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Padrões espaciais de localização do programa mcmv e os impactos na qualidade da habitação social

Spatial patterns of location of the mcmv program and impacts on the quality of social housing

Márcia Azevedo de Lima
Faculdade de Arquitetura, UFRGS, Brasil
Maria Cristina Dias Lay
Faculdade de Arquitetura, UFRGS, Brasil

Padrões espaciais de localização do programa mcmv e os impactos na qualidade da habitação social

Arquisur revista, vol. 12, núm. 21, pp. 98-109, 2022

Universidad Nacional del Litoral

Recepción: 05 Noviembre 2021

Aprobación: 19 Mayo 2022

Resumo: O trabalho avalia a qualidade da produção do Programa Minha Casa Minha Vida na Região Metropolitana de Porto Alegre, a partir da leitura de seus moradores. Primeiramente, foi investigado se existem padrões espaciais de localização diferenciados para as Faixas de renda 1, 2 e 3, que poderiam gerar diferentes níveis de integração. A partir disso, foi verificado se esses padrões espaciais geram impactos sobre as condições de acesso e mobilidade urbana, bem como nos níveis de satisfação dos moradores. Os procedimentos metodológicos adotados incluem múltiplos métodos de coleta de dados e análises que possibilitaram complementariedade entre os dados obtidos. Os resultados confirmam que a produção do Programa MCMV apresenta padrões espaciais de localização diferenciados entre as Faixas 1, 2 e 3 e sugerem que o modelo de cidade produzido pelo Programa MCMV na RMPA não apresentou avanços em relação à produção habitacional do BNH, no tocante aos padrões espaciais de localização e impactos nas condições de mobilidade, acesso a oportunidades e desempenho dos conjuntos. Concluindo, é ressaltada a importância de avaliar os impactos da localização de conjuntos habitacionais nas condições de acesso e mobilidade urbana, bem como na satisfação dos moradores, na busca da produção de espaços residenciais mais qualificados.

Palavras-chave: padrões espaciais de localização, habitação social, satisfação dos moradores, mobilidade urbana, Programa Minha Casa Minha Vida.

Abstract: The work evaluates the quality of the production of the Minha Casa Minha Vida Program in the Metropolitan Region of Porto Alegre, from residents’ perception. First, it was investigated whether there are different spatial patterns of location for income groups 1, 2 and 3, which could generate different levels of integration. From this, it was verified whether these spatial patterns generate impacts on the conditions of access and urban mobility, as well as on the levels of satisfaction of the residents. The methodological procedures adopted include multiple methods of data collection and analysis that enabled complementarity between the data obtained. The results confirm that the production of the MCMV Program has different spatial patterns of location between groups 1, 2 and 3 and suggest that the city model produced by the MCMV Program at RMPA did not show any progress in relation to BNH's housing production, spatial patterns of location of the projects and their impacts on the conditions of mobility, access to opportunities and performance of the groups. In conclusion, the importance of assessing the impacts of the location of housing estates on the conditions of access and urban mobility is emphasized, as well as on the satisfaction of residents, in the search for the production of more qualified residential spaces.

Keywords: spatial patterns of location, social housing, resident satisfaction, urban mobility, Minha Casa Minha Vida Program.

1. INTRODUÇÃO

O histórico da produção da habitação social no Brasil é marcado pelo processo de crescimento acelerado ocorrido entre as décadas de 1950 e 1970. No início dos anos de 1960, a crise urbana e habitacional foi agravada pelo modo acelerado de urbanização decorrente da industrialização, além de passar por forte processo migratório do campo em direção às cidades, sem que houvessem políticas públicas capazes de responder a essa nova situação (Bonduki, 2009). Para enfrentar essa crise e propor uma habitação integrada a uma política de planejamento urbano, foi criado o Banco Nacional de Habitação (BNH) e o Serviço Federal de Habitação e Urbanismo (SERFHAU), sendo esta a primeira política habitacional nacional (Bonduki, 2009). Durante seus 22 anos de funcionamento (1964-1986), o BNH foi responsável pelo financiamento de 4,5 milhões de unidades habitacionais.

