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Justiça por Guerrero (México)
Roberto Lima; Christianne Evaristo de Araújo
Roberto Lima; Christianne Evaristo de Araújo
Justiça por Guerrero (México)
Sociedade e Cultura, vol. 19, núm. 1, pp. 155-167, 2016
Universidade Federal de Goiás
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Entrevista

Justiça por Guerrero (México)

Roberto Limaa
Universidade Federal de Goiás, Brasil
Christianne Evaristo de Araújob
Colegio de México, México
Sociedade e Cultura, vol. 19, núm. 1, pp. 155-167, 2016
Universidade Federal de Goiás

Recepção: 15 Novembro 2016

Aprovação: 20 Dezembro 2016

Entrevista com Vidulfo Rosales Sierra

Vidulfo Rosales Sierra é hoje um dos nomes mais importantes na nova geração da luta por direitos humanos no México. Nesta longa entrevista concedida no dia 7 de fevereiro de 2016, dentro do Centro de Direitos Humanos Miguel Augustín Pró Juárez (Centro Prodh), entre uma audiência na Procuradoria Geral da República e uma reunião com os pais e mães dos 43 desaparecidos de Ayotzinapa, Vidulfo nos contou sobre sua trajetória pessoal e sobre os dois casos mais emblemáticos a que esteve à frente: a defesa jurídica do Conselho de Ejidos e Comunidades Opositores a la Presa La Parota – luta impressionante e vitoriosa de camponeses guerrerenses contra a construção da represa La Parota –; e a luta pela apresentação com vida dos 43 alunos desaparecidos da Escola Normal Rural Raúl Isidro Burgos de Ayotzinapa (e pelo castigo aos culpados). O vídeo da entrevista foi editado e encontra-se disponível no You Tube (Justicia por Guerrero1). Porém dada a impressionante aula de direito agrário mexicano, em razão da seriedade de um trabalho em prol dos direitos humanos, das formas de resistência camponesa e estudantil e de luta popular pela verdade, os autores da entrevista avaliaram muito importante a tradução e publicação em português da entrevista2, para que a conversa chegue também a um importante segmento de destinatários, os movimentos sociais brasileiros que hoje vivem um momento dilacerante.

P: Seria bom começar perguntando um pouco da sua trajetória. Qual sua formação acadêmica e política? Quando e por que você começou os trabalhos de defesa de direitos humanos e como se integrou aos trabalhos do Centro de Direitos Humanos da Montanha Tlachinollan?

R: Meu nome é Vidulfo Rosales Sierra, hoje sou integrante do Centro de Direitos Humanos da Montanha Tlachinollan. Eu nasci em uma comunidade indígena Tlapaneca, também tenho ascendência de afrodescendentes que chegaram aqui em Guerrero na parte da Costa Chica, então há uma miscigenação pouco comum de indígenas e afrodescendentes em nós, nessa área em que nasci.

Estudei na Universidade Autônoma de Guerrero em Chilpancingo e foi aí que me integrei em movimentos sociais desse período. Estamos falando do ano de 1990, quando entrei na Universidade3. Posso dizer que tive contato com fases de muitas convulsões no mundo. Estava caindo o muro de Berlim, estava em queda o socialismo real na Rússia, estávamos entrando na Universidade em uma etapa na qual todas as ideias do marxismo que se ensinavam como filosofia estavam desaparecendo, mas que ainda nos ensinaram.

Em Guerrero, estávamos terminando uma etapa conhecida como “universidade comunidade”4, na qual deveria haver um vínculo muito estreito da universidade com as comunidades, com os povoados, com as necessidades (anseios) que os povos tinham. Ou seja, formar os universitários para servir diretamente às classes campesinas e despossuídas. Por outro lado, o interessante da fase estudantil que tive a oportunidade de viver, é que se está vivendo no estado de Guerrero uma transformação política muito importante.

Por um lado, temos o movimento indígena que surge nos anos 1990 em toda a América Latina. Como vocês têm conhecimento, surge o tema da crítica ao indigenismo, o tema da reivindicação dos direitos dos povos indígenas, sujeito social que antes estava ausente. Falava-se de luta de classes, de burgueses e proletários, mas o indígena como tal não aparecia no cenário. Inclusive aqui na história do México. Se falava do camponês que lutou na Guerra de Independência e na Revolução, mas o indígena estava ausente. Então surge esse movimento nos anos 1990 com a motivação de questionar ao Quinto Centenário do Encontro (supostamente) de Dois Mundos, e nós indígenas começamos a questionar que na América Latina não foi um encontro, mas que foi uma invasão, uma destruição total de nossas culturas e é aí que surge o movimento indigenista na América Latina, e tem raízes no estado de Guerrero por nossa parte. Forma-se o Conselho Mexicano 500 anos de Resistência e, em Guerrero, forma-se o Conselho Guerrerense 500 anos de Resistência Indígena, Negra e Popular…

Então tive contato com todas essas convulsões políticas, e em 1994 quando estou prestes a terminar a Preparatória [Ensino Médio], surge no México o Exército Zapatista de Liberação Nacional (EZLN), que traz essas reivindicações das que estamos falando, mas também traz um conteúdo de luta armada, um movimento guerrilheiro, uma espécie de guerrilha e movimento social distinto, mas que introduz um espírito de luta nas universidades públicas. Há uma convulsão no país, nas universidades há muito ânimo! Nós considerávamos que nesse tempo estávamos voltando outra vez às épocas dos anos 1960, 1970, quando as universidades e os estudantes tinham um papel importante nas lutas e que aqui no México, particularmente, também se viveu essa agitação política… Então vou crescendo e me inserindo nas lutas que ali estão.

Posteriormente, em 28 de junho de 1995, temos um acontecimento que vai nos marcar em Guerrero, que é o massacre de 17 camponeses em Aguas Blancas e a luta que se desenvolve a partir do massacre, por verdade e por justiça, na qual participam várias organizações campesinas e estudantis das quais não sou alheio. Envolvemo-nos nessas lutas dessa época, obviamente como base estudantil, mas com um espírito de preocupação de minha parte. Particularmente participamos na Organização de Povos e Colônias de Guerrero, na União de Trabalhadores Camponeses Emiliano Zapata, que estavam na região da montanha, e na Organização Camponesa da Serra do Sul, no estado de Guerrero, de que faziam parte os companheiros que foram assassinados.

Na Universidade Autônoma de Guerrero há uma espécie de sindicato dos estudantes, uma espécie de representação estudantil que é uma reminiscência ou uma conquista que os estudantes tiveram nos anos 1960, e que segue existindo – nos últimos tempos essa federação foi formalizada e responde aos interesses das autoridades da universidade, ela cuida da retaguarda das autoridades universitárias. Mas naquela época, por toda essa agitação que estava chegando, um grupo de estudantes tomou a direção dessa federação e dentro desse grupo de estudantes estava eu. Então vinculamos muito essa federação com todo esse processo de luta, e assim foi como fomos formando uma concepção distinta do direito que é o direito a serviço das pessoas, o direito a serviço dos povos.

Cabe dizer que em algum tempo (por acaso) estivemos tentados a abandonar a carreira de direito e ir estudar filosofia ou sociologia, porque muitos nos diziam: “O que você faz com este tipo de pensamento e com este tipo de inquietudes em uma escola que é como nos diz o marxismo, parte da superestrutura de um sistema capitalista? O que você está fazendo aqui? Vá a outra escola”. Mas continuamos ali e depois começamos a nos vincular a grupos de direitos humanos, com o Centro de Direitos Humanos Tlachinollan, que surge também em 1994, casualmente, e começa uma demanda muito forte.

