Entrevista

Envelhecimento e longevidade: Entrevista com Anne-Marie Guillemard

Revalino Antonio de Freitas
Universidade Federal de Goiás, Brasil

Envelhecimento e longevidade: Entrevista com Anne-Marie Guillemard

Sociedade e Cultura, vol. 21, núm. 1, pp. 250-258, 2018

Universidade Federal de Goiás

Anne-Marie Guillemard é professora emérita de Sociologia, da Universidade Descartes Sorbonne (Paris 5). De longa data, tem se dedicado a investigar a proteção social, o envelhecimento e a longevidade. Desde os anos 1970 ela se tornou uma das mais importantes pesquisadoras europeias no campo da Sociologia do Envelhecimento.Suas investigações se constituem em uma sofisticada construção teórica, amparada em constantes análises de dados empíricos, envolvendo temas como a proteção social, políticas de envelhecimento, solidariedade geracional, temporalidade, idades da vida, aposentadoria, trabalho, formação, longevidade e alongamento da vida. Não são apenas vocábulos a expressar um ponto de vista. Tratam-se de categorias analíticas a construir um campo de investigação, demarcar os limites – do ponto de vista sociológico – da velhice e do processo de envelhecimento, estabelecer os procedimentos teóricos e metodológicos necessários à apreensão de um fenômeno social que adquire cada vez mais significado na sociedade contemporânea.

Nesse sentido, a obra da professora Anne-Marie Guillemard é seminal para a Sociologia do Envelhecimento. Em 1972, ela publicou La retraite: une morte sociale. Sociologie des conduites en situation de retraite. Resultado de uma pesquisa com associados de um fundo de pensão, ela jogou luz à discussão sobre o envelhecimento da França, algo já preocupante desde décadas anteriores e que teve uma atenção especial, do ponto de vista governamental, através da comissão encarregada de analisar a legislação social orientada às políticas de velhice na França que culminou, em 1961, com a publicação do Relatório Laroque. Merece destaque, na obra, a tese defendida pela autora acerca da heterogeneidade da velhice, bem como da análise vigorosa sobre a condição social dos aposentados. A partir desta obra, que se tornou um clássico da Sociologia do Envelhecimento na França, os estudos neste campo sociológico passaram a ter outra dimensão.

Em 1980, veio a público La vieillesse et l’État, outra obra referencial. Na continuidade de suas investigações, ela aprofunda o debate sobre a importância do Estado na constituição da velhice. Segundo ela, a emergência de uma política de velhice, não obstante as boas intenções, não considerava as pessoas idosas, promovendo ações assistencialistas e segregadoras, quando o que se encontrava em jogo era um debate amplo sobre os limites da solidariedade entre as gerações e as formas de superação das condições sociais desfavoráveis às pessoas idosas. Para fundamentar sua análise, ela construiu uma tipologia que definiu as políticas de velhice em quatro fases distintas: a velhice invisível, a velhice identificada, a velhice assistida e a velhice integrada.

Em 1986, ela publicou Le déclin du social. Observa-se pelo conteúdo do livro, uma continuidade e sofisticação analítica de suas investigações. Nesse caso, o núcleo duro da proteção social adquire centralidade. Em jogo, não só as políticas sociais que buscam contemplar o pacto de solidariedade fundado no trinômio formação-trabalho- aposentadoria. O sistema de proteção social se encontra em crise, acuado, sob forte ataque de políticas voltadas ao interesse do mercado. Uma vez mais, os esforços teóricos da autora se voltam em busca da apreensão dos mecanismos que a sociedade elabora visando ações protetoras às pessoas idosas, estabelecendo normatividades que delimitam e identificam o que se convencionou denominar de velhice. Para além dessa questão, é preciso pensar o futuro das pessoas idosas – e, particularmente, da institucionadade que lhes assegura um pertencimento fundado na solidariedade geracional, no caso, a aposentadoria – a partir de um novo modelo de organização das idades, que não veja a velhice e as políticas sociais a ela dirigidas como mera equação do equilíbrio fiscal, mas como resultante de valores culturais assentados em um novo Estado Social.

