Resumo: O século XX foi marcado por várias ondas de frio intensas no Brasil. Devido aos impactos das baixas temperaturas para a saúde pública e agricultura, este trabalho teve como objetivo investigar 12 eventos de ondas de frio extremas ocorridas no Sudeste do Brasil entre os anos de 1965 e 2017 e as configurações sinóticas e de grande escala associadas a tais fenômenos. Para tanto, utilizaram-se os dados da reanálise do ERA20-C com resolução de 0,75º a fim de elaborar os campos sinóticos e composições. Com relação aos padrões sinóticos dos 12 eventos, há uma similaridade da estrutura das ondas na atmosfera superior que, em geral, apresentam cristas amplificadas entre o oceano Pacífico leste e a América do Sul (AS), além de cavados amplificados meridionalmente sobre o oceano Atlântico Sudoeste. Esse padrão de onda é importante para direcionar o escoamento de sul para norte nos baixos níveis, gerando advecção horizontal fria na Região Sudeste. As composições da altura geopotencial em 250 hPa mostram um trem de ondas de Rossby de número 2 amplificado no oceano Pacífico leste em direção ao continente sul-americano dois dias antes do máximo extremo frio no local de estudo. As cristas que se amplificam do oceano Pacífico leste em direção à Patagônia e, posteriormente, para o oceano Atlântico, parecem ser uma resposta aos eventos da quebra da onda de Rossby (que se configuram como um padrão de bloqueio dipolo) entre o continente e oceano Atlântico sudoeste. O ray tracing confirmou a propagação das ondas de Rossby em direção à AS, principalmente as de número 2 e a partir das altas latitudes do oceano Pacífico.
Palavras-chave: Ondas de Rossby, circulação atmosférica, ray tracing.
Abstract: The 20th century was marked by several intense cold waves in Brazil. Due to the impacts of cold extremes on public health and agriculture, this study aimed to investigate 12 events that occurred in Southeast Brazil between the years 1965 and 2017 and the synoptic and large-scale configurations associated with the phenomena. In order to construct synoptic fields and compositions, we used the data from the ERA20-C reanalysis with 0.75º resolution. Regarding the synoptic patterns of the 12 events, there is a similarity in the structure of the waves in the upper atmosphere, which in general have amplified ridges between the eastern Pacific and South America (SA) as well as southern troughs over the southwest Atlantic Ocean. This wave pattern is important to drive the flow from south to north at low levels, generating horizontal cold advection in the Southeast Region. The geopotential height compositions show a highly amplified Rossby wave train in the eastern Pacific Ocean towards the South American continent two days before the extreme cold at the study site. It is suggested that the ridges that amplify from the eastern Pacific Ocean towards Patagonia and, later, to the Atlantic Ocean, appear to be a response to the events of the Rossby wave break (dipole blocking) between the continent and the southwest Atlantic Ocean. The ray tracing confirmed the propagation of Rossby waves towards the SA, mainly the number 2 waves and from the high latitudes of the Pacific Ocean.
Keywords: Rossby wave, atmospheric circulation, ray tracing.
Artigo
Análise Sinótica e de Grande Escala de Ondas de Frio Extremas no Sudeste do Brasil no Século XX
Synoptic and Large-Scale Analysis of Extreme Cold Waves in Southeastern Brazil in the 20th Century
Recepção: 16 Fevereiro 2021
Aprovação: 13 Dezembro 2021
Devido a sua grande extensão latitudinal (12°N a 55°S), o continente sul-americano apresenta uma diversidade de relevos, climas e biomas ( Reboita et al. 2010). Grande parte da AS está localizada no trópico e em território brasileiro. Nesse setor, encontra-se a Região Sudeste do Brasil. De acordo com a classificação climática de Köppen-Geiger, o clima predominante no Sudeste é o AW - tropical chuvoso com inverno seco ( Kottek et al. 2006). Este tipo climático é reflexo da atuação da atuação do sistema de monção da América do Sul (SMAS).
