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Conflitos de Uso da Terra em Áreas de Preservação Permanente no Alto Rio Jequitinhonha, Brasil
Luciano Cavalcante de Jesus França; Fabrina Teixeira Ferraz; Vicente Toledo Machado de Morais;
Luciano Cavalcante de Jesus França; Fabrina Teixeira Ferraz; Vicente Toledo Machado de Morais; Fausto Weimar Acerbi; Danielle Piuzana Mucida
Conflitos de Uso da Terra em Áreas de Preservação Permanente no Alto Rio Jequitinhonha, Brasil
Land Use Conflicts in Permanent Preservation Areas in the Upper Jequitinhonha River, Brazil
Anuário do Instituto de Geociências, vol. 45, pp. 1-11, 2022
Universidade Federal do Rio de Janeiro
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Resumo: A exploração das riquezas minerais da região do Alto Rio Jequitinhonha, em Minas Gerais, condicionou a degradação ambiental produzida na paisagem desde o século XVIII. A partir disso, este estudo objetivou analisar o conflito do uso da terra em Áreas de Preservação Permanente (APP) de mata ciliar do rio Jequitinhonha, Minas Gerais, segundo o Código Florestal brasileiro. Realizou-se o mapeamento do uso e cobertura da terra utilizando imagens RapidEye e a delimitação das APP em ambiente SIG. As classes geradas foram: (I) Vegetação Natural, (II) Afloramento Rochoso, (III) Área Antropizada e (IV) Curso Hídrico. A definição das APPs foi estabelecida de acordo com as diretrizes da legislação florestal. A sobreposição do mapa de uso e cobertura da terra com a delimitação das APP originou o mapa de usos conflitantes. A área total ocupada pelas formas de cobertura no território destinado à APP, subtraindo-se a classe Curso Hídrico, foi 2,10 km². Constatou-se 30,9% de uso indevido nos limites da APP (classe Área Antropizada). Diante dos resultados deste trabalho, nota-se que o cumprimento da legislação florestal e a fiscalização ambiental das propriedades rurais na área de estudo ainda são insuficientes. Salienta-se a necessidade de recomposição das áreas de APP, de modo a assegurar os serviços ecossistêmicos e hidrológicos relacionados à conservação ambiental. Os procedimentos metodológicos aqui aplicados, podem ser replicados para outras ecorregiões do Brasil, sob respaldo do código florestal brasileiro e legislações vigentes.

Palavras-chave: Conservação florestal, sensoriamento remoto, código Florestal Brasileiro.

Abstract: The exploration of mineral wealth in the Alto Rio Jequitinhonha region, in Minas Gerais, has conditioned the local environmental degradation in the landscape since the 18th century. From this, this study aimed to analyze the conflict of land use in Permanent Preservation Areas (APP) of the riparian forest of the Jequitinhonha River, Minas Gerais, according to the Brazilian Forest Code. The classification, the mapping of land use, and land cover were carried out using RapidEye images and the delimitation of the APP in a GIS environment. The generated classes were: (I) Natural Vegetation, (II) Rocky Outcrop, (III) Anthropised Area, and (IV) Watercourse. The definition of APPs was granted in accordance with the guidelines of the forest legislation. The overlay of the land use and land cover map with the delimitation of the APP originated from the maps of conflicting uses. according to the criteria created by the forest legislation. The total area occupied by the forms of use of coverage in the territory destined to the APP, subtracting the Water Course class, was 2.10 km². Of these, 53.22% are equivalent to the natural vegetation of riparian forest and 6.01% of Rocky Outcrop. Among the conflicting use classes, Anthropized Areas stand out with 30.9% of undue use within the boundaries of the APP (Anthropized Area class). Given these results of this work, it can be stated that compliance with forest legislation and environmental inspection of rural properties in the study area is still deficient, according to the evaluated study area, and the environmental inspection of rural properties around the study area is insufficient. Therefore, the need to recompose the APP areas is highlighted, in order to guarantee the ecosystem and hydrological services related to environmental conservation. The methodological procedures registered here can be replicated to other ecoregions in Brazil, under the support of the Brazilian forest code and current legislation.

Keywords: Forest conservation, remote sensing, brazilian Forest Code.

