TRADUÇÃO
Etnicidade sem grupos: as novas formulações conceituais de Rogers Brubaker para os estudos sobre nacionalismo
Rogers Brubaker é atualmente um dos sociólogos que mais tem se dedicado aos estudos sobre formações nacionais e nacionalismo, mas ainda é pouco conhecido dos leitores brasileiros. Professor da Universidade de Califórnia (UCLA), em seus livros, ele vem discutindo diversos aspectos relacionados ao tema do nacionalismo tais como: imigração, religião, cidadania, raça, gênero e identidades. Se em seu primeiro livro Citizenship and Natio- nhood in France and Germany (1992)1, Brubaker partiu de uma perspectiva de “grandes estruturas, largos processos e enormes comparações”, inspirados por Charles Tilly, nos últimos anos ele tem se dedicado a pesquisas a partir de uma pequena escala buscando compreender o fenômeno do nacionalismo na sua construção cotidiana em articulação com macro-estruturas, opção metodológica que rendeu os seguintes estudos: Ethnicity without Groups (2004) e Nationalist Politics and Everyday Ethnicity in a Transylvanian Town (2006). A tradução que ora publicamos é o sextocapítulo do Ethnicity without Groups, uma coletânea de ar-tigos que tem a proposta de questionar as formas substancialistas com que o nacionalismoe a etnicidade tem sido tratada e reificadas não apenas dentro da academia, mas também nas disputas políticas em torno das questões raciais, étnicas e nacionais. O título sinaliza a provocação central do livro, qual seja: questionar o uso do “grupo social” como unidade de análise das ciências sociais, propondo assim, um enfoque processualista nos diversos modos como grupos, projetos nacionais, movimentos sociais, entre outras dinâmicas de organização se formam em torno de categorizações. Ou noutros termos, a pergunta guia do livro é: como analisar a etnicidade sem grupos? Uma das respostas defendidas por Brubaker é analisar aquilo que ele chama de grupalidade [groupness] ao invés do grupo, focalizando em eventos, que são capazes de reunir pessoas em um grupo ou situações sociais, que fortalecem ou enfraquecem grupos constituídos historicamente. A ideia de grupalidade enfatiza a variabilidade e mutabilidade dos laços sociais, mais do que a coesão e imutabilidade adscrita a noção de grupo. Se grupos não são unidades discretas pré-existentes, o caminho possível de análise é pensar a etnicidade como cognição, ou seja, tratar analiticamente marcadores étnicos, raciais e nacionais como modos de ver e dividir o mundo, mais do que formas de descrição sobre uma realidade positiva.
Para os leitores da antropologia, quiçá, num primeiro contato, pode haver pouca novidade na perspectiva de Brubaker, haja vista as discussões realizadas por Fredrik Barth em Grupos étnicos e suas fronteiras desde os finais da década de 1960 e seus desdobramentos frutíferos em várias pesquisas, inclusive no Brasil. Brubaker reconhece a importância fundamental do antropólogo norueguês, ao tratar grupos étnicos não por seus traços compartilhados e semelhanças culturais, mas pelas práticas de classificação relacional e contextual. Seu propósito é alargar o caráter processualista de Barth para pensar também as questões raciais e nacionais e também estabelecer uma diferença certeira entre “categoria” e “grupo” que, como aponta Brubaker, não foi bem definida por Barth. Grupos não se confundem com as categorias, como ele defende, na melhor das hipóteses as categorias raciais, étnicas e nacionais são bases para a formação de grupos.A questão central é justa- mente pensar “como e o que pessoas e organizações fazem coisas com categorias” e não presumir uma correlação entre as duas coisas.
Esse rigor teórico e metodológico de Brubaker, assim como seu partido de analisar a etnicidade sem grupos, ancora o capítulo que ora traduzimos: Nacionalismo cívico e étnico. O objetivo de Brubaker é questionar esses dois conceitos analíticos, que dão título ao texto, caros não apenas aos estudos sobre formação dos estados nacionais e nacionalismo, mas também com fortes repercussões na política estatal e internacional. Grosso modo, essas duas categorias são definidas da seguinte maneira: o nacionalismo cívico é “caracterizado como liberal, voluntarista, universalista e inclusivo”. Ao passo que o nacionalismo étnico é “entendido como não liberal, atributivo, particularista e exclusivo”. Para Brubaker, a dicotomia cívico-étnico, além de ambivalente e contraproducente em termos analíticos e normativos, tem sido empregada de modo ideológico para distinguir “ideia de nacionalismo cívico bom e legítimo do nacionalismo étnico ilegítimo encontrado alhures”. Entre outras críticas a essa oposição, a própria noção de que o nacionalismo Etnicidade sem grupos: as novas formulações conceituais de Rogers Brubaker para os estudos sobre nacionalismo cívico esteja livre de características étnicas ou culturais não se comprova historicamente e empiricamente mesmo nos países modelares do pertencimento nacional cívico como França e Estados Unidos.
Diante dos vários problemas, que tal dicotomia apresenta, Brubaker propõe os seguintes conceitos analíticos para tipificar formas de pertencimento nacional e nacionalis- mo: delimitado pelo estado (state-framed) e contra estatal (counter-state). Como resume o autor:
No primeiro caso, a “nação” é concebida como congruente com o Estado e delimitado institucionalmente e territorialmente por ele. No último, a “nação” é tida como distinta e muitas vezes em oposição ao quadro territo- rial e institucional do Estado ou dos Estados existentes.
Percebe-se nessa nova formulação, uma busca por uma definição mais relacional e menos substancialista do que as anteriores, que almejavam definir as formações nacionais e o nacionalismo por uma ideia mais fixa do que seria cívico e étnico.Ao pensar tais formações ou movimentos em relação ao estado, Brubaker abre caminho para analisar tais fenômenos pelas relações de congruência ou oposições e não por um conteúdo pré-de- finido do que seja estatal, cívico e étnico.
Essa tradução é apenas um aperitivo das contribuições de Rogers Brubaker para os estudos sobre nacionalismo, formação nacional, etnicidade e relações raciais, que tem sido proposta por ele. Esperamos com essa tradução introduzir esse autor ao público mais amplo no Brasil, possibilitando alargar nossos escopos de análise para além dos clássicos já publicados por aqui como Eric Hobsbawm, Anthony Smith, Benedict Anderson, Homi Bhabha e Fredrik Barth sobre o tema.
Esse capítulo foi publicado originalmente como The Manichean Myth: Rethink- ing the Distinction Between “Civic” and “Ethnic’ Nationalism,” in Nation and National Identity: The European Experience in Perspective, ed. Hanspeter Kriesi et al. (Zurich: Ruegger, 1999). Agradecemos a Purdue University Press e a Peter Froehlich pela gentileza na liberação da publicação dessa tradução.Todos os direitos reservados.