Durante o inverno do Hemisfério Sul (HS), tem-se o período seco do SMAS e é comum a passagem de massas de ar frio na AS, sendo que algumas conseguem penetrar o Centro-Sul brasileiro. Em geral, é nessa época do ano que há maior frequência de frentes polares na Região Sudeste ( Escobar, Reboita & Souza 2019). Esse ar frio em alguns casos também alcança o sul da Região Norte reduzindo a temperatura do ar, o que caracteriza o fenômeno friagem ( Oliveira et al . 2004). Já nos estados do Sul, Sudeste e Centro-Oeste, há um forte resfriamento do ar e até a ocorrência de geadas ( Satyamurty et al . 2002). Em casos particulares, também se verifica precipitação invernal nas partes serranas do Sul, incluindo a neve ( Dolif Neto et al. 2016). Alguns destes episódios de resfriamento são denominados ondas de frio. Segundo a definição geral da Organização Meteorológica Mundial ( Nairn & Fawcett 2013), uma onda de frio corresponde a um período de forte resfriamento do ar próximo à superfície e cobrindo uma vasta área, de modo que as temperaturas fiquem abaixo de certos limiares climatológicos por alguns dias. Existem diferentes metodologias baseadas em índices para a identificação das ondas de frio. Alves et al . (2017) compilaram algumas das metodologias e as aplicaram no estado de Santa Catarina. Entre essas metodologias, destaca-se a de Nairn & Fawcett (2011), que consideram uma onda de frio quando a temperatura do ar de uma determinada região, permanece abaixo do percentil de 5% da série histórica considerada por pelo menos 3 dias consecutivos.
Entender e prever as ondas de frio é fundamental para o preparo da sociedade diante dos impactos associados, tais como surto de doenças respiratórias que podem ocorrer com pessoas mais vulneráveis, como crianças e idosos ( Silveira et al. 2018), prejuízos econômicos na agricultura devido às geadas ( Marengo et al . 1997) e até óbitos dos moradores de rua (‘Frio: pelo menos seis pessoas em situação de rua morreram em SP’ 2019). Apesar dos inconvenientes, cidades como Campos do Jordão (SP) e São Joaquim (SC), por exemplo, lucram com o turismo de inverno. Enquanto alguns setores lucram, outros têm impactos negativos, como o da agricultura que possui um histórico de prejuízos em decorrência das geadas. Um dos casos mais severos no Brasil ocorreu no início da segunda quinzena de julho de 1975 ( Girardi 1983), quando uma incursão de ar polar atingiu o continente e acabou com a produção dos cafezais do Paraná devido à geada negra (geada que congela a água no interior dos vegetais). A Região Sudeste também já registrou muitas perdas nessa cultura devido às ondas de frio. Em junho de 1994, o frio intenso que atingiu o Sudeste do país reduziu a produção do café, o que contribuiu para o aumento do preço deste produto ( Marengo et al. 1997).
As ondas de frio podem ser estudadas em diferentes escalas, como a grande escala, associada à propagação de ondas, e a escala sinótica, que permite à caracterização dos eventos. Estudos em escala sinótica têm mostrado os padrões associados a fortes incursões frias no continente sul-americano. Reboita, Escobar & Lopes (2015), por exemplo, utilizaram a análise de componentes principais para os dados da pressão em superfície e altura geopotencial em 500 hPa, a fim de identificar características da circulação durante ondas de frio que atuaram no sul de Minas Gerais de maio a setembro entre os anos de 1965 a 2014. O principal modo de variabilidade encontrado é constituído por uma onda amplificada em 500 hPa. Enquanto a crista associada está no Pacífico Sul, o cavado a jusante se encontra entre a AS e o oceano Atlântico. Acompanhando esse padrão de nível superior, em superfície um anticiclone pós-frontal se desloca do oceano Pacífico para o cone-sul da AS, ao mesmo tempo que um ciclone se desenvolve no oceano Atlântico. A interação desses sistemas favorece à advecção horizontal do ar frio para o norte, que ajuda a propagar uma extensa frente fria em direção às latitudes subtropicais e tropicais da AS. Os padrões descritos por Reboita, Escobar & Lopes (2015) também são observados em Escobar (2007) e outros estudos como Fortune & Kousky (1983) e Müller et al. (2015).
