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Mapeando a participação política nas Américas e no Caribe: discussão conceitual e aproximações empíricas1
The contours of political participation in the Americas and the Caribbean
Los contornos de la participación política en las Américas y en el Caribe
Mapeando a participação política nas Américas e no Caribe: discussão conceitual e aproximações empíricas1
Sociedade e Cultura, vol. 20, núm. 2, pp. 240-267, 2017
Universidade Federal de Goiás
Recepção: 12 Novembro 2017
Aprovação: 26 Janeiro 2018
Resumo: O trabalho analisa a participação política no continente americano, utilizando como fonte de dados as rodadas de 2004, 2006-2007, 2008, 2010 e 2012 da pesquisa Barômetro das Américas. O conceito de participação política é discutido, de forma a propor sua classificação levando em conta várias dimensões e descrever sua distribuição e intensidade.Também são comparadas a frequência e a intensidade do ativismo político dos americanos e caribenhos com as dos cidadãos de outros continentes. Como principais resultados, o artigo destaca a existência de cinco modalidades de participação, verifica que o voto e o ativismo comunitário são as atividades mais frequentes, identifica a nacionalidade dos cidadãos mais e menos participativos e mostra que o nível de ativismo político dos americanos e caribenhos está próximo ao dos cidadãos de outros continentes, como os europeus e os africanos.
Palavras-chave: participação política, América Latina, Barômetro das Américas.
Abstract: The article analyzes the political participation in American and Caribbean countries, using as data source the 2004, 2006-2007, 2008, 2010 and 2012 rounds of Americas’ Barometer Surveys. The concept of political participation is discussed in order to propose its classification, taking into account several dimensions and describe its distribution and intensity. The frequency and intensity of political activism of the Americans and the Caribbean citizens with citizens of other continents are also compared.As main results, the article highlights the existence of five modalities of participation, verifies that vote and community activism are the most frequent activities identifies the nationality of the most and less participative citizens and shows that the levels of political activism between Americans and Caribbean and Europeans and Africans are closer.
Keywords: political participation, Latin America, Americas’ Barometer.
Resumen: El trabajo analiza la participación política en el continente americano y caribeño, utilizando como fuente de datos las ediciones de 2004, 2006-2007, 2008, 2010 y 2012 de la encuesta Barómetro de las Américas. El concepto de participación política es discutido, de manera a proponer una clasificación teniendo en cuenta varias dimensiones y describir su distribución e intensidad. También son comparadas la frecuencia y la intensidad del activismo político de los americanos y caribeños con las de los ciudadanos de otros continentes. Como principales resultados, el artículo destaca la existencia de cinco modalidades de participación, comprueba que el voto y el activismo comunitario son las actividades más frecuentes, identifica la nacionalidad de los ciudadanos más y menos participativos y muestra que el nivel de activismo político de los americanos y caribeños está cercano al de los ciudadanos de otros continentes, como europeos y africanos.
Palabras clave: participación política, América Latina, Barómetro de las Américas.
1. Introdução
Objetiva-se analisar a participação política nas Américas e no Caribe, tomando como fonte de dados as rodadas de 2004, 2006-2007, 2008, 2010 e 2012 da pesquisa Barômetro das Américas2. O tema, apesar de muito estudado na ciência política, continua relevante e atual, considerando-se não só as consequências da participação política para o funcionamento do regime democrático nas sociedades contemporâneas, mas também por ser esse um fenômeno múltiplo em manifestação e significado.
Discute-se o conceito de participação política, buscando identificar a complexidade do fenômeno; a seguir propõe-se uma classificação dessa ação, levando em conta suas dimensões e, finalmente, descreve-se a sua distribuição, no recorte geográfico e temporal considerado.
O trabalho tem duas partes principais. Na primeira, comparam-se alguns dos principais estudos sobre participação política, destacando suas semelhanças e diferenças no que concerne à conceituação e às dimensões levadas em conta. Como resultado, sugere-se uma definição de participação política e selecionam-se seus possíveis indicadores empíricos. A segunda parte é de análise empírica dos dados sobre os tipos de participação dos cidadãos de países americanos e caribenhos, de 2004 a 2012. Ressalta-se a natureza multidimensional do fenômeno, apontam-se as atividades participativas mais frequentes e a intensidade de ativismo, identificam-se as nacionalidades dos cidadãos mais e menos participativos e comparam-se os resultados com dados similares, relativos a cidadãos de outros continentes e países.
Alguns critérios justificam a escolha do Barômetro das Américas como fonte de dados. Um deles é a riqueza do questionário utilizado: ele contém dezenas de questões sobre participação política. Além disso, a pesquisa cobre um período de cerca de uma década, na qual as entrevistas foram aplicadas bianualmente, sem interrupções.A análise dos dados é descritiva, visando um mapeamento do engajamento participativo dos entrevistados, no período considerado. A potencial contribuição ao estudo do tema está no fato de que se leva em conta a quase totalidade dos países das Américas e do Caribe, em cinco rodadas sucessivas do Barômetro das Américas, algo inédito na literatura especializada. Assim, espera-se que as reflexões e os resultados aqui apresentados incorporem novos conhecimentos sobre a questão, impulsionando estudos com objetivos similares.
Importante ressaltar que não se utilizam variáveis indicadoras de participação política digital (via internet). Isso porque o fenômeno é recente, sendo ainda incipiente a abordagem pela literatura especializada. Ademais, as pesquisas de opinião exploradas não contemplam esse tipo de participação no período temporal selecionado.
2. O conceito de participação política
Esclarecer o significado dos termos utilizados é tarefa essencial em qualquer esforço analítico, em todos os ramos da ciência. Mais ainda na ciência social, área em que há ainda muita controvérsia sobre definições e classificações que sejam úteis e fecundas para distinguir, descrever fenômenos e propor teorias explicativas sobre a realidade que interessa estudar.