Posteriormente, em 1997, quando eu já estava encaminhado pessoalmente nessa luta, surge em Guerrero o Exército Popular Revolucionário (EPR), que é um grupo guerrilheiro-insurgente, com uma reivindicação, um pouco distinta daquela da EZLN, que se encaixa mais na guerrilha tradicional, mas que também traz dentro de si uma história, porque muitos dos que participam desse grupo guerrilheiro- -insurgente é gente que esteve no Partido dos Pobres de Lucio Cabañas Barrientos, não diretamente, mas há um vínculo entre esse grupo anterior e o EPR, particularmente em Guerrero.

Hoje nós podemos dizer que o Partido dos Pobres de Lucio Cabañas tinha outra visão, uma visão que é mais ou menos compatível com o EZLN. Lucio Cabañas não o planejou assim naquele momento, mas suas práticas eram assim: práticas assembleístas, os líderes das guerrilhas eram eleitos dentro do grupo... quem iria ser o dirigente, não havia esta ideia da vanguarda. Então essa ideia do Partido dos Pobres é compatível com a que o EZLN pensou em 1994 e parte desse grupo guerrilheiro do EZLN é herdeiro dos postulados de Lucio Cabañas. Então também vivemos essa efervescência. Isso me vinculou com os grupos de direitos humanos porque o Exército começou a atacar diretamente as comunidades indígenas: começou a torturar, começou a fazer desaparecer, a assassinar aos que eles (o Exército) consideravam líderes comunitários que podiam estar vinculados à guerrilha. Aí é que Tlachinollan começou a desempenhar um papel relevante na defesa dos direitos dessas pessoas que estavam sendo torturadas, detidas ou assassinadas pelo Exército mexicano nesta luta contrainsurgente.

É assim que me vinculo, encontro uma utilidade na profissão que estudamos, com Tlachinollan. Nos vinculamos e dissemos: “isso é o que nos cabe fazer, sabemos que essa é a forma com a qual podemos defender o povo, as pessoas sem posses... a gente pobre”. Insiro-me assim e começo a trabalhar em um centro de direitos humanos pequeno, e posteriormente entro em Tlachinollan, em 2000, e desde essa data seguimos no trabalho que vocês agora conhecem.

P: O Conselho de Ejidos e Comunidades Opositores a la Presa La Parota (Cecop) é reconhecido por ter uma estratégia muito complexa. Atua na resistência, ativismo, incursionou no aspecto legal, na oposição política nacional e internacional, teve o apoio de três relatores especiais da ONU, Rodolfo Stavenhagen, primeiro relator especial das Nações Unidas para a Situação dos Diretos Humanos e Liberdades Fundamentais dos Povos Indígenas, Miloon Kothari, relator especial das Nações Unidas para vivenda adequada, Jean Ziegler, relator especial das Nações Unidas para direitos à alimentação. Você pode falar um pouco de como começa, como foi, como é sua atuação junto ao Conselho de Ejidos5 e Comunidades Opositores a la Presa La Parota? Poderia comentar talvez sobre o debate jurídico original em torno das assembleias agrárias conduzidas pela Comissão Federal de Eletricidade? Poderíamos dizer que houve violações à legislação agrária e ambiental? Violação da Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho? Você acredita que o caso da anulação das assembleias tem importância para os direitos humanos no México em termos das repetidas vitórias legais do Cecop?

R: Sim... Primeiro o Cecop inicia uma luta como as clássicas lutas guerrerenses, com o facão nas mãos, os valores e a coragem dos povos. Creio que eles ganharam um ponto importante, conseguiram colocar a informação, produziram informação importante, relevante e conseguiram disseminar essa informação; conseguiram influenciar muita gente com essa informação e isso serviu para que eles soubessem quais as vantagens e desvantagens do projeto.

Então conseguiram descobrir através da informação o número de hectares que viriam a ser afetados, por exemplo. Eles [Comissão Federal de Eletricidade] falavam de 17 mil hectares; falavam da profundidade, que se tratava de uma represa de 190 metros de altura; quantos núcleos agrários seriam afetados; qual população, eles falavam de 25 mil afetados de maneira direta, de 75 mil afetados de maneira indireta. Então tiveram toda essa informação e também se informaram do direito que eles têm como povos. Eles entenderam que primeiro, como comunidade agrária, eles são donos da terra, eles têm a propriedade da terra e sua lógica é “se você precisa da minha terra, deve-me pedir: primeiro permissão; segundo, se eu quero eu vendo e se não quero, não vendo”. Eles perceberam que esse direito de propriedade, de posse que eles têm como povoado, havia sido violado, que haviam sido enganados pela Comissão Federal de Eletricidade.

A Comissão lhes disse que iria fazer ali uma obra, e como todo camponês está acostumado, se alegra quando há uma estrada, se alegra quando há uma obra, então quase chegaram dizendo a eles: “Vocês ganharam na loteria, porque vamos construir uma barragem aqui, terão trabalho, emprego, aqui haverá pesca, haverá barcos, haverá muitas coisas... Vocês ganharam na loteria”. No começo se acreditou nisso, mas quando se deram conta de toda essa informação, de quais seriam as consequências tanto ambientais como sociais que eles teriam... No aspecto ambiental, uma represa dessas dimensões, ficou claro quais consequências teriam em sua fauna, seus animais, suas plantas. E bem, o camponês que vive hoje em dia nas zonas rurais aqui no México ainda vive da caça, ainda vive da coleta. Isso lhe dá o sustento, a lenha, o pasto para as vacas, a agricultura, mesmo a pesca no rio; vive-se do campo e eles se deram conta que tudo isso iria terminar, se deram conta que não seguiria funcionando como sempre.

A outra mentira da qual eles foram objeto, foi que eles claramente perceberam que haviam entrado em suas terras sem lhes pedir permissão, isso enfureceu muito aos camponeses e gerou uma consciência de defesa da terra, foi quando no ano de 2003 se levantaram os povos e decidiram, em uma organização espontânea, ir e retirar as máquinas da Comissão Federal de Eletricidade6. As retiram e começa uma luta constante. A luta continua em 2004, chega um novo Governo, de alternância7, o do Partido da Revolução Democrática (PRD), e eles pensam que a situação vai mudar, mas não muda, ao contrário: Zeferino Torreblanca Galindo, que era o governador, tem uma visão muito mais empresarial... O governador que estava antes [René Juárez Cisneros] tinha uma visão do tipo priísta8, que se debate entre a economia de mercado, mas também é desses caciques que têm gado e têm outro tipo de visão. Mas este que chegou, Zeferino Torreblanca, é claramente um neoliberal, uma pessoa que crê fielmente na economia de mercado, que crê na questão empresarial, ele mesmo é um grande empresário. Então ele se mostrou determinado em construir a represa, custe o que custar. Então aí se complicou muito mais a coisa e apesar de que era uma luta muito legítima, muito grande e muito forte de milhares de membros da comunidade contra o projeto, ele começou a caracterizá-los como briguentos, revoltosos, gente que não quer o progresso, que iam contra a lei, para tratar de deslegitimar o movimento.

Então os companheiros do Cecop compreendem que seria importante iniciar uma batalha no plano jurídico, que não bastaria a luta organizada, social e política. Vai ser necessária uma defesa jurídica importante e, então, é como buscam a Tlachinollan, e Tlachinollan me coloca em frente ao caso. É como nós entramos. Dentro do conhecimento do direito, eu me aprofundei no estudo do direito agrário por vir de uma comunidade indígena, por vir de uma comunidade camponesa. Aprofundei-me no estudo desse tema e não somente o estudo, mas no litígio do direito agrário. Então por isso me colocam à frente do caso e o que nós descobrimos primeiro foi uma falha concreta dentro das convocatórias para as assembleias.

Primeiro temos de deixar claro e lhes explicar como funciona uma comunidade agrária. Uma comunidade agrária é uma entidade que possui personalidade jurídica própria, de acordo com o artigo 27 da Constituição Mexicana. As comunidades agrárias são uma pessoa moral e essa pessoa moral coletiva tem determinadas regras internas sobre como se possui, como se usufrui da terra e dos recursos naturais e, como uma conquista da Revolução Mexicana, a eles foi dada a propriedade de uma determinada superfície da terra e dos recursos naturais.

