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“Relembrando os tempos de escola”: A homofobia na perspectiva de estudantes universitários
“Remembering school days”: Homophobia from the perspective of university students
Revista de Psicologia, vol. 13, núm. 1, pp. 17-29, 2022
Universidade Federal do Ceará

Relatos de Pesquisa


Recepción: 01 Julio 2021

Aprobación: 29 Octubre 2021

DOI: https://doi.org/10.36517/revpsiufc.13.1.2022.2

Resumo: Considerando a frequente ocorrência da homofobia no contexto escolar, os objetivos do estudo foram investigar retrospectivamente as experiências de homofobia na escola em jovens universitários, bem como analisar a percepção dos jovens sobre a ação da equipe escolar diante da homofobia. Para tanto, 104 estudantes universitários responderam a uma versão traduzida e adaptada do questionário National School Climate Survey - Gay, Lesbian, Straight, Education Network. Os participantes relataram ter vivenciado ou presenciado experiências de violência homofóbica, como comentários homofóbicos (93,1%); propagação de rumores e mentiras (61,5%); exclusão (85,7%); agressão física (48,1%); assédio sexual (61,5%); e cyberbullying (50%). Entre os 25 participantes que se identificaram como gay, lésbica, bissexual, transgênero ou em dúvida, 80% apontaram incômodo quando sua orientação sexual ou identidade de gênero foi revelada para pessoas da sua escola. Foram também relatadas situações que indicam homofobia por parte da equipe escolar: 58,6% afirmaram que ouviam comentários homofóbicos feitos por professores ou funcionários da escola e 30,8% relataram que a equipe escolar nunca tomava alguma atitude quando estava presente durante os comentários homofóbicos. Conclui-se que há necessidade de ações de prevenção e intervenção em situações de homofobia na escola, bem como preparo da equipe escolar para lidar com o tema.

Palavras-chave: Homofobia, Bullying, Escola, Equipe escolar, Gênero.

Abstract: Considering the frequent occurrence of homophobia in the school context, the objectives of the study were to retrospectively investigate the experiences of homophobia at school among university students, as well as analyzing the perception of young people about the action of the school staff in the face of homophobia. Therefore, 104 university students responded to a translated and adapted version of the questionnaire National School Climate Survey - Gay, Lesbian, Straight, Education Network. Participants reported having experienced or witnessed experiences of homophobic violence, like homophobic comments (93.1%); spreading rumors and lies (61.5%); exclusion (85.7%); physical aggression (48.1%); sexual harassment (61.5%); e cyberbullying (50%). Among the 25 participants who identified themselves as gay, lesbian, bisexual, transgender or questioning, 80% pointed that was uncomfortable when their sexual orientation or gender identity was revealed to people in their school. Situations that indicate homophobia on the part of the school staff were also reported: 58.6% pointed that they heard homophobic comments made by teachers or school staff and 30.8% reported that the school staff never took any action when they were present during homophobic comments. The conclusion is that there is a need for prevention and intervention actions in situations of homophobia at school, as well as preparation of the school staff to deal with the issue.

Keywords: Homophobia, Bullying, School, School staff, Gender.

Embora os ambientes educacionais sejam responsáveis pela proteção dos indivíduos, são frequentes diversas violências motivadas por homofobia nas escolas. A homofobia pode ser compreendida como atitudes e comportamentos negativos contra pessoas que não se enquadram na lógica heteronormativa, que se identificam como ou são percebidos como lésbicas, gays, bissexuais, transgêneros, queer, intersexuais e outras designações (LGBTQI+) (Paranhos, Willerding, & Lapolli, 2021).

A homofobia se manifesta como forma de condenação a comportamentos e atitudes que diferem do modelo heterocentrista (Otero, 2018). O heterocentrismo está relacionado a um modo de pensar, agir e sentir que coloca a heterossexualidade como referência dos princípios e valores, gerando um sentimento de superioridade em relação a todas as outras manifestações da orientação sexual (Rondinia, Teixeira Filho, Toledo, 2017).

Um corpo substancial de pesquisas tem apontado que estudantes LGBTQI+ são frequentemente alvo desse tipo de violência (Russell, 2011). Kosciw, Clark, Truong, & Zongrone (2020), por exemplo, realizaram uma pesquisa com uma amostra nacional representativa dos Estados Unidos de 16.713 estudantes, com idade média de 15,5 anos, dos quais 40,4% se identificavam como gay ou lésbica. Os resultados principais indicaram que as escolas são ambientes hostis para os jovens homossexuais e a maioria ouvia rotineiramente linguagem anti-LGBTQI+ e experienciava vitimização e discriminação na escola. Dessa forma, como resultado, muitos estudantes evitavam atividades escolares. Por exemplo, 59,1% dos estudantes LGBTQI+ se sentiam inseguros no ambiente escolar devido a sua orientação sexual. Tais participantes reportaram vários tipos de bullying homofóbico, como verbal (68,7% dos estudantes); físico (25,7%); cyberbullying (44,9%); e assédio sexual (58,3%).

