Relatos de Pesquisa

CONCEPÇÕES SOBRE A MEMÓRIA: PESQUISA COM CRIANÇAS DA EDUCAÇÃO INFANTIL

Maria Silvia Pinto de Moura Librandi da Rocha Rocha
Pontifícia Universidade Católica de Campinas, Brazil
Mônica de Rosa da Silva Silva
Pontifícia Universidade Católica de Campinas, Brazil

CONCEPÇÕES SOBRE A MEMÓRIA: PESQUISA COM CRIANÇAS DA EDUCAÇÃO INFANTIL

Revista de Psicologia, vol. 13, no. 2, pp. 91-105, 2022

Universidade Federal do Ceará

Received: 08 February 2022

Accepted: 24 May 2022

Resumo: Apresentam-se resultados de pesquisa-intervenção e exploratória sobre a “memória mediada” (segundo a Teoria Histórico-cultural) com os objetivos de analisar (i)concepções de crianças sobre a memória e (ii)possíveis efeitos do uso de instrumento de mediação no contexto educacional. Foi realizada com 34 crianças de dois grupos de Educação Infantil, de 4 a 5 anos, e em duas etapas. Iniciou-se com o Agrupamento III-A com atividades remotas, disponibilizando-se, semanalmente, instrumento semiótico para mediação da memória. Após essa etapa, foram feitas entrevistas individuais com 14 crianças do Agrupamento III-A e Agrupamento III-B, com 10 perguntas de dois tipos: conceituais/genéricas e referentes a situações-problema, vividas por personagens fictícios. Após transcrição, as respostas das entrevistas foram categorizadas e analisadas, permitindo identificar (i)dificuldades das crianças para lidarem com perguntas mais genéricas/conceituais e um modo mais elaborado para lidarem com situações-problema; (ii)apenas crianças que participaram da etapa 1 sugerem o uso de instrumentos mediadores (calendário e lista); (iii)indícios de efeitos da pesquisa sobre modos de as crianças pensarem sobre a memória. Espera-se que o trabalho sirva de inspiração para outras pesquisas, sobretudo feitas em períodos de normalidade da vida escolar, com as quais seja possível avançar nos conhecimentos produzidos.

Palavras-chave: Memória mediada, educação infantil, teoria histórico-cultural.

Abstract: These are the results of the exploratory and interventional research about "mediated memories" (according to cultural-historical theory) with the objective of analyzing (i) the children's conceptions of memory; and (ii) possible effects of using mediation tools in the educational context. It was carried out with 34 children – two groups of Early Childhood Education students aged 4-5 years old – in two steps. It started with Group III-A, with remote activities, when semiotic instruments were made available weekly for memory mediation. After that step, individual interviews were carried out with 14 children of Group III-A and Group III-B, with 10 conceptual/generic questions related to problem-solving situations experienced by fictional characters. After transcribed, the answers were categorized and analyzed and it was possible to identify (i) the children's struggles to deal with more generic/conceptual questions and a more elaborated way to deal with problems; (ii) only the children who participated on the first step suggested using mediating instruments (calendar and list); (iii) signs of the research effects on how children think about memory. We hope this study may be an inspiration for other research, especially those carried out in a period of normal school life, so that more knowledge is produced.

Keywords: Mediated memories, early childhood education, cultural-historical theory.

A memória mediada: fundamentos da pesquisa

Os estudos acerca da constituição e desenvolvimento da memória realizados por L. S. Vigotski e seus colaboradores fundamentaram-se na distinção de duas formas dessa função psíquica e buscaram estudá-las, qualitativamente. Contrapuseram-se, então, a estudos vigentes de sua época (e ainda hoje), os quais dedicavam-se à dimensão quantitativa do desenvolvimento da memória (referente ao número de informações que podiam ser recordadas e ao tempo de disponibilidade da informação), crescente até os dez anos de idade e passando a um processo degenerativo na velhice.

Na teoria Histórico-cultural encontramos argumentos claros e sólidos mostrando que o mais importante no processo de memorização é que ele pode se dar por duas operações distintas, sendo a primeira de forma direta, sem uso de elementos externos, chamada de memória imediata e a segunda com o uso de signos complementares, chamada de memória mediada, cultural ou superior. A memória imediata ou elementar se constitui de forma marcadamente biológica, e permite ao indivíduo recuperar informações, experiências já vividas, sem o uso de instrumentos mediadores. A memória mediada ou superior se constitui culturalmente, a partir das relações sociais de que cada indivíduo participa e da oportunidade de aprender que é possível usar instrumentos semióticos para, intencionalmente, afetar o funcionamento da memória. A memória mediada tem como característica o movimento voluntário do ato de se lembrar e é desenvolvida por meio das relações sociais e históricas estabelecidas entre o indivíduo e tudo que está à sua volta. Ressalta-se que tal movimento reelabora a atividade natural das estruturas cerebrais para a constituição das funções psíquicas superiores. Ao passo que a vida se complexifica, gradativamente, as formas de interação com o meio mudam e as funções psíquicas também. Evidencia-se o manejo da mediação da memória através de instrumentos auxiliares sendo estímulos artificiais e autorreguladores. Conforme bem sintetizam Góes e Costa (2018), o conceito memória imediata refere-se “àquela que se adquire de imediato (capacidade natural), que não é mediada por signos” e o de memória mediada refere-se àquela “na qual o homem cria procedimentos que o ajuda a subordinar a memória a seus fins” (p. 79).