Há um pequeno detalhe e uma contradição na legislação mexicana, e creio que em todas as legislações da América Latina, que diz que os camponeses são donos da terra, mas falamos somente do solo, estamos falando de 30 centímetros acima, os camponeses podem possuir, usufruir, aproveitar essas terras, mas quando falamos da água, é um recurso nacional, quando falamos dos bosques também é um recurso da nação e as jazidas minerais também. Não deveria ser assim, mas lá está como uma contradição que existe: “Bom, te dou a propriedade da terra e dos recursos naturais, mas há determinados recursos estratégicos que pertencem à nação e não a ti como comunidade”, assim estão funcionando as comunidades.

Contudo, as comunidades no México têm a vantagem de terem a propriedade das terras e lhes foi outorgada uma resolução, têm um título de propriedade. Normativamente e legalmente eles têm a posse das terras e não somente a posse como também têm personalidade jurídica própria e têm autoridades próprias. Isto nos dá a oportunidade de que quando um ente externo tem interesse sobre esse território, ainda que se trate do Governo, ele tem que pedir anuência e tem que pedir a autorização desse núcleo para poder usar, aproveitar a terra. Essa foi uma conquista da Revolução, eles puseram travas para que um ente externo possa usufruir da terra. Inclusive uma comunidade vizinha: se eu sou de uma comunidade vizinha e quero ir viver em outra comunidade, tenho que me sujeitar a determinadas regras.

A Lei Agrária estabelece determinadas travas para que eu possa comprar terras dentro desse núcleo; para que possa usufruir das terras ou aproveitar as terras há determinadas travas legais. Isso foi posto assim porque a Revolução Mexicana nos ensinou, ou antes, no período pré-revolucionário; é que chegavam pessoas e começavam a comprar e comprar terras e se constituíram as famosas fazendas, de grandes extensões, o latifúndio. Então para evitar isso e como conquista da Revolução, temos isso, e daí nós exploramos essa vantagem legal que temos. Como Tlachinollan, nós vimos que esse ponto devia ser enfocado, que era o calcanhar de Aquiles do Governo mexicano e do neoliberalismo. Nós percebemos que está lá, nos ejidos e nos núcleos comunais, o calcanhar de Aquiles da economia de mercado hoje. Se o núcleo comunal está bem organizado, bem unificado e compacto, com esta figura legal que tem, é possível enfrentar qualquer investida que venha de fora. Nós analisamos assim, vimos assim, e por isso quando veio a Comissão Federal de Eletricidade querendo fazer a expropriação, o primeiro que tinha que fazer era uma assembleia agrária, e essa assembleia agrária deveria obter a anuência da comunidade.

P: Retomamos a questão das assembleias...

R: Sim. A barragem era uma espécie de investimento misto que eles dizem, o procedimento é o seguinte: primeiro o Estado, através de suas instituições e do erário público, pega um recurso, uma determinada quantidade de recursos através do orçamento público para que se façam todos os fundamentos legais da obra, ou seja, permissões de exploração, permissões de exploração prévia ou expropriação ou o que quer que seja. Uma vez que já está arranjado e todos os fundamentos legais já estão prontos, então já licitam a obra, fazem um concurso para que uma empresa que tenha muito dinheiro venha e possa construir a obra, porque o Estado não teria a capacidade de construir uma obra dessas dimensões, então vem uma empresa e essa empresa explora por determinados anos a obra e depois deixa ao Estado para que o Estado seja o que siga com a administração da obra.

Aqui em nosso país, as instituições encarregadas de operar essa questão legal eram a Comissão Federal de Eletricidade, a Procuradoria Agrária e a Secretaria da Reforma Agrária; essas três entidades que iriam trabalhar todo o tema do arcabouço legal para construir a obra. E o que precisam para isso? Necessitam de um decreto expropriatório mediante o qual expropriam a terra e uma vez expropriada já pode vir então a empresa para construir a obra, porém o Governo já havia tido experiências amargas no México com as expropriações, primeiro porque uma expropriação leva muito tempo, é um processo demorado.... Então, o que a CFE precisava (e as empresas encarregadas) era, ou uma expropriação, ou um convênio de ocupação prévia e temporária, que é a outra alternativa jurídica. Como tiveram experiências ruins com as expropriações, então não puderam fazer uma expropriação. Digamos que a Suprema Corte de Justiça da Nação estava resolvendo casos anteriores de expropriações e pedia como requisito ao Governo Federal que esgotasse o direito de audiência, uma espécie de consulta.

Porque uma expropriação é feita de maneira unilateral. O Estado chega e expropria por causa de utilidade pública: “vou utilizar essa superfície de terreno” e se o camponês diz “olha, não é assim, o projeto não é o que eu preciso, eu não gosto”... “não me interessa, simplesmente por ser um bem de utilidade pública” e sob esse conceito de utilidade pública o Estado expropria de maneira unilateral”.

Mas a Suprema Corte tinha decidido em pelo menos dois grandes casos anteriores de impacto no país em que disse que, de acordo com os princípios da Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho, devia mediar uma espécie de consulta mínima para levar a cabo o processo de desapropriação, que eles (ameaçados pelo projeto) deviam votar, pelo menos sobre o direito de uma audiência ou o direito à consulta.

Visto que o Estado encontrava-se nessa desvantagem, não era conveniente levar a cabo uma expropriação, além do que uma expropriação é um processo longo, que leva muitos meses. E então, em termos empresariais, de calendários das empresas, pois isso atrasa os calendários de uma obra... Então eles julgaram simples chegar a Cacahuatepec e fazer uma assembleia e nessa assembleia obter a anuência dos membros da comunidade para que houvesse um convênio de ocupação prévia e temporária. Esse convênio substitui a exploração. Já não é necessário que se consiga um decreto expropriatório do Estado mexicano, basta simplesmente o convênio de ocupação prévia e temporária e se coloca nele que vai ser um acordo de 30 ou 50 anos, e sob esse acordo se constrói uma represa.

Inclusive também as minerações hoje em dia são construídas sob esse acordo: se paga um determinado recurso às autoridades e a empresa mineradora aproveita os recursos minerais desse lugar. Então já se substituiu no México, atualmente, a expropriação, já não se fazem mais decretos expropriatórios, agora já são mais os convênios de ocupação prévia e temporária, e é o que quiseram fazer em Cacahuatepec, para construir a represa La Parota.

A primeira assembleia foi feita na comunidade de Campanário e as pessoas do Cecop se organizam e arrebentam, ou põem abaixo a assembleia. Chegam e há um enfrentamento com a polícia, não se pode realizar, e então a assembleia vai para a comunidade de San Marcos. San Marcos já está fora da superfície e do perímetro de Cacahuatepec, do núcleo da questão. Depois da assembleia de San Marcos é quando os companheiros do Cecop nos buscam e nós assumimos a defesa legal e demandamos a nulidade da ata da assembleia de San Marcos e do Campanário. Sobretudo de San Marcos.

Demandamos a nulidade, vamos ao tribunal e começamos a esgrimir vários argumentos legais. O primeiro é este; que a Lei Agrária diz que as assembleias devem ser realizadas dentro do perímetro do núcleo comunal que será afetado, então nós dissemos: a assembleia não foi feita no perímetro, então é uma causa que produz sua nulidade. A segunda e mais forte, foi que eles não estavam cumprindo os requisitos essenciais para levar a cabo as assembleias. Há dois tipos de assembleias, há assembleias simples e há assembleias de formalidades especiais ou essenciais. Nas simples, os padrões para serem levadas a cabo são mínimos e nas assembleias de formalidades essenciais são muito maiores. Por exemplo: para lançar a convocação para uma assembleia de formalidades simples você precisa de 8 a 15 dias; para aprovar os acordos precisa de 50% mais um, é maioria não qualificada, precisa de uma maioria simples; outra questão é que a qualquer comunero, você pode dar uma procuração a qualquer membro da comunidade para que te represente em assembleia comunal. Já nas assembleias de formalidades essenciais ou especiais, os requisitos são muito maiores: são necessários 30 dias de antecedência; requer que 75% do total de membros da comunidade estejam presentes e aprovem a decisão; a votação tem de ser de maneira direta e não se permite uma representação.