No Brasil, Jomar, Fonseca e Ramos (2021) fizeram um trabalho utilizando dados da pesquisa PeNSE de 2015 (Pesquisa Nacional de Saúde do Escolar), com uma amostra de 101.646 estudantes do nono ano do Ensino Fundamental de escolas públicas e privadas do Brasil. Os resultados mostraram que o bullying baseado na orientação sexual era preditor de sinais de estresse psicológico. Foram encontradas associações entre bullying baseado na orientação sexual e sentimentos de solidão e entre bullying baseado na orientação sexual e dificuldades para dormir; tais associações foram duas vezes maiores que as encontradas para aqueles estudantes que sofreram bullying por outra razão (Jomar et al., 2021).

A literatura indica o impacto negativo que as experiências homofóbicas podem ter para o bem estar dos envolvidos, tais como depressão e ansiedade; ideação suicida e/ou tentativa de suicídio; alcoolismo e abuso de substância; transtornos alimentares; comportamento violento; e desempenho escolar empobrecido (Kosciw et al., 2020; Russell, 2011). Kosciw et al. (2020) perceberam em sua pesquisa que estudantes LGBTQI+ que experienciaram altos níveis de vitimização baseada em sua orientação sexual tinham uma probabilidade três vezes maior de terem perdido dias letivos no mês anterior à pesquisa do que aqueles estudantes que experienciaram níveis baixos (57,2% versus 21,7%). Além disso, eles tinham médias acadêmicas inferiores, se comparadas as dos estudantes que sofriam menos perseguição. E, por fim, apresentavam menor autoestima, menor sensação de pertencimento à escola e altos índices de depressão.

A violência homofóbica atinge a escola de várias formas, podendo ocorrer entre alunos ou envolver também professores ou funcionários da instituição escolar que deveriam educar e proteger os estudantes. São comuns brincadeiras, risos, silêncios ou mesmo a indiferença dos professores ou funcionários (Borges, Passamani, Ohlweiler, & Bulsing, 2011). Diversas formas de discriminação e violência contra pessoas assumidamente (ou supostamente) LGBTQI+ são toleradas e praticadas pela equipe escolar, sendo tudo considerado “brincadeira” (Teixeira-Filho, Rondini & Bessa, 2011). Na pesquisa de Kosciw et al. (2020) 52,4% dos participantes reportaram ouvir comentários homofóbicos por parte de professores ou outros funcionários. Além disso, 56,6% que foram assediados na escola relataram não terem reportado violências sofridas para a equipe escolar porque duvidavam que uma intervenção efetiva seria feita e 60,5% afirmaram que após terem reportado tais violências a equipe escolar não fez nada ou disse para o estudante ignorar o fato. Ainda, apenas 19,4% dos participantes afirmaram terem aprendido de forma positiva sobre pessoas, história ou eventos LGBTQI+ no contexto escolar.

As escolas e os professores têm acesso aos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs) – que indicam que questões de gênero e sexualidade devem ser tratadas de forma transversal, entretanto, ocorrem dificuldades de implementação desta proposta, por uma série de razões, como falta de estrutura e de material, desinteresse, medo de falar sobre a questão, entre outros (Nardi & Quartiero, 2012).Muitos professores apontam a necessidade de uma formação específica e continuada a esse respeito, para que estejam aptos a utilizar essa diretriz (Borges et al., 2011).

Partindo desse panorama, os objetivos do presente estudo foram: investigar retrospectivamente as experiências de homofobia na escola em jovens universitários, indicando formas de ocorrência, frequência, principais envolvidos e impactos sobre o bem estar dos jovens; bem como analisar a percepção dos jovens sobre a ação da equipe escolar (professores e funcionários da sua escola) diante da homofobia.

Método

Participantes

Participaram do estudo 104 estudantes universitários, matriculados em uma universidade Federal da região sudeste do Brasil. A média de idade dos participantes foi de 23,3 anos (DP = 7,481), sendo 68 do gênero feminino, 35 do gênero masculino e um transgênero. Sobre a orientação sexual, 78 se identificaram como heterossexuais; 15 homossexuais; nove bissexuais; um considerou-se “em dúvida”; e um não respondeu. Já em relação à expressão de gênero, 40 apontaram “muito feminina”; 25 “muito masculina”; 16 “mais feminina, um pouco masculina”; 13 “mais masculina, um pouco feminina”; seis “feminina e masculina”; e quatro “nenhuma das opções”. Quanto à raça/etnia, 64 se declararam como brancos; 21 como pardos; 17 como negros; um como asiático; e um declarou-se indígena. Em relação à renda, comparando com a maioria dos lares brasileiros, 42 consideraram que era “um pouco melhor que a maioria”; 41 “parecida com a de outros lares”; 12 “um pouco pior que a maioria”; cinco “muito melhor que a maioria”; e quatro “muito pior que a maioria”. No que se refere à religião, 37 declararam não possuir; 34 eram católicos, 17 espíritas, oito protestantes e cinco de outras religiões (dois da Umbanda, um do Candomblé, um do Espiritismo e um do Neopaganismo). No que diz respeito ao curso universitário, 40 estavam matriculados na graduação em História; 25 em Fisioterapia; 21 em Enfermagem; 13 em Terapia Ocupacional; quatro em Engenharia de Produção; e um em Geografia. É importante apontar que os estudantes foram escolhidos por conveniência (participaram estudantes de cursos cujas Coordenações procuradas pelos pesquisadores concordaram com a realização da pesquisa). No entanto, todos estavam cursando o primeiro ano de graduação. Optou-se por participantes desse período, pois provavelmente teriam saído da escola há menos tempo e, com isso, teriam mais facilidade para recordar os eventos ocorridos na fase escolar, foco da pesquisa retrospectiva.

