LINGUAGEM

A VARIAÇÃO LINGUÍSTICA EM LIVROS DIDÁTICOS DE LÍNGUA PORTUGUESA DO 7º ANO: UMA ANÁLISE SOB A LUZ DA BNCC

Linguistics Variation in textbooks of Portuguese Language in 7th grade: an analysis under the BNCC

Samanta Kelly Menoncin Pierozan
Instituto Federal do Rio Grande do Sul, Brasil
Júlia Sonaglio Pedrassani
Instituto Federal do Rio Grande do Sul, Brasil

A VARIAÇÃO LINGUÍSTICA EM LIVROS DIDÁTICOS DE LÍNGUA PORTUGUESA DO 7º ANO: UMA ANÁLISE SOB A LUZ DA BNCC

Travessias, vol. 16, núm. 1, pp. 48-66, 2022

Universidade Estadual do Oeste do Paraná

Autores mantêm os direitos autorais e concedem à revista o direito de primeira publicação, com o trabalho simultaneamente licenciado sob CC-BY-NC-SA 4.0 que permite o compartilhamento do trabalho com indicação da autoria e publicação inicial nesta revista.

Recepción: 19 Enero 2022

Aprobación: 20 Abril 2022

Resumo: O presente estudo tem como objetivo analisar o tratamento da variação linguística em dois livros didáticos (LDs) de língua portuguesa do 7º ano, Ensino Fundamental (EF); os livros constituem a obra ‘Coleção Apoema’ e ‘Tecendo Linguagens’, respectivamente. A pesquisa está inserida na interface entre a Sociolinguística e o ensino da língua materna português, sendo esses discutidos sob a luz da Base Nacional Comum Curricular (BNCC). Para tanto, utiliza-se uma abordagem qualitativa e metodologia descritivo-bibliográfica. Os resultados da análise mostram que o fenômeno linguístico ‘variação’ é pouco explorado em ambos os LDs, que apesar de preconizarem uma abordagem baseada no desenvolvimento de competências e habilidades acaba não as contemplando efetivamente. O fato de a variação linguística ser colocada à margem de outros objetos de estudo, no âmbito escolar, limita uma série de possíveis discussões e reflexões acerca de questões relacionadas à diversidade cultural e vai de encontro à atual necessidade de se combater o preconceito linguístico. Logo, a partir da análise aqui apresentada, bem como dos estudos realizados e que a fundamentam, chama-se a atenção do mercado editorial para a apresentação de propostas didáticas que realmente integrem diferentes práticas de linguagem e experiências estéticas e interculturais, uma vez que essas consolidam o que é preconizado na BNCC, a qual serve de referência para o desenvolvimento de um processo de ensino e aprendizagem com bases que dialogam entre si.

Palavras-chave: Variação linguística, sociolinguística, livro didático.

Abstract: This study aims to analyze how linguistics variation has been dealt with in two textbooks of Portuguese language in 7th grade, elementary school – ‘Coleção Apoema’ and ‘Tecendo Linguagens’. The research is at the interface of Sociolinguistics and Portuguese as a native language, which is discussed under the Base Nacional Comum Curricular (BNCC). Therefore, we use a qualitative approach and bibliographical descriptive methodology. The results show that ‘variation’ as a linguistics phenomenon had been underexplored in textbooks that, although they advocate an approach based on the development of competences and abilities, do not contemplate them effectively. The fact that linguistics variation is placed on the fringes of other study objects, at the school context, limits discussions and reflections on issues related to cultural diversity and goes against the current need to combat linguistics prejudice. Thus, we call the attention of editorial market in presenting didactic proposals to integrate different language practices and intercultural and aesthetic experiences.

Keywords: Variação linguística, sociolinguística, livro didático, Linguistics variation, sociolinguistics, textbook.

1 INTRODUÇÃO

Desde seu surgimento, os materiais didáticos de língua portuguesa vêm sofrendo alterações para que possam estar adequados às mudanças sociais e científicas pelas quais passam seu objeto de conhecimento e os sujeitos que os utilizam. Conforme aponta Bagno (2013), manter os livros de Língua Portuguesa sintonizados com a evolução científica nos estudos da linguagem e da educação é uma política de aprimoramento do ensino e da construção da cidadania. Nesse sentido, o tratamento de variação linguística é uma das questões que devem ser abordadas em LDs, uma vez que esse fenômeno é constitutivo de qualquer língua humana. Nessa direção, a presente pesquisa toma como base estudos sociolinguísticos para analisar a presença de discussões sobre variação linguística em dois LDs, de língua portuguesa, do 7º ano do EF.

A variação linguística aparece em documentos governamentais que regulam a educação básica no Brasil, como a BNCC (BRASIL, 2018), que trata de habilidades e competências a serem desenvolvidas pelos estudantes, os Parâmetros Curriculares Nacionais – PCNs (BRASIL, 1998), o qual envolve discussões curriculares por área, contribuindo com o processo de propostas didáticas, e também o Plano Nacional do Livro Didático – PNLD, que orienta a produção de LDs no país, especialmente no que diz respeito à educação de Ensino Médio. Contudo, apesar de tais documentos preverem a inclusão de discussões sobre variação linguística na escola, nota-se que ainda há grande espaço dedicado ao ensino da gramática normativa e de uma norma padrão da língua portuguesa. De acordo com Bagno (2013, p. 19) “[...] um livro didático de português que não trouxer seus ‘pontos de gramática’, nem que seja na forma de um apêndice normativo, parece correr o risco de despertar desconfiança junto à comunidade de pais, docentes e pedagogos em geral”. O autor traz à tona que um viés sociolinguístico aplicado a LDs se torna inviável financeiramente para as editoras, já que, segundo ele, os professores de língua portuguesa usualmente recorrem a livros que valorizam o ensino da gramática normativa.

Tratar da variação linguística no espaço escolar, segundo Bagno (2013) está relacionado a um ato de cidadania, já que

[...] reconhecer a heterogeneidade intrínseca de qualquer língua humana junto com os mitos, preconceitos, representações e juízos de valor que incidem sobre ela é um componente básico da educação linguística que visa formar cidadãos conscientes da realidade social, cultural e política em que vivem (BAGNO, 2013, p. 43, grifos do autor).

Neste estudo, entende-se o conceito de variação linguística (COELHO; GÖRSKI, MAY; SOUZA, 2019) como um processo que permite a ocorrência de duas formas distintas, mas com o mesmo significado, em um mesmo período de tempo. Já o termo variedade linguística, segundo os mesmos autores, diz respeito a falas características de um mesmo grupo, como a variedade de Porto Alegre, de São Paulo, de jovens, adultos, de mais escolarizados, menos escolarizados etc.