A organização espacial desses conjuntos habitacionais é caracterizada por baixa densidade, uniformidade e dispersão, que implicam elevados custos em infraestrutura e manutenção, por estarem geralmente localizados na periferia, fora da malha urbana existente, ampliando o perímetro urbano e impondo um modelo de expansão periférica para as cidades (Carvalho, 1985; Lay, 1992; entre outros). Assim, indiferente à diversidade existente num país de dimensões continentais, o BNH desconsiderou as peculiaridades de cada região, não levando em conta aspectos culturais, ambientais e de contexto urbano, reproduzindo à exaustão os modelos padronizados.

O programa habitacional Minha Casa Minha Vida (MCMV) foi implantado em 2009 pelo Governo Federal do Brasil, com objetivo de retomar a produção da habitação de interesse social com base no paradigma implantado pela Política Nacional de Habitação formulada em 1996, que passaria a reconhecer a temática da habitação de forma integrada à produção da cidade. Consiste no financiamento da habitação para contemplar famílias divididas em três faixas de renda: Faixa 1 (famílias que recebem entre 0 e 3 salários mínimos mensais); Faixa 2 (famílias que recebem entre 3 e 6 salários mínimos mensais) e Faixa 3 (famílias que recebem entre 6 e 10 salários mínimos mensais). Criado para destinar mais recursos financeiros para a faixa de menor renda, o Programa MCMV reforçou uma política habitacional de caráter redistributivista e constituiu-se em uma ação emergencial anticíclica de combate à crise econômica mundial de 2008, buscando a geração de trabalho e renda e a dinamização da economia através da produção habitacional (Bonduki, 2009; Rolnik e Nakano, 2009).

O Programa MCMV conta com significativa produção acadêmica e suscita um intenso debate sobre suas dimensões políticas, sociais, urbanísticas, econômicas e construtivas (Cardoso e Jaenisch, 2014). Estudos empíricos realizados em todo país demonstram que o Programa contribuiu para a redução quantitativa do déficit habitacional, especialmente para as classes mais baixas, historicamente excluídas dos programas habitacionais. Entretanto, contrariamente à lei que criou o Programa, esses estudos revelam que parte expressiva das moradias financiadas foi produzida no tecido urbano metropolitano periférico (por exemplo, Cardoso, Aragão e Araújo, 2011; Mascia, 2011).

A inserção urbana dos conjuntos habitacionais, tanto do ponto de vista dos padrões de segregação socioespacial vigentes quanto na expressão dos seus impactos nas vidas das famílias moradoras (Silva, Bentes e Ferreira, 2015), é um dos temas centrais de discussão sobre políticas habitacionais, particularmente em países que vivem experiências de produção massiva de habitações populares a partir de programas impulsionados por governos. Embora em cada contexto nacional o tema ganhe contornos específicos, o elemento comum que caracteriza o debate se refere às consequências urbanísticas e sociais da implantação dessas habitações, que são localizadas predominantemente em áreas menos valorizadas das cidades, marcadas por alguma forma de precariedade em termos urbanísticos, por pouca ou nenhuma diversidade funcional e pela extrema homogeneidade social de seus moradores (Kenna, 2008). Em função da ocupação de áreas periféricas de urbanização precária, as camadas mais pobres da população, com menos recursos, são justamente as que gastam mais com o transporte diário, que têm mais problemas de saúde por conta da falta de infraestrutura, que são penalizadas por escolas de baixa qualidade, e assim por diante.

É importante considerar que a literatura (Lay e Reis, 2002; Lima, 2011, Lima, 2016; entre outros) aponta variáveis que podem afetar o desempenho dos conjuntos habitacionais e os níveis de satisfação dos moradores com o local onde moram, tanto relativo às questões de inserção urbana decorrentes das características de implantação dos conjuntos (dimensão, localização e configuração), quanto questões relativas ao próprio conjunto habitacional, tais como características físico-espaciais que afetam a aparência e percepção de segurança, características dos espaços abertos, equipamentos comunitários, comércios e serviços, infraestrutura e serviços urbanos. Por isso, as questões relativas ao próprio conjunto habitacional foram levadas em consideração neste trabalho para verificar se influenciam a avaliação de satisfação dos moradores com o local onde moram, independentemente das questões de inserção urbana decorrentes das características de implantação dos conjuntos.