Gerring (1999) sugere como ponto de partida para a construção dos conceitos a utilização de seu significado comum, já popularmente estabelecido, como os fornecidos pelos dicionários. É o que faz Fialho (2008) para definir participação política. O autor acessa três dos mais difundidos dicionários brasileiros da língua portuguesa e mostra que todos compartilham a definição de que “participar” é “tomar parte em”. Ao consultar dicionários de línguas estrangeiras – como a espanhola, italiana, francesa e inglesa – Fialho (2008) observa que a definição mais usual de “participar” é a mesma também nessas línguas. Afirma, assim, que o significado de participar, entendido como tomar parte em qualquer tipo de atividade, possui uma natureza ativa e expressa a ideia de ação.
Interessa, no entanto, definir participação ‘política’. Esse adjetivo indica que a ação incide numa esfera ou campo específico. Fialho (2008) ressalta que o significado recorrente que se atribui à “política” é aquele que a relaciona a questões de Estado e de governo. Porém, uma definição mais rica e fecunda pode extrapolar o terreno das instituições públicas. Reis (1994), por exemplo, considera que o termo política envolve as relações estratégicas – conflituosas ou cooperativas – que visam o poder e, portanto, pode ser analisado em qualquer arena, desde a família, os grupos e associações diversas da sociedade até o governo.
Na produção teórica da ciência política, há diversos autores que discutiram o significado e os indicadores empíricos da participação política. Pode-se considerar, de modo geral, que há alguma controvérsia sobre aspectos como a natureza do fenômeno – se unidimensional, bidimensional ou multidimensional –, sobre o repertório de atividades participativas e sobre a finalidade do ativismo político, dentre outros aspectos.
Um dos autores que iniciaram o debate foi Milbrath (1965), que propõe uma definição unidimensional da participação política, considerando somente as ações que visam influenciar processos eleitorais. Ele também destaca o caráter cumulativo da participação, ressaltando que um cidadão minimamente participativo tende, com o passar do tempo, a engajar-se cada vez mais em outros tipos de atividades. O autor constrói uma classificação hierárquica das atividades políticas e utiliza os nomes dos papeis exercidos por romanos na arena de gladiadores – apáticos, espectadores e gladiadores – para distinguir as atividades num continuum. Assim, por exemplo, classifica como apáticos os que não se envolvem em qualquer atividade, como espectador quem vota e como gladiador o postulante a cargo político.A natureza unidimensional da participação política, concebida por Milbrath (1965), é analisada por Norris (2007), Ribeiro e Borba (2011) e Borba (2012) como uma evidênciade que Milbrath considera como alvo único do ativismo político os governos. Assim, ele teria uma visão restrita sobre o fenômeno.
Huntington e Nelson (1976) especificam que o que está em jogo, quando se fala em participação política, são ações, comportamento, e não atitudes (como interesse por política ou sentimento de eficácia política, por exemplo). Consideram como finalidade da participação política a tentativa de influenciar os processos de decisão governamental, mesmo que não logrem sucesso. Nesse ponto, os autores comungam a mesma concepção de Milbrath (1965), destacando que as atividades participativas compartilham de um mesmo objetivo, o governo.
Contudo, para esses autores, o leque de indicadores de participação política é mais amplo, pois a manifestação do fenômeno é relativamente mais heterogênea do que a pensada por Milbrath (1965). Para Huntington e Nelson (1976), a participação política comporta atuação individual e coletiva,movimentos organizados e espontâneos,periodicidade contínua e esporádica e desenvolvimento pacífico e violento. Ademais, ela não ficaria restrita à arena eleitoral, sendo possível classificá-la em pelo menos cinco tipos: atividade eleitoral, lobby, atividade organizacional, contato com políticos e atos políticos violentos.
Segundo Borba (2012), uma forma de expressão política usual nos dias atuais, os protestos, só passa a ser reconhecida como atividade participativa – em estudo empírico sistemático – a partir do trabalho de Barnes et al. (1979). Para Borba (2012), a menor importância dada pela literatura do campo da participação política aos protestos reside no fato dessa atividade ter sido mais usual, pelo menos até meados da década de 1960, em países menos desenvolvidos ou subdesenvolvidos. Isso teria atribuído aos protestos uma conotação antidemocrática, já que esses países se caracterizavam pela instabilidade política, expressa na alternância de governos com feições ora democráticas, ora autocráticas. Sendo assim, os movimentos feministas e estudantis e os de contestação à Guerra do Vietnã, por exemplo, contribuíram para mudar o status das atividades de protesto, consideradas, desde então, atividades participativas possíveis também em regimes políticos democráticos.
O trabalho de Barnes et al. (1979) incorpora novos vocábulos aos estudos da área, ao separar as atividades participativas entre “convencionais” e “não convencionais”. Assim, a participação política seria bidimensional: de um lado, as atividades usuais, circunscritas à arena eleitoral, de outro, as contestatórias, expressas por protestos, ocupações de espaços públicos e privados e por assinatura de petições. Em cada um dos tipos de participação, haveria um continuum, análogo ao proposto por Milbrath (1965): o engajamento se dá de modo cumulativo e as atividades participativas estão dispostas hierarquicamente, sendo umas consideradas mais intensas que outras. Barnes et al. (1979) formulam uma “tipologia de intensidade da ação política”, na qual classificam os indivíduos como inativos, conformistas, reformistas, ativistas e manifestantes (protesters).