A variação linguística pode se dar em diferentes campos. Coelho, Görski, May e Souza, (2019) apontam quatro tipos de variação: a regional, a social, a que ocorre entre fala e escrita e a estilística. Segundo os autores (2019), a variação regional é aquela que permite que se identifique a origem da pessoa pelo modo como ela fala e é sempre verificada pela oposição de unidades espaciais distintas, como o norte e o sul do Brasil, por exemplo. A variação social diz respeito às características sociais dos falantes e, por tanto, considera grau de escolaridade, nível socioeconômico, sexo/gênero e faixa etária. A variação entre fala e escrita, que “concerne a característica de dois códigos distintos enquanto os outros tipos [de variação] dizem respeito a fenômenos que se manifestam no mesmo código” (COELHO; GÖRSKI; MAY; SOUZA, 2019, p. 48) e que se refere às diferenças no modo como a língua é escrita e falada. Por fim, a variação estilística, que resulta dos diferentes papeis sociais que as pessoas desempenham na sociedade, como a relação entre professor-aluno, chefe-empregado, pai-filho etc. O conceito de papéis sociais está relacionado à maneira como falamos com diferentes pessoas, em diferentes contextos e locais (COELHO, GÖRSKI; MAY; SOUZA, 2019).

A partir das diferenças entre as diversas variedades linguísticas do Brasil, abre-se espaço, no âmbito social, para o preconceito linguístico. Segundo Bagno (2006, p. 09), “o preconceito linguístico está ligado, em boa medida, à confusão que foi criada, no curso da história, entre língua e gramática normativa”. O termo é associado a atitudes discriminatórias com pessoas que não utilizam a norma-padrão da língua portuguesa, mas sim outras variedades que estão relacionadas a sua identidade e individualidade. Para Silva (2021), a escola tem um papel importante em relação ao preconceito linguístico. Conforme a autora (2021), é pela supervalorização da norma-culta, ou seja, pelo ensino direcionado apenas à norma-culta na escola que o preconceito linguístico ganha força. Contudo, da mesma forma que o ambiente escolar consolida o preconceito, é nesse lugar que ele também pode ser encerrado: a escola “pode contribuir no combate a esse prejuízo social através da compreensão ampla da linguagem” (SILVA, 2021, p. 2), que permita que o estudante tenha contato com variedades da língua portuguesa que vão além da norma culta e que ele conheça os processos de variação da linguagem.

Ao falar-se sobre a presença de variação linguística em materiais didáticos de língua portuguesa é imprescindível tratar dos conceitos de norma culta e norma-padrão. Faraco (2008, p. 48-49) aponta que a primeira “seria a variedade de uso corrente entre falantes urbanos com escolaridade superior completa, em situações monitoradas”. Entretanto, o autor lembra que apenas uma pequena parcela da população é atendida por esses critérios, já que várias pessoas utilizadoras da linguagem urbana não possuem curso superior. O substantivo ‘norma’ em norma culta, para Faraco (2008), está relacionado ao adjetivo ‘normal’, portanto, a norma culta trata do que é normal ser falado em determinadas situações de interação social e isso se dá por escolhas sociais que elegem uma variedade culta para cada tipo de interação linguística.

No que diz respeito à norma-padrão, Faraco (2008) estabelece que, nesse caso, o termo ‘norma’ é relacionado ao que é normativo: regras que regulam o uso da língua. A norma-padrão é fruto de um esforço para se padronizar o uso da língua portuguesa e de uma tentativa de fazer com que o português falado no Brasil fosse o mesmo do que o falado em Portugal. Por conta disso, a norma-padrão está distante da evolução atendida pelas demais variedades da língua, ou seja, o uso linguístico real está longe da norma criada há muitos anos. Desse modo, Bagno (2013, p. 61) afirma que a norma-padrão “não faz parte do espectro contínuo de variedades linguísticas reais, efetivamente faladas numa comunidade”, mas sim constitui um construto social. O autor defende que o uso desse termo, bem como ‘língua padrão’ ou ‘variedade padrão’, deve ser evitado em materiais didáticos, “porque não existe língua, variedade e dialeto sem falantes reais, e ninguém fala a norma padrão” (BAGNO, 2007, p. 98).

Atrelado aos conceitos de norma culta e norma-padrão, estão as concepções formais e informais do uso da língua, bastante frequentes em materiais de apoio pedagógico. Vale ressaltar que formal/informal não caracterizam uma dicotomia, mas sim um contínuo e que esses termos estão diretamente relacionados às variações estilísticas da linguagem. Para Coelho, Görski, May e Souza, (2019), o registro formal diz respeito ao uso mais monitorado da língua, e o formal ao uso menos monitorado, mais coloquial. Contudo, Bagno (2013) critica o uso dos conceitos ‘formal’ e ‘informal’ para se referir à variedade linguística que o estudante deverá empregar em suas produções textuais. Para o autor (2013, p. 46), esse é um dos fatores que aponta para a “falta de consistência teórica do tratamento dado nessas obras ao fenômeno da variação linguística”

Sendo assim, este estudo, de caráter comparativo, tem como objetivo verificar a presença de aspectos sociolinguísticos em dois livros de língua portuguesa do 7º ano do EF, de modo que se possibilite perceber quais termos são utilizados para tratar desses estudos, se os materiais didáticos vão ao encontro dos pressupostos teóricos aqui abordados e se estão consoantes com o que a BNCC e o PNLD preveem que seja ensinado sobre variação linguística aos estudantes da educação básica. Para tanto, a partir uma revisão bibliográfica acerca da variação linguística e de termos relacionados a essa área, procuramos desenvolver uma leitura crítica (seção 2), análise dos LDs selecionados (seção 3 e seção 4) e, posteriormente, considerações finais (seção 5), seguida das referências utilizadas (seção 6).

2 A VARIAÇÃO LINGUÍSTICA EM LDS NO ENSINO DE LÍNGUA PORTUGUESA DE 7º ANO

O mercado editorial brasileiro tem se preocupado com a formulação de LDs, uma vez que esses representam uma grande fatia de seu faturamento. Atualmente o fornecimento de LDs deve obedecer às diretrizes do Decreto nº 9.099, de 18 de julho de 2017, o qual dispõe sobre o PNLD. Dentre essas diretrizes e objetivos está a de que os livros devem servir para aprimorar o processo de ensino e aprendizagem e, nessa medida, apoiar e implementar a BNCC (art. 2º, VI). Dessa forma, os LDs devem atendar essas bases na sua formulação. O Decreto 9.099 e a BNCC fazem parte da regulamentação que já foi proposta em 1996 com a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB, Lei nº 9.394/1996). Assim, a BNCC deve nortear os currículos dos sistemas e redes de ensino das Unidades Federativas, em todas as escolas públicas e privadas de Educação Infantil, Ensino Fundamental e Ensino Médio, em todo o Brasil.

