200 hPa), no horário sinótico (00, 06, 12 e 18 UTC) mais próximo da ocorrência do evento.
Para a análise sinótica, também foram utilizados dados de satélite, as imagens adquiridas foram do Centro de Previsão de Tempo e Estudos Climáticos (CPTEC) do INPE, através da plataforma digital: https://www.cptec.inpe.br/. O satélite utilizado foi o METEOSAT-9 no canal do Infravermelho, capturado no momento mais próximo ao horário da ocorrência do fenômeno.
2.3 Análise Termodinâmica
A análise termodinâmica foi realizada com base nos perfis verticais de temperatura e umidade, sendo eles o Perfil Simulado (Ps) para o instante onde ocorreu o evento de trovoada e o Perfil Previsto (Pp) com várias horas de antecedência.
O Ps foi construído também com arquivos do ERA Interim (ver Seção 2.2). As variáveis necessárias foram: temperatura do ar (T), umidade relativa e componentes u e v do vento, nos níveis 1000, 950, 900, 850, 800, 700, 600, 500, 400 e 300 hPa. O horário sinótico escolhido foi aquele que coincidiu exatamente com a trovoada nas coordenadas para o aeroporto (lat -9.51028°, lon -35.7933°). Ps calcula a intensidade da convecção nas condições da atmosfera através dos índices de instabilidade: CAPE (Convective available potential energy - Energia potencial disponível para convecção), LI (Lifted), TT (Total Totals), índice K e S (Showalter) no intuito de avaliar a capacidade potencial da atmosfera para o desenvolvimento de tempestades. A metodologia de cálculo de cada índice, foi baseada na descrição detalhada em Cordeiro et al. (2013) e Fedorova et al. (2017).
O Pp foi elaborado com base nas trajetórias das parcelas de ar utilizando o modelo atmosférico HYSPLIT (Hybrid Single Particle Lagrangian Integrated Trajectory); este modelo é disponibilizado pelo National Oceanic and Atmospheric Administration (NOAA) e está disponível no sítio eletrônico: http://www.ready.noaa.gov/HYSPLIT_traj.php. Dessa forma, as trajetórias das parcelas de ar foram calculadas com 12, 24, 36 e 48 horas de antecedência, na direção selecionada como BACKWARD, pois mostra de onde a parcela de ar veio até o ponto escolhido para ser feita a previsão, nesse caso, as coordenadas do aeroporto. Para construir o Pp foi preciso: 1) utilizar as coordenadas do ponto inicial da trajetória da parcela de ar, dadas pelo modelo HYSPLIT para cada um dos 10 níveis de pressão (1000, 950, 900, 850, 800, 700, 600, 500, 400 e 300 hPa), calculados para 12, 24, 36 e 48 horas de antecedência; 2) plotar o perfil simulado destas coordenadas, utilizando dados do ERA Interim; 3) obter os valores de T e temperatura do ponto de orvalho (Td), gerados pelos perfis de cada um dos 10 níveis de pressão; 4) construir o Pp atribuindo os valores de temperatura T e Td para cada linha de pressão mencionada anteriormente (método descrito em Fedorova et al. 2019). No Pp foi calculado os índices de instabilidade, descritos anteriormente (LI, K, TT e S), com exceção do CAPE, e permitiram verificar as condições de instabilidade da atmosfera em até 48 horas de antecedência.
O principal software utilizado para a visualização dos campos de linhas de correntes e a elaboração dos perfis verticais foi o Grid Analysis and Display System (GrADS) disponível gratuitamente em: http://opengrads.org/.
2.4 Dados de Precipitação e Descargas Elétricas
O registro de atividade pluviométrica nas estações meteorológicas, foram distribuídos para nove municípios de AL: Água Branca (lat. -9,262º; lon. -37,938º), Arapiraca (lat. -9,754 º; lon. -36,661 º), Coruripe (lat. -10,127 º; lon. -36,171 º), Maceió (lat. -9,498 º; lon. - 35,706 º), Palmeira dos Índios (lat. -9,405 º; lon. -36,632 º), Pão de Açúcar (lat. -9,740 º; lon. -37,440 º), Piranhas (lat. -9,624 º; lon. -37,757 º), Porto de Pedras (lat. -9,160 º; lon. -35,304 º) e São Luís do Quitunde (lat-9,318 º; lon. -35,560 º). Através do Instituto Nacional de Meteorologia (INMET) pelo portal de acesso: http://www.inmet.gov.br/portal/, e também pelo Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (CEMADEN) pelo endereço eletrônico: http://www.cemaden.gov.br/. O software aplicado para manipulação e construção do gráfico foi o Microsoft Excel.
A análise de descargas elétricas (raios nuvem-solo) sobre a região de estudo, foi possível por meio de um pedido de autorização ao Núcleo de Monitoramento de Descargas Atmosféricas pertencente ao ELAT do INPE. Estes dados foram disponibilizados pelo INPE somente para os dias 23/01/2018 e 13/03/2019 com base nas coordenadas geográficas do local. Foi plotado em mapas a distribuição espacial de descargas elétricas através do software livre Quantum GIS (QGIS). Para isso, foi necessário bases cartográficas do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) disponibilizadas em: https://www.ibge.gov.br/geociencias/downloads-geociencias.html e o Modelo Digital de Elevação (MDE), que representa as altitudes da superfície topográfica, baixados no Earth Explorer (https://earthexplorer.usgs.gov/).
3 Resultados
3.1 Análise Geral dos Casos de Trovoadas
A série analisada foram os anos de 2018 e 2019. Em 2018, somente um caso de trovoada foi registrado, e esse com duração superior a 3 horas. Já em 2019 houve um total de 08 registros, onde 06 deles foram somente no mês de março. Dessa forma, foram escolhidos os dias com duração de trovoadas igual ou superior a 3 horas sendo eles (quatro casos no total): 23 de janeiro de 2018, 12 de março de 2019, 13 de março de 2019 e 21 de março de 2019.
3.2 Sistemas Sinóticos
3.2.1 Caso 1: 23/01/2018
Para a análise do dia 23/01/2018 às 12 UTC (Figura 2A), no nível de 1000 hPa foi verificada a presença da ZCIT nas latitudes de 5°N e 5°S e dos ventos Alísios. A ZCIT é um sistema sinótico característico da região (Molion & Bernardo 2002). Foi identificado também uma confluência dos ventos sobre o continente (círculo vermelho) a sudoeste da trovoada. Em 500 hPa (Figura 2B), observa-se a influência de um anticiclone na costa leste de AL. Em 200 hPa (Figura 2C), constatou-se um núcleo de baixa pressão, ou seja, do VCAN sobre o continente. O VCAN está associado a Correntes de Jato do Nordeste Brasileiro (CJNEB). Este CJNEB do tipo Meridional (Costa, Levit & Fedorova 2013) liga as Correntes de Jato Subtropicais (CJST) dos dois hemisférios. A ocorrência de trovoadas em Alagoas aparece, como foi mostrado nos estudos anteriores (Brito et al. 2011; Cordeiro 2014; Santos 2012), relacionada aos VCANs de forma predominante, assim como coincide com a presença de Correntes de Jato e Cavados, sistemas responsáveis por promover a formação de nebulosidade.
A imagem de satélite (Figura 2D), mostra a formação de nuvens convectivas (círculo vermelho) sobre AL, na periferia leste do VCAN. Essas nuvens são responsáveis por fortes chuvas e a formação das trovoadas.