Booth e Seligson (1976) fazem críticas às concepções predominantes de participação política. Entendem que, de uma forma geral, elas atribuem apenas às populações urbanas o comportamento participativo na política e restringem as atividades participativas à arena eleitoral. As consequências da disseminação dessas ideias seriam diversas, estando entre elas: (1) a formação de importantes lacunas nos estudos sobre formas alternativas de mobilização política, (2) a ocultação do papel de grupos marginais ou de minorias na dinâmica participativa, e (3) o excessivo foco na política desenvolvida nos Estados Unidos da América. Os autores baseiam suas análises em dados de pesquisas de opinião realizadas nas décadas de 1970, em países latino-americanos. Dentre as observações mais relevantes, está a de que o ativismo em organizações locais e aquele voltado para a resolução de problemas comunitários ocupam um papel central no jogo político. O engajamento nessas modalidades de participação possibilitaria aos cidadãos a conquista de melhorias nas suas comunidades, em benefício do coletivo – embora ele possa, também, favorecer interesses particulares, uma vez que estreita os laços dos cidadãos mais marginalizados com a elite política, uma relação que pode servir como trampolim para uma carreira política e parao incremento da riqueza pessoal, por exemplo.
Desse modo,Booth e Seligson (1976) também compartilham a ideia de que a finalidade das atividades participativas é influenciar, direta ou indiretamente, a esfera governamental, assim como defendem Milbrath (1965) e Huntington e Nelson (1976). Contudo, aqueles distinguem-se destes ao acrescentarem, entre os indicadores de participação política, as atividades voltadas à esfera comunitária.
Escrevendo em meados da década de 1990,Verba, Schlozman e Brady (1995) definem participação política como uma atividade que visa influenciar a ação governamental, tanto diretamente – influindo na formulação e na realização de políticas públicas –, como indiretamente – atuando na seleção das pessoas que formulam essas políticas. Também elencam uma série de atividades participativas que extrapolam a arena eleitoral – afastando- se de Milbrath (1965) –, mas dedicam-se mais fortemente a analisar os efeitos dos grupos de interesse (organizações não governamentais, sindicatos, grupos de pressão, movimentos políticos etc.) nas decisões governamentais.A principal tese sustentada por esses autores é que a natureza da participação é desigual, com o engajamento nas atividades sendo mais comum entre as pessoas com mais recursos, ou seja, aquelas que possuem condições socioeconômicas mais altas. Além disso, listam mais de trinta indicadores de participação política.
Na visão de Ribeiro e Borba (2011),esse estudo destaca o conteúdo multidimensional daparticipaçãoepromoveumaarticulaçãoentredimensõesquealiteraturatradicionalmente trata de forma distinta: a participação de cunho político e a participação de cunho social. Por outro lado, essa ampliação do escopo do conceito e dos indicadores de participação política deu margem a críticas, como as de Van Deth (2001), para quem a proposta temproblema, por não traçar a linha demarcatória de um conceito mínimo de participação política. O risco, segundo Van Deth (2001), é a ampliação rumo a uma “teoria do tudo”.O trabalho deTeorell,Torcal e Montero (2007) critica a definição de participação política de Verba e Nie (1972), vista como estreita por considerar como atividades participativas apenas as voltadas a influenciar a seleção de políticos e as decisões governamentais.Teorell, Torcal e Montero (2007) afirmam que, em países onde predomina a lógica da economia de mercado, a alocação de valores na sociedade não é papel exclusivo do Estado e dos atores do setor público. Nessas circunstâncias, grandes empresas (como McDonald’s, ZARA, empresas petrolíferas, entre outras) e organizações transnacionais (como Organização das Nações Unidas, Fundo Monetário Internacional, Fórum Econômico Mundial) são também alvos dos cidadãos, que visam resultados políticos a partir do ativismo.
A partir dessa concepção, Teorell, Torcal e Montero (2007) propõem a ampliação dos estudos da área, considerando variáveis como o boicote e a compra direcionada de produtos por motivações políticas entre os indicadores de participação política. Distinguem quatro tipos de participação: “contato”, “atividades partidárias”, “atividades de protesto” e “participação do consumidor” (consumer participation). O último tipo agrega às duas variáveis mencionadas acima, ações relativas a assinar petição e doar dinheiro a partido político.
Pizzorno (1975) é, de longe, o autor aqui abordado que possui a noção mais ampliada a respeito da participação política, definindo-a como uma ação que as pessoas cumprem em solidariedade umas com as outras, no âmbito do Estado ou de uma classe, com vistas a conservar ou modificar a estrutura – e, portanto, os valores – do sistema de interesses dominantes.
Na concepção de Pizzorno (1975), as ações participativas objetivam, como produto final, influenciar o aparato estatal. Porém, ao contrário dos demais autores citados anteriormente, ele vislumbra a possibilidade de modificação radical via participação política, indo muito além da influência nas decisões governamentais e da seleção de líderes políticos. Segundo Pizzorno (1975), a participação política em contextos de sufrágio universal leva à configuração de dois cenários. Um é congruente com as regras do jogo da sociedade capitalista, que são por natureza desiguais, procurando extrair vantagens das oportunidades que surgem da dinâmica desse sistema. O outro cenário consiste em atuar fora dessa estrutura de desigualdades, procurando quebrá-la através da luta de classes. O problema para a efetivação desse último cenário é que o sistema de desigualdade funda-se em valores que lhe são congruentes, atingindo um caráter universal em certos contextos. Para que a luta de classes consiga derrubar isso, ela também deve se tornar um valor universal.
Em relação aos tipos de participação política, Pizzorno (1975) ressalta ser necessário distingui-los levando em conta suas diferentes origens e características: a atividade política profissional, a participação como meio da expressão de posições na sociedade civil e a participação como expressão de interesses associativos, mais ou menos isolados das estruturas dominantes. Assim, sua concepção incorpora um perfil participacionista até então excluído pelos demais autores tratados, exceto Milbrath (1965): o “políticoprofissional”.Além desse, considera como modalidade de ação política a participação civil na política, os movimentos sociais e a subcultura3.