Intensas ondas de frio podem também estar em um contexto mais complexo da circulação atmosférica, sendo parte dos processos de teleconexão, decorrentes das variabilidades de baixa frequência. O termo teleconexão refere-se a padrões de anomalias num dado local do globo e que são responsáveis pela dispersão de ondas atmosféricas, que, por sua vez, alteram a temperatura e o regime de precipitação em locais distantes ( Liu & Alexander 2007; Shimizu & Cavalcanti 2011). No estudo proeminente de Capucin (2021) são apresentados os principais modos de variabilidade responsáveis pelos processos teleconectivos com impactos na circulação extratropical do HS, dente eles estão o El Niño-Oscilação Sul (ENOS), Oscilação Madden-Julian (OMJ), Oscilação Antártida (OA) e o Pacific South America (PSA).
Marengo et al. (2002) estudaram o comportamento da circulação no HS durante invernos rigorosos na Região Sul e Sudeste do Brasil entre os anos de 1979 a 1998. Cerca de 12 dias antes do auge do frio no Brasil, um duplo trem de ondas se organiza do oceano Pacífico (próximo da Austrália) em direção à AS em formato de arco, embebido no jato subtropical e polar. Entretanto, as ondas entram em fase na parte oriental do oceano Pacífico e sobre o continente sul-americano, resultando em extensas áreas de anomalias da circulação e num escoamento gélido de sul sobre áreas subtropicais e tropicais da AS, padrão semelhante ao descrito por Müller & Berri (2012).
Tendo em vista que a maioria dos estudos sobre ondas de frio se detêm ao sul do Brasil ou região dos Pampas argentinos, Lucyrio, Reboita & Albieri (2019) buscaram complementar o conhecimento desses sistemas em episódios que afetaram o estado de São Paulo. Os autores elaboraram uma metodologia para identificar as ondas de frio mais fortes já registradas no centro-norte do estado de São Paulo entre 1961 e 2017. Utilizando um percentil muito restritivo de 0,2%, os autores encontraram 12 casos de ondas de frio extremas no estado paulista que se concentram ente os anos de 1965 a 2000, inclusive com registro de geadas em todos eles. Entretanto, os autores não estudaram os padrões de escala planetária sobre o continente sul-americano associados a esses eventos. Diante dos impactos já mencionados das baixas temperaturas associadas aos eventos frios para a agricultura e a saúde pública, o presente trabalho tem por objetivo complementar o estudo de Lucyrio, Reboita & Albieri (2019) através de uma descrição sinótica e dos padrões da circulação de grande escala associados à ocorrência dos 12 eventos de ondas de frio (1961 a 2017) na Região Sudeste do Brasil, que neste estudo se limita ao estado de São Paulo e sul de Minas Gerais.
A fim de descrever o padrão sinótico (localização das regiões com alta e baixa pressão, por exemplo) de cada um dos 12 eventos extremos de frio identificados por Lucyrio, Reboita & Albieri (2019) no estado de São Paulo, utilizou-se o banco de dados da reanálise ERA20-C ( Poli et al. 2016), do European Centre for Medium-Range Weather Forecasts, por ser um dos poucos que possuem dados antes de 1979. Os dados utilizados neste estudo possuem resolução horizontal de 0,75º e 6 níveis verticais (superfície, 1000, 850, 500, 300 e 250 hPa) para os 4 horários sinóticos (0000, 0600, 1200 e 1800 Z). Nessa etapa, o domínio da análise corresponde à área da AS (60°S a 5ºN e 100ºO a 10°O). As variáveis utilizadas são: temperatura do ar, vorticidade relativa, vorticidade potencial, geopotencial, componentes zonal e meridional do vento, pressão ao nível médio do mar e umidade específica. A partir destas variáveis primárias, calcularam-se as variáveis secundárias como advecção horizontal de temperatura, advecção horizontal de vorticidade relativa, espessura da camada e altura geopotencial. Essas equações podem ser encontradas em Capucin et al. (2019), Holton (2004) e Wallace & Hobs (2006). Embora a análise tenha levado em conta todos os horários sinóticos, por motivos de brevidade nos resultados são apresentados apenas o horário das 1200 Z, uma vez que neste horário sinótico existe uma maior disponibilidade de dados observados e que são assimilados nas reanálises, como os dados de radiossonda.