Então esses requisitos, para nós, eram essenciais e por aí exploramos as falhas e debilidades em que incorreu a Procuradoria Agrária. O núcleo comunal de Cacahuatepec tem 5.520 membros (comuneros) legalmente reconhecidos no padrão, mas tem 40 mil habitantes no total. Então desses 40 mil só 5.520 são comuneros de Cacahuatepec. Normalmente, em todas as assembleias de Cacahuatepec, nunca se consegue reunir mais que 50% mais um. Vai muita gente, mas muitos não são membros efetivos da comunidade; então, historicamente, nunca pode estabelecer-se uma assembleia com os 50% mais um, nem sequer a metade do padrão [do número de comuneros legais] chegam às assembleias. Isso impossibilitou à CFE de lançar uma convocação de assembleia de formalidades essenciais. Sempre lançaram convocações de formalidades simples.

Mas a lei diz que quando vai mudar a vida do núcleo comunal, quando esse vai sofrer uma transformação substancial, tem que ser uma assembleia de formalidades especiais, não pode ser uma assembleia simples. Isto é: se vai ser uma assembleia na qual se vai determinar que vai acabar o núcleo comunal e convertê-lo em pequenas propriedades, tem que ser uma assembleia de formalidades essenciais; ou se o núcleo comunal vai se converter em ejido, vai mudar seu regime de exploração, também tem de ser uma assembleia de formalidades essenciais.

Então não dizem nada sobre a represa na lei, da construção de uma represa não dizem nada, mas a interpretação é essa: se você constrói uma represa que vai ocupar quase 30% do seu território, que vai causar um grande impacto ambiental, social, de todo tipo, pois isso implica em uma decisão que transforma totalmente a vida desse ejido. Então esse foi o argumento central que nós usamos, se bem que não está dito ou enumerado como um dos assuntos que devem ser tratados em uma assembleia de formalidades essenciais, a interpretação dos tribunais agrários, a jurisprudência em matéria agrária estabelece isso: que vão ser levadas a cabo assembleias de formalidades essenciais quando se transforme de maneira substancial a vida do núcleo comunal e, no presente caso, argumentamos que em Cacahuatepec e em todos os núcleos sua vida seria substancialmente afetada. Porque inclusive a represa não compreendia somente um núcleo comunal, mas abarcava muitos núcleos, então esses iriam sofrer uma transformação profunda. Essa foi nossa argumentação nos casos, foi a coluna vertebral do argumento que nós utilizamos no Tribunal Agrário.

Recordo que o primeiro julgamento de Cacahuatepec, nós o perdemos, o magistrado não levou em consideração essa argumentação, não foi muito progressista, seu critério era muito conservador. Disse: “Não, a construção de uma represa não está enumerada na lei, a Lei Agrária diz que vão ser levadas a cabo assembleias de formalidades essenciais quando se muda o regime de exploração, quando termina o regime de ejido ou comunal e quando se muda de comunal a ejidal, somente nessas hipóteses que a Lei Agrária estabelece. Então, como a Lei Agrária não diz nada de uma represa, e uma represa”, disse o juiz, “pode trazer tanto benefícios como prejuízos, então é um conceito abstrato, uma interpretação, e eu como magistrado não posso interpretar a lei de maneira tendenciosa, tenho que me ater ao que diz o direito agrário”, e então nós perdemos esse primeiro julgamento.

Posteriormente foram sendo realizadas assembleias em outros núcleos, concretamente o núcleo de Dos Arroyos, o núcleo de La Palma e o de Los Huajes. Esses núcleos fizeram assembleias agrárias e obviamente esses núcleos estavam com o pessoal do Cecop. Assim estávamos quando mudou o juiz, chegou outro juiz e nós já havíamos interposto as demandas de todos os núcleos e seguimos insistindo sobre o mesmo argumento. Recorremos da primeira decisão de Cacahuatepec. Nós pedimos e interpusemos um recurso ao Superior Tribunal Agrário, que está aqui na Cidade do México, mediante um recurso de revisão, e aqui o Tribunal fez uma interpretação muito mais progressista e mais ampla e o Tribunal disse: “Primeiramente, não se tomou em conta todas as provas a que trouxeram as pessoas da Cecop, e em segundo lugar, como eles estão questionando, efetivamente é uma assembleia de formalidades essenciais porque, se será construída uma represa dessas dimensões, dessa envergadura, requere-se primeiro que os membros da comunidade tenham uma informação mais clara, mais ampla das consequências que sofrerão e, segundo, que uma represa com essas características vai transformar a vida do núcleo comunal, é preciso que o maior número de membros da comunidade decida. Nessa transformação que a comunidade agrária sofre, não é válido que um número pequeno tome decisões sobre o rumo que a mesma tomará, então se requer a totalidade dos comuneros. Então é coerente o que os advogados estão propondo”, e ordena a revogação da primeira sentença e ordena que se redija uma nova.

Então quando se dita a nova sentença já havia chegado outro magistrado que tem outra concepção, sem maiores preâmbulos dita uma sentença favorável e esse mesmo critério é aplicado para todos os demais núcleos, assim vêm em cascata todas as sentenças favoráveis aos integrantes do Cecop. Isso nos levou do ano 2005 ao ano 2007, dois anos de luta jurídica nos tribunais, isso rendeu a nulidade de todas as atas de assembleia.

Zeferino Torreblanca, em um último suspiro que tinha, tentou, no ano de 2010, novamente voltar a Cacahuatepec e voltar a fazer outra assembleia. Então para se colocar em conformidade com a resolução emitida pelo Tribunal Agrário, disse que solicitava a ocupação prévia e temporária somente de 800 hectares do núcleo comunal de Cacahuatepec, então o objetivo disso era mostrar ao Tribunal, evidenciar, que a construção da represa não causaria uma catástrofe, não geraria uma destruição de grandes dimensões, mas apenas 800 hectares de 10 mil ou 12 mil que Cacahuatepec tem. Que desses somente é preciso de 800 e todo o seu núcleo fica intacto, não lhe acontece nada, não há problema, não há transformação do núcleo comunal. Então ele modificou um pouco o conceito da disputa jurídica no Tribunal, contudo nós não modificamos o argumento e nos fortalecemos um pouco mais porque já tínhamos estudos técnicos, já havíamos acessado os estudos, as prospecções, os estudos de prospecção que a CFE tinha com fotos e tudo...

Digamos que já em 2010 isso se dá, é a última disputa nos tribunais em que a magistrada que julgou, novamente volta a determinar com o mesmo critério já estabelecido, não mudou, e ali terminou a luta jurídica. E agora o Estado não tem tentado fazer mais assembleias, e se as fizer, creio que estará condenado a novamente perder nos tribunais.

Aqui me detenho um pouco; em 2007, em 6 de maio de 2007, em Cacahuatepec, como eles já haviam perdido a causa nos tribunais, tentaram fazer outra assembleia em Cacahuatepec, mas os camponeses novamente impediram a realização e daí arrancaram um acordo com a CFE e com o Governo, e o acordo consistia em... nos disseram os da Comissão: “Bom, se vocês dizem que são maioria, porque não fazemos uma consulta?” e nós respondemos que “sim, mas nos termos que estabelece o Convênio 169 da Organização Internacional do Trabalho”, com esses parâmetros. Quer dizer, que seja a própria comunidade, que sejam os próprios comuneros que determinem como irão votar, de acordo com seus sistemas normativos e suas tradições de voto, assim se vai fazer a assembleia: “se vocês aceitam uma assembleia desse jeito, vamos”.