A BNCC defende a mobilização de operações cognitivas a partir de vivências. Os estudantes de EF - Anos Finais, sujeitos em desenvolvimento, apresentam singularidades quanto às suas próprias formações identitárias e culturais. Desse modo, entende-se que por meio de práticas escolares diferenciadas é possível contemplar diferentes modos de inserção social. Tais práticas devem estar relacionadas ao desenvolvimento de competências e habilidades relacionadas. Além das competências gerais que constam na BNCC, cabe à área de Linguagens garantir aos estudantes o desenvolvimento de competências específicas, as quais se alinham a habilidades de aprendizagem que se associam a uma variedade de práticas sociais de linguagem. Essas, por sua vez, envolvem diferentes eixos, que estão meramente separados para fins de organização curricular, já as práticas se interpenetram e se retroalinham (BNCC, 2017, p. 82). Cabe ao Eixo da Análise Linguística/Semiótica o tratamento das variações linguísticas. A partir desse eixo são considerados “os procedimentos e estratégicas (meta)cognitivas de análise e avaliação consciente, durante os processos de leitura e de produção de textos” (BRASIL, 2017, p. 80). Nesse âmbito, integra-se a variedade linguística como elemento próprio da fala.

No que tange especificamente aos conhecimentos linguísticos relacionados à variação linguística, a BNCC (2017) prevê: (i) conhecer algumas das variedades linguísticas do português do Brasil e suas diferenças fonológicas, prosódicas, lexicais e sintáticas, avaliando seus efeitos semânticos; e (ii) discutir, no fenômeno da variação linguística, variedades prestigiadas e estigmatizadas e o preconceito linguístico que as cerca, questionando suas bases de maneira crítica. Essas questões articulam-se em diferentes campos de atuação, os quais estão especificados na BNCC.

Para melhor compreensão da articulação entre os variados campos de conhecimento, eixos, competências e habilidades associadas à língua portuguesa, bem como o tratamento do fenômeno linguístico ‘variação’, apresenta-se o Quadro 1. Esse quadro, elaborado a partir da BNCC, contempla habilidades que consideram a variação linguística nas diversas práticas de linguagem que cabem ao 6º e 7º ano.

Quadro 1
Variação linguística em práticas de linguagem, objetos de conhecimento e habilidades para estudantes de 6º e 7º anos de língua portuguesa
Práticas de LinguagemObjetos de conhecimentoHabilidade e descrição
CampoEixo
Jornalístico-midiáticoProdução de textosTextualizaçãoEF69LP07 - Produzir textos em diferentes gêneros, considerando sua adequação ao contexto produção e circulação – os enunciadores envolvidos, os objetivos, o gênero, o suporte, a circulação -, ao modo (escrito ou oral; imagem estática ou em movimento etc.), à variedade linguística e/ou semiótica apropriada a esse contexto, à construção da textualidade relacionada às propriedades textuais e do gênero), utilizando estratégias de planejamento, elaboração, revisão, edição, reescrita/redesign e avaliação de textos, para, com a ajuda do professor e a colaboração dos colegas, corrigir e aprimorar as produções realizadas, fazendo cortes, acréscimos, reformulações, correções de concordância, ortografia, pontuação em textos e editando imagens, arquivos sonoros, fazendo cortes, acréscimos, ajustes, acrescentando/alterando efeitos, ordenamentos etc.
OralidadePlanejamento e produção de textos jornalísticos orais EF69LP12 - Desenvolver estratégias de planejamento, elaboração, revisão, edição, reescrita/redesign (esses três últimos quando não for situação ao vivo) e avaliação de textos orais, áudio e/ou vídeo, considerando sua adequação aos contextos em que foram produzidos, à forma composicional e estilo de gêneros, a clareza, progressão temática e variedade linguística empregada, os elementos relacionados à fala, tais como modulação de voz, entonação, ritmo, altura e intensidade, respiração etc., os elementos cinésicos, tais como postura corporal, movimentos e gestualidade significativa, expressão facial, contato de olho com plateia etc.
Artístico-literárioLeituraReconstrução da textualidade e compreensão dos efeitos de sentidos provocados pelos usos de recursos linguísticos e multissemióticos EF69LP47 - Analisar, em textos narrativos ficcionais, as diferentes formas de composição próprias de cada gênero, os recursos coesivos que constroem a passagem do tempo e articulam suas partes, a escolha lexical típica de cada gênero para a caracterização dos cenários e dos personagens e os efeitos de sentido decorrentes dos tempos verbais, dos tipos de discurso, dos verbos de enunciação e das variedades linguísticas (no discurso direto, se houver) empregados, identificando o enredo e o foco narrativo e percebendo como se estrutura a narrativa nos diferentes gêneros e os efeitos de sentido decorrentes do foco narrativo típico de cada gênero, da caracterização dos espaços físico e psicológico e dos tempos cronológico e psicológico, das diferentes vozes no texto (do narrador, de personagens em discurso direto e indireto), do uso de pontuação expressiva, palavras e expressões conotativas e processos figurativos e do uso de recursos linguístico-gramaticais próprios a cada gênero narrativo.
Produção de textosRelação entre textosEF69LP50 - Elaborar texto teatral, a partir da adaptação de romances, contos, mitos, narrativas de enigma e de aventura, novelas, biografias romanceadas, crônicas, dentre outros, indicando as rubricas para caracterização do cenário, do espaço, do tempo; explicitando a caracterização física e psicológica dos personagens e dos seus modos de ação; reconfigurando a inserção do discurso direto e dos tipos de narrador; explicitando as marcas de variação linguística (dialetos, registros e jargões) e retextualizando o tratamento da temática.
OralidadeProdução de textos oraisEF69LP52 - Representar cenas ou textos dramáticos, considerando, na caracterização dos personagens, os aspectos linguísticos e paralinguísticos das falas (timbre e tom de voz, pausas e hesitações, entonação e expressividade, variedades e registros linguísticos), os gestos e os deslocamentos no espaço cênico, o figurino e a maquiagem e elaborando as rubricas indicadas pelo autor por meio do cenário, da trilha sonora e da exploração dos modos de interpretação.
Todos os campos de atuaçãoAnálise linguística/ semióticaVariação linguísticaEF69LP55 - Reconhecer as variedades da língua falada, o conceito de norma-padrão e o de preconceito linguístico. EF69LP56 - Fazer uso consciente e reflexivo de regras e normas da norma-padrão em situações de fala e escrita nas quais ela deve ser usada.
Elaborado pelas autoras a partir da BNCC (BRASIL, 2017)

Sob à luz dos PCNs, PNLD e, especialmente, da BNCC, faz-se a descrição e análise de caráter descritivo-bibliográfico do Manual do Professor das obras de língua portuguesa do 7º ano da coleção Apoema (TEIXEIRA; SOUSA; FARIA; PATTRESI, 2018) e da coleção Tecendo Linguagens (OLIVEIRA; ARAÚJO, 2018).