Anos mais tarde, em 2010, na sequência da crise do Estado social, a autora publica Les défis du vieillissement, um denso estudo comparativo envolvendo diversas sociedades europeias com sistemas de proteção social consolidados. Nesta obra, o leitor é conduzido a ver as idades, o emprego e a aposentadoria a partir de outra perspectiva. O envelhecimento social não está comprometido apenas pela crise dos sistemas de aposentadoria, mas também pela ausência de políticas orientadas à satisfação de outras necessidades das pessoas idosas, como o trabalho e a formação. A partir de então, a autora demonstra que a perspectiva de uma política que integre a velhice tem, necessariamente, de refundar o pacto de solidariedade geracional e isto implica em uma nova repartição dos tempos de trabalho, de formação e de inatividade, o que exige pensar o percurso da vida a partir de uma nova sociedade, a sociedade da longevidade.

Além das obras mencionadas, a professora Guillemard é autora de inúmeros artigos publicados em periódicos e coletâneas. É organizadora também de outras obras importantes, como Entre travail, retraite et vieillesse, publicação coletiva de 1995, da qual foi coorganizadora com Jacques Legaré e Pierre Ansart e que teve como centralidade a questão do envelhecimento a partir da relação entre tempo de trabalho, a velhice e a aposentadoria, conjugando com o crescimento da longevidade.

Em 2008, organizou em nome da Rede Temática «Proteção Social, Políticas Sociais, Solidariedade», da Associação Francesa de Sociologia, a obra coletiva Où va la protection sociale?, na qual a questão do envelhecimento – associada à questão da proteção social – é uma das principais fontes de preocupação dos participantes. E, em 2017, Allongement de la vie. Quels défis? Quelles politiques?, editada em coorganização com Elena Mascova, obra coletiva pluridisciplinar e numa perspectiva de comparações internacionais, que busca elevar a questão do envelhecimento a um novo patamar, estruturado sobre o alongamento da vida humana, considerando novas formas de solidariedade, as implicações sociais, éticas, médicas e econômicas que se encontram presentes neste novo mundo que se descortina através das mudanças no regime temporal da existência da vida humana.

A vasta e fecunda produção acadêmica de Anne-Marie Guillemard não pensa somente a Europa e, em particular, a França. Ela também tem muito a dizer à sociedade brasileira e, sobretudo, aos estudiosos do envelhecimento – particularmente, aos sociólogos – que se dedicam a este campo de investigação. Quando de sua presença entre nós, em 2016, para a Conferência de abertura do 2º Seminário sobre Envelhecimento Social, na Faculdade de Ciências Sociais da UFG, ela pôde debater a questão do envelhecimento e o longo caminho a ser percorrido pela sociedade brasileira visando a proteção social e a elaboração de políticas mais consistentes para as pessoas idosas.

A entrevista que se segue é um convite à leitura desta pensadora social que elevou o envelhecimento a um estatuto singular como campo de investigação. Desde sua obra pioneira em 1972, a Sociologia do Envelhecimento nunca mais foi a mesma na França e influenciou o debate nesse campo para além das fronteiras da Europa.

Que mudanças aconteceram com relação à velhice desde a publicação de La retraite: une morte sociale?