Instrumento

Foi utilizada uma versão traduzida e adaptada do questionário National School Climate Survey - Gay, Lesbian, Straight, Education Network (GLSEN) (Kosciw, & Diaz, 2011). Tal instrumento faz parte de um programa desenvolvido pelos pesquisadores Kosciw et al. (2020), que realizam há mais de uma década pesquisas que visam examinar os indicadores negativos do clima escolar para os jovens LGBTQI+. Cabe apontar que os autores do estudo tiveram autorização do autor do instrumento para realização da tradução e da adaptação e também posterior utilização do questionário para fins exclusivos de pesquisa. Tal instrumento era composto por cinco questões sociodemográficas (idade, etnia, classe socioeconômica, religião, gênero, orientação sexual, expressão de gênero e curso de graduação no qual o estudante estava matriculado). A parte “Comentários homofóbicos na escola” era formada por nove itens sobre experiências de comentários homofóbicos na escola, tanto vivenciadas quanto presenciadas, e o participante deveria selecionar a frequência de ocorrência desses itens. Outros itens eram relativos aos envolvidos principais nessas experiências (outros estudantes e professores). A parte “Homofobia no contexto escolar” era composta por dez itens sobre experiências de violência homofóbica em geral (física, emocional, sexual, cyberbullying, dano contra o patrimônio), sendo que os participantes selecionavam a frequência de ocorrência desses eventos. A parte “Ambiente escolar” era composta por duas questões sobre estratégias da escola para prevenir a homofobia, além de três itens sobre aceitação da população LGBTQI+ na escola. A parte “Especificidades - homofobia” era exclusiva para preenchimento de estudantes que se caracterizem como “gay, lésbica, bissexual, transgênero, ou em dúvida”, sendo composta por três itens sobre revelação da sua orientação sexual no contexto escolar e uma questão aberta para detalhamentos. Por fim, havia uma questão aberta para os participantes expressarem por escrito algo que consideram relevante sobre a sua experiência educacional.

Procedimento

A pesquisa iniciou-se após a aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa da instituição de origem dos autores. O contato com os participantes se deu a partir de convites feitos a eles em suas salas de aulas para participarem da pesquisa, após autorização da coordenação de seus respectivos cursos. Os participantes somente responderam ao questionário após assinatura de Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. Tal termo contemplava os seguintes cuidados éticos: clareza da descrição dos objetivos da pesquisa e do envolvimento dos participantes; informações sobre a voluntariedade da pesquisa; a possibilidade de sua interrupção a qualquer momento sem qualquer tipo de represália ou outras consequências negativas; informações sobre a confidencialidade dos dados, sendo que sua futura divulgação em eventos científicos seria feita sem a identificação dos participantes. Antes de responder o instrumento, os participantes receberam instruções detalhadas sobre o mesmo.

Análise de dados

Foi feita uma base de dados utilizando-se o programa Microsoft Excel e foi utilizada estatística descritiva para identificar dados demográficos dos participantes; as frequências das experiências de violência (física, verbal, relacional, sexual, cyberbullying); as frequências de violência homofóbica e a sensação de segurança na escola. A análise de resultados se encerrou com exemplos qualitativos de relatos adicionais feitos pelos estudantes. Para apresentação dos resultados do estudo optou-se por utilizar os termos “violência homofóbica” ao invés de “bullying homofóbico”, pois a violência é um fenômeno mais abrangente e que engloba, também, o bullying, tipo de violência de caráter repetitivo e intencional, praticado por pares.

Resultados

Comentários homofóbicos na escola

No que se refere a comentários homofóbicos na escola (como “Isso é muito gay” ou “Ele é muito gay”), 49 (47,1%) dos participantes relataram que ouviram “muitas vezes” a palavra “gay” usada de forma negativa; 30 (28,8%) indicaram ter ouvido “o tempo todo”; 20 (17,23%) “algumas vezes” e cinco (4,8%) “nunca” ou “raramente”. Além disso, 44 (42,3%) dos participantes indicaram que comentários homofóbicos (como “bicha”, “viado” ou “sapatão”, usados de forma negativa) eram ouvidos “muitas vezes”; 34 (32,7%) ouviam “o tempo todo”; 20 (17,23%) “algumas vezes”; seis (5,76%) “raramente” ou “nunca”. Sobre a autoria dos comentários homofóbicos, os participantes apontaram que eles eram feitos: por “alguns alunos” para 52 (50%); por “grande parte dos alunos” para 34 (32,69%); pela “maioria dos alunos” para 17 (16,34%); e por “nenhum aluno” por um participante (0,96%).

Os participantes responderam também acerca da frequência que ouviam comentários homofóbicos feitos por professores ou funcionários da escola: 43 (41,34%) indicaram “nunca”; 31 (29,8%) “raramente”; 25 (24,03%) “algumas vezes”; cinco (4,8%) “muitas vezes”; e zero (0%) “o tempo todo”. Os participantes foram questionados sobre se sentirem incomodados ou angustiados quando ouviam a palavra “gay” usada para descrever algo de forma pejorativa (Exemplo: “Nessa sala só tem gays”): 47 (45,19%) indicaram “bastante”; 29 (27,88%) “um pouco”; 21 (20,19%) “extremamente”; e sete (6,73%) indicaram “nem um pouco”.