Realizou-se uma investigação nos padrões médios anômalos da circulação do HS, cujo domínio de estudo para as 12 ocorrências de ondas de frio corresponde a 90°S a 5°N e de 180ºO a 180°L ( Figura 1). Estudos como o de Müller & Berri (2012) mostram que a componente meridional do vento e a altura geopotencial nos altos níveis da troposfera permitem visualizar as ondas de Rossby responsáveis por eventos extremos como ondas de frio. No intuito de detectar as anomalias da circulação de grande escala, elaborou-se a climatologia diária dessas variáveis para os meses de inverno (junho, julho e agosto) de 1965 a 2000, uma vez que Lucyrio, Reboita & Albieri (2019) detectaram ondas de frio extremas nesse período. Posteriormente, geraram-se os campos das anomalias diárias da circulação para os meses dos anos que se registraram as fortes incursões frias. Salienta-se que apenas o horário das 1200 Z foi utilizado nos cálculos da climatologia e anomalia diária (mesmo motivo descrito na Seção 2.1), sendo que a anomalia (A) foi obtida de acordo com: A = Xi - em que Xi é a variável em um dado dia às 1200 Z e é a climatologia da variável em um dado dia às 1200 Z.
De posse das anomalias diárias (às 1200 Z) das variáveis, selecionaram-se os dias -2, -1, 0, 1 e 2 para construção das composições das 12 ondas de frio ( Tabela 1), seguindo a mesma metodologia de Müller & Berri (2012) com relação aos dias das composições, onde o dia 0 corresponde ao dia de pico do extremo frio, isto é, o dia em que a média da anomalia da temperatura mínima diária foi a menor para cada evento. Os valores de anomalia da temperatura foram obtidos das estações meteorológicas do centro-norte do estado de São Paulo e sul de Minas Gerais, conforme o estudo de Lucyrio, Reboita & Albieri (2019).

A fim de saber se a diferença entre a média dos 12 eventos de ondas de frio (amostra) e a média do conjunto de todos os dados (população) é estatisticamente significativa, calculou-se o teste t-Student ( Stevenson 1981). Os dados utilizados nesta etapa também são para às 1200 Z. A estatística é calculada de acordo com a equação a seguir, onde é a média da amostra para os dias das composições (-2, -1, 0, 1, 2), é a média da população (junho, julho e agosto de 1965 a 2000), Sam é o desvio padrão da amostra, Spop é o desvio padrão da população, nam o grau de liberdade da amostra e npop o grau de liberdade da população.
Neste trabalho foi considerado o teste bilateral com nível de significância de α = 0.05 (95% de confiança), onde a hipótese nula (H0 ) equivale a médias iguais entre os dois grupos de dados (amostra e população), enquanto a hipótese alternativa (H1 ) se refere ao oposto. A hipótese H0 é rejeitada para -2.201 > t > 2.201, isto é, quando |t| > 2.201 a hipótese H1 é aceita.
Para a obtenção das trajetórias das ondas de Rossby associadas às 12 ondas de frio, utilizou-se a metodologia do ray tracing ( Ambrizzi, Sacco & Ferraz 2014; Rehbein et al. 2020). Para isso é utilizado o vento médio zonal em 250 hPa com intervalo de 6 horas (0000, 0600, 1200 e 1800 Z) do ERA-20C com 2.5° de espaçamento horizontal ( Poli et al. 2016). Este dado possui resolução mais grosseira que aquela utilizada nas análises sinóticas para evitar interferências do sinal dos fenômenos de menor escala durante o rastreamento.
O ray tracing permite investigar a trajetória seguida pelas ondas de Rossby a partir de diversas fontes e diferentes condições iniciais. No presente experimento, foram rastreadas todas as ondas geradas nos pontos de grade da região delimitada pelo retângulo azul na Figura 1 (50ºL-110O/60ºS-10ºS) com distanciamento de 2,5º entre os pontos, tempos totais de integração de 3, 4, 5 e 7 dias e números de onda total (K) 2, 3 e 4. Após o rastreamento, as trajetórias das ondas que em algum momento cruzaram a região de interesse delimitada pelo retângulo verde na Figura 1 (60ºW-40ºW/30ºS-10ºS), foram selecionadas. No final, foram selecionadas as trajetórias das ondas de Rossby com K=2 e K=3, pois o objetivo é investigar ondas planetárias que estão no contexto das ondas de frio, além de 5 dias de integração. Acima de 5 dias, os traçados de ondas se deslocam muito ao norte da região de interesse (distantes da caixa verde na Figura 1) e abaixo disso, ficam muito a sul ou não alcançam a região de interesse. Para o cálculo do ray tracing é utilizada uma ferramenta desenvolvida na linguagem R ( R Core Team 2020) disponível no repositório oficial do R (CRAN - https://cran.r-project.org/web/packages/raytracing/index.html mais informações em https://github.com/salvatirehbein/raytracing).