3 LD: COLEÇÃO APOEMA

O Manual do Professor do 7º ano do EF da coleção Apoema é uma publicação de 2018, da Editora do Brasil. O livro foi elaborado por Lucia Teixeira, doutora em Linguística pela USP, Silva Maria de Sousa, doutora em Letras pela UFF, Karla Faria, doutora em Estudos da Linguagem pela UFF e Nadja Pattresi, doutora em Estudos da Linguagem pela UFF.

Esse manual é composto por oito unidades didáticas, sendo que cada unidade se constitui em dois capítulos. Contudo, antes das orientações de cunho pedagógico, há uma parte inicial em que se esclarece a proposta teórico-metodológica, a qual se diz em consonância com o que prevê a BNCC e o PNLD. Nessa parte, dentre diferentes questões relacionas à linguagem, as autoras dedicam uma subseção (Variação linguística, tolerância e inclusão) a aspectos sobre variação linguística, onde abordam conceitos introdutórios e afirmam se basear em autores como William Labov, Fernando Tarallo, Stella Maris Bortoni-Ricardo, Maria Marta Pereira Scherre, Carlos Alberto Faraco e Ana Maria Zilles (p. XII-XIV).

Nessa subseção, trata-se da variação estilística, aquela que varia dependendo dos diferentes papeis que as pessoas desempenham na sociedade, ou seja, da relação entre os interlocutores (COELHO; GÖRSKI; MAY; SOUZA, 2019), e da variação regional, aquela que permite que se identifique a origem da pessoa pelo modo como ela fala e é sempre verificada pela oposição de unidades espaciais distintas (COELHO; GÖRSKI; MAY; SOUZA, 2019), e explica-se como elas estão presentes nos LDs: a primeira através de “reflexão sobre os efeitos de sentido criados pelas escolhas dos falantes e adequação do emprego à situação de comunicação” (TEIXEIRA; SOUSA, FARIA; PATTRESI., 2018, p. XIII); e a segunda através de textos de autores de regiões brasileiras distintas e também de outros países falantes da língua portuguesa. Quanto aos conceitos de norma culta e norma-padrão, o livro traz a seguinte passagem:

[...] o domínio da língua-padrão, ou das normas urbanas de prestígio, não pode ser minimizado pela escola, uma vez que integra as condições de ampliação do universo de conhecimento dos alunos e as expectativas de circulação em meios socialmente prestigiados [...]

O ensino da diversidade e das variações linguísticas considera a norma-padrão ao lado de outras, mais voltadas para a comunicação cotidiana e para a esfera particular da comunicação, sem deixar de lado a relação entre variante usada por um grupo de falantes e sua inserção social política (TEIXEIRA; SOUSA; FARIA; PATTRESI., 2018, p. XIV).

Em seguida, as autoras apontam o papel da escola em combater o preconceito linguístico e incentivar o entendimento da riqueza da diversidade cultural. Após essas considerações iniciais, o manual do professor apresenta os principais pontos da BNCC e como ela se organiza dentro de cada volume da coleção.

No que tange ao 7º ano, segundo quadro[1] criado pelas autoras (2018), o tratamento à variação linguística aparece através das habilidades EF69LP07, EF69LP12, EF69LP47, EF69LP55 e EF69LP56. Dessa forma, observa-se que apenas cinco das sete habilidades, apresentadas no Quadro 02, que tratam do fenômeno linguístico, objeto deste estudo, são contempladas no livro analisado. A habilidade EF69LP07 integra o segundo capítulo, tanto da Unidade 3 quanto da Unidade 6. A habilidade EF69LP12, por sua vez, aparece apenas no Capítulo 2 da Unidade 3. A habilidade EF69LP47 é tratada na primeira unidade (Capítulo 2), bem como na quinta unidade (Capítulo 1) e sexta unidade (Capítulo 2). Como mais ocorrente, verifica-se a habilidade EF69LP55, presente no Capítulo 1 das unidades 4, 5 e 6 e, Capítulo 2, da Unidade 6. Já a habilidade EF69LP56 está disposta na Unidade 4 (Capítulo 1) e Unidade 6 (Capítulo 2). Sendo assim, para maior clareza, apresenta-se o Quadro 2.

Quadro 2
Habilidades relativas à variação linguística no LD do 7º ano da coleção Apoema
HabilidadeUnidade didáticaCapítulo do LDConteúdo abordado
EF69LP07Unidade 3Capítulo 2Gênero textual entrevista
Unidade 6Capítulo 2Gênero textual folheto
EF69LP12Unidade 3Capítulo 2Gênero textual entrevista
EF69LP47Unidade 1Capítulo 2Gênero textual conversação espontânea
Unidade 5Capítulo 1Tipos de narrador e foco narrativo
Unidade 6Capítulo 2Gênero textual conto
EF69LP55Unidade 4Capítulo 1Variação linguística; norma padrão; pontuação (uso de ponto e vírgula e travessão)
Unidade 5Capítulo 1Variações linguísticas regionais
Unidade 6Capítulo 1Linguagem formal e informal
Capítulo 2Variação linguística
EF69LP56Unidade 4Capítulo 1Variação linguística; norma padrão; pontuação (uso de ponto e vírgula e travessão)
Unidade 6Capítulo 2Variação linguística
elaborado pelas autoras a partir de Teixeira, Sousa, Faria e Pattresi (2018, p. XLIV-XLVII)

As habilidades EF69LP07 e EF69LP12 são, primeiramente, tratadas no LD no Capítulo 2 da Unidade 3 a partir de parte da transcrição de uma entrevista. Pedro Bial entrevista o rapper Emicida para o programa de televisão ‘Conversa com Bial’. Nessa transcrição de fala, pôde-se observar expressões como: “’Pô’... leveza...né?”; “Suave... suave”; “mano”; “tá fofinho”; “fofura”. Na sequência do texto transcrito, é apresentado um excerto de uma entrevista publicada no jornal cearense ‘O Povo’. Por conseguinte, discorre uma série de questões aos estudantes e, nessa direção, chama a nossa atenção o fato de Teixeira, Sousa, Faria e Pattresi (2018) limitarem suas observações à linguagem formal aplicada à entrevista escrita e, à oralidade, linguagem informal. Contudo, apesar das autoras (2018) não explorarem parte da riqueza das variantes linguísticas evidenciadas no texto, suas considerações vão ao encontro da descrição das habilidades preconizadas na BNCC, que, em suma, consistem na adequação do texto ao contexto de produção e circulação, bem como o desenvolvimento de estratégias de produção e avaliação de textos orais.