A partir das considerações apresentadas, este estudo explora, com maior profundidade, questões relacionadas aos padrões espaciais de localização dos empreendimentos e seus impactos sobre as condições de mobilidade e de acesso a oportunidades de desenvolvimento humano e econômico, bem como nos níveis de satisfação dos moradores com o desempenho dos conjuntos. Ainda, verifica se o modelo de cidade produzido pelo Programa MCMV apresenta avanços em relação à produção habitacional do BNH, no tocante aos padrões espaciais de localização dos empreendimentos. Salienta-se que essa pesquisa diferencia-se das demais avaliações realizadas sobre o Programa na medida que adota uma abordagem perceptiva que utiliza a satisfação do usuário e o comportamento ambiental como indicadores de desempenho do conjunto.

2. METODOLOGIA

Para alcançar os objetivos desse trabalho, a metodologia proposta foi composta de duas etapas, sendo a primeira etapa relativa à inserção urbana dos empreendimentos do Programa Minha Casa Minha Vida nos municípios da Região Metropolitana de Porto Alegre (RMPA) e a segunda etapa relativa ao desempenho dos empreendimentos selecionados.

Para a primeira etapa foram selecionados municípios da RMPA considerando a existência da produção dos empreendimentos nas três faixas de renda, para comparar e avaliar as diferenças no desempenho dos empreendimentos nas diferentes faixas dentro de cada cidade. Conforme os dados disponibilizados pelo Ministério do Planejamento, 19 dos 34 municípios pertencentes a RMPA possuem contratações pelo Programa MCMV. Desses, apenas seis municípios possuem empreendimentos nas três faixas de renda: Alvorada, Canoas, Novo Hamburgo, Porto Alegre, São Leopoldo e Sapucaia do Sul. Foi definido que Porto Alegre seria excluído da amostra em função de ser de maior porte e apresentar características muito diferenciadas dos demais municípios, principalmente em relação ao número de empreendimentos construídos. Dessa forma, foram analisados os municípios de Alvorada, Canoas, Novo Hamburgo, São Leopoldo e Sapucaia do Sul (Figura 1).

Mapa da Região Metropolitana de Porto Alegre
Figura 1.
Mapa da Região Metropolitana de Porto Alegre
Fonte: Lima (2016).

Foi realizada leitura e análise da inserção urbana de todos os empreendimentos do Programa MCMV existentes nos municípios selecionados. Por inserção urbana, compreende-se as diferentes possibilidades de arranjos físico-territoriais que os empreendimentos apresentam, em face ao território já ocupado, sua forma de «diálogo» com o tecido urbano pré-existente e possíveis impactos gerados (Silva, Bentes e Ferreira, 2015). Inicialmente, foi feita uma caracterização geral de cada município selecionado, seguida da análise de como os empreendimentos do Programa MCMV se inserem nessas cidades, para identificar se existem e quais os padrões espaciais de localização desses empreendimentos. Para tanto, foram analisados os seguintes itens: a) caracterização geral dos municípios da RMPA; b) caracterização geral e distribuição espacial dos empreendimentos no município de acordo com Faixa de renda (1, 2 ou 3), fase do Programa MCMV (1 ou 2), modalidade (tipo de produção, por exemplo, FAR, FGTS ou Entidades), número de unidades habitacionais e instituição financeira, a partir do banco de dados disponibilizado pelo Ministério do Planejamento e complementado por informações coletadas junto à Caixa Econômica Federal, Prefeituras e construtoras responsáveis pelos empreendimentos; c) análise configuracional da malha viária nos municípios, procurando identificar em que medida os empreendimentos se localizam em áreas mais distantes e segregadas, o que caracterizaria situações de maior segregação socioespacial. Tal análise foi realizada com o uso da Sintaxe Espacial e foram analisadas as medidas de integração global, integração local, profundidade e conectividade das vias de acesso aos empreendimentos. A análise foi realizada a partir da malha regional e foram utilizados os mapas axiais e medidas sintáticas apresentados no CD Mapas da Região Metropolitana de Porto Alegre (Rigatti e Zampieri, 2009).

Na segunda etapa da pesquisa, foram selecionados empreendimentos representativos dos padrões espaciais de localização identificados (Figura 2 e Tabela 1), no município de São Leopoldo/ RS. Portanto, foram escolhidos empreendimentos multifamiliares com diferentes características de implantação: diferentes portes (pequeno, médio e grande), diferentes localizações (próximo e distante) e diferentes configurações (integrado e segregado). Foram aplicados questionários aos moradores dos empreendimentos selecionados para verificar se esses padrões geram impactos sobre as condições de acesso e mobilidade urbana, bem como nos níveis de satisfação dos moradores com o local onde moram.