Carátula del artículo

Artigo

Conflitos de Uso da Terra em Áreas de Preservação Permanente no Alto Rio Jequitinhonha, Brasil

Land Use Conflicts in Permanent Preservation Areas in the Upper Jequitinhonha River, Brazil

Luciano Cavalcante de Jesus França
Universidade Federal de Uberlândia, Brasil
Fabrina Teixeira Ferraz
Universidade Federal de Uberlândia, Brasil
Vicente Toledo Machado de Morais
Universidade Federal de Viçosa, Brasil
Fausto Weimar Acerbi
Universidade Federal de Uberlândia, Brasil
Danielle Piuzana Mucida
Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri, Brasil
Anuário do Instituto de Geociências, vol. 45, pp. 1-11, 2022
Universidade Federal do Rio de Janeiro

Recepção: 21 Junho 2021

Aprovação: 02 Fevereiro 2022

1 Introdução

O Cerrado brasileiro, considerado a savana mais rica em biodiversidade do mundo e um ponto crítico para prioridade de conservação (Morandi et al. 2020), é um dos domínios fitogeográficos mais afetados e modificados pela ação humana (Cabette et al. 2017; Franke et al. 2018). A antropização dos recursos naturais por si só pode ser um problema para a conservação ambiental e, ainda, algumas áreas podem ser mais vulneráveis aos efeitos negativos desse processo, como as Áreas de Preservação Permanente (APP).

As APP são ambiental imprescindíveis e têm a função de garantir a estabilidade do solo, disponibilidade dos recursos hídricos, biodiversidade de fauna e flora e o bem-estar humano (Brasil 2012). As zonas ribeirinhas, uma das classes de APP, são ecossistemas complexos que unem água e ambientes terrestres e fornecem vários serviços ecológicos, como conectividade de habitat e manutenção da biodiversidade, reforço das margens do rio, mitigação da poluição, redistribuição de nutrientes e potencial recreativo, de grande valor para o funcionamento de uma bacia hidrográfica e bem-estar humano (Méndez-Rojas et al. 2021).

Embora as APP sejam protegidas e definidas com o respaldo legal do Código Florestal brasileiro vigente (Lei nº 12.651/2012), na prática, seu uso antrópico é uma realidade nas paisagens brasileiras, resultando em áreas de conflito (Oliveira et al. 2017; Oliveira et al. 2018; Payés et al. 2013; Salamene et al. 2011). Nesse cenário se contextualiza o rio Jequitinhonha, em trecho de sua porção cimeira no estado de Minas Gerais e área de entorno, o qual é alvo da exploração de diamantes e ouro desde o início do século XVIII. A ocupação portuguesa vinculada à extração e beneficiamento de riquezas minerais, assim como a necessidade de subsistir na região, causaram processos de degradação ambiental, cujas marcas ainda podem ser encontradas na paisagem (Mucida et al. 2019).

Considerando o ritmo de ocupação antrópica e de exploração dos recursos naturais na região hidrográfica da bacia do rio Jequitinhonha, este estudo foi elaborado a partir da hipótese de que há conflitos de uso da terra em APP de matas ciliares nessa região. Desta forma, este estudo teve como objetivo analisar as categorias de conflito do uso do solo em APP de mata ciliar em um trecho do rio Jequitinhonha, Minas Gerais, segundo normativas do Código Florestal brasileiro vigente. Também, propôs-se apresentar recomendações para intervenções de conservação e restauração ambiental para o local. Este trabalho contribui com a literatura regional frente ao escasso conhecimento sobre os conflitos ambientais territoriais dessa região, permitindo uma melhor compreensão da influência humana sobre matas ciliares. Adicionalmente, apoia estudos sobre os impactos da perda e fragmentação ecossistêmica na biodiversidade do rio Jequitinhonha.

2 Dados e Metodologia
2.1 Caracterização da Área de Estudo

A área de estudo corresponde a um trecho da porção cimeira do rio Jequitinhonha (cerca de 70 km de sua nascente), com um total de 41,32 km², entre os distritos de Inhaí e Senador Mourão, município de Diamantina, Minas Gerais (Figura 1). Localiza-se na porção meridional da Serra do Espinhaço, em trecho meandrante do rio com depósitos aluvionares, que drena sobre rochas quartzíticas (Formação Duas Barras) e metadiamictíticas (Formação Serra do Catuni) do Grupo Macaúbas (Noce 1997). A escolha da área se deve ao fato de ser uma zona de exploração histórica de diamantes e ouro, desde o século XVIII (Chaves & Chambel 2004).


Figura 1
A. Mapa de localização com biomas do Brasil; B. Biomas e localização geográfica do Alto Jequitinhonha, no contexto da Bacia Hidrográfica do Rio Jequitinhonha; C. Alto Rio Jequitinhonha com indicação do trecho amostrado neste estudo; D. Localização da área de estudo com limite da APP analisada.