Ainda sobre a habilidade EF69LP07, no Capítulo 2 da Unidade 6, há diversos textos do gênero folheto. A esse gênero é enfatizado o uso do modo imperativo dos verbos e efeitos de sentido produzidos. De acordo com as orientações dadas no Manual do Professor

[e]spera-se que os alunos escrevam os verbos no modo imperativo de acordo com a norma-padrão [...] e também de acordo com o uso mais informal, do dia a dia, na forma não padrão, em que é comum misturar a forma do imperativo referente à 2ª pessoa (tu) para se fazer referência a você (TEIXEIRA; SOUSA; FARIA; PATTRESI, 2018, p. 175, grifos das autoras).

Sendo assim, destacamos o interesse das autoras (2018) para tratar de variação linguística. Uma das questões direcionadas aos estudantes é: “As diferentes formas que os verbos no imperativo apresentam para se referir a você são um exemplo de variação linguística?” (p. 175, grifo das autoras). Nesse sentido, percebe-se o tratamento de variações estilísticas, as quais decorrem de adequações linguísticas, feitas pelos interlocutores, e necessárias aos contextos comunicativos. Verbetes do vocábulo ‘variação’ também se mostram no LD e, nesse contexto, uma nota ao professor sugere discutir com os estudantes como a variação linguística caracteriza diferentes usos da língua portuguesa no mundo – para tanto, sugere-se a retomada de contos presentes na Unidade 5.

De acordo com as indicações da obra, integrando habilidades linguísticas aos conteúdos curriculares, o Capítulo 2 da Unidade 6 deveria tratar de aspectos da língua descritos nas habilidades EF69LP47, EF69LP55 e EF69LP56. Todavia, observamos que a abordagem do fenômeno variação linguística é limitada: de modo geral, questões desse cunho ficam implícitas tanto no Manual do Professor quanto no LD do estudante. Considerando, por exemplo, um texto de gênero folheto, Teixeira, Sousa, Faria e Pattresi (2018) demonstram interesse em explorar a relação de concordância nominal e verbal à variação linguística – a própria seção tem como título ‘Concordância nominal e verbal; variação linguística’ –, mas o enfoque das atividades propostas se concentra na habilidade EF69LP56, que trata especificamente do “uso consciente e reflexivo de regras e normas da norma-padrão em situações de fala e escrita” (BRASIL, 2017, p. 161).

No que diz respeito ao Capítulo 2 da Unidade 1, o Manual do Professor indica a contemplação da habilidade EF69LP47 que, em termos de variação, trata das possíveis variedades como fenômeno linguístico empregue em textos narrativos ficcionais. De fato, o gênero crônica, tipo de texto narrativo ficcional, é apresentado no LD do estudante. O texto ‘Menino da cidade’ (p. 19) contempla uma série de vocábulos estrangeiros (e.g., mastiff; boxer; fork; knife; seal; walrus), que provocam efeitos de sentido, caracterizam o cenário e até mesmo os personagens. Entretanto, em nenhum momento verificamos referência à variação linguística ou enfoque a variedade lexical apresentada no texto ou nas questões de compreensão e interpretação relacionadas.

O manual também indica as habilidades EF69LP47 e EF69LP55 na mediação de variação linguística em textos do Capítulo 1 da Unidade 5. Verificamos marcas de variação lexical regional no texto ‘A piscina do tio Victor’ (p. 121-122), a exemplo: prendas (objetos que se dão a alguém para agradá-lo, como um presente); rebuçado (doce semelhante ao caramelo); bué (muito); chuinga (chiclete); cambas (amigos, colegas, camaradas); e malta (turma). As atividades de compreensão do texto são diversas, porém não trazem à tona, explicitamente, questões de variação linguística. Contudo, há uma nota no Manual do Professor que destaca que “[m]ilhares de palavras da língua portuguesa provêm de línguas africanas.” (p. 122). Posteriormente, Teixeira, Sousa, Faria e Pattresi (2018) discutem aspectos inerentes à variação linguística a partir do texto ‘A língua portuguesa no mundo’, o que lhes permite explorar variedades lexicais por meio de marcas da grafia (e.g., tecto; diretamente; começámos; rebentámos; gargalhámos) e de expressões como “ficou a rir” e “fico a perguntar” – evidenciando casos de variação regional (português do Brasil vs. português de Portugal). As autoras (2018) propõem questões indagadoras e que conduzem os estudantes à reflexão sobre a língua portuguesa falada no Brasil, Angola e Portugal. Também são apresentadas expressões como “fugar à escola” (no Brasil: matar/cabular aula) e “não vos disse” (no Brasil: não disse a vocês; observando que ‘vos’ é um pronome pouco usado no português brasileiro) – ambas as expressões são indicadas no LD como de uso ‘informal’. Considerando as observações aqui apresentadas, identificamos nas atividades a preocupação em possibilitar aos estudantes o reconhecimento de variedades da língua falada, conforme EF69P55, porém a habilidade não é contemplada na tua totalidade, uma vez que o conceito de norma-padrão e de preconceito linguístico não são abordados nas atividades do capítulo analisado.

Também é indicado no Manual do Professor o desenvolvimento das habilidades EF69LP55 e EF69LP57, presentes no Capítulo 1 das unidades 4 e 6 e no Capítulo 2 da Unidade 6. O Capítulo 1 da Unidade 4 apresenta textos e atividades relacionadas que dizem respeito ao Estatuto da Criança e Adolescente (ECA), focando estritamente no registro escrito formal e norma padrão da língua portuguesa – não há discussões ou observações acerca de variação linguística. O mesmo ocorre em relação ao Capítulo 1 da Unidade 6, o qual enfatiza em verbetes de dicionário, sem dedicar atenção as variedades e variações da língua.

A partir da análise dos capítulos e unidades didáticas verificadas e analisadas percebemos que a variação linguística não recebe espaço de destaque nas discussões sobre a língua. A variação aparece à margem da língua e da proposta pedagógica que aparece no LD. A atenção ao fenômeno se concentra em questões que contrastam linguagem formal e informal para fins de reconhecimento e aplicação adequada aos contextos de uso e, consequentemente, enfatizando, especialmente, aspectos da norma-padrão.

4 LD: TECENDO LINGUAGENS

No que diz respeito ao Manual do Professor, Tecendo Linguagens, também do 7º ano e publicado em 2018 pela IBEP, tem-se como autoria Tania Amaral Oliveira, mestra em Ciências da Comunicação pela USP, e Lucy Aparecida Melo Araújo, mestranda em Língua Portuguesa pela PUC-SP. O livro faz parte do PNLD de 2020.