Para Borba (2012),Pizzorno (1975) tem o mérito de antecipar em mais de uma década o debate sobre o que posteriormente foi chamada de modalidade “não convencional” de participação política (Barnes et al., 1979)4. Ao inserir a questão da identidade como elemento explicativo do envolvimento político, Pizzorno (1975) também influenciou o trabalho de Verba, Schlozman e Brady (1995), que, como sugerido acima, propuseram ser a participação política uma ação dependente dos recursos individuais, em especial, tempo, dinheiro e habilidades. Contudo, Pasquino (2010) lembra que falta clareza a Pizzorno em muitos pontos de sua proposta analítica e que os conceitos criados por ele carecem de operacionalização empírica.
3. Participação política: uma proposta de definição teórica e de operacionalização
3.1. Conceituação de participação política
A análise acima sugere algumas conclusões preliminares. Em primeiro lugar, não háconsenso sobre o significado de participação política. Talvez o único ponto de acordo entreparte dos especialistas seja a proposta de que o fenômeno se expressa por atividades e nãopor atitudes, ou seja, ele está relacionado a comportamento e não a aspectos subjetivos.
Em segundo lugar, com relação à finalidade da participação política, observa-semais de uma interpretação. A mais comum é a de que as atividades participativas visam ainfluenciar decisões governamentais, seja no governo nacional, regional ou local. Entretanto,se o termo política refere-se às ações estratégicas visando à conquista do poder (Reis, 1994),participação pode ser analisada em outras arenas, além da governamental. Pizzorno (1975)vai além ao lembrar que a participação política pode gerar uma transformação estrutural doEstado, sendo a força motriz de reformas profundas e mesmo de revolução política.
Em terceiro lugar, pode-se identificar a incorporação de arenas de atuação e de modalidadesdiversas ao conceito de participação política à medida que avançam os anos. Em meadosda década de 1960, Milbrath (1965) elencava pouco mais de uma dezena de atividadesparticipativas, todas pertencentes à arena eleitoral. Trinta anos depois, Verba, Schlozman e Brady (1995)5 propõem mais de trinta e dois indicadores, de nove tipos diferentes de participação.Esse movimento expressa a importância que passaram a ter as ações contestatórias,que ajudaram a romper a noção de que participação só se atém à arena eleitoral
Esse debate contribui para a formulação da definição de participação política consideradaneste artigo. Primeiramente, utiliza-se o ponto consensual na literatura: participação remetea comportamento, a ação. Em segundo lugar, entende-se que a participação política podese desenvolver em diversos ambientes e em vários campos, seja o econômico, o cultural, opolítico etc. Em terceiro lutar, a definição leva em conta as finalidades das atividades ou osresultados visados, e não as motivações da ação. Assim, considera-se que participação políticarefere-se a atividades exercidas por indivíduos e grupos, em diversas arenas, com o objetivode influenciar as dinâmicas de poder. Ressalta-se que a definição proposta nada diz sobrea eficácia ou não da atividade, ou sobre a extensão maior ou menor das transformaçõespromovidas na sociedade e nos governos por meio da participação política.
No Quadro 1, listam-se os possíveis indicadores empíricos de participação política,com base na definição proposta.

Duas observações são importantes. A primeira refere-se ao alcance da dinâmicaparticipativa, o qual não se incorpora à concepção de que os resultados dessa dinâmicapodem contribuir para uma mudança estrutural do Estado (Pizzorno, 1975). Isso porquea ocorrência de movimentos revolucionários mostra-se pouco frequente ao longo dahistória e o interesse deste trabalho recai sobre as atividades mais usuais. Outra observaçãoé que a filiação a grupos e a associações de tipos diversos, para além dos partidos políticose das associações comunitárias, não foi incluída na lista proposta acima. Isso porquealgumas dessas associações, como as de igrejas, de mulheres ou os grêmios recreativos, porexemplo, podem ou não ter relação com questões políticas. Por não possuírem um caráterpolítico inequívoco, tais filiações foram excluídas da lista de indicadores.
3.2. As dimensões da participação política
Com base na lista de indicadores contida no Quadro 1 e na disponibilidade de itensmedidos na pesquisa Barômetro das Américas, foram selecionadas treze variáveis comoindicadoras de participação política. São elas:6
Votar na eleição presidencial;
Trabalhar em campanha eleitoral;
Contatar deputados (estaduais e federais);
Contatar atores políticos governamentais (ministérios e secretarias);
Contatar atores políticos locais (prefeitos e autoridades militares)
Contatar vereadores e atores governamentais locais;
Agir para solução de problemas na comunidade em que se vive;
Assistir a reuniões de associação de bairro;
Assistir a reuniões de partido político;
Assistir audiência pública na câmara dos vereadores ou na prefeitura;
Tentar convencer outros sobre a escolha do voto;
Participar de manifestações ou protestos públicos;
Assinar petições.
Embora haja critérios de ordem teórica para sustentar que todas essas variáveis são indicadoras de participação política, é preciso investigar se elas fazem parte de uma mesma dimensão ou se podem ser discriminadas em diferentes tipos, tendo um caráter multidimensional. A maneira mais adequada para isso é a utilização do teste de análisefatorial exploratória.
Antes de processar e analisar os dados do Barômetro das Américas, com o objetivode identificar as possíveis dimensões da participação política, é importante trazer osresultados de outras pesquisas sobre essa questão. O estudo de Verba, Nie e Kim (1987) foium dos primeiros a tratá-la, numa abordagem comparada. Analisando dados de sete países– Áustria, Índia, Holanda, Nigéria, EUA, Iugoslávia e Japão –, os autores encontram, emtodos eles, a mesma tipificação de participação política: a) “comparecimento eleitoral”(ter votado na eleição anterior à realização da pesquisa); b) “ativismo de campanha”(envolvimento em diversas atividades durante a campanha eleitoral, visando favorecerum candidato ou um partido específico na disputa); c) “ativismo comunitário” (açõesvoltadas a atores e problemas políticos locais); e d) “contatos personalizados” (contataratores políticos e governamentais). Os autores não tratam de atividades de protesto,considerando-as um tipo específico de participação a ser estudado separadamente.