Demais formas de violência ocorridas devido a motivações homofóbicas

Entre os participantes, 24 (23,07%) apontaram que ouviam “muitas vezes” rumores ou mentiras sobre si mesmos ou outro(a) estudante espalhadas por estudantes da sua escola; quatro (3,84%) “o tempo todo”; 44 (42,3%) “algumas vezes”; 16 (15,38%) “raramente”; e 16 (15,38%) “nunca”. Sobre este último aspecto, a participante (P) 71, ao relatar sobre os problemas que encontrou para revelar sua orientação sexual na escola, afirmou “Eu não contei [na escola], foi descoberto e começaram as fofocas. Os meninos falavam coisas como que eu não tinha sido pega de jeito e começaram a apostar quem ficaria comigo primeiro. As garotas se afastaram”.

Acerca da frequência da vivência de agressão física (socos, empurrões, chutes, etc) ou presenciar agressão física, “nunca” foi indicado por 54 (51,92%); “raramente” por 15 (14,42%); “algumas vezes” por 29 (27,88%); e “muitas vezes” por seis (5,76%). Sobre ser excluído(a) ou ignorado(a) por estudantes da sua escola, 18 (17,3%) indicou “nunca”; 16 (15,38%) “raramente”; 35 (36,65%) “algumas vezes”; 29 (27,88%) “muitas vezes”; e seis (5,76%) “o tempo todo”. No que se refere ter tido seus objetos roubados ou danificados por estudantes da sua escola, 44 (42,3%) indicaram que isso “nunca” tinha ocorrido; 27 (25,96%) “algumas vezes”; 21 (20,19%) “raramente”; nove (8,65%) “muitas vezes”; e três (2,88%) “o tempo todo”.

Os participantes foram perguntados se ele(a) ou outro(a) estudante foi perseguido(a) ou ameaçado(a) por estudantes da sua escola via internet e redes sociais (por exemplo, mensagem de texto, e-mails, Facebook, etc). Do total de participantes, 52 (50%) indicaram que “nunca”; 26 (25%) “algumas vezes”; 16 (15,38%) “raramente”; oito (7,69%) “muitas vezes”; e dois (1,92%) “o tempo todo”. Os participantes também responderam se ele(a) ou outro(a) estudante foi sexualmente assediado(a), tanto por comentários sexuais ou toques inapropriados no seu corpo: “nunca” foi apontado por 40 (38,46%); “algumas vezes” por 35 (33,65%); “raramente” por 16 (15,38%); “muitas vezes” por 12 (11,53%); e “o tempo todo” por um participante (0,96%).

No que se refere ao participante ou outro(a) estudante se sentir desconfortável ou inseguro(a) dentro da escola e/ou no caminho da escola, 34 (32,69%) indicaram “algumas vezes”; 32 (30,76%) “nunca”; 17 (16,34%) “raramente”; 14 (13,46%) “muitas vezes”; sete (6,73%) “o tempo todo”. Acerca da opinião dos participantes sobre o quanto os alunos gays, lésbicas, bissexuais e transgêneros eram aceitos, “não muito aceitos” foi indicado por 49 (47,11%); “neutro” por 30 (28,84%); “aceitos” por 16 (15,38%); “não são aceitos” por seis (5,76%); e “muito aceitos” por três (2,88%).

Especificidades dos participantes LGBTQI+

Na parte do questionário direcionada aos 25 participantes que se identificam como gay, lésbica, bissexual, transgênero ou em dúvida, foi inquirido sobre o grau de incômodo que eles sentiram quando os outros alunos da escola ficavam sabendo que eles eram gays, lésbicas, bissexuais ou transgêneros: 12 (48%) indicou “um pouco incomodado”; seis (24%) “muito incomodado”; cinco (20%) “nada incomodado”; e dois (8%) “incomodado”.

No que se refere ao grau de incômodo que sentiram quando os outros professores e/ou outros funcionários da sua escola sabiam que o participante era gay, lésbica, bissexual ou transgênero, 11 (44%) apontou “um pouco incomodado”; sete (28%) “muito incomodado”; quatro (16%) “nada incomodado”; e três (12%) “incomodado”. Acerca do grau de incômodo que sentiram quando os pais ou responsáveis de outros estudantes da sua escola sabiam que eles eram gays, lésbicas, bissexuais ou transgêneros, nove (36%) indicaram “muito incomodado”; seis (24%) “um pouco incomodado”; cinco (20%) “incomodado”; e cinco (20%) “nada incomodado”.

Sobre ter tido problemas ao revelar sua orientação sexual na escola os participantes apontaram: “Sim. Revelei somente a pessoas próximas” (P5); “No ensino fundamental 8º ano sim, bullying, etc. Já no Ensino Médio não, cheguei assumida pois mudei de escola e foi uma experiência menos conturbada, mais aberta” (P37). O participante 100 indicou “Perdi amigos [ao revelar orientação sexual na escola]” (P100). Por fim, a participante cinco relatou “(...) em grande parte de minha vida escolar, eu não me reconhecia como lésbica. E quando o fiz, não assumi. Aliás, até hoje meu pai não sabe. Só meu irmão e minha mãe” (P5).