Esse manual é introduzido a partir de uma apresentação da obra e explicações que articulam a coleção com o que é preconizado na BNCC. Nesse contexto, além do tratamento dos pressupostos teórico-metodológicos, estrutura, avaliação, entre outros, destacam-se competências e habilidades linguísticas. Esse texto introdutório não salienta questões de variação linguística, que, por sua vez, só tem espaço em inserções de citações associadas às competências e habilidades da BNCC. Segundo quadro[2] criado por Oliveira e Araújo (2018), observou-se que a variação linguística é contemplada em todas as unidades do LD através das habilidades apresentadas no Quadro 1 e que tratam do fenômeno linguístico ‘variação’, com exceção da habilidade EF69LP07. Os conteúdos abordados na obra e que, supostamente³, dão conta dessas habilidades são apresentados no Quadro 3.

Quadro 3
Habilidades relativas à variação linguística no LD do 7º ano da coleção Tecendo Linguagens
HabilidadeUnidade didáticaCapítulo do LDConteúdo abordado
EF69LP12Unidade 1Capítulo 1Produção de texto mensagem instantânea (p. 39);
Unidade 3Capítulo 5Coesão e coerência em texto carta ao leitor (p. 181-183); produção gênero oral júri simulado (p. 185)
EF69LP47Unidade 1Capítulo 1Leitura de charge (p. 35); Análise de gênero textual carta (p. 42)
Unidade 2 Capítulo 3Estudo de personagens por meio de análise de recursos linguísticos (p. 101)
Capítulo 4Caracterização de personagens e cenários (p. 135)
Unidade 3Capítulo 5Sentido figurado do léxico e apreciação/réplica (p. 155); leitura, interpretação e compreensão (p. 165); leitura conto maravilhoso (p. 172-175)
Capítulo 6Leitura de lenda, elementos da narração (p. 193); distribuição de vozes, verbos de elocução, discurso indireto e discurso direto (p. 195); partes do enredo, caracterização de personagens, interpretação e compreensão de lenda (p. 202)
Unidade 4Capítulo 8Leitura de crônica (p. 255)
EF69LP50Unidade 2Capítulo 4Produção de texto dramático (p. 147)
EF69LP52Unidade 2Capítulo 4Leitura de texto dramático (p. 141)
EF69LP55Unidade 1Capítulo 1Leitura de e-mail (p. 44);
Unidade 2 Capítulo 3Expressões e gírias no futebol (p. 100)
Capítulo 4Variedades do português brasileiro em prática oral (p. 129)
Unidade 3Capítulo 5Elementos narrativos em conto maravilhoso (p. 176)
EF69LP56Unidade 1Capítulo 1Formas nominais do verbo (infinitivo, particípio e gerúndio) (p. 32); produção de texto crônica (p. 51);
Capítulo 2Tipos de predicado (p. 67); concordância verbal (p. 77); uso de G e J (p. 81);
Unidade 3 Capítulo 5Classe gramatical e formação de palavra (p. 159-160); sentido figurado e sentido literal do léxico (p. 167); funções morfossintáticas de advérbios e locuções adverbiais (p. 169); coesão e coerência em texto carta ao leitor (p. 181-183); produção gênero oral júri simulado (p. 185)
Capítulo 6Termos essenciais e integrantes da oração e complementos verbais (p. 195); grafia e significado de (p. 199); grafia, significado, classe gramatical e função de ‘mas’ e ‘mais’ (p. 215)
Unidade 4Capítulo 7Período composto e oração coordenada (p. 234); conjunções coordenativas (p. 241)
Capítulo 8Acento diferencial (p. 264-265)
elaborado pelas autoras a partir de Oliveira e Araújo (2018).

A habilidade EF69LP07, apesar não ser indicada no quadro de apresentação das habilidades proposto por Oliveira e Araújo (2018), é apontada pelas autoras em atividade de produção textual (gênero blog) presente no Capítulo 2 da primeira unidade do LD (página 82).

Destaca-se também que os termos utilizados e apresentados no Quadro 3, em ‘conteúdo abordado’ não correspondem, necessariamente, aos termos empregues no sumário da obra ou títulos de seções, uma vez que Oliveira e Araújo (2018) preferem termos mais genéricos. Para fins de organização e encaminhamentos para a análise aqui proposta, optou-se pela especificação do conteúdo, o que exigiu, já de antemão, uma leitura analítica da obra.

A habilidade EF69LP12 aparece no Capítulo 1 da Unidade 1 a partir da discussão do tópico “Mensagens instantâneas por aplicativo” e como a construção textual se dá nesse meio. As autoras utilizam a seguinte afirmação para evidenciar alguns aspectos da linguagem empregada nesse contexto: “Além do registro, em geral, informal, com o uso de gírias e palavras reduzidas, nesse tipo de mensagem os interlocutores utilizam emoticons, GIFs, fotografias [...] para comunicar fatos, sentimentos, reações...” (OLIVEIRA; ARAÚJO, 2018, p. 37). A partir disso, as orientações ao professor sugerem que se promova uma discussão com os estudantes sobre tipos de texto que comportam ou não comportam palavras ou expressões reduzidas. Notamos que as autoras tratam os termos informal e formal como uma dicotomia, e não como um contínuo. Além disso, de certa maneira, elas estabelecem um paralelo entre o uso da língua na modalidade oral e o uso da língua de modo informal. Também há descompasso nas informações dadas aos estudantes: ora a linguagem informal se justifica pelo meio (e-mail, aplicativo de mensagem, carta, comunicação oral...) em que a conversa ocorre, ora pela relação de intimidade entre os interlocutores.

A habilidade em questão se concretiza quando é proposta uma atividade em que os estudantes precisam interagir com os colegas em um grupo criado em um aplicativo de conversas e, para isso, devem se comunicar utilizando a linguagem adequada para o contexto. Essa habilidade também aparece na Unidade 3 do Capítulo 6, mas isso se dá por outros conteúdos abrangidos por ela, não pela variação linguística.

Ainda no Capítulo 1 da Unidade 1, a habilidade EF69LP47 aparece através da análise da ocorrência de gerundismo em uma charge. Apesar de haver a possibilidade de se discutir o assunto sob o viés da variação linguística, as autoras penas o tratam sob o ponto de vista gramatical, o que inclui solicitar que os estudantes reescrevam um trecho eliminando o caso de gerúndio. A prática da reescrita pode ser útil em termos de entendimento das regras gramaticais, mas entendemos que poderia haver uma sugestão ao professor para que fosse realizada uma discussão acerca do motivo que leva tantas pessoas a utilizarem o gerúndio em situações não abordadas pela gramática tradicional.