Já em 2002, eu revisitei trinta anos após, meu livro "La retraite une morte sociale" para me interrogar sobre a evolução das formas de exclusão em situação de aposentadoria, em um artigo para a revista Gérontologie et Société (n. 102, p. 53-66). Eu constatei que a aposentadoria-remoção (da vida social), que era o modelo de comportamento da aposentadoria mais largamente atestado nos anos 1970, no mundo do trabalho na França, e que constituía uma modalidade extrema de exclusão social e de dessocialização, havia claramente diminuído. Em seu lugar, as práticas de aposentadoria-lazeres e terceira idade tornaram-se as mais frequentes, enquanto a aposentadoria-reivindicação assumia uma nova forma. Elas se voltaram em direção à participação na vida associativa e o voluntariado para propor um modelo de "aposentadoria solidária" que remete à questão da distribuição do tempo da vida em três idades bem distintas e segregadas, no seio do qual o terceiro tempo é aquele do repouso, do lazer após a vida do trabalho. Esses aposentados investiram no trabalho livre após o trabalho remunerado. Eles reivindicavam permanecer socialmente ativos e úteis e de serem reconhecidos, à sua volta, no papel de atores sociais e cidadãos integrais. Esses aposentados reivindicavam a policronia e os investimentos múltiplos nas atividades voluntárias, os lazeres, a família e o direito à cidade. Eles estavam conscientes de fazer reconhecer sua utilidade social e de não serem tratados como uma categoria à margem e como encargos. Na França, desde meados dos anos 1990, o nível de vida dos aposentados alcançou aquele dos ativos, notadamente graças a um sistema de aposentadoria relativamente generoso, em comparação internacional. Todavia, os processos de inclusão social dos aposentados não têm acompanhado essa evolução. Forçoso é de constatar que numerosas barreiras continuam em matéria de envelhecimento ativo dentro e fora do emprego. A discriminação da idade no emprego continua elevada na França e ainda muito pouco é feito para favorecer a participação voluntária dos aposentados e sua inserção na vida da cidade. E são muitas vezes percebidos como se fossem ricos, privilegiados que monopolizam o patrimônio e as habitações às custas dos jovens, doravante os pobres da nação.

Muito se tem falado sobre uma "guerra das idades", em decorrência do crescimento da população idosa. Até que ponto isto faz sentido?

Essa imagem falsa de uma possível "guerra das idades" que poderia acontecer, mostra como é urgente refundar o pacto de solidariedade entre as gerações, que foi selado após a Segunda Guerra Mundial, com a edificação dos sistemas de aposentadoria e de seguridade social. Pois este pacto é hoje um pacto de sacrifício. Em toda a Europa os sistemas de aposentadoria foram reformados em vista de se tornarem sustentáveis financeiramente face ao choque demográfico do envelhecimento. As medidas elaboradas consistiram principalmente em prolongar a vida ativa e rever as modalidades de diminuição do cálculo das pensões. Mas essa focalização puramente financeira das reformas levou a negligenciar sua sustentabilidade social. Especialmente por falta de consideração, a equidade intergeracional foi prejudicada. O pacto de solidariedade entre as gerações do após guerra foi fundado sobre uma mudança mutuamente vantajosa às três gerações coexistentes. Aos mais idosos, ele atribuía um direito à aposentadoria, isto é, alguns anos de repouso após uma longa vida de trabalho. Em troca, os jovens adultos e os adultos, após um breve período de educação, se viam garantidos no emprego de maneira estável e durável e a proteção social era atribuída a eles e suas famílias. Mas, hoje, o equilíbrio rompeu entre os esforços exigidos por cada geração e os ganhos obtidos em contrapartida. Pois o alongamento da vida e as transformações do trabalho, inerentes ao aparecimento de uma sociedade do conhecimento mundializada, tornaram esse pacto inoperante, e cria ganhos e perdas dentro das gerações e uma juventude sacrificada.

Com quatro gerações coexistentes e não mais somente três, a cadeia de solidariedade entre gerações foi desequilibrada e se fez mais complexa. O alongamento da vida implica um atraso importante na transmissão dos bens de uma geração a outra. São os seniors e os jovens aposentados que herdam de seus parentes muito idosos e se tornam detentores de um patrimônio, principalmente imobiliário, às custas dos mais jovens e na idade em que eles têm verdadeiramente mais necessidade. Assiste-se, pois, de fato, à emergência de sociedades cada vez mais patrimoniais, o que é considerado como uma situação inadequada em termos de investimento e de crescimento, pois a poupança é garantia em vez de risco nessa etapa da vida.

Como as mudanças constatadas no mundo do trabalho nas últimas décadas afetaram o pacto intergeracional e o sistema de aposentadorias?