Essa lacuna não existe nos trabalhos de Norris (2002) e Booth e Seligson (2009).Nesses, o número de indicadores de participação política é ampliado e são construídos tiposa partir de pesquisas de opinião que incluem entrevistados de um maior número de países.
Norris (2002) utiliza um conjunto de pesquisas aplicado em mais de cinquentapaíses em meados da década de 1990 e encontra três dimensões de participação política:a) “ativismo cívico” (associação a diversas organizações, como as religiosas, esportivas epartidos políticos); b) “ativismo de protesto” (engajamento em atividades não convencionaisou contestatórias, como protestos, assinatura de petições, ocupações de prédios e fábricasetc.) e c) “comparecimento eleitoral”. O resultado considerado mais relevante pelaautora é a existência de uma dimensão própria para as variáveis sobre participação nãoconvencional ou contestatória, indicando um sentido específico na manifestação políticapor meio desses canais. Variáveis sobre contato com atores políticos e governamentais nãosão incluídas nessa análise.
Em Booth e Seligson (2009), são utilizados os dados do Barômetro das Américas de2004. Dentre as variáveis indicadoras de participação política, os autores classificam quatromodalidades específicas: a) “registro como eleitor e voto”; b) “ativismo de campanhae partidário”; c) “contato com políticos e autoridades” e d) “ativismo comunitário”.De modo suplementar ao teste de análise fatorial realizado, os autores acrescentam,considerando somente a dimensão teórica – pois não submetem as variáveis a qualquerteste de associação –, mais dois tipos de participação política: e) “protestos” e f) “ativismocivil” (assistir a reuniões escolares, de grupos religiosos, de grupos para melhorias dacomunidade e de grupos comerciais e profissionais).
O número de variáveis incluídas nessas análises varia nos três estudos, mas, deforma geral, pode-se afirmar que os mais recorrentes são os indicadores de a) “ativismode campanha”, b) “contato com atores políticos e governamentais”, c) “protestos”, d)“ativismo comunitário” e e) “comparecimento eleitoral”.
Como as treze variáveis selecionadas como indicadoras de participação política paraeste artigo abarcam quase que a totalidade dos itens incluídos nos cinco tipos acima, esperaseencontrar resultados semelhantes por meio dos testes de análise fatorial exploratória7.
A Tabela 1 traz o resultado dessa análise. Utilizam-se, em conjunto, os dadoscompletos de todas as rodadas do Barômetro da Américas. É possível discriminar ostipos de participação política por meio das variáveis incluídas nos diferentes fatores.Num primeiro momento, distinguem-se três tipos: a) contato com atores políticos egovernamentais, b) ativismo comunitário e c) ativismo eleitoral.
O primeiro tipo expressa o contato direto entre representante(s) e representado(s),provavelmente com o objetivo de exercer pressão, manifestar opinião ou encaminharalgum pedido. Com base na redação das perguntas no questionário, não se pode afirmarse o contato ocorre de forma individual ou coletiva e tampouco se conhece a naturezadas questões tratadas.
O segundo, o ativismo comunitário, inclui atuação em questões políticas deabrangência local. Busca-se participar nas ações e na tomada de decisão sobre políticasvoltadas para solução dos problemas da comunidade em que se vive.
Já o ativismo eleitoral inclui atividades que se caracterizam pela tentativa de influenciarresultados eleitorais. Ademais, a atuação está circunscrita a instituições e eventos oficiais,como os partidos políticos e as eleições.
Uma análise mais detida dos dados, porém, revela a existência de mais dois tiposde participação política: comparecimento eleitoral e ativismo de protesto. O maiorcoeficiente da variável indicadora de voto entre os fatores, em cada rodada, apresentapatamar de baixo a moderado, sem ultrapassar o valor de 0,431. Esse valor destoa (parabaixo) das demais variáveis que constituem o fator em que a variável indicadora de votose encontra, em cada rodada. Essa constatação, adicionada aos resultados encontrados porVerba, Nie e Kim (1987), Norris (2002) e Booth e Seligson (2009), reforça a decisão deque o voto deve ser tratado como modalidade específica de participação política.
A variável de participação em protestos também parece fora de lugar entre os fatoresnas quatro primeiras rodadas. O valor de seu coeficiente estatístico também apresenta de baixa a moderada intensidade, sendo que um valor expressivo (acima de 0,7) é observadoapenas na última rodada, de 2012. Nesse caso, juntamente com a assinatura de petição eabaixo-assinado, variável incluída somente nessa rodada, há a clara conformação de umfator específico, intitulado ativismo de protesto.

O Quadro 2 apresenta o nome da cada tipo de participação política encontrado pormeio da análise fatorial, assim como os seus indicadores.

Os resultados apresentados acima fortalecem os achados de outros estudos – comoos de Verba, Nie e Kim (1987), Norris (2002), Booth e Seligson (2009) e Teorell, Torcale Montero (2007) – que mostram a natureza multidimensional da participação política.Diante de tantas evidências sobre os diferentes tipos de participação política, pareceinadequado concebê-la como um fenômeno uno, restrito ao ambiente governamental eeleitoral. Ademais, as diferentes características de cada uma das modalidades de participação– especialmente no que tange ao ambiente de sua manifestação, ao objetivo visado e aotempo envolvido em sua realização – sugerem considerar a hipótese de que cada uma dasmodalidades atrai perfis sociais distintos de indivíduos para a ação política.