Localização dos empreendimentos de São Leopoldo com destaque para os selecionados
Figura 2.
Localização dos empreendimentos de São Leopoldo com destaque para os selecionados
Fonte: Lima (2016).

Características de implantação dos empreendimentos selecionados
Tabela 1.
Características de implantação dos empreendimentos selecionados
Fonte: Lima (2016).

O questionário foi composto predominantemente de questões fechadas, para identificação do perfil dos moradores; tempo de moradia; principais meios de locomoção; número de residentes; origem dos moradores (local e tipo da moradia anterior) e avaliação da moradia anterior; avaliação da moradia atual; avaliação do conjunto habitacional: satisfação com a localização, tipo de moradia, ruas e calçadas, praças e áreas verdes, equipamentos comunitários, comércio e serviços, aparência e percepção de segurança; satisfação com acessibilidade à infraestrutura e serviços urbanos, com a acessibilidade aos equipamentos comunitários, comércio e serviços e com a acessibilidade aos locais de trabalho e estudo.

Ressalta-se que foram comparados os níveis de satisfação das condições da moradia atual com a moradia anterior, pois, segundo a literatura, os níveis de satisfação com a moradia anterior podem afetar os níveis de satisfação com a moradia atual (Rolnik et al., 2015). A análise estatística dos dados coletados dos questionários, de natureza quantitativa, foi realizada utilizando o programa estatístico computacional SPSS/ PC (Statistical Package for the Social Sciences). Através da verificação das frequências das respostas e da realização de testes da estatística não-paramétrica, como Kruskal-Wallis e Spearman, o programa permite inferir relações e correlações entre variáveis, colaborando para o alcance dos objetivos da pesquisa (Lay e Reis, 2005).

3. RESULTADOS E DISCUSSÕES

Primeiramente, foram analisadas e comparadas as características de implantação dos empreendimentos do Programa Minha Casa Minha Vida nos municípios selecionados, para conhecer o panorama geral da produção do Programa MCMV na Região Metropolitana de Porto Alegre e identificar a existência de padrões espaciais de localização dos empreendimentos produzidos para as diferentes Faixas de renda. Após a identificação dos padrões espaciais de localização, foi verificado se esses padrões geram impactos sobre as condições de acesso e mobilidade urbana, bem como nos níveis de satisfação dos moradores.

3.1. Relação entre padrões espaciais de localização, faixas de renda e níveis de integração do conjunto habitacional

A partir da análise das características de implantação dos empreendimentos do Programa MCMV nos municípios de Alvorada, Canoas, Novo Hamburgo, São Leopoldo e Sapucaia do Sul, foi verificado se existem padrões espaciais de localização diferentes para as Faixas de renda 1, 2 e 3, que poderiam gerar diferentes níveis de integração do conjunto no tecido urbano consolidado. Ressalta-se que os empreendimentos que não possuem faixa de renda definida pela Caixa Econômica Federal são categorizados como empreendimentos Faixa 2/ 3. Os empreendimentos aprovados em diferentes fases, mas com mesmas localizações, foram agrupados para retratar de forma mais precisa a situação real de implantação dos empreendimentos. Assim, foi possível elaborar algumas conclusões como segue.

O porte dos empreendimentos variam entre pequeno, médio e grande, em todas as faixas de renda (Tabela 2), entretanto, os empreendimentos da Faixa 1 apresentam menor percentual de empreendimentos de pequeno porte. Já os empreendimentos da Faixa 3 apresentam maior percentual de empreendimentos deste porte, ou seja, quanto maior a faixa de renda, menor o porte do empreendimento. Apesar da literatura indicar que pequenos empreendimentos poderiam garantir uma localização mais adequada, por necessitarem de áreas menores para estarem inseridos na malha urbana consolidada, foi constatada a predominância de conjuntos de médio e grande portes. Conjuntos de pequeno porte, segundo Coelho (2009) favorecem a integração dos moradores com o entorno existente e facilitam o desenvolvimento de conjuntos residenciais sem qualquer estigma de pobreza e falta de atratividade.