O clima da região segundo a classificação de Köppen é Cwb, temperado úmido, com inverno seco e chuvas no verão (Álvares et al. 2013). A temperatura média anual é de 18,3°C e a vegetação predominante são as fitofisionomias do Cerrado: Cerrado Típico, Cerrado Ralo, Cerrado Rupestre e formações campestres como Campo Limpo e Campo Rupestre (Ribeiro & Walter 2008; Vieira et al. 2010). Ocorrem, ainda, formações florestais representadas pela Floresta Estacional Semidecidual (França et al. 2018).

A classe de solos predominante é Neossolo Quartzarênico, que promove a formação de solos arenosos e rasos (Amaral et al. 2015; FEAM 2010). A área de estudo encontra-se em uma região considerada de elevada fragilidade ambiental potencial, quando considerados fatores biofísicos da região (França 2018).

2.2 Procedimentos Metodológicos: Cobertura e Uso da Terra

Para a classificação do uso e cobertura da terra, foi utilizada 01 (uma) cena do sensor RapidEye, com resolução espacial de 5 metros e nível de processamento 3A (ano base 2016), já corrigida geométrica e radiometricamente. A imagem foi adquirida gratuitamente no Catálogo de Imagens de Satélite RapidEye do Ministério do Meio Ambiente (MMA) (http://geocatalogo.mma.gov.br/), disponível para órgãos públicos federais, estaduais, municipais e universidades públicas conveniados com o MMA. A confecção do mapa final (1:30.000) foi realizada com auxílio do software ArcGis 10.3.1.

A coleta das amostras das classes de uso e cobertura da terra para treinamento do classificador foi realizada na composição de cor 5R4G3B e baseada nos elementos da interpretação visual, como tonalidade, textura, forma, porte (Santos et al. 2017), cor e tamanho (Morandi et al. 2018; Oliveira et al. 2018) e a partir de reconhecimento de campo.

O algoritmo adotado para a classificação da imagem foi o da Máxima Verossimilhança, que considera parâmetros estatísticos para calcular a probabilidade de um pixel pertencer a certa classe de cobertura do solo (Sanhouse-García et al. 2016). Foram estabelecidas quatro classes de uso e cobertura da terra: (I) Vegetação Natural, (II) Afloramento Rochoso, (III) Áreas Antropizadas e (IV) Cursos Hídricos, conforme descritos na Tabela 1.

Tabela 1
Classes de cobertura e uso da terra, e suas respectivas descrições e detalhamento pela imagem orbital.

Com a finalidade de verificar a confiabilidade do mapa de uso e cobertura da terra gerado, realizou-se uma avaliação da exatidão por meio do Índice Kappa, de acordo com a Equação 1. O índice Kappa é um dos principais métodos utilizados para avaliar a concordância entre a verdade terrestre e o mapa temático (Gasparini et al. 2013).

K = N X i i - X i + X + i N ² - X i + X + i   (1)

Em que: K = Índice Kappa de concordância; N = número de observações (verdades de campo); Xii = observações na linha i e coluna i (diagonal principal); Xi+ = total marginal da linha i; X+i = total marginal da coluna i.

A estatística Kappa varia de 0 a 1, em que 0 sugere que a classificação não é melhor do que uma classificação aleatória dos pixels, e que quanto mais se aproxima de 1, maior é a concordância, logo, a referida estatística é mais adequada que a classificação aleatória de pixels (Tabela 2) (Gasparini et al. 2013). Além disso, o coeficiente Kappa analisa o acordo esperado para o valor nominal das classes e é calculado com base em todos os elementos da matriz de confusão (Carvalho & Scolforo 2008). O fluxograma da Figura 2 apresenta as etapas dos procedimentos realizados no desenvolvimento deste estudo.

Tabela 2
Valores para avaliar o grau de concordância a partir do índice Kappa (Cohen 1960).

2.3 Procedimentos Metodológicos: Delimitação das APP

Após a classificação do uso e cobertura da terra, gerou-se um buffer do trecho de drenagem avaliado a partir da massa d’agua mapeada na etapa anterior, para a delimitação das APP de mata ciliar, segundo o Código Florestal Brasileiro (Brasil 2012) (Tabela 3).

Tabela 3
Definição das áreas a serem preservadas, de acordo com a regra de largura dos cursos hídricos descritas pelo Código Florestal vigente (Art. 4º da Lei Federal 12.651/2012).