Quanto à adequação da linguagem, as habilidades EF69LP47 e EF69LP55 desse capítulo e unidade também ocorrem quando as autoras tratam do gênero textual carta e e-mail. Para isso, relaciona, novamente, o tipo de linguagem a ser utilizada (formal/informal) ao nível de proximidade que há entre o remetente e o destinatário. Assim como aponta Bagno (2013), tratar de variação linguística apenas com os termos formal/informal mostra como o assunto, na educação básica, transforma-se em algo raso e foge de qualquer espaço que permita discussões significativas. Além disso, verificamos que não há maiores orientações sobre como a linguagem se dá em um meio formal/informal, nem quais são as principais diferenças concretas entre uma situação e outra.

A última habilidade relacionada a variação linguística que ocorre nesse mesmo capítulo e unidade é a EF69LP56 e ela é trabalhada em dois momentos. O primeiro trata das formas nominais do verbo através de quadros que exemplificam e explicam seu uso sob o ponto de vista gramatical, ou seja, a habilidade está relacionada, conforme nomenclatura da BNCC, à norma-padrão; o segundo trata do uso da língua na produção de uma crônica: no quadro com as informações sobre esse gênero textual, consta que a crônica é escrita “em linguagem mais próxima da variedade social da língua” (OLIVEIRA; ARAÚJO, 2018, p. 52). Em seguida, os estudantes precisam planejar o seu texto, e para isso, as autoras propõem que eles pensem sobre a linguagem a ser empregada. O manual do professor sugere que “o nível de linguagem de uma crônica, como a que serviu de referência é mais próximo da realidade, mas oriente os estudantes a adequarem a linguagem dos personagens ao perfil que eles têm” (OLIVEIRA; ARAÚJO, 2018, p. 52). Ao analisar esta seção, deparamo-nos com uma sequência didática em que o estudante estuda sobre a norma-padrão, mas, em seguida, precisa produzir um texto que atenda a variedade social da língua. Em outras palavras, o estudante aprende uma série de regras que muitas vezes não atendem à norma culta, mas precisam escrever um texto utilizando-a. Nesse meio tempo, ao estudante não é proposta nenhuma discussão sobre o assunto, e isso pode criar uma falsa impressão de que a variedade social, a norma culta, possui todas as características gramaticais estudadas e que, o estudante, por não utilizar em sua fala as normas gramaticais, não sabe sua própria língua materna.

Semelhante acontece com essa habilidade no Capítulo 2 da mesma Unidade. Ao estar relacionada apenas ensino da norma-padrão, excluem-se discussões ou exercícios que apontem para outras formas de usar a língua no que diz respeito a esses aspectos gramaticais. Desse modo, não há abrangência de outras possibilidades que existem em variedades reais de uso da língua, apenas conforme a norma-padrão.

Na Unidade 2, nos Capítulos 3 e 4, há ocorrência das habilidades EF69LP47, EF69LP50, EF69LP52 e EF69LP55. No Capítulo 3, as habilidades EF69LP55 e EF69LP47 se dão através de um conto que trata da narração de um jogo de futebol. A partir disso os estudantes precisam verificar a variedade linguística empregada pelo personagem da narrativa identificando os itens lexicais presentes no conto que são exclusivos da variedade utilizada pelos narradores de futebol. Essa variação diz respeito ao grupo social do qual os interlocutores fazem parte. Mostrar isso aos estudantes faz com que eles entendam que há vários usos de língua e palavras possíveis de serem utilizados, mas cada um deles é adequado a situações específicas e não a qualquer comunicação.

O Capítulo 4 trata sobre o gênero textual dramático. Quanto à variação linguística nesse contexto, as autoras trabalham, incialmente, com a habilidade EF69LP55. Para isso, os estudantes deverão escolher uma cena do texto dramático lido, adaptá-la conforme uma das variações do português brasileiro e encená-la para os colegas. Em seguida, habilidade EF69LP47 é citada no manual do professor, mas está relacionada apenas à análise de personagens e cenários do texto narrativo apresentado, sem haver elementos que remetam a variações linguísticas.

Nesse mesmo sentido, a habilidade EF69LP52, conforme prevê a BNCC, propõe que os estudantes façam a leitura oral de uma peça de teatro, mas o material didático não indica que os estudantes devam verificar e adequar a variação linguística utilizada para fazê-lo. Entendemos que, para realizar a leitura em voz alta, é necessário que o estudante adeque-se linguisticamente conforme os perfis dos personagens da história, mas isso não está explícito no enunciado da atividade, nem nas orientações do manual do professor. Por fim, para realização da habilidade EF69LP50, os estudantes precisam produzir um texto dramático com base em outras histórias e, para isso, devem se atentar a linguagem utilizada. O livro orienta aos estudantes para que “atentem-se para dar voz a todos os personagens e diversificar as falas, empregando variedades linguísticas e modos de falar característicos de cada um deles.” (OLIVEIRA; ARAÚJO, 2018, p. 147). Apesar de haver menções ao ensino de variedade linguística, fica por conta do professor explicar o que isso é aos estudantes.

O grande tema do Capítulo 5 da Unidade 3 é o livro de literatura. Para a habilidade EF69LP55, os estudantes refletem sobre as diferenças entre a variedade do português utilizada no Brasil e a variedade utilizada em Portugal através de perguntas relacionadas a um trecho do conto trabalhado anteriormente. Nesse momento, as autoras tratam do preconceito linguístico, ao sugerir, no manual do professor, que, se o docente “considerar pertinente, solicite uma pesquisa de expressões próprias do português de Portugal, para compreensão da variedade linguística e combate ao preconceito.” (OLIVEIRA; ARAÚJO, 2018, p. 176). A variação apresentada é uma variação de caráter regional (COELHO; GÖRSKI, MAY; SOUZA, 2019).

Em uma das ocorrências da habilidade EF69LP56 nesse capítulo, os estudantes precisam realizar um júri simulado, e, para tanto, são orientados de que o “[...] o júri simulado é uma apresentação pública formal. Desse modo, a linguagem deve estar adequada a essa situação de comunicação, ou seja, precisa ser igualmente formal” (OLIVEIRA; ARAÚJO, 2018, p. 185) e de que devem utilizar “a norma-padrão da língua, fazendo uso de linguagem mais formal” (OLIVEIRA; ARAÚJO, 2018, p. 185). Nesse ponto, ressaltamos que, apesar de as autoras abordarem a variação linguística na realização da atividade, elas mostram considerar a norma-padrão como uma das variedades linguísticas utilizadas em contextos reais de comunicação, ao contrário do que apontam Bagno (2007; 2013) e Faraco (2008), cujas ideias foram anteriormente apresentadas.