Porque as assembleias agrárias têm outro teor, não é uma consulta, como propõe o Convênio 169. Em uma assembleia agrária você tem que se sujeitar ao que estabelece o direito agrário, em uma consulta não. Por exemplo, em Cacahuatepec são 40 mil pessoas, mas dessas 40 mil só cerca de 5.500 são registradas no padrão e podem participar, o resto não, essa é uma assembleia agrária. Então se nós em termos de consulta dizemos: participaram todos os comuneros de Cacahuatepec para decidir se querem ou não a represa, a resposta seria não, porque de 40 mil, somente 5 mil têm direito de decidir o que vai passar. Por isso que nós dissemos, “bom, se é uma consulta de acordo aos parâmetros do Convênio 169, vamos, senão, não” e o Estado aceitou.

Contudo nós não contávamos que eles iriam injetar muito dinheiro, então eles colocaram muito dinheiro para mobilizar as pessoas, para transportar pessoas, ofereceram dinheiro, ofereceram obras nos povoados, construíram quadras de esporte, muros, escolas, e com isso pretendiam ganhar a vontade de todo o povo. De tal maneira que quando em 12 de agosto [de 2007] se inicia a assembleia, nós olhávamos um panorama adverso, o cálculo que fazíamos nas primeiras horas era de pelo menos 10 a 1 contra nós nas votações que teríamos, então muitos recursos foram invertidos.

Mas eu creio que o camponês finalmente tem amor pela sua terra, o camponês sabe que sua terra será afetada, sente profundamente que será ruim para ele uma obra desse tipo. Então a ousadia na assembleia que começou às 12h, ao ver a ira, a emotividade, a contundência, o rechaço à represa La Parota que tinha o pessoal do Cecop, que em todo momento estavam gritando “Não à represa!”, todos esses gritos foram contagiando aos demais camponeses, de tal maneira que chegou o momento da votação e nessa votação a maioria votou não.

Então as autoridades comunais que estavam lá quando chamaram a votação... me lembro que nesse momento uma manchinha como de 100 pessoas disse que queria a barragem, e depois perguntou: “que levantem as mãos quem não está de acordo que se construa a represa”, pois foi a maioria. “Que levantem a mão os que sim, estão de acordo que se construa a represa”, levantaram a mão algo como 100, e o companheiro que estava no microfone disse: “bom, para que não fique dúvida, vamos fazer novamente a votação: levante a mão os que não estão de acordo que se construa a represa” e todos levantaram, “levante a mão quem está de acordo que se construa a represa” e esses 100 que haviam levantado a mão já não levantaram. Foi uma votação contundente, temos isso na ata da assembleia, foi registrada no Registro Agrário Nacional. Inclusive no Tribunal, inclusive no processo que estava acontecendo, inserimos essa ata da assembleia. Digamos que toda essa luta evidenciou que há uma oposição clara da parte dos membros da comunidade e a partir de então, do ano de 2007, deixou de haver trabalhos prévios, a maquinaria da CFE já não apareceu por lá. Digamos que essa assembleia descarrilou o projeto da represa La Parota, e no ano de 2010, com Zeferino Torreblanca, somente foi uma tentativa de tentar retomar o tema, mas foi rapidamente derrotado nos tribunais.

Obviamente hoje em dia os companheiros seguem organizados. No que foram os anos de 2013 ou 2014, pois o Estado tenta... O desafio que se tem com o Cecop é: como seguimos trabalhando o tema do fortalecimento do território? Como seguir trabalhando o avanço organizacional? Como o Cecop se dota de uma estrutura política, se dota de um conjunto de elementos políticos, organizativos? Como avançam em defesa do território? Como se criam determinados instrumentos discutidos na comunidade que possam defender o território? O outro desafio é também como se avança nesta consciência política do comunero, do camponês, e da defesa do território, da importância que o território tem. Porque o Estado não descansa e já se provou. No ano de 2013 e 2014 há uma dura investida contra os dirigentes para criminalizá-los. Como não conseguiram pela via legal e por todas as vias impor a represa La Parota, pois se deve desarticular a liderança popular, e no ano de 2014 encarceraram o companheiro Marco Antonio Suástegui, que é o emblema do movimento, a face visível do movimento e, pois, o líder moral do Cecop. Então o prenderam, e também a María Dorantes, e assim o Cecop sofreu um golpe muito forte, do qual está apenas voltando a retomar seu caminho. Se desagregou muito a organização e, quando isso acontece, cresce o temor entre os camponeses. O medo, a repressão tem seus fins, tem como finalidade desarticular a organização das pessoas, dos povoados e se viu claramente isso. Contudo, novamente como Tlachinollan, realizamos uma luta forte no terreno penal e conseguimos a liberdade do companheiro há alguns meses e agora, mais recentemente, também a liberdade de María Dorantes.

E agora, o desafio que os companheiros têm é avançar no fortalecimento organizacional, no fortalecimento do território, porque o Governo segue avançando, agora que viram que não puderam nem com a criminalização, então agora estão planejando de todo modo introduzir projetos produtivos às comunidades: de galinhas, de gado, para melhorar a agricultura. Estão entrando com projetos, mas a finalidade é ir cooptando a organização, dividindo. Por exemplo, a construção de obras públicas que os povoados, há muito tempo, vêm se esforçando para conseguir. As pessoas que estão em uma comunidade que se chama Cruces de Cacahuatepec sofrem muito na temporada de chuvas, há momentos que não podem cruzar o rio porque está muito caudaloso. Ficam incomunicáveis, não transportam produtos porque não podem cruzar o rio e a opção é dar a volta por San Marcos, mas está extremamente distante. Então eles vêm lutando há muito tempo pela construção de uma ponte, mas construir uma ponte no rio Papagayo é um investimento considerável, e aí o Governo disse: “sim, vou construir a ponte, mas acima, em Cacahuatepec” e Cacahuatepec não tem tanto problema da ponte, porque o rio é diferente e é facilmente navegável com barcos, as pessoas passam com lanchas, as pessoas podem ficar com ou sem a ponte. Contudo em Cruces de Cacahuatepec a ponte é necessária, mas habilmente o que o governo faz é: “não, aqui em Cruces de Cacahuatepec não posso construir, vou construir em Cacahuatepec”. Então os companheiros de Cruces de Cacahuatepec entram em uma disputa com o povoado principal, que é Cacahuatepec, e daí começam a questionar também a Marco Antonio porque ele permitiu construir a ponte apesar de saber que quem mais necessitava da ponte eram os companheiros de Cruces.

Conflitos como esse vão sendo provocados, também estão provocando alguns conflitos pelos projetos como: “Por que deram isso a tal comunidade e não a nós?” “Nos deram menos e deram mais a eles”. Se seguirmos nessa rota, obviamente vão desagregar totalmente, vão fragmentar a organização do Cecop, esse é o desafio que os companheiros têm agora de entrar em uma discussão: se recebem esses projetos produtivos e como recebem. Têm que ter clareza de que tipo de projeto querem. Coisas que já estão discutindo em Oaxaca, em Chiapas a situação já está muito avançada, é o que dizem os companheiros de Chiapas, principalmente os zapatistas: “nós vamos decidir que projetos queremos, quando queremos e como queremos. Você não vai vir colocar uma padaria na minha comunidade se eu não quero uma padaria, ou não virão construir uma ponte se não é importante”. Essa discussão que se estabelece dentro da autonomia dos povoados, da autodeterminação dos povos, da livre decisão que eles têm que tomar como comunidade, tudo isso é um trabalho que o Cecop tem de desenvolver, e se não o faz corre o risco que aconteça o que está acontecendo em Atenco: os companheiros de Atenco fizeram uma luta exemplar, um triunfo contundente, mas ao longo dos anos se desagregaram e se dividiram, e agora estão impondo outra vez a eles o aeroporto9. Então não duvidemos que o Governo está gerando as condições em Cacahuatepec para o retorno do projeto La Parota, mas afortunadamente os companheiros do Cecop já perceberam e já estão se organizando, preparando-se para evitá-lo.