Foram identificados, em todos os municípios analisados, empreendimentos contíguos, ou seja, empreendimentos que apresentam contratos com a mesma construtora, com nomes de empreendimentos semelhantes e localizados em terrenos adjacentes. Embora formalmente divididos em diversas operações, na prática, integram um mesmo empreendimento de maior porte, bem como agrupamentos de empreendimentos que são conjuntos distintos espacialmente próximos. Cabe ressaltar que o somatório das unidades habitacionais dos empreendimentos contíguos ou agrupamentos de empreendimentos, às vezes de faixas de renda distintas, muitas vezes excede o número máximo permitido pela legislação do Programa Minha Casa Minha Vida.

Síntese das características de implantação dos empreendimentos dos municípios selecionados por Faixa de renda
Tabela 2.
Síntese das características de implantação dos empreendimentos dos municípios selecionados por Faixa de renda
Fonte: Lima (2016).

Quanto à localização dos empreendimentos, dos 99 empreendimentos localizados, 86 (86,9 %) foram implantados distantes do centro urbano consolidado da cidade, próximos aos limites do perímetro urbano e com a presença de glebas vazias desprovidas de infraestrutura. Entretanto, é possível constatar que empreendimentos da Faixa 3 apresentam menor percentual de empreendimentos distantes, ou seja, quanto maior a faixa de renda, menor o percentual de empreendimentos distantes. Percebe-se que muitos empreendimentos foram implantados em áreas limítrofes do município, muitas vezes apresentando maior relação com o município vizinho do que com o município aonde foi implantado. Essa questão também foi constatada por Pequeno e Rosa (2015), evidenciando a necessidade de planos de expansão urbana e habitacional metropolitano, uma vez que atualmente não há uma articulação entre os planos diretores municipais.

Ressalta-se que na escala metropolitana, a condição de estar em área limítrofe do município deve ser melhor analisada, pois o empreendimento pode apresentar ligação com a malha urbana da cidade vizinha, e, assim, ter boa acessibilidade a comércio e serviços, além de locais de emprego, do município vizinho. Entretanto, a utilização dos equipamentos públicos, tais como escola, creche e posto de saúde estão atreladas ao município de origem dos moradores. Outra importante questão a destacar é a proximidade entre os empreendimentos do Programa MCMV e algumas vezes a proximidade com conjuntos habitacionais de outros programas, o que pode contribuir para a consolidação do tecido urbano do município e a formação de sub-centralidades (Silva, Bentes e Ferreira, 2015), mas também pode gerar grandes regiões monofuncionais.

Quanto à configuração dos empreendimentos, dos 99 empreendimentos localizados, 68 (68,7 %) estão segregados da malha urbana existente do entorno imediato e suas ruas de acesso possuem baixa acessibilidade topológica. De forma similar à localização, é possível constatar que empreendimentos da Faixa 3 apresentam menor percentual de empreendimentos segregados, ou seja, quanto maior a faixa de renda, menor o percentual de empreendimentos segregados. Cabe destacar que, em São Leopoldo, boa parte dos empreendimentos, embora localizados distantes do centro urbano consolidado da cidade, estão integrados à malha urbana do entorno imediato.

Ainda, quanto às Faixas de renda, dos 104 empreendimentos já implantados em São Leopoldo, apenas 25 empreendimentos (24,0 %) foram executados para a Faixa de renda 1, faixa apontada com o maior déficit habitacional do país. Dos 20 empreendimentos localizados da Faixa 1, 19 são de médio e grande porte (95,0 %), portanto, apenas 1 empreendimento é de pequeno porte. Ainda, 20 empreendimentos (100 %) estão localizados distantes do centro urbano consolidado da cidade e 16 empreendimentos (80 %) estão segregados do entorno. Percebe-se que a maioria dos empreendimentos das Faixas 2 e 3 também está distante e segregada, entretanto, os percentuais são menores do que os da Faixa 1.

No entanto, não foram verificadas diferenças entre os padrões espaciais de localização dos empreendimentos entre as Fases do Programa MCMV que indicasse uma localização mais adequada nos empreendimentos da Fase 2, uma vez que o Programa MCMV passou a ter exigências referentes à localização dos empreendimentos e parâmetros de implantação, através de medida provisória.