3.3. Frequência e intensidade de ativismo político
Não há na literatura especializada um estudo que busque mapear de forma ampla– em relação a número de casos e ao período temporal – a participação política nocontexto das Américas e do Caribe. Somente alguns estudos trazem indicações a esserespeito, focando um tipo de participação política ao longo dos anos ou descrevendoa frequência de diversas atividades para um único ano (Montalvo, 2008; Corral, 2008,2009a, 2009b; Rennó et al., 2011).
A Tabela 2 apresenta a frequência de participação nas diversas atividades consideradasneste artigo, para as diferentes rodadas do Barômetro das Américas. Os indicadoresestão colocados em ordem do mais ao menos intenso, levando-se em conta a média dasfrequências8.

Nota-se que votar é a atividade mais usual entre os americanos e caribenhos: 75,5%dos cidadãos, em média, afirmaram ter comparecido nas eleições presidenciais anteriores,nas cinco rodadas de pesquisas analisadas. Tal resultado é o esperado, uma vez que essaatividade requer menos esforço para ser realizada, além de mobilizar mais a população.Provavelmente, o fato de o voto ser obrigatório9 em boa parte dos países também explicao percentual médio bem maior do que o encontrado para qualquer outra atividaderealizada por americanos e caribenhos.
Destaca-se também o papel das atividades participativas ligadas a problemas locais. Aação em prol de melhorias na comunidade é a segunda mais praticada. Dentre as atividadesde contato, a que se direciona a atores políticos locais é a mais frequente. Ademais, assistir a reuniões de associação de bairro, a quarta atividade mais comum, supera em cerca de10% a porcentagem de assistir a reuniões partidárias.
Os resultados sobre a frequência das atividades participativas de cunho comunitário,aliados à constatação de que seus indicadores constituem uma modalidade específica departicipação política, reforçam os argumentos de Booth e Seligson (1976), que alertavampara a centralidade do ativismo político de nível local entre os latino-americanos.
As atividades chamadas de não convencionais ou contestatórias, como assinaturade petições e participação em protestos, ocupam posição intermediária, com frequênciaspróximas a 12%. Já o envolvimento com atores políticos e governamentais tradicionais ede abrangência nacional mostra-se o tipo menos comum de participação.
Excetuando-se o voto, a média percentual de envolvimento dos cidadãos nas demaisatividades é inferior a 50%. Isso significa que essas formas de participação política nãofazem parte da rotina da maior parte dos americanos e caribenhos. Esse cenário se mostrarelativamente estável ao longo dos anos pesquisados, com pequenas alterações nos percentuais
As maiores variações percentuais no período ocorrem em relação a contato comatores políticos locais, tentativa de convencer outros na escolha do voto, assistir a reuniãode associação de bairro e participação em protestos. Na primeira e na segunda dessasvariáveis, notamos uma clara diferença entre a primeira rodada e as seguintes, comaumento, na primeira, e queda de percentuais, na segunda. Em ambos os casos, a variaçãoé de aproximadamente 7% e verifica-se uma estabilidade nos percentuais no períodosubsequente, ficando em torno de 14% para contato com atores políticos locais e entre33% e 36% para a tentativa de convencer os outros sobre a escolha do voto.
A tendência na variável assistir a reunião de associação de bairro, por sua vez, é dequeda paulatina dos percentuais, embora a trajetória descendente não seja perfeitamentelinear.
Por fim, identifica-se uma tendência de aumento paulatino nos percentuais departicipação em protestos nas três primeiras rodadas e uma queda abrupta nas duasrodadas subsequentes, com a frequência estabilizando-se em cerca de 8%. É importanteregistrar que a flutuação no percentual da variável sobre protestos provavelmente se deveàs mudanças realizadas em sua medição. Houve alteração na redação da pergunta aplicadaaos entrevistados: nas três primeiras rodadas do Barômetro das Américas, ela se refere àparticipação em manifestações e protestos durante algum período da vida, ao passo que, apartir de 2010, os entrevistados são questionados sobre o seu engajamento nesse tipo deatividade ao longo dos doze meses anteriores à realização da pesquisa.
Ao agregarem-se os indicadores por tipo de participação política, na Tabela 3,observa-se uma clara hierarquia na distribuição. Em primeiro lugar, o comparecimentoeleitoral, seguido de ativismo comunitário e ativismo eleitoral; por fim, o ativismo deprotesto e o contato, com percentuais próximos. Importa destacar a posição intermediáriaque o ativismo eleitoral ocupa, em termos de frequência. Esse resultado indica que aproposta de Milbrath (1965), que arrola as atividades participativas eleitorais como as únicas indicadoras de participação política, faz pouco sentido para entender o fenômeno,pelo menos no contexto americano e caribenho mais recente.

É relevante analisar, também, os percentuais de ativismo comparando os diversospaíses inseridos na amostra do Barômetro das Américas, com o objetivo de identificaronde há, no período, mais e menos participação política. O critério adotado para isso éa contagem do número de vezes em que determinado país figura entre as três primeirase as três últimas posições no ranking de frequência de cada atividade, respectivamente11.A Tabela 4 contém as informações sobre a nacionalidade dos cidadãos mais e menosparticipativos por tipo de participação política e a Tabela 5 comporta essas mesmasinformações, mas em relação a cada atividade específica.
Considerando os dados de todos os indicadores de participação, identifica-se que oCanadá – que ocupa seis vezes as três primeiras posições de ativismo, considerando todas asatividades participativas – os EUA e o Haiti (ambos cinco vezes nessa posição) e a RepúblicaDominicana (quatro vezes nessa posição) são os países dos cidadãos mais participativos, aopasso que em Honduras, no Panamá, na Argentina e no Equador, países que figuram quatrovezes entre as três últimas posições de ativismo, encontram-se os menos participativos.