*Tipologia: Faixas marginais de qualquer curso d’agua perene e intermitente, excluídos os efêmeros, desde a boda da calha regular do leito.

Na delimitação das APP’s de mata ciliar, considerou-se a largura média coletada em 15 pontos ao longo do rio, a partir de mensuração manual em ambiente de Sistema de Informações Geográficas (SIG), cujas larguras variaram entre 50 e 79 metros. Sendo assim, de acordo com a legislação vigente (Tabela 3), estabeleceu-se faixas de 100 metros para ambas as margens do curso hídrico em questão.

O conflito do uso da terra em APP de mata ciliar foi obtido a partir da sobreposição dos seus limites legais com o mapa de uso e cobertura da terra. Nesta etapa, foram gerados resultados tanto para o trecho de APP, aqui nomeado de trecho amostral, quanto para a área total avaliada, de modo a verificar se havia correlação entre os conflitos no interior da APP e na zona de borda da área total amostrada.


Figura 2
Fluxograma das etapas metodológicas realizadas neste estudo.

3 Resultados e Discussão

A quantificação das áreas das quatro classes de uso e cobertura da terra identificadas no mapa final de classificação é apresentada na Tabela 4. O coeficiente Kappa estimado para a imagem classificada apresentou concordância de 0,70, considerado um bom valor de assertividade (Tabela 2) (Cohen 1960). A exatidão global calculada foi de 0,80.

Tabela 4
Áreas das classes de uso e cobertura da terra na área total de estudo.

Observou-se que a classe I (Vegetação Natural) apresentou a maior contribuição, representando 56,55% da área total. Isto é compatível com as informações constatadas em campo, uma vez que na região de entorno não ocorrem cidades ou outras formas de urbanização. A representação visual da classificação de uso e ocupação da terra para a área de estudo é apresentada na Figura 3.


Figura 3
Uso e cobertura da terra na área de estudo.

Na análise do trecho amostral, constatou-se uso conflitante das APP, com 30,90% de áreas que, segundo o Código Florestal brasileiro, deveriam ser destinadas à proteção da biodiversidade (Tabela 5) mas que apresentam antropização. A classe de Vegetação Natural (Classe I) representou 53,22% das áreas de APP. A ocupação ilegal de áreas destinadas à proteção dos recursos naturais é uma realidade em diferentes regiões do Brasil. A agricultura e a pecuária seguem como atividades líderes no uso conflitante de terras (Oliveira et al. 2017; Oliveira et al. 2018; Payés, Pavão & Santos 2013; Salamene et al. 2011).

Tabela 5
Área quantificada para as classes de uso e cobertura da terra para o trecho de APP.

A representação visual das classes de uso e cobertura da terra para o trecho da APP de mata ciliar é apresentada na Figura 4. Em alguns pontos do trecho analisado, sobretudo em meandros, são observadas manchas de solo exposto nas bordas da calha do rio, representadas pela deposição de sedimentos originados de assoreamento e erosões, decorrentes da antropização na área e à montante do rio (Figura 4).


Figura 4
Uso e cobertura da terra na APP do trecho analisado e respectivas amostragens aproximadas.

O solo exposto pode ocasionar alterações na geomorfologia da área, vinculado ao curso do rio. A análise de perfis longitudinais na região constatou diversas anomalias e discrepâncias entre os perfis naturais afluentes do rio Jequtinhonha e suas respectivas curvas teóricas de equilíbrio, sugerindo forte reajuste dos cursos fluviais (Lopes et al. 2016). São indicativos de processos naturais vinculados à denudação diferencial significativa e pela tectônica recente (Barreto et al. 2013; Fonseca & Augustin 2014).

Os processos antrópicos podem catalisar os processos denudacionais do ponto de vista regional da porção cimeira da bacia do rio Jequitinhonha. Associado às elevadas taxas de denudação superficial natural nesta região, esta porção do alto rio Jequitinhonha apresenta ainda fragilidade ambiental potencial do tipo alta a extremamente alta (França 2018). Neste sentido, a análise espacial contribui no entendimento do uso e ocupação da terra voltados para o planejamento das formas de ocupação, manejo e usos potenciais. Os problemas ambientais acarretados pelas práticas de mineração podem estar associados em parte à formação dos bancos de areia no trecho analisado (Morandi et al. 2018), onde foi verificado que as atividades de mineração influenciam diretamente nos problemas de conflitos de uso e cobertura da terra em APP.