Ação da escola diante da homofobia

Os participantes foram questionados sobre a frequência da presença de um professor ou outro funcionário da escola quando ouviam comentários homofóbicos. Entre os participantes, 43 (41,34%) apontaram “raramente”; 23 (22,11%) “algumas vezes”; 20 (17,23%) “muitas vezes”; 16 (15,38%) apontaram “nunca”; e dois (1,92%) “o tempo todo”. Nesse sentido, os participantes responderam sobre a frequência que um professor ou outro funcionário da escola tomavam alguma atitude ou faziam algo quando estavam presentes durante os comentários homofóbicos: “raramente” foi apontado por 44 (42,3%); “nunca” por 32 (30,76%); “algumas vezes” por 19 (18,26%); “muitas vezes” por sete (6,73%); e “o tempo todo” por dois (1,92%).

Os participantes foram perguntados sobre quantas vezes tinham comunicado para um professor, ou diretor ou algum funcionário da escola quando tinham sido perseguidos ou agredidos por alguém da escola. Do total, 65 (62,5%) indicou “nunca fui agredido na escola”; 18 (17,3%) “nunca”; 14 (13,46%) “alguma parte do tempo”; cinco (4,8%) “na maior parte do tempo”; dois (1,92%) “sempre”. Sobre a eficácia do professor ou funcionário da escola em lidar com o problema, 46 (44,23%) apontou “nada eficaz”; 37 (35,57%) “um pouco eficaz”; 11 (10,57%) “eficaz” e dez (9,61%) “muito eficaz”.

Os relatos seguintes indicam a postura da escola em situações de discriminação: “Algumas vezes presenciei casos de agressões contra um amigo, mas eu, alguns colegas e professores o defendia. Apesar de estudar em uma escola com grande número de estudantes que se identificavam no LGBT e sofriam, a escola nunca fez nada” (P61). No mesmo sentido, P73 também aponta exclusão: “No ensino médio, os coordenadores/diretores ignoravam totalmente quando haviam reclamações dos alunos considerados homossexuais. Muitas vezes, até excluíam eles de alguma forma” (P73). Por fim, a participante P63 descreve a postura da direção “No Ensino Fundamental em escola pública tudo era muito velado. Os alunos homossexuais, por exemplo, eram agredidos física e verbalmente e o máximo que o diretor fazia era dar advertência ao agressor” (P63). E a participante P63 também aponta sua vivência pessoal “Já fui xingada e ameaçada por ser mais masculina. No Ensino Médio, em escola particular, ainda haviam muitas ofensas ao público LGBT, mas não agressões” (P63).

Sobre o quanto se sentia confortável falando sobre questões relacionadas à homossexualidade com seus professores, 41 (39,42%) apontou “confortável”; 26 (25%) “desconfortável”; 18 (17,3%) “muito desconfortável”; e 18 (17,3%) “muito confortável”. Acerca do quanto se sentiria confortável conversando sobre questões relacionadas à homossexualidade em suas aulas, 46 assinalaram (44,23%) “confortável”; 26 (25%) “muito confortável”; 19 (18,26%) “desconfortável”; e 13 (12,5%) “muito desconfortável”. O relato do P46 demonstra sua concepção acerca dessa questão: “a grande maioria dos meus professores do ensino médio eram conservadores e não davam abertura sequer a diálogo” (P46).

Os participantes responderam sobre se a sua escola tinha quaisquer práticas ou ações que eles acreditavam que contribuíam para prevenir a discriminação contra estudantes gays, lésbicas, bissexuais e transgêneros: 75 (72,11%) indicaram “não”; 15 (14,42%) apontaram “não sei”; sete (6,73%) “sim, através de palestras, debates, campanhas, etc”; cinco (4,8%) “sim, através das aulas”; um (0,96%) “sim, reunião da direção com alunos”; e um (0,96%) “sim, com implementação de banheiro sem gênero”. Sobre ter aprendido algo positivo sobre lésbicas, gays, bissexuais ou transgêneros em alguma de suas disciplinas, 73 (70,19%) responderam que “não” e 31 (29,8%) que “sim”.

Os participantes também relataram sobre quantas vezes comunicaram para um membro de sua família (incluindo pais ou responsáveis) quando tinham sido perseguidos ou agredidos por alguém da escola. Do total, 63 (60,57%) apontaram “nunca fui agredido na escola”; 20 (19,23%) “nunca”; 12 (11,53%) “alguma parte do tempo”; cinco (4,8%) “na maior parte do tempo”; quatro (3,84%) “sempre”.

Discussão

O presente estudo teve como objetivo investigar retrospectivamente experiências de violência homofóbica relatadas por estudantes universitários no período em que estavam na escola regular. Foram reportadas muitas formas de violência homofóbica, tanto presenciada quanto vivenciada, indicando que a escola é um local muito frequente para ocorrência de homofobia, o que é apontado por diversas pesquisas da literatura (Antônio, Pinto, Pereira, Farcas e Moleiro, 2012). Por exemplo, na pesquisa de Souza, Silva e Faro (2015) realizada com 808 jovens de Aracaju, a homofobia foi elencada entre os alvos de bullying como a terceira causa mais citada para as agressões, após apenas de características fenotípicas e agressões racistas. A literatura também indica o fato de testemunhar bullying relativo à orientação sexual como algo frequente. No estudo de Antônio et al. (2012) realizado com 184 estudantes de Portugal, 67% dos participantes apontaram já ter visto outras pessoas serem vítimas de bullying homofóbico; e na pesquisa de Otero (2018), feita com 330 estudantes do México, 31,29% da amostra relatou ter testemunhado essas ações violentas.