As demais atividades em que há indicação da habilidade EF69LP56 nos Capítulos 5 e 6 não estão relacionadas à variação linguística, pois tratam apenas do ensino de gramática, ou seja, da norma-padrão, sem verificar esses tópicos gramaticais em variedades do português brasileiro. Semelhante acontece com a habilidade EF69LP47, já que apenas os outros tópicos da habilidade são contemplados pelos exercícios e reflexões propostos pelo material didático.

Na Unidade 4, conforme a indicação das autoras, a única habilidade relacionada a variação linguística presente é a EF69LP56. Em todas as vezes que ela é mencionada, não há nenhuma atividade que trate de reflexões sobre variação linguística diretamente, apenas se deseja que o estudante produza seu texto de acordo com a norma-padrão da língua portuguesa, motivo pela qual essa habilidade é tão frequente no LD.

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Ao analisarmos os dois livros, verificamos que, por mais que os estudos sociolinguísticos tenham adentrado os documentos governamentais, como a BNCC, o PNLD, e o PCNs, através da promoção do ensino de variação linguística e do incentivo ao combate ao preconceito linguístico, as reflexões promovidas nos materiais didáticos da coleção Apoema e Tecendo Linguagens são raras e, quando existem, são superficiais.

Nos casos em que os estudantes são direcionados a pensarem sobre uso da linguagem ao contexto e ao interlocutor a que se dirigem, o fazem, comumente, relacionando a variação no modo de se comunicar a situações formais/informais. Não há reflexões sobre a forte conexão estabelecida entre o uso da língua e o seu funcionamento, além dos preconceitos presentes na sociedade e que são decorrentes de aspectos linguísticos. Também não há uma abrangência de variedades estigmatizadas do português brasileiro, as quais são utilizadas por uma quantidade significativa de estudantes na educação básica.

Por não tratar de variedades menos prestigiadas, explicar como elas surgem e a relevância delas para a cultura e história da comunidade, a disciplina de língua portuguesa deixa de combater o preconceito linguístico. Questões relacionadas ao preconceito linguístico integram, explicitamente, a quarta competência específica de língua portuguesa preconizada na BNCC: “compreender o fenômeno da variação linguística, demonstrando atitude respeitosa diante de variedades linguísticas e rejeitando preconceitos linguísticos” (BRASIL, 2017, p. 87).

Notamos que a BNCC procura, através de competências e habilidades, promover o ensino da variação linguística, mas os LDs analisados atendem apenas a outras demandas da habilidade que tratam da variação linguística. Isso ocorre, por exemplo, com a habilidade EF69LP47, que prevê que o estudante analise vários aspectos de textos narrativos ficcionais, sendo um desses aspectos as variedades linguísticas empregadas no texto. Nos LDs, a análise do texto ocorre sob vários desses aspectos, mas a variedade linguística empregada normalmente não é enfatizada nos exercícios e atividades propostas. Na mesma medida, isso ocorre com a habilidade EF69LP56, que trata do “uso consciente e reflexivo de regras e normas da norma-padrão em situações de fala e escrita nas quais ela deve ser usada”. Há ensino das regras gramaticais normativas, mas as discussões sobre as situações em que precisa, ou não, ser utilizada, são deixadas de lado.

Ao contrário do que teorizam os autores Bagno (2013) e Faraco (2008), o termo norma padrão é utilizado, tanto na BNCC quanto nos LDs, para se referir a uma variedade linguística e não a um construto ideal normatizado por regras do século anterior. Bagno (2013) postula que

faz parte da educação linguística levar o aprendiz a entrar em contato - também - com a norma-padrão tradicional. Apresentar as regras padronizadas, normatizadas, sobretudo para o entendimento dos conflitos existentes entre o que que é norma culta (real) e o que e é norma-padrão (ideal), é pedagogicamente pertinente (BAGNO, 2013, p. 131).

Porém, entendemos que é fundamental que se promovam discussões acerca do tema aqui abordado e reflexões sobre a concepção de norma-padrão, norma culta, variações linguísticas e preconceito linguístico. Além disso, que se utilizem de uma variedade de práticas para abordar a diversidade sociocultural e contemplar diferentes modos de inserção social, conforme preconizado na BNCC. No que diz respeito à abordagem do assunto ‘variação linguística’ nos LDs, notamos que o material da coleção Tecendo Linguagens possui mais ocorrências do tema quando comparado ao livro da coleção Apoema, mas ambos estão longe de atender o que seria o ideal para integrar os estudantes ao contexto pluralizado da sociedade em que vivem e interagem das mais variadas formas.

6 REFERÊNCIAS

BAGNO, M. Nada na língua é por acaso: por uma pedagogia da variação linguística. São Paulo: Parábola, 2007.

BAGNO, M. Preconceito linguístico: o que é, como se faz. 40. ed. São Paulo: Edições Loyola, 2006.

BAGNO, M. Sete erros aos quatro ventos. São Paulo: Parábola, 2013.

BRASIL. Decreto nº 9.099, de 18 de julho de 2017, o qual dispõe sobre o Programa Nacional do Livro e do Material Didático. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2015-2018/2017/Decreto/D9099.htm#art29. Acesso em: 15 mar. 2021.

BRASIL. Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Lei número 9394, 20 de dezembro de 1996. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9394.htm. Acesso em: 15 mar. 2021.

BRASIL. Ministério da Educação. Base nacional comum curricular. 2017. Disponível em: http://portal.mec.gov.br/index.php?option=com_docman&view=download&alias=79601-anexo-texto-bncc-reexportado-pdf-2&category_slug=dezembro-2017-pdf&Itemid=30192. Acesso em: 15 mar. 2021.

BRASIL. Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros Curriculares Nacionais: língua portuguesa. Brasília: MEC, 1997.

COELHO, I. L.; GÖRSKI, E. M.; MAY, G. H.; SOUZA, C. M. N. de. Para conhecer sociolinguística. São Paulo: Contexto, 2019.

FARACO, C. A. Norma culta brasileira: desatando alguns nós. São Paulo: Parábola, 2008.

OLIVEIRA, T. A.; ARAÚJO, L. A. M.;. Tecendo linguagens: língua portuguesa 7º ano. 5. ed. Barueri: IBEP, 2018.

SILVA, M. L. G. O papel da escola como instrumento de combate ao preconceito linguístico. Práticas Educativas, Memórias e Oralidades - Rev. Pemo, [S. l.], n. 2, p. e324614, 2021. Disponível em: https://revistas.uece.br/index.php/revpemo/article/view/4614. Acesso em: 21 mar. 2021.

TEIXEIRA, L; SOUSA, S. M.; FARIA, K.; PATTRESI, N. Apoema: língua portuguesa 7º ano. 1. ed. São Paulo: Editora do Brasil, 2018.

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