Ao analisar as classificações de toda a área de estudo e do trecho de APP (Figura 3 e Figura 4, respectivamente) e relacioná-las em um gráfico de dados (Figura 5), observa-se que as áreas antropizadas são mais expressivas na área de APP do que no restante da área de entorno. De certo modo, isto evidencia a importância dos cursos d´água para as atividades humanas de ocupação do solo, e, por consequência, da vulnerabilidade da vegetação do entorno.


Figura 5
Relação entre as formas de uso do solo do trecho amostral de APP e da área total.

As Áreas de Preservação Permanente devem ser compreendidas além do contexto de terras não produtivas em uma propriedade rural. Tais áreas existem com a função básica de preservar água, solo e biodiversidade. No caso de APP de mata ciliar, alvo deste trabalho, a vegetacão está fortemente relacionada à qualidade do recurso hídrico disponível, a partir da contenção de sedimentos e melhoria das propriedades químicas da água, entre outros aspectos (Mello et al. 2018). Além disso, o comportamento hidrológico também é influenciado pela presença de vegetação conservada, uma vez que esta pode atuar diretamente na redução da velocidade do escoamento superficial, aumento da infiltração de água no solo e manutenção do armazenamento hídrico ao longo do ano (Vanzela et al. 2010). Nesse sentido, preservar essas áreas garante não somente um ambiente mais equilibrado como também a conservação de um recurso valioso e essencial ao desenvolvimento de quaisquer atividades na propriedade rural.

3.1 Recomendações Para Conservação e Restauração Florestal

De acordo com o Código Florestal brasileiro vigente, o manejo da vegetação de APP não é permitido, devendo esta ser mantida apenas com vegetação nativa, corroborando com a função conceitual das APP, nomeadamente áreas protegidas, coberta ou não por vegetação nativa, com a função ambiental de preservar os recursos hídricos, a paisagem, a estabilidade geológica e a biodiversidade, facilitando o fluxo gênico da fauna e flora, proteção do solo e assegurando o bem-estar das populações humanas (Brasil 2012). Na Figura 6 é ilustrado a configuração de uma zona ripária com vegetação.


Figura 6
Esquema ilustrativo longitudinal da configuração de uma APP de mata ciliar.

No entanto, algumas exceções podem flexibilizar as regras de utilização de APP, dentre as quais pode-se citar: (i) em pequenas propriedades ou posse rural é permitido o cultivo de culturas de ciclo curto em área de vazante de rios ou lagos; e (ii) aquicultura em imóveis de, no máximo, 15 módulos fiscais. Em áreas consolidadas até 22 de julho de 2008, é permitida a continuidade de atividades agrossilvipastoris, ecoturismo e turismo rural, desde que respeitadas as regras de recomposição da vegetação nativa, variável de acordo com os módulos fiscais da propriedade (Brasil 2012). Todas as permissões concedidas possuem critérios específicos de manejo e conservação dos recursos naturais, estabelecidos pelo próprio Código Florestal, mas que podem vir a beneficiar a pequena propriedade rural, regularizando atividades comuns já executadas em algumas regiões. Ressalta-se que, na área aqui avaliada, destaca-se a influência de práticas de mineração, que podem representar ou mesmo serem significativamente responsáveis pela perda da qualidade ambiental, contribuir com cargas de sedimentos superior aquelas que os rios podem transportar e condicionar a degradação ecossistêmica.

Práticas de restauração da vegetação nativa em APP são recomendadas para áreas averiguadas neste estudo sob conflito de cobertura. A restauração atende, sobretudo, às regras do Cadastro Ambiental Rural (CAR), onde proprietários ou possuidores de imóveis rurais com passivos ambientais em áreas protegidas devem realizar a regularização ambiental junto ao Programa de Regularização Ambiental (PRA). Dentre as propostas de recuperação de áreas há o Sistema Agroflorestal, uma alternativa estratégica de intervenção e recuperação de APP e Reservas Legais (RL) destinada à pequenos produtores que ainda não estão em conformidade com a Lei, conforme destacado por Laudares et al. (2017).

A delimitação e mapeamento de APP é uma tarefa onerosa de desenvolvimento em campo, o que exige demasiados esforços técnicos e elevado custo financeiro. Dessa forma, tal como observado nesse estudo, plataformas SIG dispõem de ferramentas práticas que permitem o cálculo preciso de APP, de acordo com a escala da base cartográfica disponível e da área analisada. Assim, a metodologia aplicada e os mapas gerados, podem ser de bastante eficiência pública para a bacia hidrográfica do rio Jequitinhonha, sobretudo, frente aos métodos manuais tradicionalmente utilizados.