As mutações do trabalho também têm afetado o pacto intergeracional inoperante. A vida no trabalho se tornou descontínua com transições múltiplas e sem ordem entre formação, atividade e inatividade. O mercado de trabalho se tornou mais seletivo. Em consequência, o acesso de jovens e seniores ao emprego se faz mais precário. Os que têm mais de 50 anos têm dificuldades para se manter no mercado de trabalho e os de menos de 25 têm dificuldades de acessar empregos estáveis e são expostos, massivamente, ao desemprego recorrente e aos empregos precários. Por conseguinte, a promessa do emprego estável e durável não vale mais, a não ser para as idades medianas, os 30-50 anos. As reformas sucessivas das aposentadorias aumentaram ainda mais o fosso da desigualdade entre as gerações. Elas prorrogaram a idade da aposentadoria e abaixaram o rendimento das pensões para os ativos, futuros aposentados. Os esforços maiores foram demandados aos jovens ativos, sem que nenhuma compensação tenha sido acordada em contrapartida. Em nome da sustentabilidade financeira do regime de aposentadoria, em um contexto de envelhecimento da população foi exigido um alongamento da vida profissional. Mas poucas medidas eficazes foram elaboradas em paralelo a fim de assegurar aos jovens uma melhor inserção profissional ou uma validação de seus anos de formação, de maneira a lhes permitir chegar, na França, por exemplo, aos 42 anos de atividade agora exigidos para atingir uma aposentadoria integral. Em consequência, o número entre eles a que está prometido a aposentadoria foi pesadamente reduzido e, ao mesmo tempo, mais tardia a concessão. As futuras gerações serão numerosas. Em consequência, para alcançar a aposentadoria das pensões contributivas, estarão pouco acima do mínimo indispensável na velhice. Por que contribuir toda sua vida com a previdência social, quando os mínimos sociais de assistência atingem montantes próximos daqueles pagos pela previdência?

Nessas condições, com a focalização das reformas somente sobre o equilíbrio financeiro dos regimes de aposentadoria, arrisca-se a minar a sustentabilidade social desses regimes, levando em consideração e respeitado o equilíbrio do pacto de solidariedade de longo prazo entre as gerações, que era o fundamento do sistema de aposentadoria por repartição. Com efeito, como não observar o ceticismo dos jovens ativos levando em consideração um sistema de aposentadoria no qual eles não esperam mais nenhum benefício? A legitimidade do sistema se vê posta em causa, pois ela foi fundada sobre a equidade intergeracional, hoje prejudicada.

De que maneira um novo pacto de solidariedade pode alterar esta situação?

Refundar o pacto de solidariedade entre as gerações necessita de ligar, tal como no passado, emprego, aposentadoria e educação. O alongamento da vida implica trabalhar por mais tempo. Ele deve pressupor simultaneamente mobilizar e acolher sobre o mercado de trabalho as três gerações em idade de trabalhar: jovens, idades intermediárias e seniors. Ou, então, as idades extremas estarão sujeitas à margem do mercado de trabalho. A França, na comparação internacional, se singulariza por seus péssimos desempenhos em matéria de emprego, tanto dos seniors (a taxa do emprego daqueles que têm 55-65 anos dificilmente excede os 48%) quanto dos jovens. Em particular, a taxa de emprego dos que têm menos de 25 anos é uma das mais baixas da Europa e estaganada em torno de 30% desde o ano 2000. Consequentemente, a exigência de prolongar a vida ativa contida nas reformas de aposentadoria corre o risco de ser uma pura injunção, pois as oportunidades de empego para as idades extremas não são encontradas e nenhuma política eficiente de emprego vem corrigir esta situação de fato. Não pode haver pacto intergeracional equilibrado se nenhuma política voluntarista de emprego não se esforçar em redistribuir as chances de atividade entre as gerações.

Redistribuir as chances de atividade entre as gerações supõe ligar políticas de emprego, políticas de trabalho e formação. Jovens e seniors devem ser melhor equipados para o emprego e beneficiar de uma melhor fluidez de transição no curso de vida entre formação e emprego. Ela supõe igualmente de reforçar a qualidade dos empregos para todos, pois a sustentabiliedade do trabalho é indispensável para prolongar a atividade.