3.2.2 Caso 2: 12/03/2019
A análise do dia 12/03/2019 às 06 UTC (Figura 3A), em baixos níveis identificou a ZCIT em 5°S e os ventos alísios influenciando a região. A noroeste de Alagoas (círculo vermelho) é destacado uma confluência desses ventos. No nível de 500 hPa, existe somente uma crista a sudeste de AL. Em 200 hPa, a CJNEB meridional está saindo da região de circulação anticiclônica do Hemisfério Norte (HN) e foi associada a um cavado a oeste.
Na imagem de satélite (Figura 3D), existe uma estreita banda de nuvens do tipo cirrus com alguns aglomerados de nuvens convectivas que se aproximam da região litorânea de AL na vanguarda do cavado de baixos níveis.

3.2.3 Caso 3: 13/03/2019
No caso 13/03/2019 às 18 UTC (Figura 4A), em baixos níveis há a ZCIT onde ocorre a confluência dos ventos alísios em direção ao Nordeste do Brasil (NEB). Em médios níveis, há um anticiclone com seu núcleo posicionado mais ao sul, fora de AL. Em altos níveis, sobre o Atlântico, aparece a CJNEB meridional causada pela corrente de ar do anticiclone no HN, ambos identificados na Figura 4C. A CJNEB aparece associada ao VCAN sobre o continente a oeste de Alagoas.
No satélite (Figura 4D), foram confirmadas nuvens convectivas sobre AL, formadas na periferia leste do VCAN. A CJNEB nos dias 12 e 13, são vistas como duas bandas de nebulosidade com predominância de nuvens cirrus no dia 12 e conglomerações de nuvens convectivas no dia 13.