P: Podemos começar a falar de Ayotzinapa, como você começou a atuar juridicamente junto aos estudantes da Escola Normal Rural Raúl Isidro Burgos? Foi com o assassinato dos estudantes Jorge Alexis e Gabriel Echeverría, assassinados pela polícia ministerial em dezembro de 2011? Ou já havia uma atuação sua junto a Ayotzinapa? Gostaríamos de saber sua história junto a eles e ao conflito atual.

R: Tlachinollan vem acompanhando Ayotzinapa concretamente desde o ano de 2008, desde antes tinha um acompanhamento distante, não se havia dado a aproximação porque as Normais Rurais como vocês sabem têm uma ideologia marxista. Então eles acreditam muito pouco no tema jurídico, para eles seu forte é o plano organizativo, são as mobilizações, a pressão política e pública que eles possam fazer na rua, na organização de rua e nas alianças que eles possam ter com as organizações. De tal forma que para Ayotzinapa era mais estratégico uma aliança com a Organização Camponesa da Serra do Sul (OCSS), com a Frente de Organizações Democráticas de Guerrero, ou com outras organizações sociais de esquerda. Era mais estratégico fazer esse tipo de alianças que com Tlachinollan. Em Tlachinollan hoje em dia somos 20, mas no ano de 2007 éramos uns 10, então que havia de estratégico em ter uma aliança com 20 gatos pingados de Tlachinollan? Por outro lado, com a OCSS estamos falando de 3.000 pessoas que em uma mobilização podem ajudar.

Contudo eles também foram vislumbrando que o tema dos direitos humanos era importante pelas constantes repressões que estavam sofrendo: o fato de que bateram neles, os maltrataram, os detiveram, os lesionaram... Pois era importante que uma organização de direitos humanos fosse não apenas defendendo-os, mas também tendo uma posição política, uma voz que dissera que estavam violando os direitos humanos dos estudantes e que a luta dos estudantes era legítima. Então creio que entenderam que era um voto de legitimidade buscar o apoio de uma organização como Tlachinollan, uma organização que não tem uma postura política ou ideológica, mas que tem um compromisso com os direitos humanos. Resultava ser mais importante do que ter o apoio de outras organizações sociais ou era de igual importância ter uma voz que dava legitimidade à luta deles, mas que também, no plano concreto, defendera os lesionados e reprimidos. Então, entenderam assim, e no ano de 2008 estabeleceram um vínculo conosco e a partir daí começamos a dar acompanhamento e um seguimento a todas as mobilizações. Eles nos falavam: “nos acompanhe, estejam atentos para que vocês vejam se nos batem e agridem, documentem quantos de nós foram, aonde foram levados os que foram detidos”, e falar politicamente da repressão que sofriam.

A partir disso se construiu um vínculo muito estreito com eles de tal forma que no ano 2011, quando acontece o assassinato de Jorge Alexis Herrera Pino e Gabriel Echeverría de Jesús, já estávamos muito próximos da Normal, dando um acompanhamento muito próximo e preciso.

Nessa ocasião, eu pessoalmente me encontrava em Chilpancingo. Era dia 12 de dezembro e, aqui no México, no dia 12 de dezembro os que são devotos de Nossa Senhora de Guadalupe e são guadalupanos estão em festa. Todos os mexicanos estão nas festas, e os que não são guadalupanos também vão à festa. Então eu estava descansando em Chilpancingo, eram 11 ou 12 horas, quando recebi uma ligação de Abel Barrera que é o diretor de Tlachinollan e me disse: “Vidulfo, nesse momento você tem que se deslocar para a autoestrada do Sol porque temos um problema muito grave”, ele me falou de seis estudantes mortos, “a polícia ou um grupo armado acaba de assassiná- -los, não sabemos quem foi, mas os companheiros estão mortos, então você tem que vir imediatamente”.

Nesse momento eu fui e não podia passar porque já estava cercado pela polícia, não podia entrar, busquei as formas e entrei. Digamos que cheguei 15 minutos depois do assassinato dos companheiros. Quando cheguei não estavam cobertos, estavam jogados no pavimento, todo o sangue escorrendo pelos lados e eram dois companheiros e não vi mais nada aí de trabalho de peritagem. Havia cápsulas de projéteis espalhadas pelos lados, granadas de gás lacrimogêneo, pedras, garrafas... E alguns policiais somente vigiando a área, não estavam cuidando dos indícios: havia policiais que estavam recolhendo as cápsulas e jogando- -as para outro lado... e, obviamente, nesse momento, com o pouco que sabemos pela experiência com esses casos, nesse momento você entra em uma espécie de paralisia, se sente impotente, não sabe o que fazer, não pode dizer à polícia: “ei, não vá alterar a cena do crime”. Você não sabe se fica cuidando da cena do crime; ou se fica com os companheiros assassinados para que se faça um exame de necropsia fiel ao direito e à lei, que não vão alterar os orifícios de entrada e de saída; ou se busca aos companheiros que andam fugindo no campo porque a polícia irá detê-los, ou vão desaparecer com eles ou vai lhes acontecer algo; ou vai ver os detidos, que eram nesse momento por volta de 26 companheiros detidos pela polícia, ver se não estavam sendo torturados, se estavam sendo tratados adequadamente. Tínhamos claro no momento que isso era o que tínhamos de fazer, mas não sabíamos por onde começar.

O impacto dos companheiros mortos, vê-los de maneira direta e tão próxima com o sangue e um companheiro com a mochila escolar em seu ombro, e o companheiro que estava do lado contrário da estrada com o olhar para cima e ainda seus utensílios escolares de um lado. Essa imagem de ver um jovem de 17 ou 18 anos que está iniciando a vida, ver seus materiais escolares, seus livros ao seu lado, te gera uma raiva, te gera uma impotência... Te tira dos limites da racionalidade que alguém tem, e você não sabe como lidar com esse tipo de emoção.

Mas bem, você sabe que tem que avançar, e o que fizemos de imediato foi buscar os dirigentes, felizmente encontramos dois dirigentes que estavam se escondendo e com eles montamos a equipe, de advogados e de Tlachinollan, de alguns que andavam por lá e outros de outras organizações de direitos humanos de Chilpancingo, fizemos a equipe. Uma parte da equipe iria ver os detidos, outros iam vigiar para que as autópsias fossem feitas de acordo com a lei e outra parte buscaria os estudantes espalhados por outros lados.

Foi assim que demos um pouco de organização, conseguimos constatar que todos já estavam na Escola Normal, fomos buscando os que estavam escondidos nas valas, outros em barrancos, outros em bueiros, outros em casas particulares onde puderam se refugiar, essa busca levou mais ou menos o dia inteiro, até que às 6 da tarde do 12 de dezembro terminamos contabilizando todos os companheiros, uns na Normal e outros em casas de vizinhos, mas todos localizados, e depois disso pude ir pessoalmente ver os detidos, já havia uma equipe de advogados visitando-os, e pudemos entrar e estabelecer contato com eles. Para esse momento fomos tecendo a história de como haviam acontecido os fatos, lá percebemos que o Estado estava arquitetando algo perverso, porque um companheiro detido, seu nome era Gerardo Torres Pérez – acaba de se formar ano passado, os eventos de 26 de setembro [2014] também o afetaram –, ele comenta conosco que quando estava fugindo, após a morte de Jorge Alexis e Gabriel, na estrada viu várias cápsulas, então lhe ocorreu recolher uma das cápsulas e guardar na calça e seguiu correndo, mais tarde foi detido pela polícia, levam ele à Procuradoria e na Procuradoria o revistam. Quando o revistam e encontram a cápsula, surge a ideia da Procuradoria de imputar a ele a responsabilidade pela morte dos companheiros. O torturam, o retiram da Procuradoria, há tortura e tratamentos cruéis. Fazem ele disparar uma arma para deixar pegadas e resíduos de pólvora nas mãos, isso evidenciaria que ele havia efetuado os disparos. A partir de então a Procuradoria tece uma história e a história é que na parte poente (oeste) estavam os estudantes, na parte oriente (leste) estava a polícia ministerial do Estado de Guerrero, na parte norte estava a polícia federal. O que eles estabeleceram é que os estudantes que estavam no oeste começaram a disparar contra a polícia, e que a polícia por sua vez também efetuou disparos e que um desses disparos cruzados tinha tirado a vida desses dois estudantes, mas que a prova que havia nesse momento é que Gerardo sim havia disparado uma arma.