Em vários experimentos sobre a memória realizados pelos autores do círculo de Vigotski foi possível evidenciar conquistas e particularidades no que se refere à construção da memória mediada, de acordo com as faixas etárias dos participantes. Em exemplo, no experimento de uso de cartas para memorização de palavras verbalizadas pelo experimentador, é notável uma maior expressividade de recursos externos utilizados por crianças mais velhas (10 e 11 anos), enquanto crianças mais novas (4 e 5 anos) não compreenderam como as cartas poderiam ajudá-las a se lembrarem das palavras ditas (Vigotski & Luria Símios, 1996).

Entretanto, é necessário destacar dois pontos de grande importância sobre o desenvolvimento memória mediada e das funções psíquicas em geral. Primeiramente, importa lembrar que o processo de desenvolvimento não ocorre de forma linear e em sentido único. Muito pelo contrário, durante esse processo, podem ser observados retrocessos e interrupções, além de infinitos rearranjos funcionais não previstos [e] essas situações confirmam o caráter dinâmico que caracteriza o funcionamento do sistema psíquico humano.

Em segundo lugar, importa dizer que as faixas etárias não são o vetor principal dessa diferença de operação de mediação da memória, já que o nível de conhecimento de uma pessoa está, naturalmente, sujeito a grandes flutuações e é resultado de experiências mais ou menos ricas de contato prolongado e bem-sucedido com o meio [...] (Vygotsky & Luria, 1996, p. 236).

Observando os resultados entre as faixas etárias no experimento de Vigotski. e Luria (1996), é possível conjecturar sobre o que torna possível que as crianças mais velhas tenham utilizado mais recursos externos em relação às crianças mais novas. Próximo aos 10 anos, a criança já é capaz de reproduzir situações quanto a criar alternativas com base nas experiências para ajudar a se lembrar; e um dos principais espaços de potência para isso é o espaço escolar. Assim, supõe-se que as chances de terem feito o uso dos conhecimentos que circulam em sala de aula – estando em ciclos posteriores de escolarização em relação às crianças mais novas dos experimentos, possa ter facilitado a mediação da própria memória e, consequentemente, a resolução dos problemas apresentados.

Portanto, a teoria Histórico-cultural confere à escola e ao processo educacional uma função social de extrema relevância, já que se tem no espaço escolar um cenário excelente e diferenciado para que as relações sociais se estabeleçam e promovam o desenvolvimento intelectual de maneira especial, quando se compara com as relações sociais cotidianas, extraescolares. A educação escolar constitui-se em processo de construção da subjetividade do aluno e o trabalho pedagógico pode ser definido como

[...] um processo de influências e interferências planejadas, direcionadas, intencionais e conscientes nos processos naturais de desenvolvimento da criança (VEER; VALSINER, 1999). [Nesse processo] Uma criança, por exemplo, deveria aprender a transformar uma capacidade ‘em si’, numa capacidade ‘para si’. (Maestrelli et al, 2009, p.2).

A relevância do trabalho pedagógico se encontra, especialmente, no papel do outro (com destaque para o papel desempenhado pelo professor) que organiza e compartilha os espaços, dirige as atividades a serem realizadas e complexifica os níveis de dificuldade das mesmas, de modo que possam conduzir os alunos a novas ações e aprimoramento do trabalho psíquico e a superarem as possíveis situações que antes eram difíceis. Ressalta-se que, especificamente no processo de desenvolvimento da memória, é necessário que cada criança vá se tornando capaz de compreender e usar os mecanismos auxiliares e de retornar a eles de forma voluntária, para se apoiar e controlar o próprio comportamento; entretanto, no caso de referências sociais restritas quanto aos possíveis instrumentos de manejo – a falta de hábito do uso de listas, o uso empobrecido de agendas, por exemplo - pode dificultar o processo de construção da memória mediada. (Andrade, 2016).

Outrossim, ressalta-se que para Vigotski a aquisição dos signos não se pauta exclusivamente na transferência dos conteúdos da cultura para a consciência, e sim relaciona-se com o grau de relevância de tais conteúdos para cada um. Como sintetizam Maestrelli et al (2009), “o que acontece no plano das relações sociais torna-se parte do sujeito, não pela cópia, mas pela leitura dos significados que a palavra do Outro têm sobre o Eu” (p. 3).

O que trouxemos até aqui mostra, de nossa perspectiva, a importância dos estudos sobre a memória mediada e a relevância da escola e de práticas pedagógicas para a sua constituição e desenvolvimento. Entretanto, esses temas não têm sido destacados em trabalhos científicos. Nesse campo há duas questões que consideramos importante realçar. Primeiramente, a escassez de trabalhos sobre a memória tendo a teoria Histórico-cultural como fundamento. Essa escassez foi registrada por Beppu (2011), por exemplo, já que dentre 3752 trabalhos que a autora levantou nas bases Portal CAPES de Periódicos e SciElo apenas 3 pesquisas trataram do tema memória com essa base teórica.. Em geral, na literatura científica predominam abordagens da psicologia cognitiva, da psicologia experimental e da neuropsicologia, bem como ocorre uma associação frequente entre dificuldades de aprendizagem e dificuldades de memorização.

Em segundo lugar, a escassez de trabalhos sobre o desenvolvimento da memória na Educação Infantil. Com nossa própria revisão bibliográfica, dentre 110 trabalhos identificamos 30 pesquisas que se dedicaram à memória como uma das funções psíquicas investigadas; porém, dessas apenas 9 foram contextualizadas na Educação Infantil, o que aponta baixa expressividade de pesquisas neste segmento..