3.2.4 Caso 4: 21/03/2019
No último caso analisado 21/03/2019 às 18 UTC, a Figura 5A destaca em baixos níveis uma forte confluência sobre os estados do NEB (círculo vermelho), essa confluência cria movimentos ascendentes responsáveis pela formação de nuvens convectivas. É possível perceber sua ligação com a ZCIT posicionada com seu sentido voltado para o NEB. Em médios níveis (Figura 5B), há confluência a sudeste de Alagoas, sobre o Atlântico (círculo vermelho). Em altos níveis (Figura 5C), a CJNEB quase meridional de sul entre as CJST dos dois hemisférios passa próximo de AL a leste.
Na Figura 5D, é possível perceber que existe nuvens convectivas formada em Alagoas (círculo vermelho) devido a atividade de confluência de baixos e médios níveis ligada a passagem da Corrente de Jato sobre a região.

3.3 Análise Termodinâmica
O Ps corresponde ao momento que ocorreu o evento 00h (Tabela 1). Os demais horários são previsões feitas para até 48h de antecedência e correspondem ao Pp.
Valores do índice K>30°C, são considerados potencialmente favoráveis à formação de tempestades (descrito em Nascimento 2005). Em 00h, o valor máximo foi K=34°C (caso 21/03/2019) e K=32°C (caso 13/03/2019), esse índice sugere, esses dias como de maior instabilidade. Nos horários de antecedência, o índice não atingiu o mínimo necessário para indicar ocorrência de chuva e trovoadas (Tabela 1).
O índice TT >44°C, indica aguaceiros com trovoadas (Carmo et al. 2019). Em 00h, os valores máximos foram TT = 45°C e TT = 44°C para os dias de maior instabilidade (21/03/2019 e 13/03/2019, respectivamente). Nos demais horários, valores do Pp não serviram para prever o evento. Somente Ps mostrou possibilidade de chuva e trovoadas pelos índices K e TT. Como observado em trabalhos de Cordeiro et al. (2013), foi mostrado que os índices K e TT não são um bom indicador na identificação e análise do fenômeno adverso em AL, mostrando valores abaixo do indicado para o evento com horas de antecedência.
O índice LI com valores -5°C <LI< -2°C, são comuns nas regiões com pancadas de chuva (Brito et al. 2011). De modo geral LI esteve dentro da faixa de valores -2°C <LI< -4°C, indicando uma atmosfera com possibilidade de chuvas e trovoadas (pouco severas). LI apresentou bons resultados em até 48h de antecedência em todos os casos, portanto, é mais eficiente no indicativo de chuvas e trovoadas.
O índice S quando varia de -1°C <S< 3°C, indica chuva; se -2°C <S< -1°C, indica chuva e trovoada; se -5°C < S< -3°C, indica chuva e trovoada intensa (Fedorova et al. 2017). Na Tabela 1 os valores negativos variaram entre -5°C <S< -1°C, em quase todos os dias, com exceção de 23/01/2018 e 13/03/2019. Os valores positivos no dia 23/01/2018 formaram-se devido a uma previsão errada na formação de uma camada (800 até 850 hPa) de inversão subsidência, ou seja, absolutamente estável, esse resultado não foi mostrado em figura.
O índice CAPE com valores entre 1000 e 2500 J/kg são considerados altos (Franco, Menezes & Vasconcellos 2020). Em 00h, o valor mínimo 554 J/kg não apresentou potencial de convecção profunda e o valor máximo 986 J/kg apresentou fraco potencial de convecção. CAPE foi maior nas trovoadas de 18 UTC (13/03/2019 e 21/03/2019) do que em horários anteriores (12 UTC 23/01/2018 e 06 UTC 12/03/2019), isso ocorreu devido a CAPE se elevar conforme o aumento da temperatura ao longo do dia.
O dia de maior instabilidade foi 13/03/2019, conforme exibidos pelos índices CAPE e LI em conjunto, esses índices são eficientes em avaliar a intensidade dos casos de trovoada Cordeiro et al. (2013). Na Figura 6, foi exemplificado que nos horários de antecedência, a instabilidade em baixos níveis aumentou em até 48 horas (Figura 6 D ) isso não foi observado nos demais dias.


3.4 Análise de Precipitação e Descargas Elétricas
A Figura 7 mostra as informações de precipitação diária (mm/24h). O dia 23/01/2018 teve o maior acumulado diário de precipitação, foi registrado 89.6 mm/24h em Maceió e São Luís do Quitunde com 43 mm/24h. O segundo dia de maior acumulado foi 13/03/2019, houve precipitações em todas as localidades analisadas, com máxima de 63.4mm/24h em Palmeira dos Índios. No dia 12/03/2019 não houve registros de precipitações em Água Branca, Pão de Açúcar e Coruripe, nos demais municípios houve pouco acumulado (menor que 8.4mm/24h). O último caso 21/03/2019 marcou máximo de 22 mm/24h em Piranhas e valores baixos ou nulos nos demais municípios.