Inclusive na história que se criou, Gerardo encontrava-se disparando e que a polícia estrategicamente foi encurralando-os, mas que os outros agressores fugiram e o único que puderam deter foi Gerardo, que não encontraram a arma, mas encontraram essa cápsula, e ao interrogá-lo a respeito ele disse que ela foi utilizada na agressão que havia acontecido há alguns momentos e que ele usou um cuerno de chivo (uma AK-47), e disseram a ele: “E aonde o deixou?” E ele: “Lá, a uns 15 metros”. E foram com ele a esse lugar e que lá efetivamente estava a arma. No relatório há fotos das armas, de como apreendem a arma, e estavam mais ou menos tecendo assim, tecendo a história, e de fato mais tarde, como às 11 da noite de 12 de dezembro [2011], o procurador Alberto López Rosas dá uma coletiva de imprensa em que afirma esta tese: “Hoje temos um responsável apreendido, o que houve foi um fogo cruzado, pessoas estavam atirando, não sei se estudantes, mas pessoas que estavam na parte oeste dispararam contra a polícia e um desses tiros ceifou a vida dos estudantes, hoje temos um responsável, se chama Gerardo Torres Pérez”.

Contudo, nós denunciamos nessa mesma noite que o estudante Gerardo Torres Pérez havia sido torturado, e que seguramente essa seria a tese da Procuradoria, então os meios de comunicação tomaram essa declaração que fizemos e no outro dia apareceu em todos os meios que o estudante havia sido torturado. Felizmente a Comissão Nacional de Direitos Humanos fez as entrevistas pertinentes a Gerardo e emitiram um exame que Gerardo havia sido torturado e havia recebido maus tratos, fizeram a prova médica psicológica baseada nas diretrizes do Protocolo de Istambul e resultou que efetivamente havia sido torturado.

A partir disso, o Estado se viu obrigado a retratar- -se em suas afirmações, mudou de ideia, abandonaram a ideia da hipótese do enfrentamento e tiveram de aceitar que houve responsabilidade por parte da polícia, e foi assim que vários policiais foram presos, fundamentalmente conseguiu-se processar dois, os submeteram a um processo, mas em 2013 obtiveram sua liberdade.

Consideramos que esse caso está hoje em dia na impunidade, e isso aconteceu assim porque na cena do crime... E é o mesmo que está acontecendo agora em Iguala... A cena do crime não foi preservada, vários elementos, evidências e material sensível foram alterados, foram tirados de lá. Não há evidência ou prova que possa ser hoje em dia mais contundente.

Onde está a debilidade do caso? A debilidade está em primeiro: não há uma prova científica no caso deles, que possa estabelecer que os policiais dispararam do oeste para o leste. Segundo: não está estabelecido que esses policiais que foram processados foram os que efetuaram esse disparo. Terceiro: tendo eles disparado essas balas, não está demonstrado que essas balas foram as que ceifaram as vidas desses companheiros. De acordo com a legislação penal, se não se abona a conduta, uma ação derivada e o resultado dessa ação, que seria o homicídio dos companheiros, se esse nexo causal não está abonado, dificilmente se abona o delito do homicídio. Nesse caso, a Procuradoria não fez um exame de balística de efeitos para estabelecer a trajetória da bala, não fez um exame de balística adequado para esclarecer que essa bala foi a que tirou a vida dos companheiros, não fez um teste científico para esclarecer que esses policiais, sim, dispararam. Fizeram o teste de rodizonato de sódio, mas o teste de rodizonato de sódio hoje em dia é um dos mais simples. Há testes muito mais complexos que nos podem assegurar maior êxito para encontrar resíduos de pólvora nas mãos. O teste de rodizonato de sódio é um dos testes mais arcaicos, que qualquer um pode burlar, os resíduos duram somente 24 horas, e nesses policiais os testes foram feitos até 36 horas, não, 72 horas depois. Enquanto isso, os policiais tiveram oportunidade de limpar as mãos, tiveram a oportunidade de trocar as armas que lhes foram designadas, se lhes foi designada uma R15 eles podem ter trocado por outra, enfim, houve uma desordem de tudo isso, que o Ministério Público não vigiou e a Procuradoria não se encarregou de preservar.

Qual deveria ser a atuação concreta deles? Uma vez ocorrida a matança dos companheiros, deveria assegurar a cena do crime de tal maneira que não se alterasse. Eu posso dizer: quando eu cheguei não havia absolutamente ninguém responsável no lugar, havia um monte de jornalistas, um monte de curiosos, um monte de gente nesse lugar, policiais jogando, recolhendo cápsulas à torto e à direito, então, quanta evidência se perdeu no lugar! Os policiais agressores foram para suas casas, voltaram, fizeram o que quiseram, trocaram de roupa, trocaram de tudo, de tal maneira que nenhum teste saiu positivo, nem o de rodizonato de sódio nas mãos, o de Walker da roupa, o de Lunge na arma, nada saiu positivo, resulta que nenhum policial disparou dos que lá estavam.

Então todas essas falhas obviamente permitiram que na sentença o juiz isentasse de culpa os policiais. Essas são as grandes deficiências que se tem no processo, nós lhes chamamos de deficiências deliberadas da autoridade para que haja impunidade no caso, para que não se saiba o que aconteceu em 12 de dezembro. A denúncia que Gerardo fez até hoje não surtiu efeito, está parada, não há provas... Uma prova concreta de procrastinação no caso de tortura é o seguinte: o Ministério Público requer à Comissão Nacional de Direitos Humanos no mês de março de 2013 que mande a prova do Protocolo de Istambul de Gerardo. Passa o mês de março, abril, maio, junho... Todo o ano de 2013 e somente em agosto do ano de 2014 a Comissão Nacional de Direitos Humanos mandou o resultado do Protocolo de Istambul. Quer dizer, quase um ano e meio depois. De que investigação estamos falando? De que regime de justiça estamos falando? Nesse tempo, o Estado superou a crise que teve naquele momento. Ángel Aguirre Rivero [governador de Guerrero entre 2011e 2014, renunciou em razão do caso de Ayotzinapa] superou a crise que teve naquele momento e é um caso que ficou na impunidade.

De nossa parte, como Tlachinollan, temos lutado contra tudo isso, foi difícil naquele momento, eu particularmente, quando se fez a denúncia de tortura, fui chamado por um alto funcionário da Procuradoria que me encontrou fora das instalações da Procuradoria e textualmente me disse: “Sugiro e te peço, por favor, que não siga com a denúncia, porque se você segue com a denúncia às pessoas que está denunciando no presente caso, elas estão vinculadas com o crime organizado e essas pessoas vão agir contra você, e não só contra você, vão agir contra meus funcionários, então te peço, para preservar as vidas de meus funcionários e a sua, abstenha de seguir na denúncia de tortura”.

P: Quais são os avanços da investigação dos acontecimentos ocorridos na noite do dia 26 para 27 de setembro de 2014 em Iguala? E o que você opina da campanha de difamação que está sendo feita contra os alunos, pais, grupo de especialistas internacionais e defensores de direitos humanos vinculados à investigação do desaparecimento dos 43 normalistas de Ayotzinapa?