Na presente pesquisa os comentários homofóbicos vivenciados ou presenciados foram relatados pela maioria dos participantes, 93,1%, sendo que 75,9% afirmaram terem ouvido “muitas vezes” ou “o tempo todo” a palavra “gay” usada de forma negativa. Além disso, quantidade considerável dos participantes, 49,1%, assinalou que os comentários homofóbicos eram feitos por “grande parte dos alunos” ou pela “maioria dos alunos”. Isso está de acordo com o apontado pela literatura. Otero (2018), por exemplo, indicou que a violência verbal foi a principal forma de bullying homofóbico em sua pesquisa. Santos, Silva e Menezes (2017) indicaram, também, a linguagem (comentários, piadas e insultos) como uma das formas de bullying mais comuns. No trabalho de Kosciw et al. (2020) a maioria dos participantes afirmou ouvir rotineiramente linguagem anti-LGBTQI+, sendo que 68,7% dos estudantes reportaram bullying homofóbico verbal.

Sobre a relevância da linguagem nas relações interpessoais de jovens, Roselli-Cruz (2011) realizou uma pesquisa com 52 alunos de idade entre nove e 14 anos, em que pediram para os alunos listassem os dez palavrões que julgassem mais ofensivos. Os resultados apontaram que 85% dos palavrões tinham conotação sexual e 90% da agressividade do palavrão se referia à sexualidade do ofendido e/ou de sua família, em especial à mãe, e à homossexualidade. A autora concluiu que num ambiente favorável aos preconceitos o palavrão pode referendar o bullying escolar (Roselli-Cruz, 2011).

Segundo Espejo (2018) são diversas formas de violência voltadas para indivíduos que destoam da ordem heteronormativa. Nesse sentido, outras formas de manifestação de preconceito devido a motivações homofóbicas foram citadas na trajetória escolar dos participantes da presente pesquisa. Os jovens apontaram como frequente a propagação de rumores e mentiras sobre si mesmos ou outro(a) estudante espalhadas por estudantes da sua escola, tendo sido indicada por 61,5% da amostra, sendo que 26,9% apontaram que ouviam “muitas vezes” ou “o tempo todo” tais rumores ou mentiras. Ainda, 85,7% apontaram ter sido excluído(a) ou ignorado(a) por estudantes da sua escola ou ter presenciado essa exclusão, sendo que 33,6% indicou como frequência “muitas vezes” ou “o tempo todo”. Otero (2018) e Albuquerque e Williams (2015) também encontraram como frequentes a propagação de rumores e o isolamento social em suas pesquisas sobre bullying homofóbico.

Acerca da frequência da vivência ou da observação de agressão física motivada por preconceitos de orientação sexual, 48,1% dos participantes indicaram tais agressões, sendo que 33,6% assinalaram que elas ocorreram “algumas vezes” ou “muitas vezes”. Kosciw et al. (2020), por sua vez, encontrou que a violência física foi relatada por 25,7% da sua amostra. Ademais, 61,5% dos participantes da presente pesquisa também indicaram assédio sexual, tanto por comentários sexuais ou toques inapropriados no seu corpo. Por exemplo, 45,2% indicaram que tais ações ocorreram “algumas vezes” ou “muitas vezes”. No trabalho de Kosciw et al. (2020) foi apontada frequência parecida, pois 58,3% indicaram assédio sexual.

Cyberbullying foi indicado por 50% dos participantes da presente pesquisa, fenômeno também citado por Otero (2018) e por Kosciw et al. (2020). Nessa última pesquisa, 44,9% apontaram a ocorrência de cyberbullying (Kosciw et al., 2020). Segundo Roselli-Cruz (2011) devido aos avanços tecnológicos, as palavras e palavrões encontram, no campo virtual uma forma contundente de agredir, caluniar e espalhar maledicências.

Acerca da insegurança, 69,2% da amostra da presente pesquisa indicou se sentir insegura ou desconfortável dentro da escola e/ou no caminho da escola. No trabalho de Kosciw et al. (2020) a insegurança também foi indicada por 59,1% dos participantes, o que fazia com que muitos estudantes evitassem atividades escolares.

Na opinião de 52,9% dos participantes desta pesquisa os alunos gays, lésbicas, bissexuais e transgêneros não eram aceitos. Essa concepção parece ser compartilhada pelos 25 participantes que se identificaram como gay, lésbica, bissexual, transgênero ou em dúvida, pois eles apontaram incômodo quando sua orientação sexual ou identidade de gênero era revelada: para os outros alunos da escola (indicada por 80%); para professores e ou outros funcionários da sua escola (apontada por 84%); e para pais ou responsáveis de outros estudantes da sua escola (relatada por 80%). Nesse sentido, na pesquisa de Albuquerque e Williams (2015), realizada com 638 estudantes universitários brasileiros, os participantes apontaram incômodo com as experiências de vitimização homofóbicas, tendo sido descritos sintomas clinicamente significativos, tais como depressão e ansiedade. Como o estudo foi retrospectivo, as autoras perceberam que a vitimização homofóbica continuava presente na vida adulta de muitos desses jovens, afetando a sua qualidade de vida.