Do conjunto de dados a respeito, dois pontos devem ser destacados. Em relaçãoao voto, os mais participativos estão inseridos em contextos onde ele é compulsório,enquanto os cidadãos menos participativos vivem em países onde o sistema eleitoral facultao direito ao voto. Esses resultados indicam que é importante analisar separadamente paísescom sistemas eleitorais de voto compulsório e facultativo, especialmente ao investigar osfatores determinantes do comparecimento eleitoral.
Também é possível notar, a partir dos dados presentes nas Tabelas 4 e 5, que os paísesamericanos e caribenhos variam muito em suas posições nas diversas atividades participativas.Os surinameses, por exemplo, estão entre os mais participativos na modalidade de ativismoeleitoral, mas, por outro lado, são os menos participativos em atividades de protesto.
Ademais, cidadãos de determinados países mostram-se os mais ativos em tipos departicipação marcantemente distintos entre si. Por exemplo, os canadenses são mais ativostanto em contato com atores políticos e governamentais, uma das formas convencionaisde participação política; quanto em ativismo de protesto, a forma mais contestatória departicipação. Da mesma forma, haitianos e dominicanos são os mais participativos tantoem ativismo comunitário, quanto em ativismo eleitoral, os quais expressam diferentesmodalidades de participação política.


Para analisar o repertório de participação política, é possível, ainda, examinar aTabela 6, que mostra as percentagens de entrevistados que afirmaram ter participado denenhuma, algumas ou todas as atividades, considerando os países em conjunto, para cadauma das rodadas.
Os dados sugerem que o grau de participação dos americanos e caribenhos é baixo.Em todas as rodadas, cerca de metade dos cidadãos está incluída na situação de nãoparticipação ou na participação em, no máximo, duas atividades. Entre os que participam,identifica-se uma tendência linear decrescente: à medida que aumenta o número deatividades, cai o percentual de indivíduos nelas envolvidas. Observa-se esse padrão emtodas as rodadas, ininterruptamente.
Os resultados até aqui analisados permitem considerar que o ativismo político fazparte da vida da minoria dos americanos e caribenhos e que, dentre os participativos, orepertório de ações é limitado. Em ambas as dimensões, os padrões e tendências mostramseestáveis ao longo de todo o período analisado.

4. Participação política em perspectiva comparada
Até que ponto os patamares de participação de americanos e caribenhos sedistinguem dos de cidadãos de outros países e regiões? Os seus graus de participaçãopodem ser considerados baixos ou altos? Para responder a essas perguntas, é necessárioter um critério para distinguir o que é “pouca” e “muita” participação. A forma maisadequada de realizar essa análise é por meio da comparação.
O ideal seria contrapor a frequência das atividades participativas entre americanos ecaribenhos à de cidadãos de maior número possível de países. Mas há escassez de dadosde pesquisas de opinião que possam ser comparáveis, conforme alerta Norris (2002).Adicionalmente, nem todas as pesquisas de opinião que abarcam países variados possuemcomo principal interesse questões de natureza política e, especificamente, as relacionadasà participação. As pesquisas European Social Survey (ESS) e AfroBarometer (AB), porém,têm escopo semelhante ao do Barômetro das Américas: contêm vasta gama de variáveissobre política, entrevistam cidadãos de variados países de um continente específico ecomportam séries temporais que cobrem cerca de uma década. Por apresentarem essascaracterísticas, são essas as pesquisas utilizadas nas análises comparadas a seguir.
As Tabelas 7 e 8 fornecem informações sobre a frequência das atividades participativasentre africanos (Tabela 7) nos anos 2002, 2004, 2006, 2008 e 2010; e entre europeus eisraelenses (Tabela 8) nos anos de 2002-2003, 2005-2006, 2008-2009 e 2011-2012.
Comparando os dados dos cidadãos americanos e caribenhos com os demais,observa-se pouca diferença no comparecimento eleitoral. Entre os cidadãos dos trêscontinentes, a média percentual varia entre 70% e 75%.
Nota-se, contudo, bastante diferença no ativismo comunitário. Nesse caso, só é possívela comparação com os africanos: eles são muito mais ativos nessa arena, considerando váriosindicadores. A frequência com que se assiste a reuniões na comunidade, por exemplo, équase duas vezes e meia mais comum entre os africanos (64,8%) que entre os americanose caribenhos (26,9%). Também há bastante diferença no contato com atores políticos egovernamentais de âmbito local. Enquanto americanos e caribenhos apresentam médiaspróximas a 15,0% – para “contato com atores políticos locais”, 14,9% e para “contatocom vereadores e atores governamentais locais”, 13,7% - entre os africanos elas mostramsequase que duas vezes mais comuns: para “contato com ator governamental local”,27,3% e para “contato com conselheiros do governo local (vereadores)”, 26%.
Quanto à tentativa de convencer as pessoas sobre a escolha do voto, a comparaçãotambém só é possível entre americanos e caribenhos, de um lado, e africanos, de outro.Nesse caso, os percentuais são próximos, em torno de 35,0% entre os primeiros eaproximadamente 30,0% entre os últimos.
O contato com parlamentares é uma atividade medida nas três pesquisas de opinião,embora a pergunta referente no ESS seja mais geral que nas demais, pois considera“contato com atores políticos e governamentais” conjuntamente. A despeito desse ponto,verificam-se percentuais próximos entre europeus e israelenses, e africanos (entre 10,0% e 15,0%, aproximadamente), ao passo que entre americanos e caribenhos essa prática é umpouco menos usual (8,0%).
A participação em protestos apresenta flutuações nos três casos analisados, mas é possívelidentificar diferenças. Esse tipo é menos comum entre europeus e israelenses (média de6,5% em manifestações legais e 1,2% em protestos ilegais, essa última medida presenteapenas para a rodada de 2002) em comparação com os africanos, americanos e caribenhos,que têm percentuais próximos (em torno de 15% para protestos). Já a assinatura de petiçõese/ou abaixo-assinados é questão tratada somente no ESS e no Barômetro das Américas e adiferença se mostra nítida: os europeus e israelenses apresentam quase o dobro de frequêncianessa atividade (20,5%) em relação aos americanos e caribenhos (11,5%).