As ondas de frio aqui estudadas foram aquelas que causaram episódios frios entre São Paulo e o sul de Minas Gerais e que foram previamente identificadas no estudo de Lucyrio, Reboita & Albieri (2019). Esses autores definiram os episódios frios e o pico da onda de frio através da variação da temperatura média de algumas estações entre o centro-norte de São Paulo e triângulo mineiro. Em geral, a maior queda da temperatura média é observada um dia antes do pico da onda de frio (dia da menor mínima). Após a estabilização do ar frio a variação na temperatura é menor. Portanto, o “pico da onda de frio” se refere a menor média da anomalia da temperatura mínima produzida pela onda de frio na região em estudo.
Por brevidade, aqui só serão apresentados os campos sinóticos do dia do pico do extremo frio para cara um dos 12 casos de ondas de frio que atingiram o Sudeste do Brasil entre os anos de 1961 e 2017 ( Figuras 2 a 5). A Figura 1 é a junção de uma carta sinótica de superfície (pressão atmosférica, espessura da camada entre 1000 e 850 hPa e símbolos de sistemas meteorológicos) com uma de altos níveis (velocidade do vento superior a 36 m/s equivale à corrente de jato). As características mais comuns entre os 12 casos das ondas de frio são a presença de um extenso sistema frontal entre o Brasil e o oceano Atlântico e o posicionamento dos anticiclones pós-frontais sobre o continente com valor de pressão médio de 1027 hPa, considerando os 12 casos ( Figura 2).
Apesar de existir variabilidade na posição dos anticiclones pós-frontais, a trajetória continental dos sistemas contribui para uma maior penetração do ar frio nas latitudes menores do Brasil, incluindo o Sudeste. Além disso, a rota dos anticiclones nos 12 casos concorda com a do estudo de Pezza & Ambrizzi (2005), que elaboraram um modelo conceitual para a trajetória de sistemas de tempo associados a ondas de frio na AS. Contudo, os ciclones extratropicais também exibem grande variabilidade de posição nos 12 casos. Em geral, eles aparecem desde as latitudes altas do oceano Atlântico Sul até a costa da Região Sul do Brasil e apresentam deslocamento para sudeste.
Com relação aos padrões de nível superior, uma das características mais marcantes é o posicionamento do ramo norte do jato polar sobre latitudes menores. O ramo norte do jato polar situa-se no nível de 250 hPa tipicamente ( WPC, 2000). Nos anos de 1972 ( Figura 2B), 1975 ( Figura 2C), 1978 ( Figura 2D), 1985 ( Figura 2G), 1994 ( Figura 2K) e 2000 ( Figura 2L), o jato polar atingiu parte da Região Sul do Brasil e do oceano Atlântico adjacente e, portanto, contribuiu para a advecção de ar frio e espessuras menores em direção ao Brasil. Nos anos citados anteriormente, verifica-se ainda que a espessura de 1320 metros associada a temperaturas inferiores a 0°C em 850 hPa acompanhou o deslocamento do jato polar sobre áreas do Sul brasileiro.
Um dos principais campos atmosféricos investigados em estudos de ondas de frio é o da advecção horizontal de temperatura em 1000 hPa. Através deste campo é possível identificar a taxa de redução ou aumento da temperatura em um dado local e tempo. Na Figura 3, a advecção de temperatura foi plotada juntamente com a altura geopotencial no nível de 500 hPa. Ressalta-se que os tons de azul equivalem à advecção fria, isto é, regiões resfriadas pela entrada da massa de ar frio vinda de sul nas regiões de cavados na média troposfera. Fisicamente, as áreas influenciadas pela advecção fria apresentam diminuição da temperatura e elevação da pressão atmosférica, além do aumento da estabilidade do ar pela inversão térmica na baixa troposfera.