Na parte descritiva do questionário, foram feitos diversos relatos impactantes sobre ter tido problemas ao revelar sua orientação sexual na escola, indicando a vivência de bullying e a perda de amigos. Também foi feito um relato em que o participante descreve não ter assumido publicamente sua sexualidade. Tais dificuldades de enfrentamento por parte dos indivíduos que sofrem homofobia são bastante descritas na literatura. Na pesquisa de Teixeira-Filho et al. (2011) com 2.282 estudantes do interior Paulista, embora 43,8% dos não-heterossexuais tivessem uma atitude de enfrentamento da homofobia, os demais indicavam reações típicas de quem se sentia constrangido, violentado, ou então de quem internalizou e aceitou a homofobia, achando normal rirem das pessoas por conta de sua orientação sexual, por exemplo. Praticamente 80,0% da amostra já tinham sofrido agressões e discriminações devido a sua sexualidade e a maioria dos jovens apontou ter silenciado em relação às agressões sofridas (Teixeira-Filho et al., 2011).

Nesse sentido, chama atenção também o relato da participante P63 “Já fui xingada e ameaçada por ser mais masculina. No Ensino Médio, em escola particular, ainda haviam muitas ofensas ao público LGBT, mas não agressões” (P63)”, em que ela diferenciou “ofensas” de “agressões”, indicando que possivelmente ela considerasse “agressões” algo mais grave e/ou relacionado a ações físicas. E isso pode ser considerado uma forma de minimizar o fenômeno da violência homofóbica e seus efeitos sobre o bem estar dos que a enfrentam.

Embora a escola tenha um papel importante no desenvolvimento global dos estudantes, foram apontadas situações que indicam homofobia por parte da equipe escolar. Do total de participantes, 58,6% afirmaram que ouviam comentários homofóbicos feitos por professores ou funcionários da escola, sendo que 28,8% assinalaram a frequência “algumas vezes” ou “muitas vezes”. Na pesquisa de Kosciw et al. (2020), porcentagem semelhante foi encontrada, pois 52,4% dos participantes reportaram ouvir comentários homofóbicos por parte de professores ou outros funcionários.

Além disso, 15,46% dos participantes apontaram que um professor ou outro funcionário da escola nunca estava presente quando os comentários homofóbicos aconteciam. E 30,76% afirmaram que os professores ou funcionários nunca tomavam alguma atitude ou faziam algo quando estavam presentes durante os comentários homofóbicos. Outros autores da literatura também encontraram resultados semelhantes. Na pesquisa de Kosciw et al. (2020) 60,5% dos estudantes afirmaram que após terem reportado violências homofóbicas a equipe escolar não fez nada ou disse para o estudante ignorar o fato. No trabalho de Antônio et al. (2012) 80% dos participantes revelaram que não aconteceu nada ao/à agressor/a após terem contatado a equipe escolar e apenas em poucas situações era pedido ao agressor para parar com o seu comportamento.

Talvez por tais razões 17,36% dos participantes da presente pesquisa relatou nunca ter comunicado para a equipe quando tinham sido perseguidos ou agredidos por alguém da escola. Na pesquisa de Antônio et al. (2012) apenas 7,8% dos participantes afirmaram terem relatado situações de violência homofóbica para os professores. E no trabalho de Kosciw et al. (2020) 56,6% dos que foram assediados na escola relataram não terem reportado violências sofridas para a equipe escolar porque duvidavam que uma intervenção efetiva seria feita.

Sobre a eficácia do professor ou funcionário da escola em lidar com o problema, 44,23% dos participantes da presente pesquisa apontou que ela foi “nada eficaz”. Alguns relatos descritos indicaram a postura de omissão da escola diante de situações de discriminação. Diversos autores na literatura apontam que violências praticadas contra pessoas LGBTQI+ são ignoradas pela equipe escolar (Borges et al., 2011; Teixeira-Filho, et al., 2011). Segundo Souza, Silva e Santos (2015) alguns professores não consideram os insultos e apelidos pejorativos como uma prática homofóbica, considerando como “brincadeirinhas”, passando-se a naturalizar a linguagem homofóbica no contexto escolar (Santos et al., 2017).

Talvez devido a tais razões apenas 42,3% afirmou que se sentia “desconfortável” ou “muito desconfortável” falando sobre questões relacionadas à homossexualidade com seus professores. Ainda, apenas 13,5% afirmou que a escola tinha quaisquer práticas ou ações que eles acreditavam que contribuíam para prevenir a discriminação contra estudantes gays, lésbicas, bissexuais e transgêneros e apenas 29,8% afirmou ter aprendido algo positivo sobre lésbicas, gays, bissexuais ou transgêneros em alguma de suas disciplinas. Na pesquisa de Kosciw et al. (2020) apenas 19,4% dos participantes afirmaram terem aprendido de forma positiva sobre pessoas, história ou eventos LGBTQI+ no contexto escolar. De acordo com Nardi e Quartiero (2012), assuntos que poderiam auxiliar na prevenção da homofobia deveriam ser trabalhados de forma transversal por todos os professores, mas são relegados a abordagens pontuais.