R: Primeiro creio que o informe do Grupo Interdisciplinar de Especialistas Internacionais (GIEI) conseguiu dar um rumo distinto à investigação, uma rota distinta à investigação e acreditamos que a presença do GIEI, a presença da Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) no caso é produto do movimento, da luta social, dos pais de família, dos estudantes que produzem uma luta incansável todo esse tempo. Que o desaparecimento, a morte, que o esfolamento de Julio César não os paralisou. Em vez de ficarem em casa paralisados de medo, foram às ruas, andam com a foto dos filhos nas ruas, nas marchas, exigindo justiça e exigindo verdade e creio que isso gerou indignação no país, no mundo, nos estados aqui do México, e que hoje em dia permanece. Lá está a indignação, isso visibilizou o caso e isso permitiu que os especialistas estejam aqui. Os especialistas foram muito contundentes no informe, há três elementos que nós podemos destacar: o primeiro é que não é um fato isolado, nele participaram quase todos os órgãos de segurança, da polícia e militares, na operação policial-militar de Iguala nessa noite, alguns com maior responsabilidade e outros com menos, mas todos estiveram lá; segundo, todas as autoridades tinham conhecimento; e terceiro, o objetivo dos estudantes não era causar um boicote contra as autoridades municipais de Iguala, eles foram tomar caminhões para transportar estudantes a um protesto que se realizaria mais tarde na Cidade do México. Esse foi o objetivo e não há mais nada além disso, não estavam armados, não pertenciam a nenhum grupo criminoso, isso está claro no informe. E o último ponto é que no depósito de lixo de Cocula, por tudo que já foi dito, não pôde ser levada a cabo uma incineração ou fogo dessas dimensões para queimar 43 corpos.

Cientificamente isso foi provado com contundência e creio que todos esses elementos obrigaram o Estado a mudar a rota da investigação, a abrir novas linhas de investigação que possuímos hoje em dia e é onde estamos nesse momento, estamos nas novas linhas. Acreditamos que estamos próximos de saber a verdade, há muitos caminhos importantes que nos dão esperança de encontrar a verdade do que aconteceu ali e acredito que, nesse conhecimento da verdade, nós temos plena convicção de que autoridades de alto nível serão envolvidas: autoridades da polícia e militares de alto nível, e que hoje as próprias autoridades e a própria direita neste país sentem que estão tocando sua esfera de poder e seus interesses.

Por isso, acreditamos que eles estão atacando, primeiro começaram com os estudantes, com os pais de família, com a Normal, agora há um ataque sistemático aos especialistas, têm havido ataques também contra os defensores, contra companheiros do Centro Prodh, contra Tlachinollan, contra minha pessoa – queriam me ligar a grupos guerrilheiros. Como viram que a luta não parou lá e que a luta continua e que os pais continuam se aproximando da verdade e da justiça, pois agora vão contra o grupo de especialistas. E nós dissemos a essas pessoas que nós gostaríamos de ver que questionem pelo menos um ponto do relatório do GIEI, queríamos ver um questionamento objetivo aos pontos que os especialistas colocaram no relatório, e eu creio que aí sim poderíamos entrar em um debate sério e objetivo com essas vozes.

O que nós não podemos aceitar é uma desqualificação à pessoa que fez um relatório profissional, um relatório objetivo, contundente e que tem bases probatórias objetivas e científicas, e que essa objetividade e esses elementos científicos não podem ser combatidos hoje em dia, são incontestáveis. Como não se consegue isso, então começam a injuriar as pessoas que fizeram o relatório. Ou seja, não se destrói a mensagem, se destrói o mensageiro. O conteúdo dessas palavras que pretendem destruir o mensageiro está coberto de critérios políticos subjetivos, de difamação, de calúnias, de coisas que não têm objetividade e não têm seriedade para nós. Mas obviamente golpeia, tem o objetivo de deslegitimar o grupo de especialistas. Mas nós acreditamos que não vão conseguir, porque o relatório tem bases sólidas, e creio que aqui estamos nós, nesse momento, aproximando-se da verdade, perto da justiça. Temos de seguir lutando contra essas forças que querem impedir que cheguemos lá.

P: Quais você pensa que são as principais conquistas do movimento? E como percebe essa chamada à unidade das lutas populares que eles [pais dos desaparecidos de Ayotzinapa] estão conquistando?

R: Olha, na verdade, sobre as conquistas, poderia se pensar que são poucas porque, no México e em toda a América Latina, se as organizações de esquerda sofrem de algo é com essa fragmentação, essa dificuldade que estamos tendo para articular e juntar outras lutas. Creio que os matizes políticos e ideológicos nos dividem muitíssimo e fazem muito dano nas tentativas de nos unificarmos; ao passo que as elites políticas e econômicas do capitalismo têm sim essa capacidade. Eu acredito que, porque eles são poucos, é mais fácil para eles colocarem-se de acordo; e nós, como somos a maioria e somos muitos e somos tão distintos, é difícil entrar em acordo, e o mesmo está acontecendo no México. Mas o que nós observamos em nossas caravanas [Caravana do Norte e Caravana do Sul, conforme trajeto pelo México], em nossos percursos no país, é que os pais de família são o epicentro desta indignação, são o centro de indignação, têm essa legitimidade, e deste epicentro conseguem convocar, estão conseguindo interpelar as organizações para que façamos uma reflexão. Para um processo de acumulação de forças, de lutar e ir trabalhando a articulação e a unidade do movimento, isso fez o movimento dos pais de família e é por aí que nós vamos... e eles concretamente: eles conseguiram mudar o curso da investigação.

Material suplementar
Agradecimentos

Os autores agradecem à Capes pelas bolsas de pós-doutorado que permitiram as pesquisas no México

Notas
Notas
2 A tradução esteve a cargo de Laiz Diniz e Roberto Lima. Os autores agradecem a tradução feita por Laiz e a transcrição do áudio feita por Elia Aguilar
3 Na verdade, Rosales se refere ao que seria para nós o Ensino Médio. As escolas preparatórias, conhecidas carinhosamente como prepas, são parte das universidades e ao final dessa etapa o aluno recebe o grau de bacharel e pode entrar para a carreira de licenciatura na universidade (nota dos tradutores)
4 “Universidad pueblo” no original. É muito difícil traduzir isso porque “pueblo” pode ser o povo, a população de um lugar, o povoado em sentido mais geográfico, ou ainda uma comunidade. Neste texto traduzimos “pueblo” como achamos melhor no contexto (nota dos tradutores).
5 “Universidad pueblo” no original. É muito difícil traduzir isso porque “pueblo” pode ser o povo, a população de um lugar, o povoado em sentido mais geográfico, ou ainda uma comunidade. Neste texto traduzimos “pueblo” como achamos melhor no contexto (nota dos tradutores).
6 Em junho de 2003 os comuneros de Cacahuatepec resolvem impedir o acesso aos trabalhadores e retirar as máquinas que estavam no canteiro de obras da CFE. Isso marca a data oficial de nascimento do Cecop (nota dos tradutores).
7 Governo de alternância refere-se ao momento em que se quebrou a hegemonia de 70 anos do Partido Revolucionário Institucional-PRI (nota dos tradutores).
8 Priísta diz respeito às ideias e aos seguidores do partido mexicano PRI (Partido Revolucionário Institucional).
9 Trata-se da luta de San Salvador Atenco e municípios vizinhos que iriam ser afetados pela construção do novo aeroporto da Cidade do México e foram reprimidos barbaramente pelo Estado mexicano em 2006.
Autor notes
a Doutor em Antropologia Social pela Universidade de Brasília
b Doutora em Política e Gestão Ambiental pela Universidade de Brasília Pesquisadora

Visitante no Centro de Investigaciones y Estudios Superiores en Antropología Social

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