Mapeamentos precisos de APP e averiguações de conflitos de uso e cobertura da terra demandam geralmente de imagens de alta resolução espacial, que podem ser sanadas a partir do uso de imagens de obtenção livre e gratuita. O uso destas imagens nesse estudo foi eficaz e preciso na classificação do uso e ocupação da terra na região estudada, assim como na delimitação de corredores ecológicos entre unidades de conservação (Morandi et al. 2020) em regiã adjacente a área de estudo. Logo, a delimitação das APP em ambiente SIG apresenta, sobretudo, a vantagem de eliminar a subjetividade do processo de avaliação, isso viabiliza a efetiva aplicação e cumprimento do Código Florestal brasileiro, auxiliando assim em atividades de fiscalização e regulação ambiental.

4 Conclusões

Verificou-se que o trecho do rio Jequitinhonha analisado não está em conformidade com a legislação florestal brasileira vigente, havendo na área o uso conflitante de terras para o desenvolvimento de atividades antrópicas e a presença de solo exposto nas APP. Esse estudo representa uma amostragem de trecho do rio Jequitinhonha, que requer atenção do ponto de vista da regulação ambiental, fiscalização e ações de conservação e restauração ecológica. A metodologia utilizada pode ser replicada a outras ecorregiões brasileiras, de acordo com suas legislações ambientais estaduais e Código Florestal vigente, bem como pode ser uma importante ferramenta para atividades de fiscalização ambiental e adequação territorial.

Material suplementar
5 Agradecimentos

O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - Brasil (CAPES) - Código de Financiamento 001.

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Notas
Notas
Funding information Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - Brasil (CAPES) - Código de Financiamento 001.
Data availability statement Scripts e código estão disponíveis mediante solicitação.
Declaração de interesses
Conflict of interest Os autores declaram não haver conflito de interesse em potencial.
Autor notes
Author contributions Luciano Cavalcante de Jesus França: conceituação; análise formal; metodologia; validação; rascunho original escrito; redação - revisão e edição; visualização. Fabrina Teixeira Ferraz: escrita - revisão e edição. Vicente Toledo Machado de Morais Júnior: redação - revisão e edição. Fausto Weimar Acerbi Júnior: redação - revisão e edição. Danielle Piuzana Mucida: redação - rascunho original; revisão e edição; aquisição de financiamento; supervisão; visualização.
Editora chefe Dra. Claudine Dereczynski
Editor Associado Dr. Gustavo Mota de Sousa

E-mails:lucianocjfranca@gmail.com; fabrina.ferraz@hotmail.com; vicente.moraisjr@gmail.com; fausto@ufla.br; danielle.piuzana@ufvjm.edu.brAutor correspondente: Luciano Cavalcante de Jesus França; luciano.franca@ufu.br


Figura 1
A. Mapa de localização com biomas do Brasil; B. Biomas e localização geográfica do Alto Jequitinhonha, no contexto da Bacia Hidrográfica do Rio Jequitinhonha; C. Alto Rio Jequitinhonha com indicação do trecho amostrado neste estudo; D. Localização da área de estudo com limite da APP analisada.
Tabela 1
Classes de cobertura e uso da terra, e suas respectivas descrições e detalhamento pela imagem orbital.













Tabela 2
Valores para avaliar o grau de concordância a partir do índice Kappa (Cohen 1960).

Tabela 3
Definição das áreas a serem preservadas, de acordo com a regra de largura dos cursos hídricos descritas pelo Código Florestal vigente (Art. 4º da Lei Federal 12.651/2012).

*Tipologia: Faixas marginais de qualquer curso d’agua perene e intermitente, excluídos os efêmeros, desde a boda da calha regular do leito.

Figura 2
Fluxograma das etapas metodológicas realizadas neste estudo.
Tabela 4
Áreas das classes de uso e cobertura da terra na área total de estudo.


Figura 3
Uso e cobertura da terra na área de estudo.
Tabela 5
Área quantificada para as classes de uso e cobertura da terra para o trecho de APP.


Figura 4
Uso e cobertura da terra na APP do trecho analisado e respectivas amostragens aproximadas.

Figura 5
Relação entre as formas de uso do solo do trecho amostral de APP e da área total.

Figura 6
Esquema ilustrativo longitudinal da configuração de uma APP de mata ciliar.
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