Além disso, apenas 20,2% dos participantes relataram que comunicaram para um membro de sua família (incluindo pais ou responsáveis) quando tinham sido perseguidos ou agredidos por alguém da escola. Frequência mais baixa foi encontrada na pesquisa de Antônio et al. (2012), em que somente 1,6% apontou ter contado para os progenitores. Pesquisas apontam que a existência de suporte social e parental pode moderar as consequências do bullying baseado na orientação sexual. No estudo de Jomar et al. (2021), por exemplo, quanto mais os pais entendiam as questões e problemas dos filhos e quanto mais amigos próximos eles tinham, mais baixa era a prevalência de bullying baseado na orientação sexual.

A partir dos resultados pode-se refletir sobre o desconforto e despreparo da equipe escolar para lidar com a temática da diversidade sexual e de gênero, o que aparece em outros estudos na literatura. Uma pesquisa norte americana realizada com 105 futuros professores, indivíduos que estavam se preparando para a docência, apontou que embora os participantes concordassem com a importância de abordar a temática das famílias LGBTQI+ nas aulas do Ensino Fundamental, cerca de 70% reportaram desconforto com a inclusão de tais tópicos. Eles indicaram não se sentir preparados para abordar abertamente a questão das famílias LGBTQI+, pois não sabiam o que fazer ou como responder a essas questões (Buchanan et al., 2019). Souza et al. (2017) também perceberam que a maioria dos docentes pesquisados por eles apontou a falta de (in)formações significativas acerca das temáticas diversidade sexual e sexualidade durante a formação inicial e continuada.

Considerações finais

Considerando o importante papel que os docentes têm nas vidas dos estudantes vulneráveis, como dos estudantes LGBTQI+ , uma vez que podem ser criadores de ambientes inclusivos em sala de aula (Buchanan et al., 2019), é necessário um treinamento adequado para intervir em situações de homofobia (Russell, 2011). A preparação de futuros professores deve permitir a exploração de suas crenças, investigação de materiais de ensino, e conscientização da necessidade de abordar temas controversos em sala de aula (Buchanan et al., 2019). Qualquer ação de combate ou prevenção da violência homofóbica deve ter como ponto de partida a conscientização das comunidades educativas acerca do problema, primeiro passo para a prevenção da violência nas práticas cotidianas (Espejo, 2018).

O currículo escolar precisa apresentar a diversidade, o que permitiria que os estudantes tivessem acesso a diferentes representações de sexo, gênero e sexualidade na escola (Borges et al., 2011). Tais autores apontam também que deve ser feito um trabalho educativo com as diretoras de escolas e com orientadoras pedagógicas, para que sejam sensibilizados para a questão e possam dar suporte aos professores que abordarão temas como a homofobia.

Diversas estratégias têm sido apontadas pela literatura para garantir climas escolares mais seguros para estudantes LGBTQI+, como regulamento detalhado de não discriminação e antibullying; intervenção dos professores quando o assédio ocorre; disponibilidade de informação e apoio sobre questões LGBTQI+ para os estudantes; presença de grupos de apoio com base na escola; e inclusão curricular de pessoas e questões LGBTQI+ (Russell, 2011). Outra ação é o estabelecimento de protocolos e mecanismos confidenciais para informar, atender e responder aos incidentes de bullying homofóbico que ocorrem na escola, proporcionando apoio aos estudantes violentados e aos agressores. Faz-se necessário, ainda, ter serviços de apoio psicológico e acompanhamento aos estudantes vitimizados (Espejo, 2018).

De acordo com Espejo (2018) é necessário ter uma política educacional centrada nos direitos humanos. Qualquer proposta de manejo, prevenção ou combate deve partir da promoção e defesa dos direitos humanos e consequentemente de uma cultura de paz. Tal cultura garantirá a equidade e permitirá o desenvolvimento harmonioso e integral de todos os membros da escola em espaços seguros (Espejo, 2018). As modalidades didáticas devem acolher a multiplicidade de sujeitos no ambiente escolar, pautando-se na equidade, no reconhecimento e contribuindo para a desconstrução de todas as formas sutis de preconceitos e discriminações (Souza et al., 2017). Ou seja, as escolas brasileiras precisam desconstruir estereótipos que sustentam o preconceito contra aqueles que não estão em conformidade com os padrões sociais e culturais de heteronormatividade (Jomar et al., 2021).

O presente estudo apresenta dados preocupantes sobre a violência homofóbica nas escolas, as principais modalidades de violências presenciadas ou vivenciadas, bem como sobre o papel da equipe escolar diante dessa questão. Tais dados podem se somar a diversas outras pesquisas, auxiliando na prevenção da violência nos ambientes escolares, contribuindo para a criação de intervenções adequadas às necessidades dos envolvidos em situações de discriminação e mesmo auxiliando na criação de políticas públicas que promovam a prevenção da violência em geral. No entanto, os resultados apresentados não podem ser generalizados, uma vez que os participantes eram todos de uma mesma instituição de ensino superior e responderam às perguntas de forma retrospectiva. Deve-se considerar, também, que a realidade dos estudantes universitários participantes da pesquisa pode ser diferente da de jovens que não tiveram acesso à universidade. Diante disso, novos estudos são necessários, para obtenção de mais dados sobre a homofobia em diversos outros contextos.

Referências

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