Com base no exposto, os resultados obtidos sugerem que a produção do Programa Minha Casa Minha Vida apresenta um padrão espacial de localização, especialmente para a Faixa 1, com empreendimentos de médio e grande porte, distantes do centro urbano consolidado da cidade e segregados do entorno. Verificou-se que as localizações dos empreendimentos das Faixas 2 e 3 são similares, porém um pouco melhores do que as localizações dos empreendimentos da Faixa 1. Portanto, foi possível constatar que existem padrões espaciais de localização diferentes para as Faixas de renda 1, 2 e 3, que geram diferentes níveis de integração do conjunto no tecido urbano consolidado. No geral, os empreendimentos produzidos para as faixas de renda mais elevadas (Faixas 2 e 3) estão mais integrados e apresentam localizações mais adequadas do que empreendimentos produzidos para a faixas de renda mais baixa (Faixa 1).

3.2. Relação entre padrões espaciais de localização e impactos sobre as condições de acesso e mobilidade urbana

Foi verificado que os empreendimentos implantados no tecido urbano periférico (especialmente os da Faixa 1) geram impactos mais negativos nas condições de acesso e mobilidade urbana dos moradores, quando comparados aos empreendimentos localizados no tecido urbano consolidado. Como a grande maioria dos empreendimentos não inseriu novos equipamentos comunitários, comércios e serviços, os moradores dos empreendimentos distantes e segregados precisam fazer maiores deslocamentos diariamente para atender suas necessidades básicas, uma vez que os próprios bairros aonde esses conjuntos habitacionais foram implantados apresentam carência de equipamentos comunitários, comércios e serviços. Alguns autores (por exemplo, Jacobs, 2000) argumentam sobre a dificuldade do comércio se estabelecer em conjuntos habitacionais distantes e segregados e, assim, as possibilidades de surgimento da vida urbana, com diversidades de usos e animação das ruas, ficam comprometidas.

Foi constatado que os padrões espaciais de localização diferentes para as Faixas de renda 1, 2 e 3, afetam de diferentes formas o desempenho dos empreendimentos das diferentes faixas e geram diferentes impactos sobre a qualidade de vida dos moradores do Programa. Os resultados evidenciam que os empreendimentos produzidos para as faixas de renda mais elevadas (Faixas 2 e 3) apresentam localizações mais adequadas do que empreendimentos produzidos para a faixa de renda mais baixa (Faixa 1) e, portanto, apresentam melhor desempenho e satisfação dos moradores quanto ao local onde moram. Os empreendimentos da Faixa de renda 1 são segregados (ponta de sistema). Os empreendimentos das Faixas de renda 2 e 3, mesmo segregados, estão mais próximos da rodovia BR e facilitam o deslocamento dos moradores para o centro da cidade e para outros municípios da Região Metropolitana. Assim, a configuração do conjunto habitacional parece ser mais determinante nas condições de acesso e mobilidade urbana do que as faixas de renda. Também foi possível constatar que as características do próprio conjunto influenciaram os níveis de satisfação dos moradores com o local onde moram.

Ressalta-se que o Programa MCMV passou a ter exigências referentes à localização dos empreendimentos e os parâmetros de implantação apenas no segundo ano do programa. Segundo Rolnik et al. (2015), essa normativa avançou ao reconhecer que um programa habitacional com a dimensão do Programa MCMV não poderia focar apenas na produção de unidades, e que alguns parâmetros mínimos de atendimento por infraestrutura e serviços deveriam ser atendidos. Cabe salientar que a primeira fase do Programa já havia produzido cerca de um milhão de unidades habitacionais durante os primeiros dois anos de implementação do programa. Entretanto, este estudo não identificou diferenças entre os padrões espaciais de localização dos empreendimentos produzidos na Fase 1 e na Fase 2 do Programa que indicasse uma localização mais adequada nos empreendimentos da Fase 2.

Os resultados obtidos indicam que os moradores dos empreendimentos, no geral, estão satisfeitos com a infraestrutura urbana. Neste sentido, Rolnik et al. (2015) também identificou, em avaliação de empreendimentos da Faixa de renda 1, uma maior satisfação com a infraestrutura básica quando comparada a moradia atual com a moradia anterior, mas destaca a insatisfação com a questão do acesso a serviços e equipamentos públicos, pois os moradores afirmam que houve piora no acesso ao comércio, ao local de trabalho, a equipamentos etc. Foi constatado que um percentual elevado de famílias necessita se deslocar para outros bairros para atendimento das necessidades de comércio e serviços.