Observa-se que na maioria dos casos há um padrão de onda amplificada. No entanto, algumas ondas de frio exibiram cavados amplamente meridionais em direção a Região Sudeste, como visto na Figura 3G e 3L. Quando isso ocorre, o gradiente de pressão em superfície contribui para que haja um escoamento de sul para norte, que transporta o ar frio para latitudes menores do Brasil ( Reboita, Escobar & Lopes 2015). Outra característica das ondas da média troposfera são as estruturas com assinatura similar ao do tipo bloqueio dipolo, sendo identificadas pelo deslocamento de cristas ao sul dos cavados do oceano Atlântico ( Figura 3C, 3D, 3F, 3H e 3L). Segundo Sprenger, Martius & Arnold (2013), as estruturas de bloqueio no contexto de ondas de frio se relacionam com anomalias de vorticidade potencial em nível superior, sobretudo durante eventos da “quebra da onda de Rossby” que levam a formação de baixas desprendidas na atmosfera superior (cutoff-low em inglês).
Com relação à advecção de temperatura na área de interesse, os valores negativos (advecção fria) mais intensos para às 1200 Z do dia pico das ondas de frio se destacam para os casos dos anos de 1965 ( Figura 3A) e 1985 ( Figura 3G).


Os processos descritos nas Figuras 2 e 3 são úteis também para explicar a distribuição espacial da temperatura do ar nos dias das ondas de frio ( Figura 4), uma vez que há uma relação direta desses sistemas com a dinâmica das latitudes médias, onde as massas de ar frio (ar quente) são conduzidas para o norte (sul) através dos cavados (cristas) no HS em 500 hPa. Em todos os casos da Figura 4, observa-se o predomínio de sistemas de alta pressão pós-frontais sobre o continente associado ao ar frio. A variabilidade da posição dos anticiclones para os 12 casos explica duas principais direções do vento no estado de São Paulo e triângulo mineiro, sendo o quadrante sudoeste e sudeste. O pico do extremo frio nessas regiões se desenvolve na presença das altas pressões e de um extenso sistema frontal sobre o continente. O limite dos sistemas frontais é identificado pelo forte gradiente térmico configurado entre os estados do Centro-Oeste e Sudeste, como visto na Figura 4 e conforme os sistemas frontais plotado na Figura 2. Entre a Região Sul, o estado de São Paulo e do Mato Grosso do Sul, estão os menores valores de temperatura entre os eventos, sobretudo na região de interesse nos anos de 1981 ( Figura 4F), 1985 ( Figura 4G), 1988 ( Figura 4I), julho de 1994 ( Figura 4K) e 2000 ( Figura 4L). Com exceção dos casos de 1965, 1978, 1981, 1985, 1987, os demais exibem núcleos mínimos de temperatura na Região Sul. Essas baixas temperaturas são explicadas pela altitude e pela perda de radiação de onda longa da superfície para atmosfera durante a noite, especialmente nas regiões centrais dos anticiclones que são livres de nuvens ( Ynoue et al. 2017).

Partindo para a análise de maior escala, na Figura 5 estão as composições das anomalias da altura geopotencial em 250 e 850 hPa para os dias -2, -1, 0, 1 e 2; lembra-se que o dia 0 corresponde ao dia do pico das ondas de frio. As composições têm como objetivo ressaltar aspectos médios relevantes para o monitoramento dos padrões de grande escala associados a ondas de frio extremas no Sudeste brasileiro. A anomalia da altura geopotencial na alta troposfera (250 hPa) possibilita a identificação das ondas planetárias, ou ondas de Rossby, que são responsáveis por extremos de calor e frio. Valores positivos (negativos) de anomalias têm relação com fortes sistemas de alta (baixa) pressão e intensos escoamentos meridionais próximos da superfície. Dois dias antes do pico das ondas de frio ( Figura 5A e 5B), é perceptível um trem de ondas de Rossby no HS, mas que se intensifica e se curva para nordeste ao atingir a AS. Uma trajetória similar também foi obtida aplicando o método do ray tracing na composição do vento médio zonal em 250 hPa. A amplificação das ondas planetárias e a propagação para nordeste ao longo do continente sul-americano é um aspecto comum da circulação de grande escala durante fortes incursões frias no Brasil, como visto em Müller & Berri (2007) e Reboita, Escobar & Lopes (2015).