De nossa perspectiva, a Educação Infantil tem um papel fundamental na constituição e desenvolvimento da memória mediada que ainda não foi suficientemente investigado, nem suficientemente incorporado às práticas pedagógicas; está em aberto. Nossa pesquisa pretende contribuir para explorar esse campo. Contudo, antes de passarmos a ela, há ainda um terceiro ponto que pretendemos problematizar com nossa investigação, mas esse relacionado aos trabalhos do círculo vigotskiano.

Como é bastante conhecido entre os estudiosos da teoria Histórico-cultural, Vigotski e seus colaboradores realizaram investigações através do que ficou conhecido como método da dupla estimulação, definido pelo próprio autor como “método fundamental que se utiliza, habitualmente, ao estudar a conduta cultural das crianças” (Vygotski, 1995, p. 161). Este método consistia em construir uma situação estruturada na qual uma tarefa era apresentada aos participantes, junto com orientações para que construíssem meios para chegar à sua resolução. Por exemplo, aos participantes era indicado que não poderiam mencionar três cores em um jogo de perguntas e fichas coloridas eram oferecidas para que pudessem ajudá-los a se lembrarem quais cores eram proibidas. O foco do experimentador era analisar se e como os participantes usavam as fichas e, em caso positivo de uso, quais eram os efeitos que poderiam ser identificados na sua capacidade de recordação e na sua performance no jogo. Os resultados destas análises compõem um conjunto importante de conhecimentos, dos quais destacamos como as pessoas vão se dando conta, de modo progressivo, que o funcionamento de sua memória pode ser regulado intencionalmente, a partir de manejo de signos externos e, posteriormente, de operações semióticas internalizadas.

Ao analisarmos os experimentos sobre a memória apresentados nos tomos III e IV da coleção Obras Escogidas (Vygotski, 1995; 1996), entretanto, notamos uma série de lacunas quanto a informações que seriam de extrema relevância para maior aproveitamento dos achados empíricos dos pesquisadores dos primórdios da teoria Histórico-cultural, sobretudo no que diz respeito ao papel da escola para sua constituição e desenvolvimento, tópico nuclear em nossos estudos. A partir de leituras intensivas realizadas nestes dois volumes, buscamos identificar, de modo minucioso, as circunstâncias em que os experimentos foram realizados, com especial interesse nas intervenções do experimentador. Nossa intenção era identificar análises realizadas por Vigotski e colaboradores sobre o papel do experimentador como ensinante – em sentido amplo do termo - no processo de constituição e desenvolvimento da memória.

Concluímos que a menção a ações do experimentador no desenrolar dos experimentos é bem irregular, sendo que muitas vezes este aspecto é registrado de modo secundário ou mesmo não é registrado, focalizando-se as respostas do participante de modo estrito. Estas lacunas, de nosso ponto de vista, merecem atenção especial na continuidade dos estudos sobre memória mediada, para que possamos fazer avançar os conhecimentos relativos ao papel do Outro nos processos focalizados.

De descrições de experimentos das quais pudemos inferir o papel do Outro (o experimentador) pelo detalhamento um pouco maior, identificamos algumas especificidades em relação às intervenções, que categorizamos da seguinte maneira: oferecer pistas, oferecer auxílio e/ou apresentar obstáculos para o desenvolvimento da tarefa proposta. No caso de oferecimento de pistas, consideramos situações em que o experimentador disponibiliza aos participantes informações que poderiam ajudá-los na realização da tarefa proposta; como função de auxílio, consideramos situações em que o experimentador intervém de forma mais incisiva, oferecendo estas informações, mas também, por vezes, estimulando fortemente os participantes a agirem de uma determinada maneira; por fim, consideramos situações em que o experimentador apresenta obstáculos quando dificultou, em alguma medida, a realização da tarefa proposta, a fim de analisar como os sujeitos respondem a isso e criam (ou não) novas estratégias para a sua solução.

Se, por um lado, estas informações atestam a importância de intervenções sociais para o desenvolvimento da memória mediada dos participantes - ou pelo menos o interesse em analisá-las - elas, sem dúvida são insuficientes para alcançarmos resultados mais esclarecedores sobre o papel do Outro neste processo.

É nesse contexto que se insere a pesquisa de que se apresentam os resultados no presente trabalho. Buscando contribuir para compreendermos melhor o desenvolvimento da “memória mediada” (segundo a Teoria Histórico-cultural), a viabilidade de princípio de sua constituição já na Educação Infantil e possibilidades de participação de adultos (pensando aqui em possibilidades para o trabalho pedagógico) optamos por uma pesquisa intervenção, com participação ativa da pesquisadora e inclusão de um instrumento semiótico para mediação da memória. Em face a essas considerações traçamos os objetivos de (i) analisar concepções de crianças sobre essa função psíquica e (ii) possíveis efeitos do uso de instrumento de mediação no contexto educacional da Educação Infantil. A seguir, apresentamos a pesquisa realizada.

Método

Participaram dessa pesquisa 34 crianças de 4 a 5 anos, matriculadas em duas turmas distintas (AGIII-A e AGIII-B) de um Centro Municipal de Educação Infantil (CEMEI), em funcionamento num bairro de periferia de uma cidade de grande porte do interior do estado de São Paulo. Como a pesquisa se desenvolveu durante o período da pandemia da Covid 19 e a vigência das normas sanitárias de distanciamento social, é necessário trazer algumas informações sobre como a rede municipal de ensino e o CEMEI responderam aos dilemas entre trabalho remoto/trabalho presencial, um dos grandes desafios do período. O início do primeiro semestre letivo foi realizado em 08/02/2021 de forma remota, com previsão de volta das atividades presenciais em 01/03. Porém, em 25/02 nova decisão da Secretaria Municipal de Educação adia o retorno para 05/04. Novamente em 03/04, o retorno foi adiado para 03/05.