Por fim, ressalta-se a dificuldade para comparar as atividades participativas ligadasa partidos políticos. Nas três pesquisas utilizadas, essa questão é abordada, mas de trêsmaneiras distintas, o que prejudica a comparação. Talvez o envolvimento partidário quemais requer dedicação e tempo seja a filiação partidária, que alcança baixa proporçãoentre os europeus e israelenses (5%). Assistir a reuniões partidárias, atividade que nãorequer necessariamente a filiação, é prática comum para cerca de 15,0% dos americanose caribenhos. Já a simpatia partidária, talvez o laço mais frouxo entre cidadãos e partidos,alcança média de aproximadamente 60% entre os africanos. Dadas as grandes diferençasde medidas, não parece pertinente comparar essa dimensão para os três casos.
Em síntese, os dados mostram que os africanos são os mais ativos na política comunitária.Já no contato com atores políticos e governamentais inseridos em esferas de poder nacionalhá poucas diferenças entre os cidadãos dos três continentes pesquisados, assim como entreos indicadores de participação na arena eleitoral (comparecimento eleitoral e convencer osoutros sobre a escolha eleitoral). Em atividades políticas contestatórias, europeus e israelensesmostram-se os mais ativos em assinatura de petições, mas engajam-se com menor frequênciaque os africanos e os americanos e caribenhos em protestos.
Apesar das diferenças apontadas acima, pode-se constatar que, ao considerar oconjunto das atividades, a distribuição do ativismo político entre americanos e caribenhosnão apresenta diferenças significativas em relação aos valores encontrados para os cidadãosdos outros continentes analisados. Em todos os públicos, a participação na política não étarefa à qual se dedica a maior parte dos cidadãos.


Considerações finais
Este artigo discutiu a participação política nas Américas e no Caribe. Mostrou-se queesse é um fenômeno multidimensional para o contexto analisado, no período temporalrecente. Parece plausível propor que a ideia de demodiversidade – isto é, a coexistênciapacífica ou conflituosa de diferentes modelos e práticas democráticas –deve estar nohorizonte dos pesquisadores da área. Isso implica considerar menos fecundo um modelorestritivo de participação política, tal como o concebido por Milbrath (1965), que analisaas atividades participativas circunscritas exclusivamente à arena eleitoral.
A frequência das atividades participativas selecionadas indicou que apenas o voto éação política comum na vida dos cidadãos. A grande maioria participa da escolha de seusrepresentantes e governantes, independente do sistema eleitoral requerer a obrigatoriedadeou não do voto. Quanto à participação nos interstícios eleitorais, os dados mostram que ela pode ser considerada baixa, levando-se em conta que mais da metade dos americanose caribenhos variam da apatia política à participação em até duas atividades.
Para além do voto, ganha destaque o ativismo comunitário, o segundo tipode participação mais frequente. Isso revela que a discussão e a resolução de questõescomunitárias, locais e presentes no cotidiano, são, também, aspecto central para americanose caribenhos, assim como para os africanos. Entretanto, esse é um tipo de participaçãopolítica sobre o qual o interesse dos pesquisadores é recente e há ainda muita carência dedados a respeito. Pesquisas aplicadas em países desenvolvidos – como o European SocialSurvey e o World Values Survey, por exemplo – não tratam dessa dimensão, o que dificultauma comparação mais ampla.
O Barômetro das Américas também não contém dados que permitam o testeempírico de teses importantes sobre o tema da participação política. Um exemplo é atese da emergência do cidadão pós-materialista ou crítico, proposta por Inglehart (1990;1993; 1997) e tratada também por Norris (1999; 2002).
Esses autores formulam a hipótese de que, especialmente nas sociedades altamenteindustrializadas ou desenvolvidas, a riqueza teria gerado mudanças na percepção desegurança econômica e aumento de capacidade cognitiva dos indivíduos, levandoos,paulatinamente, a modificarem seus valores. Assim, a predominância dos valoresmaterialistas, que se caracterizam pela preocupação com a segurança econômica, estariadiminuindo, em contraposição ao aumento dos valores chamados pós-materialistas, quese fundam na defesa da autoexpressão (busca por mais direitos para as mulheres e oshomossexuais, defesa do meio ambiente, por exemplo).
Na política também estariam ocorrendo mudanças. Seriam mais comuns atitudese comportamentos críticos aos atores e instituições políticas tradicionais – como ospolíticos, os partidos e os sindicatos –, ao mesmo tempo em que ocorreria um aumento doapoio ao regime e aos valores democráticos, mas acompanhado de um ativismo políticocontestatório, como a participação em protestos, em boicotes, em ocupações de prédiospúblicos e privados e na assinatura de abaixo-assinados.
A investigação da possível emergência desses “cidadãos críticos” nos países incluídosna amostra do Barômetro das Américas não foi feita porque há pouca informação sobre otipo de participação considerada contestatória. Espera-se, contudo, que o aprimoramentodo questionário e a persistência do projeto por mais alguns anos permitam a investigaçãodesse tema.
O trabalho contribui para o conhecimento da participação política no contexto dasAméricas e do Caribe, pois, a partir da inclusão de diversos países e rodadas de pesquisa,analisaram-se as principais tendências na participação política; identificaram-se as atividadesmais frequentes e a nacionalidade dos cidadãos mais e menos participativos; descreveu-sea intensidade de participação e o quão ativos são americanos e caribenhos, comparadoscom cidadãos de outros continentes. Cobrir lacunas na literatura especializada com amplaquantidade de dados e de série temporal é a contribuição deste estudo para a literaturaespecializada.
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Notas