Sabe-se que a necessidade de deslocamentos para suprimento de bens de consumo básicos e cotidianos tem um grande custo para as famílias, não apenas de recursos financeiros, mas de tempo e energia. Outros autores (por exemplo, Pequeno e Rosa, 2015; Rolnik et al., 2015) também constataram que a localização dos empreendimentos se deu em setores dominados por precariedades de diversas ordens, nos quais a qualidade de vida dos seus moradores fica comprometida e, assim, o ônus do deslocamento diário com o custo do transporte, o tempo despendido e o desgaste físico no trajeto. Esta evidência indica a existência de uma contradição que o Programa MCMV parece promover quanto ao direito à moradia adequada, pois ao mesmo tempo em que amplia o acesso a alguns elementos que compõe esse direito (infraestrutura e serviços urbanos), reduz o atendimento a outros (equipamentos comunitários, comércio e serviços). Assim, pode-se concluir que a atenção ao direito à moradia em localização adequada e com disponibilidade de serviços, infraestrutura e equipamentos públicos, embora já normatizada, foi na prática negligenciada pelo Programa MCMV na implementação da maior parte dos empreendimentos.

3.3. Relação entre padrões espaciais de localização, desempenho dos conjuntos e satisfação dos moradores

Foi confirmado que os padrões espaciais de localização dos empreendimentos destinados às Faixas de renda 1, 2 e 3 afetam de diferentes formas o desempenho dos empreendimentos produzidos para as diferentes faixas e apresentam diferentes impactos na qualidade da habitação social. Entretanto, os empreendimentos que apresentaram melhor desempenho e maiores níveis de satisfação dos moradores estão associados às características de implantação desses conjuntos e não às faixas de renda, ou seja, empreendimentos da Faixa de renda 2 com melhor localização apresentam melhor avaliação do que conjuntos da Faixa de renda 3 com piores localizações. Também é importante destacar que as características do próprio conjunto, tais como as características dos espaços abertos e as características físico-espaciais do conjunto influenciaram os níveis de satisfação dos moradores. Os níveis de satisfação dos moradores dos empreendimentos da Faixa de renda 1 não foram piores, possivelmente, por representar a única possibilidade de moradia regular, pois as características de implantação dos conjuntos são claramente inadequadas (conjuntos distantes do centro urbano consolidado e segregados do entorno). O que também parece ter influenciado a avaliação desses moradores da Faixa 1 é a referência da moradia anterior, pois muitos moradores manifestaram a satisfação com a questão da posse do imóvel atual.

Este estudo mostra que os empreendimentos de todas as faixas de renda estão distantes do centro consolidado da cidade, localizados nos limites urbanos do município, entretanto, as características de implantação (configuração do conjunto) parecem ser determinantes para as condições de mobilidade e acesso a oportunidades dos moradores e assim, afetam o desempenho e satisfação dos moradores com o local onde moram. Similar ao estudo de Rolnik et al. (2015), constata-se que, apesar de todas as críticas e dificuldades apresentadas, os moradores manifestam satisfação com o conjunto habitacional e com a moradia, pois a posse e a propriedade são reveladas como pontos positivos que se mostram como garantia de patrimônio familiar e segurança.

Este estudo também confirmou que as características do próprio conjunto habitacional, tais como as características físico-espaciais do conjunto habitacional, as características dos espaços abertos, a disponibilidade de equipamentos comunitários, comércio e serviços, bem como a infraestrutura e serviços urbanos, influenciam o desempenho dos conjuntos habitacionais e a satisfação dos moradores com o local onde moram. Nesse sentido, os níveis de satisfação dos moradores sobre vários aspectos avaliados neste estudo foram mais influenciados pelas características do próprio conjunto habitacional do que pelas faixas de renda.

4. CONCLUSÕES

Este trabalho buscou conhecer o panorama geral da produção do Programa Minha Casa Minha Vida na Região Metropolitana de Porto Alegre. Verificou a inserção urbana dos conjuntos habitacionais através do ponto de vista dos padrões de segregação socioespacial vigentes e da existência de padrões espaciais de localização diferenciados, bem como investigou se o modelo de cidade que está sendo produzido pelo Programa MCMV apresenta avanços em relação à produção habitacional do BNH que correspondam aos avanços ocorridos na legislação urbanística brasileira.