Os altos valores de anomalia de altura geopotencial entre o Pacífico e a Patagônia ( Figura 5A), evidenciam fortes cristas de nível superior nestas localidades na maioria dos casos, com destaque para a amplificação destes sistemas em direção à Península Antártica similar a configuração encontrada em Fortune & Kousky (1983). Logo a jusante, observam-se valores negativos de anomalia entre o cone Sul da AS e o Atlântico. Tais anomalias equivalem a cavados amplificados que se desenvolvem corrente abaixo das cristas. Como reflexo das ondas longas e barotrópicas na alta troposfera, circulações anômalas em fase também se estabelecem próximo da superfície, como é o caso do nível de 850 hPa ( Figura 5B). Atribui-se que os valores positivos centrados na Patagônia estejam relacionados à posição média dos anticiclones polares dois dias antes do máximo frio registrado no Sudeste do Brasil. Analogamente, os valores negativos no Atlântico a leste da Região Sul do país, mostram a posição média dos ciclones extratropicais. No entanto, as anomalias positivas da crista sobre a AS que se prolongam em direção à Península Antártida ( Figura 5A), além de explicarem a entrada de fortes altas pressões no sul da AS ( Figura 5B), parecem ter relação com a formação de anticiclones nas altas latitudes do oceano Atlântico sul. Estes sistemas de alta pressão, caracterizam em média um campo de pressão dipolo com o ciclone extratropical ao norte (adjacente ao Sul do Brasil), conforme observado na Figura 5B.
Uma característica relevante encontrada nestes padrões, é que os máximos de anomalias positivas de altura geopotencial em 250 hPa migram da região do Pacífico leste/ Patagônia no dia -2 ( Figura 5A) em direção ao oceano Atlântico sul, em cerca de 60ºS no dia 0 ( Figura 5E). Isso mantém a estrutura dipolo das anomalias também em 850 hPa, especialmente até o dia 0 ( Figura 5F) entre 30-70°S e 40ºO.
O deslocamento das anomalias positivas de altura geopotencial em 250 hPa do oceano Pacífico para o Atlântico entre os dias -2 ( Figura 5A) e 0 ( Figura 5E), pode ser explicado por situações de quebra da onda de Rossby, que levam a situações de escoamento atmosférico com aparência de bloqueio do tipo dipolo ( Iwabe & Da Rocha 2009; Nascimento & Ambrizzi 2002; Postel & Hitchman 1999; Sprenger,Wernli & Bourqui 2007). Deste modo, sugere-se que o padrão com característica similar a de bloqueio dipolo no oceano Atlântico, é importante para a manutenção do ar frio de altas latitudes em direção à área situada entre as circulações dos anticiclones pós-frontais sobre o continente e o ciclone extratropical no oceano Atlântico ( Figuras 5B, 5D e 5F). Para o dia 1 ( Figura 5G e 5H), as anomalias de altura geopotencial desintensificam em relação ao dia 0 ( Figura 5E e 5F), mas ainda mostram um trem de ondas de Rossby ao redor do HS. Já para o dia 2 ( Figura 5I e 5J) não existem anomalias significativas próximas ao Brasil.
Anteriormente foram analisados os padrões sinóticos associados aos 12 eventos de ondas de frio ocorridos no século XX. Também foram examinados os padrões de larga escala dos campos médios de anomalia de altura geopotencial em baixos (850 hPa) e altos (250 hPa) níveis da atmosfera, encontrando um padrão de ondas de Rossby. Nesta seção, as trajetórias individuais seguidas pelas ondas de Rossby para os 12 eventos de ondas de frio são identificadas, a fim de averiguar a existência de teleconexões responsáveis por estes eventos.