A equipe gestora do CEMEI seguiu essas orientações e decidiu que os AGIII voltariam ao trabalho presencial no dia 10/05/2021. Entretanto, essa volta foi parcial, dado que havia autorização para que apenas 35% das crianças frequentassem a escola presencialmente (oficializada Plano São Paulo, publicado pelo governo estadual).. Frente a isso, as professoras fizeram uma consulta às famílias dos alunos para identificar interesse e disponibilidade para o funcionamento presencial. Formaram-se, então, dois grupos: o das crianças que voltariam para a escola e o das crianças que seguiriam no modelo remoto, com encontros através do WhatsApp. Entretanto, a composição desses grupos variou muito, sem que houvesse possibilidade de controle; no caso dos AGIII-A e AGIII-B, será detalhada mais à frente a composição dos grupos.

O método foi composto por dois tipos de procedimentos, usados sequencialmente.

Primeiramente, foi realizado o envio de tirinhas por WhatsApp com solicitação de atividades para dois dias por semana. As tirinhas deveriam mediar a memória das crianças de modo a ajudá-las a se lembrarem de realizar as tarefas solicitadas para os dias específicos. Em cada tirinha foram indicadas, com imagens e com um pequeno texto escrito, atividades em dias intercalados. A cada semana eram enviadas novas tirinhas, com atividades diferentes e em dias diferentes. Um exemplo dessas tirinhas encontra-se na Figura 01.

O envio das tirinhas foi feito no grupo de WhatsApp criado para comunicação entre a professora da turma, as crianças e suas famílias. Por esse mesmo canal, a professora enviava as atividades regulares, chamadas na rede municipal de ensino de atividades mitigadoras, que tinham o objetivo principal de manter os vínculos, especialmente entre alunos, professoras e famílias. As crianças eram estimuladas a entregar as atividades mitigadoras produzidas e enviadas pela professora no mesmo dia, via áudio, vídeo ou foto. As atividades da pesquisa deveriam ser enviadas, também via áudio, vídeo ou foto, nos dias indicados nas tirinhas.

Para a escolha de tal procedimento e da turma com a qual seria realizada essa etapa da pesquisa, valeu-se de uma consulta prévia feita pela coordenadora pedagógica com as famílias para averiguar os níveis de acessibilidade das famílias às tecnologias e ao WhatsApp, visto como satisfatório para a realização da pesquisa. Assim, foi decidido que a pesquisa ocorreria com o AGIII-A, pois segundo a diretora e as professoras do CEMEI era o grupo que possuía maiores frequências de participações nas atividades remotas. Buscando articular o conteúdo das atividades da pesquisa com as atividades da professora, de modo a não representar uma sobrecarga para os alunos e familiares, foi combinado que a professora encaminharia o planejamento mensal de atividades para que a pesquisadora já soubesse os dias de atividades previstas e procurasse ajustar o que seria solicitado nas tirinhas àquilo que a professora estava trabalhando. Ficou definido que o envio da tirinha seria feito nas segundas-feiras. Além disso, foi realizada a produção de um vídeo de apresentação da pesquisadora e do projeto ao grupo de familiares e crianças, sendo este enviado no primeiro dia da semana de 20/04/2021.

O segundo procedimento foi a realização de entrevistas. Dessa etapa participaram 10 crianças do AGIII-A e quatro crianças do AGIII-B. A inclusão dessas últimas teve o objetivo de comparar concepções sobre a memória elaboradas por parte de crianças que participaram da etapa de uso de signos para mediar a memória (AGIII-A) com as concepções sobre a memória elaboradas por parte de crianças que não participaram dessa prática (AGIII-B).

No início de setembro, mais precisamente no dia 08/09/2021, foi enviado um vídeo no grupo de WhatsApp da turma, no qual a pesquisadora informava aos alunos e aos familiares o encerramento das atividades das tirinhas, com agradecimentos, e informava também a ida da pesquisadora no mês de setembro à unidade como uma próxima etapa da pesquisa, para realização das entrevistas. No mês de setembro, a unidade em questão passou a seguir o decreto municipal Nº 21.5751, de 22 de julho de 2021, de modo que cada turma foi dividida em dois grupos (com 50% dos alunos em cada um deles), e distribuídos pelos modelos remoto ou presencial. Foi feita uma nova lista de manifestação dos pais quanto à adesão a um desses modelos. Novamente não havia uma estabilidade de permanência de alunos nas modalidades e, em geral, a frequência no presencial seguiu em torno de 4 a 8 crianças por turma, nem sempre as mesmas.

As entrevistas foram realizadas em quatro dias, por duas semanas, sendo o primeiro dia dedicado a um rapport (um primeiro contato presencial com as crianças, acompanhando as atividades regulares organizadas pelas professoras) e os seguintes destinados às entrevistas. Consideramos que esse primeiro dia sem realizar as entrevistas foi muito importante para que as crianças do AGIII-A se familiarizassem com a situação de contato presencial com a pesquisadora, já que durante a etapa anterior os contatos foram somente via WhatsApp. Com as crianças do AGIII-B, que não participaram da etapa 1, a familiarização também era muito importante e foi ocorrendo na medida em que as crianças viram a pesquisadora realizando as entrevistas com o AGIII-A e também no dia reservado para que acompanhasse as atividades regulares da turma.