Foi constatado que o debate sobre as consequências urbanísticas e sociais da implantação dessas habitações localizadas predominantemente em áreas menos valorizadas das cidades, marcadas por alguma forma de precariedade em termos urbanísticos, por pouca ou nenhuma diversidade funcional e pela extrema homogeneidade social de seus moradores, permanece. As variáveis que podem afetar o desempenho dos conjuntos habitacionais e os níveis de satisfação dos moradores com o local onde moram, tanto relativo às questões de inserção urbana decorrentes das características de implantação dos conjuntos, quanto questões relativas ao próprio conjunto habitacional, foram confirmadas.

O estudo revela que a produção do Programa MCMV apresenta padrões espaciais de localização diferentes para as Faixas de renda 1, 2 e 3, que geram diferentes níveis de integração do conjunto no tecido urbano consolidado, sendo que, no geral, os empreendimentos produzidos para as faixas de renda mais elevadas estão mais integrados e, portanto, apresentam localizações mais adequadas do que empreendimentos produzidos para a faixa de renda mais baixa. A relação entre padrões espaciais de localização e impactos sobre as condições de acesso e mobilidade urbana também indica que os empreendimentos implantados no tecido urbano periférico geram impactos mais negativos nas condições de acesso e mobilidade urbana dos moradores, quando comparados aos empreendimentos localizados no tecido urbano consolidado. Como a grande maioria dos empreendimentos não inseriu novos equipamentos comunitários, comércios e serviços, os moradores dos empreendimentos distantes e segregados, que são os de menor renda, precisam fazer maiores deslocamentos diariamente para atender suas necessidades básicas, uma vez que os próprios bairros aonde esses conjuntos habitacionais foram implantados apresentam carência desses equipamentos. Também foi confirmado que o desempenho dos conjuntos e satisfação dos moradores são afetados pelos padrões espaciais de localização dos empreendimentos de diferentes formas e apresentam diferentes impactos na qualidade da habitação social.

O Programa MCMV apresenta-se como solução única e pouco integrada aos desafios das cidades brasileiras para enfrentamento do complexo problema habitacional baseado numa produção padronizada e em larga escala, desarticulada das realidades locais, mal inserida e isolada na cidade. Assim, sob a justificativa histórica de diminuir custos para permitir o acesso à casa própria, a habitação de interesse social parece repetir o padrão de ser erguida fora dos centros urbanos, geralmente em terrenos desprovidos de infraestrutura e serviços urbanos, distantes de equipamentos comunitários, comércio e serviços, bem como distante da oferta de emprego.

Dessa forma, o Programa MCMV parece não impactar positivamente na segregação socioespacial existente, apenas a reforça, produzindo novas manchas urbanas monofuncionais ou aumentando a densidade populacional de zonas guetificadas já existentes. Os resultados sugerem que o modelo de cidade produzido pelo Programa MCMV na RMPA não apresentou avanços em relação à produção habitacional do BNH, no tocante aos padrões espaciais de localização dos empreendimentos e seus impactos nas condições de mobilidade, acesso a oportunidades e desempenho dos conjuntos. E ainda, parece apresentar um retrocesso, ao produzir condomínios fechados apartados do tecido urbano.

Finalizando, destaca-se a importância desta investigação, sobretudo, no entendimento que a produção da habitação social não pode ser voltada exclusivamente para a solução do déficit habitacional, sem a preocupação com a qualidade da habitação social e as necessidades dos moradores. Conjuntos habitacionais de interesse social implantados de forma inadequada podem gerar impactos mais negativos nas condições de acesso e mobilidade urbana dos moradores, além das implicações negativas nos níveis de satisfação dos moradores com o local onde moram. Por outro lado, conjuntos implantados de forma adequada, ou seja, conjuntos menores, próximos da área urbana consolidada e inseridos na malha urbana existente, podem contribuir positivamente para as condições de acesso e mobilidade urbana dos moradores, além de facilitar a interação social entre os moradores, promovendo o sentimento de pertencimento e cidadania.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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