Figura 6 mostra as trajetórias seguidas pelas ondas de Rossby com K=2 ( Figura 6A) e K=3 ( Figura 6B) para cada um dos 12 eventos de ondas de frio a partir de uma região em aproximadamente 45ºS/130ºO, similar à Figura 5A, onde a composição da anomalia da altura geopotencial em 250 hPa exibe a amplificação das ondas a partir dessa região do oceano Pacífico sul. Existe uma semelhança com relação a região fonte destas ondas para todos os eventos de onda de frio, com exceção daquela ocorrida em 1985 cujo início da trajetória de onda ocorre à noroeste dos demais eventos (está além do escopo deste estudo detalhar as particularidades deste caso de 1988), porém segue a mesma trajetória que os demais eventos estudados.
Portanto, há uma clara relação de conexão entre a região de formação de ondas de Rossby na região do Pacífico sul e as ondas de frio ocorridas no sudeste da AS, com destaque para uma curvatura maior no raio de propagação para K = 2.


O presente trabalho investiga os padrões sinóticos e de grande escala associados a 12 casos extremos de ondas de frio no período entre 1965 a 2017 na Região Sudeste do Brasil, com foto na parte sul dessa região. Elaborou-se a análise sinótica individual para o dia de pico de cada uma das ondas de frio e, posteriormente, foram construídas composições para identificação dos padrões anômalos da circulação atmosférica e possíveis impactos de teleconexão.
Todas as ocorrências mostram um padrão de onda amplificada em 500 hPa entre os oceanos Pacífico e Atlântico, de modo que, em média, as cristas de nível superior dão suporte para altas pressões migratórias se deslocarem do oceano Pacífico Leste em direção ao Cone-Sul da AS, enquanto os cavados de nível superior a jusante das cristas, fornecem suporte aos ciclones extratropicais no oceano Atlântico. Estes resultados são compatíveis com Escobar (2007), Müller & Berry (2007) e Reboita, Escobar & Lopes (2015) por exemplo, onde este padrão de ondas condicionam em superfície um campo de pressão favorável para um intenso escoamento meridional de sul para norte, favorecendo forte advecção horizontal de ar frio no Centro-Sul do país.
As composições da altura geopotencial e do vento mostram uma estrutura barotrópica da circulação, com uma forte amplificação das ondas entre a região central do oceano Pacífico em direção à AS dois dias antes do dia pico das ondas de frio. Sugere-se que a amplificação das cristas sobre o continente-sul-americano em direção à altas latitudes do oceano Atlântico, esteja associada aos eventos de quebra da onda de Rossby (que propiciam um campo de pressão similar ao de bloqueio dipolo) conforme o modelo conceitual da Figura 7, o que explica o campo de pressão dipolo em 850 hPa no Atlântico entre os dia -2 e 0 nas composições. Essa estrutura da circulação é importante para desalojar o ar frio de altas latitudes em direção ao norte, visto que esse ar frio é conduzido entre a circulação dos anticiclones pós-frontais sobre a AS e dos ciclones extratropicais sobre o oceano Atlântico Sul.

A análise das trajetórias usando o método ray tracing sugere que a maioria das ondas de Rossby partem das altas latitudes do oceano Pacífico Sul em direção a AS. Essa mesma característica é confirmada ao se analisar a composição da anomalia da altura geopotencial em 250 hPa para os 12 eventos, sugerindo uma conexão remota entre as duas regiões.
Esse estudo é importante porque complementa o entendimento dos mecanismos sinóticos e de grande escala que estiveram associados às ondas de frio históricas na Região Sudeste, uma vez que os 12 episódios investigados neste trabalho foram extremos e ainda não haviam sido estudados em conjunto. Como sugestão para trabalhos futuros, destaca-se a importância do conhecimento individual das forçante das ondas de Rossby no oceano Pacífico em cada um dos 12 eventos, bem como da dinâmica da teleconexão associada.
Agradecemos ao European Centre for Medium-Range Weather Forecasts (ECMWF), Climate Forecast System Reanalysis pela disponibilização dos dados e ao auxílio financeiro do CNPq, FAPEMIG e CAPES (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - Brasil - Código de Financiamento 001).
brunocapucin23@gmail.comamanda.rehbein@usp.brreboita@unifei.edu.brvinicius.lucyrio@gmail.comgustavo.escobar@inpe.br