Não foi possível registrar as entrevistas em vídeo-gravações, apenas gravação por áudio, por conta do espaço que foi concedido à pesquisadora para a realização do procedimento. Isso se deveu ao fato de as professoras terem solicitado que a atividade ocorresse próximo das salas de cada turma, para que tivessem condições de observar o andamento das entrevistas. Essa solicitação foi atendida, por compreendermos que as professoras e toda a equipe pedagógica tinham preocupações com as exigências de uso de máscaras, higienização frequente das mãos e respeito às distâncias mínimas de contato entre as pessoas. Dessa forma, as entrevistas ocorreram na área externa próxima da porta de entrada das salas, área contígua ao pátio. Como o pátio é de uso comum de todos os alunos, era frequente a passagem de outras turmas pela área, resultando em intercorrências sonoras e visuais. Nessa situação, seria inviável controlar as imagens capturadas pela vídeo-filmadora e seriam registradas também crianças que não eram do grupo de participantes. Como o registro das respostas verbais das crianças era a parte mais relevante da composição do material empírico, consideramos suficiente a gravação em áudio. O tempo de duração das entrevistas variou de 5 a 10 minutos por participante e todas ocorreram no período da manhã, entre as 8 horas e 11 horas, de acordo com o horário escolar das turmas e a disponibilidade de cada criança no momento.

Antes de iniciar a entrevista em ambas as turmas (A e B), a pesquisadora permanecia em média 30 minutos em sala para interação com as crianças. Após esse período, a pesquisadora levava uma mesa e duas cadeiras de tamanho infantil, disponíveis na sala, para ao lado de fora, de modo que as cadeiras ficavam de frente para a outra com a mesa no meio. Como já combinado anteriormente com a professora, as entrevistas foram realizadas no momento em que as crianças estavam sem uma atividade planejada, para que a pesquisadora pudesse convidá-las sem interromper o trabalho docente em andamento.

As entrevistas tiveram início com o AGIII-A, estando presentes 8 crianças e sendo realizadas com 7. Na turma do AGIII-B, havia 5 crianças, mas foram realizadas entrevistas com 4. A não realização das entrevistas com as duas crianças ocorreu por manifestarem que não queriam participar da atividade com a pesquisadora, o que foi respeitado. Além dessas entrevistas presenciais, foram realizadas três por chamada de WhatsApp, referentes a crianças do AGIII-A que permaneciam no modelo remoto e que haviam participado com alta frequência da etapa das tirinhas. Para tal, a pesquisadora entrou em contato com os pais via WhatsApp, solicitando um dia e horário para interação com o/a filho/a via ligação de vídeo (também sendo áudio gravadas). O tempo de duração das entrevistas via WhatsApp foi similar ao do presencial. Além disso, essas crianças entrevistadas foram acompanhadas pelos pais, uma vez que foram os mesmos que viabilizaram as ligações, seguraram o celular em ângulo correto e, por vezes, interagiram com a criança e com a pesquisadora. Em síntese, nessa etapa foram feitas entrevistas com 10 crianças da turma A e 4 crianças da turma B, totalizando 14 participantes.

Para a entrevista elaboramos um roteiro com 10 perguntas, categorizadas em dois tipos: algumas sobre concepções sobre a memória. e algumas apresentando situações concretas em que um personagem fictício tinha um desafio para lembrar-se de algo e solicitávamos às crianças que dessem sugestões sobre o que eles poderiam fazer para resolver a situação.. Todas as entrevistas foram áudio-gravadas e, posteriormente, transcritas para análises.

O objetivo geral da pesquisa foi analisar concepções de crianças sobre a memória e possíveis efeitos do uso de instrumento de mediação no contexto educacional. Com a apresentação dos resultados buscamos argumentar sobre a relevância não só do instrumento mediador (as tirinhas) como da própria situação da entrevista, como oportunidade para que as crianças pensem sobre a memória e sobre suas memórias.

Resultados

Após a transcrição das entrevistas, as respostas foram lidas intensivamente e organizadas em seis categorias: “lembra de algo que aconteceu/relata alguma experiência”, “remete a lembrar ou relaciona com pensar”, “focaliza um aspecto da situação-problema, mas não a questão da memória”, “menciona outros/adultos”, “atribui uma qualidade à memória”, “sugerem uso de recurso mediador”. Essas foram as categorias que incluíram respostas que consideramos férteis para as análises. Importante mencionar que houve respostas que foram categorizadas como “respostas não finalizadas ou não compreensíveis”, “respostas simples como ‘sim” ou ‘não’”, “silêncio”; essas não foram incluídas no trabalho analítico. As definições e um exemplo para cada uma das categorias validadas para análises encontram-se no quadro 01.

Após esse trabalho de construção das categorias e inclusão das respostas em cada uma delas, fizemos um levantamento da frequência e porcentagem de respostas, discriminando entre as crianças do AGIII-A e AGIII-B. A distribuição se encontra na tabela 01, inserida a seguir.

A opção por fazer a distribuição das respostas distinguindo as turmas A e B foi uma forma de responder ao objetivo da pesquisa, qual seja averiguar possíveis efeitos do uso de instrumento de mediação no contexto educacional. Tendo sido feita a distribuição, consideramos que as duas categorias mais expressivas do ponto de vista do conceito vigotskiano memória mediada são as “mencionam outros/adultos” e “sugerem uso de recurso mediador”, pelas quais começamos as análises.