Também foram analisados os mapas com distribuição espacial das descargas atmosféricas durante todo o horário contabilizado com trovoadas. 13/03/2019 apresentou (17 até 23 UTC) a maior distribuição de raios em AL. Palmeira dos Índios, Arapiraca e Pão de Açúcar são os três municípios que formam a área com a maior densidade de descargas elétricas e estão todos identificados na Figura 8A. No último caso 23/01/2018 (09 até 13 UTC) as descargas atmosféricas se concentraram em áreas adjacentes ao aeroporto de AL nas regiões com aumento de elevação do relevo. Os municípios mais atingidos pelo fenômeno foram Rio Largo (próximo ao aeroporto) e Maceió (Figura 8B).

4 Conclusões
A pesquisa avaliou a frequência de trovoadas nos anos de 2018 e 2019. No total foram verificados 04 dias com duração igual ou superior a 3 horas do evento. Os resultados indicaram que as trovoadas ocorreram com mais frequência nos meses de janeiro, fevereiro e março, sendo março o mês de maior registro. Estes resultados confirmam os resultados anteriores (Brito et al. 2011; Cordeiro, Fedorova & Levit 2018).
Os sistemas sinóticos encontrados nos dias com trovoadas, coincidem com os mesmos apontados pela literatura (Brito et al. 2011; Cordeiro, Fedorova & Levit 2018; Levit, Cordeiro & Cavalcante 2016). Foram eles: Cavado, CJNEB e VCAN em Altos Níveis; ZCIT e Alísios em Baixos Níveis. O sistema que mais atuou foi CJNEB em todos os casos, associado ao VCAN. Este resultado está de acordo com os resultados de Silva et al. (2011) sobre a alta frequência de CJNEB nos dias com precipitações intensas.
Na análise termodinâmica, em geral, os Ps mostraram índices de instabilidade LI na faixa de -2°C a -4°C e a energia CAPE mínimo de 554 J/kg e máximo de 986 J/kg. Na literatura estes valores do CAPE não indicam o desenvolvimento de convecção profunda, mas apresentaram uma atmosfera propícia à existência de instabilidade moderada que são típicos nas ocorrências de trovoadas para a região de AL. Em trabalhos de Cordeiro et al. (2013) o CAPE apresentou valores entre 409 J/Kg e 2176 J/Kg. Ou seja, nessa pesquisa foi verificado que em Alagoas o CAPE foi maior nas trovoadas de 18 UTC do que em horários anteriores, devido a CAPE se elevar ao longo do dia conforme o aumento da temperatura ao longo do período diurno. Os índices K e TT obtidos pelos Pp apontaram resultados abaixo do esperado e não foram confiáveis na identificação de convecção e trovoadas. O S manteve seus valores negativos em até 12-24h em três casos e indicaram a presença de chuva e trovoadas. O índice de instabilidade LI mostrou em todos os casos valores negativos em até 48h de antecedência, o que concorda com os dados da literatura.
Em comparação com estudos realizados no Nordeste, observou-se que os resultados neste trabalho, confirmam que o índice LI é mais eficiente na identificação de convecção e trovoadas do que os índices K e TT. O índice Showalter pode ser utilizado para previsão até 12-24h. Os valores de CAPE, associados com convecção profunda e trovoadas são mais baixos, indicados pela literatura.
Por fim, um novo resultado foi observado, as localidades mais atingidas pelos raios tendem a ser as regiões com aumento de elevação do relevo e que registrem mais precipitações. No dia 13/03/2019 as incidências elétricas foram dispersas sobre todo o estado com precipitações em todas as localidades observadas, enquanto no dia 23/01/2018 Maceió obteve 89.6 mm/24h de precipitação e foi a área mais atingida pelas descargas elétricas em até 142 metros de altitude. Estes resultados são novos para a região de estudo.
Finalmente, neste trabalho foram confirmados em dados independentes os resultados dos estudos anteriores (Brito et al. 2011; Cordeiro, Fedorova & Levit 2018). Além disso, foram descritos primeiramente as distribuições em Alagoas das descargas elétricas nos dias de trovoadas.
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Notas
Autor notes
E-mails:glenda.silva@icat.ufal.br ; nataliabras@gmail.com ; vladimirle@gmail.comAutor Correspondente: Glenda Cristine de Oliveira Silva; glenda.9c@gmail.com
Declaração de interesses