O pacto de solidariedade intergeracional está alterado. Ele não está mais em condições de redistribuir equitativamente entre as gerações as oportunidades e os recursos. É urgente reconstruir um pacto que equilibre as contribuições e retribuições de cada grupo de idade. Dele depende a coesão de toda a sociedade. O alongamento da vida da aposentadoria deve ser compensado pela vida de trabalho, mas com reais oportunidades de emprego e de condições de trabalho melhores para os ativos. De outra parte, as despesas públicas de aposentadoria devem ser ligadas às despesas públicas de educação e de formação, de maneira a criar contrapartidas ao aumento das despesas de proteção social, ligadas ao envelhecimento, através de investimentos em formação em favor dos mais jovens e das idades intermediárias. Essa nova solidariedade intergeracional, garantia da construção de uma sociedade mais coesa e competitiva e de uma proteção social modernizada, deve incluir igualmente a elaboração de uma solidariedade coletiva em relação às pessoas muito idosas, a qual não pode mais se apoiar essencialmente sobre a família ou o indivíduo, como ainda hoje é o caso.

Pode-se afirmar que a estrutura temporal influencia essa nova fase do processo de envelhecimento social?

Não se pode pensar as respostas às mutações demográficas, econômicas e sociais sem levar em conta as metamorfoses do regime temporal que elas impulsionam. Esta é a razão pela qual eu sempre adotei a perspectiva de curso de vida e do regime temporal de existência para abordar nos meus trabalhos diferentes aspectos da realidade social, quais sejam os comportamentos da aposentadoria, do envelhecimento, das políticas de proteção social ou da longevidade.

Parece-me muito importante partir da constatação de que o regime temporal de vida em três tempos sucessivos bem distintos – formação para os jovens, trabalho para os adultos e aposentadoria para a velhice – que prevaleceu na sociedade industrial, perdeu sua consistência com o alongamento da vida e a passagem para uma sociedade do conhecimento mundializado. Um novo regime temporal do curso de vida se instaurou. Ele foi designado como um curso de vida flexível ou contingente. Se as denominações divergem segundos os autores, as constatações convergem. Os percursos de vida se tornam cada vez mais aleatórios e imprevisíveis. Esse não é o menor paradoxo de nossa época que se deve observar, que o alongamento da vida e o afastamento do horizonte da morte não correspondem mais à inscrição dos indivíduos em uma temporalidade mais longa e perceptível. Ao contrário, esta evolução foi acompanhada de uma aceleração do tempo e de um aumento das restrições temporais pesando sobre o indivíduo, como bem mostrou Helmut Rosa1.A instantaneidade se impôs no lugar da previsibilidade e da temporalização da existência.

A fragmentação dos tempos sociais e sua imbricação a cada etapa da idade conduz, todavia, a uma interferência das idades e das identidades. As sequências de emprego, de educação, de vida familiar e de lazeres se combinam sem ordem em todas as idades. As fronteiras entre os tempos sociais são agora porosas. O percurso de vida linear e ordenado da era industrial, com sua sucessão de etapas de idade previsíveis, cedeu lugar a idas e voltas incessantes, ao longo da vida, entre formação, trabalho, desemprego e tempo livre. Esse novo emaranhado dos tempos sociais sobre o percurso da vida se acompanha de uma desincronização dos calendários biográficos, entre tempo profissional e tempo familiar, que requer políticas de conciliação.

O alongamento da existência é um fator importante da redefinição das idades da vida. Com uma vida mais longa, os percursos de vida se tornam um processo contínuo de construção e reconstrução de si ao longo das dificuldades encontradas. Eles podem ser lidos sob o prisma de um «desenvolvimento durável da pessoa», como afirmam Deschavanne e Tavoillot2. Como consequência, como sublinham os autores, não pode mais se operar segundo as tradicionais «políticas das idades». Ao Estado-providência, protetor contra os riscos sociais próprios a cada idade da vida deve suceder o que eles designam como

«Estado solidário» e que nós temos qualificado de «Estado ativo e investidor»3. Esta nova figura do Estado social corresponde a uma síntese original entre resposabilidade individual e solidariedade coletiva. A solidariedade coletiva se exerce, então, acompanhando os percursos individuais, principalmente nas transições de maior risco.