Nessas duas categorias destacadas apenas crianças que participaram da primeira etapa da pesquisa, justamente aquela em que tiveram experiência com introdução de mediadores da memória, tiveram respostas registradas. Ou seja, as crianças que não participaram da etapa 1, que não tiveram as experiências com as tirinhas, não mencionaram o uso de um mediador ou o recurso a algum adulto para lembrar de lembrar. Pela relevância para nossos objetivos, vale a pena aqui explorar mais detidamente as falas inclusas nessas categorias. Traremos exemplos, então, a seguir.

Pesquisadora: Agora vamos pensar em algumas situações em que algumas pessoas precisam de ajuda para lembrarem de alguma coisa ou para fazerem outra pessoa lembrar. Vamos ver se a gente pode ajudá-las... Gabriela precisa se lembrar de fazer a tarefa de casa que a professora mandou. O que ela pode fazer?

Adriele AGIII-A: Ela tem que lembrar. Ela fala: mãe está na hora de eu fazer a tarefa? Aí ela fala que sim, né? E se fala que não, é porque que é não, né? Mas que ela fala: “mãe está na hora de eu ir pra escola?” Ela fala que não e ela tem que concordar. Se ela falar que sim, tem que ir, né? Ai ela já liga pra perua dela pra ir buscar ela.

A resposta de Adriele é interessante porque inclui duas categorias: num primeiro momento, ela remete à memória imediata, como algo que se dá sem que seja necessária (ou possível) a intervenção de algo ou de alguém. Porém, o enunciado “Ela tem que lembrar” é complementado e Adriele vai construindo uma resposta mais complexa, colocando a mãe como mediadora da memória. Aos poucos, entretanto, o foco da situação-problema vai se apagando e o poder da figura materna vai sendo enfatizado, em conjunto com a necessidade de que os filhos se submetam, sem discutir, àquilo que dizem as mães.

Interessante notar que a menção aos adultos como suporte para a memória, feita apenas pelas crianças do AGIII-A, se concentra (embora não de forma exclusiva) nessa pergunta relativa à necessidade de se lembrar de fazer a tarefa. Esse fato pode ser um indício de marcas da experiência com as tirinhas, já que essa foi uma situação que contou, regularmente, com a participação de familiares para a sua execução.

Também é de Adriele uma das respostas que indica o uso de instrumento mediador:

Pesquisadora: Carlos precisa lembrar de dar um abraço no seu avô no dia do aniversário dele. O que ele pode fazer?

Adriele AGIII-A: É... Ele tem que ver o dia que vai cair o aniversário do avô dele e tem uns (faz gesto no ar desenhando um quadrado)... Que mostra o dia que é. E meu aniversário está quase chegando, é 28 de novembro, mas ainda vai demorar muito.

Embora não tenha pronunciado a palavra calendário, temos boa pista de que Adriele se refere a esse instrumento, pelo complemento da resposta oral com o gesto. Em seguida ela faz o mesmo movimento da resposta anterior, muda o foco e inclui uma informação que se relaciona consigo própria, falando de seu aniversário. Mais explícitas quanto ao uso de mediadores são as respostas de Helena, transcritas a seguir.

Pesquisadora: Como Antônio pode ajudar sua avó a se lembrar de comprar macarrão?

Helena AGIII-A: Faz uma lista.

Pesquisadora: E como Carlos pode fazer para se lembrar de dar um abraço em seu avô no dia do aniversário?

Helena AGIII-A: [olha] aquele negocinho de ver se é hoje.

Respostas desse tipo, indicando o uso instrumentos mediadores só foram dadas (conforme já mencionamos) por crianças que participaram da etapa 1 (do uso de mediadores para a memória) e, além disso, só foram registradas nos casos de perguntas que apresentavam as situações-problema vividas por personagens fictícias. Encontramos, então, algo similar ao que foi registrado por Maluf e Mozzer (2000) evidenciando que o desempenho das crianças é beneficiado pelo tipo de pergunta feita. No caso das perguntas conceituais/genéricas, mesmo em casos de estrutura similar, como “Tem coisas que podemos fazer para melhorar a nossa memória? /O que?”, o uso de listas ou calendários não foi mencionado. Existem, portanto, perguntas que favorecem respostas mais elaboradas por parte das crianças do AGIII-A. À essa pergunta conceitual/genérica 13 das 14 crianças responderam que sim, que é possível fazer algo para melhorar a memória, porém 14 responderam não saber o que poderia ser feito, deram respostas do tipo pouco compreensíveis ou ficaram em silêncio:

Pesquisadora: O que podemos fazer para melhorar nossa memória?

Luísa AGIII-A: Fazer um coração, um nome...

Adriele AGIII-A: Brincar com o pop it para desestressar...

Ou seja, aqui encontramos uma uniformidade nos modos de responder das crianças do AGIII-A e AGIII-B. Mas podemos explorar outras diferenças nas turmas, visíveis nas informações da tabela 01. É interessante notar que 45% das respostas das crianças do AGIII-A concentram-se na categoria “Lembra de algo que aconteceu/Relata alguma experiência”. Em várias respostas relembram atividades escolares (fazer muita tarefa), atividades/experiências domésticas (ter tomado banho, ter penteado o cabelo, ter ganho um dinossauro). Ou seja, ao invés de definirem a memória, colocam em cena memórias.

Em contrapartida, 47% das respostas das crianças do AGIII-B concentram-se em simplesmente repetir o verbo lembrar, flexionando-o para o gerúndio. Para as três situações fictícias em que se pergunta como as personagens Gabriela, Antônio e Carlos poderiam lembrar de algo, Eluá do AGIII-B responde da mesma forma: “lembrando”.

Esse tipo de resposta, em que a criança faz um raciocínio bem simples do tipo lembrar-lembrando indicia uma concepção de memória natural, imediata. O fato de ser mais frequente nas crianças que não tiveram a experiência da mediação da memória pode ser interpretado como uma possível consequência da não-experiência? Ou, analisando por um outro lado, as experiências com as tirinhas e com a pesquisadora, em que a estrutura básica das instruções era a de que contassem algo, reafirmada semanalmente pelos vídeos que a pesquisadora enviava, além das próprias tirinhas e que durou três meses, poderia ter deixado algumas marcas que levassem as crianças a interpretarem que a pesquisadora sempre estava interessada em que se lembrassem de algo que houvesse ocorrido? Claro que se trata apenas de conjecturas, mas que nos parecem interessantes para serem examinadas em estudos futuros.

Com relação às respostas “lembrar-lembrando”, cabe ainda aqui uma nota de destaque: podemos entender que elas se diferenciam das respostas “lembrar-pensando”? São formulações muito simples, mas encontramos nelas, ao menos de modo embrionário, a importante capacidade de refletir sobre as próprias funções psíquicas, sobre o sistema psíquico e sua interfuncionalidade. Ainda que de modo intuitivo, remetem à complexa interligação funcional da qual é muito importante que nos conscientizemos, embora nem sempre isso ocorra, mesmo na fase adulta. Sendo correto o raciocínio, podemos argumentar que convites para pensar sobre o lembrar podem se constituir num primeiro passo para a formação da consciência sobre o psiquismo humano.

Claro que essas possibilidades se dão emaranhadas com um jogo discursivo muitas vezes marcado por um raciocínio nem sempre estruturado numa lógica clara. Os sucessivos deslocamentos registrados na resposta de Adriele de lembrar de fazer tarefa, para o horário de ir para a escola e, em seguida, para como ir para a escola não foram incomuns nas respostas das crianças, sendo que por vezes esse deslocamento se dá da pergunta da pesquisadora para a resposta dada pela criança. Da frase enunciada parece sobressair uma palavra que orienta a resposta dada, em geral o verbo ajudar. Ariel e Adriele fazem isso, ao responderem à mesma pergunta, relativa à personagem fictícia Antônio poder ajudar a avó a lembrar de comprar macarrão.

Ariel AGIII-A: Ah, é só ele falar: “É só fazer o macarrão”. Colocar na panela e vai esquentar, colocar na mesa e comer.

Adriele AGIII-A: [...] ela é tão velhinha que ela precisa pedir pra levar ou pedir pro marido dela levar ela né…

João AGIII-B: Vai no mercado.

Alice AGIII-A: Vai no mercado e compra feijão.

As respostas de João, Alice e Ariel e focalizam um aspecto da situação-problema, mas não a questão da memória e remetem a ações ou situações práticas, evocando experiências próprias do cotidiano, como faz também Alice no próximo trecho:

Alice AGIII-A: Ah, minha amiga estava escondida fazendo o aniversário do vô, aí o vô... A luz estava apagada e o olho do vovô estava fechado e aí ele chamou o vô e... Surpresa! Parabéns pro vovô!!! [começa a bater palmas].

Essa forma de lidar com os enunciados, obviamente dificulta as respostas às perguntas mais conceituais ou genéricas, com as quais finalizaremos nossas análises.

Pesquisadora: O que é a memória?

Lorenzo AGIII-A: É assim ó... É que eu tenho um celular, que eu baixo o joguinho e jogo mesmo.

Milena AGIII-B: Memória é jogar. Eu estudo aqui e também já joguei memória.

Pesquisadora: Sua memória é boa?

Hanna AGIII-A: É.

Pesquisadora: Como você sabe?

Hanna AGIII-A: É porque eu lembro das coisas.

Pesquisadora: Sua memória é boa?

Alice AGIII-A: Sim.

Pesquisadora: Como você sabe?

Alice AGIII-A: É porque eu como muito legume.

Esses excertos finais são trazidos para destacarmos um ponto ainda não trabalhados no texto. Diz respeito ao fato de que as crianças, predominantemente, elaboram alguma resposta para as perguntas feitas. Levantamento feito a partir da categorização do material empírico nos permitiu ver que apenas em 25% dos casos as crianças dizem “não sei” ou deixam de responder a perguntas. Ainda que seja fazendo associações simples e mais óbvias com o tema (por exemplo memória e jogar o jogo da memória) ou mais inusitadas com conhecimentos que trazem de outros discursos (por exemplo os benefícios de comer legumes para o desenvolvimento aparece na resposta de Alice associado a ter boa memória), pensam sobre as perguntas e esforçam-se por responder. Esse trabalho não é nada desprezível e dá visibilidade ao desenvolvimento psíquico como uma sucessão interminável de sínteses, que marcam e caracterizam a dinâmica do processo dialético (Andrade, 2016). Sendo assim, ainda que as respostas não sejam estritamente relacionadas com o almejado pela pesquisa, elas não necessariamente são irrisórias. Parafraseamos o que disse Vigotski quando nos alertou que “o decisivo não é a memória, ou a atenção, mas até que ponto o homem faz uso dessa memória, que papel desempenha” (Vigotski, 1996, p. 133), podemos dizer que para fazer melhor uso dessa memória, quanto mais oportunidades os sujeitos tiverem para pensar sobre essa função e sobre suas relações com outras (como o pensar, mencionado por algumas crianças), mais enriquecido e complexo se torna o sistema psíquico como um todo.