A partir destas mudanças na temporalidade, como pensar a proteção social?

As metamorfoses da temporalidade nas sociedades pós-industriais implicam, portanto, novos paradigmas para pensar e garantir a segurança e a proteção social dos indivíduos. O

«investimento social» é maior. Ele repousa sobre uma nova filosofia da proteção social dos indivíduos. Não basta mais indenizar o risco, de repará-lo, uma vez ocorrido. O essencial é investir nas capacidades dos indivíduos desde a mais tenra idade, afim de acompanhar e fluidificar seus percursos e de lhes permitir exercer a cada momento sua responsabilidade e sua liberdade.

A União Europeia adotou, em 2013, esta estratégia de investimento social e fez dela um dos elementos centrais de seu programa "Horizon 2020" em matéria de política social. Um dos grandes méritos desta requalificação da proteção social em «investimento social» é de permitir remover o debate sobre esta questão, do raciocínio circular no qual ele está encerrado e segundo o qual as mutações demográficas engendrariam custos crescentes e insustentáveis para a sociedade e a economia.

A nova estratégia de investimento social põe o futuro e não mais o presente como horizonte de ação. Os investimentos sociais seriam, então, dotados segundo esta perspectiva, de um retorno do investimento no médio prazo. Assim, de "passivas", as despesas sociais podem ser qualificadas de «ativas», tanto no plano econômico quanto no plano social. Essa estratégia é reputada vencedora/vencedor, na medida em que ela proporcionaria benefícios cruzados aos indivíduos, à economia e à sociedade. O investimento social visa aumentar as capacidades e atitudes dos indivíduos para que sejam autônomos e atores de seu futuro. Simultaneamente, essa estratégia dinamizaria a economia, garantindo uma população ativa melhor educada, com boa saúde e melhor inserida. Enfim, ela permitiria a construção de uma sociedade mais coesa para a implantação de um sistema de proteção social mais eficiente, assegurando uma proteção sustentável e adequada em uma sociedade de longevidade e em uma economia do conhecimento.

Se esta nova estratégia de ação deixa vislumbrar um futuro mais favorável a nossa sociedade de envelhecimento e de vida longa, ainda se faz necessário que essa sociedade saiba otimizar os novos recursos que uma vida mais longa e saudável oferece ao indivíduo e à sociedade. Entretanto, mesmo no interior da Europa, poucos são os países que sabem tirar partido dos novos trunfos que detêm os seniors, tais como a experiência, uma capacidade de permanecer eficazes no trabalho por mais tempo ou, ainda, de investir suas competências no trabalho voluntário até tarde da vida. Nossa sociedade tarda a evoluir em direção a uma visão mais positiva da idade, que conceberia o envelhecimento e a longevidade como uma nova oportunidade na qual é urgente aprender a tirar partido em benefício de todos.

Notas

1 Helmut ROSA. Sociólogo e filósofo alemão. Tem desenvolvido investigações no campo da temporalidade na sociedade contemporânea. É autor de obras como Accélération : une critique sociale du temps e Aliénation et accélération:Vers une théorie critique de la modernité tardive. [NT]
2 DESCHAVANNE, Éric; TAVOILLOT, Pierre-Henri. Phiilosophie des âges de la vie. Paris: Grasset, 2008. Os autores defendem que nas últimas décadas uma forte mudança demográfica cujas consequências se fazem presente em alterações profundas na escala das idades. [NT]
3 GUILLEMARD, Anne-Marie. Les défis du vieillissement. Age, emploi, retraite. Perspectives internationales. 2.ed. Paris: Armand Colin, 2010. [NT]
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