Considerações finais

Com nossas palavras finais apresentamos destacamos alguns pontos do que foi possível trabalharmos com a pesquisa desenvolvida. Com as análises conseguimos identificar (i) dificuldades das crianças para lidarem com perguntas mais genéricas/conceituais e um modo mais elaborado para lidarem com situações-problema; (ii) apenas crianças que participaram da etapa 1 sugerem o uso de instrumentos mediadores (calendário e lista) e (iii) indícios de efeitos da pesquisa sobre modos de as crianças pensarem sobre a memória.

Considerando tratar-se de uma pesquisa exploratória, esses resultados, embora modestos do ponto de vista quantitativo, podem ser pontos de partida para novos estudos, especialmente se feitos em condições não tão atípicas como as que enfrentamos, em função da pandemia e das medidas de distanciamento social.

Chamamos a atenção, por fim, para o fato de que o instrumento mediador utilizado (tirinhas) pode ser facilmente incorporado em práticas pedagógicas cotidianas, assim como a inclusão de perguntas iguais ou similares às que formulamos para a pesquisa pode criar situações instigantes para que as crianças façam um movimento incomum, tanto na vida diária, quanto em experiências escolares, de pensarem sobre seu próprio funcionamento psíquico e sobre os recursos culturais produzidos e disponíveis para afetá-lo. De nossa perspectiva, pesquisas e práticas pedagógicas podem, inspiradas no que aqui se apresentou, contribuir para avanços nos conhecimentos produzidos e dar ainda mais visibilidade ao caráter dinâmico e contínuo de transformação das funções psíquicas.

Material suplementar

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Referências

Andrade, L.O. (2016). Desenvolvimento da memória em crianças pré-escolares por meio de atividades literárias: contribuições da Teoria Histórico-Cultural. [Tese de mestrado, Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”]. Recuperado de: https://repositorio.unesp.br/bitstream/handle/11449/137813/andrade_lo_me_mar.pdf?sequence=3&isAllowed=y .

Beppu, E.A.T. (2011) O desenvolvimento da memória cultural na compreensão da psicologia histórico-cultural: contribuições para os processos de aprendizagem e desenvolvimento. [Tese de Mestrado Universidade Estadual de Maringá, Maringá]. Recuperado de: http://repositorio.uem.br:8080/jspui/bitstream/1/3057/1/000202985.pdf.

Góes, M.S., Costa, M.C.M.(2018) Mediação pedagógica e memória mediada: Contribuições para o processo de apropriação da linguagem escrita. Pró-Discente, 24(2), p. 14. Recuperado de: https://periodicos.ufes.br/prodiscente/article/view/22927 .

Maestrelli, S. A., Ferrari, N., Schroeder, E. (2009). construção dos conceitos científicos em aulas de ciências: contribuições da teoria histórico-cultural do desenvolvimento. VII ENPEC Forianópolis, SC, ., 2009. Recuperado de: https://edisciplinas.usp.br/pluginfile.php/2089539/mod_resource/content/1/Schroeder%20et%20al%20Vygotsky.pdf.

Maluf, M. R.., Mozzer, G. N. D. S. (2000). Operações com signos em crianças de 5 a 7 anos. Psicologia: teoria e pesquisa, 16(1), 63-69. Recuperado de: https://www.scielo.br/j/ptp/a/jVcXjWz89rnfhYnfg47DMrh/?format=pdf&lang=pt.

Vygotsky, L. S., Luria, A. R. (1996). Estudos Sobre a História do Comportamento-Símios.Homem Primitivo e Criança. Trad. Lódio Lourenço de Oliveira. Porto Alegre: Artes Médicas.

Vygotski, L. S. (1995). Obras Escogidas. Volume III. Madrid: Visor.

Vygotski, L. S. (1995). Obras Escogidas. Volume IV. Madrid: Visor.

Vigotski, L. S. (1996). Sobre os Sistemas Psicológicos. (Berliner, C. Trad.). In: Vigotski, L. S., Teoria e método em psicologia, (pp. 103-135). São Paulo: Martins Fontes. (Publicado Originalmente em 1930).

Notas

1 A pesquisa mencionada foi realizada nas bases CAPES e SciElo com os descritores: “Desenvolvimento da memória”, “Aprendizagem e memória” “Memória e Teoria Histórico Cultural”, “Memória e Vigotski”, “Memória e Leontiev” e “Memória e Luria” (BEPPU, 2011).
2 A revisão bibliográfica mencionada foi realizada com o descritor “Funções Psíquicas Superiores” na Biblioteca Digital Brasileira de Teses e Dissertações, no portal CAPES de periódicos e na SciElo.
3 Plano São Paulo, volta às aulas 2021: https://www.educacao.sp.gov.br/wp-content/uploads/2020/12/ FAQ-Volta-a%CC%80s -aulas-2021.pdf
4 Por exemplo, apresentávamos a seguinte pergunta: O que é a memória?
5 Por exemplo, apresentávamos a seguinte pergunta: Antônio precisa ajudar sua avó a se lembrar de comprar macarrão. Como ele pode fazer isso?
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