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Culturas de otimismo: a promoção institucional da esperança
George Gomes Coutinho
George Gomes Coutinho
Culturas de otimismo: a promoção institucional da esperança
Sociedade e Cultura, vol. 21, núm. 2, pp. 253-258, 2018
Universidade Federal de Goiás
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Culturas de otimismo: a promoção institucional da esperança

George Gomes Coutinho
Universidade Federal Fluminense, Brazil
Sociedade e Cultura, vol. 21, núm. 2, pp. 253-258, 2018
Universidade Federal de Goiás

Recepção: 18/05/2016

Aprovação: 25 Julho 2018

BENNETT, Oliver. Cultures of optimism: the institutional promotion of hope. Hampshire: Palgrave Macmillan, 2015.

Cultures of optimism se apresenta, por si só, como uma provocação para o(a) leitor(a) da grande área de humanidades a despeito da fronteira disciplinar em que tenha fincado suas trincheiras profissionais. Afinal, o tema do otimismo se encontra em fartas doses nas estantes temáticas, sejam estas as de esoterismo, autoajuda ou em recantos new age que não contam exatamente com o entusiasmo confesso da academia. Porém, antes de comentar propriamente a obra, cabe fazer uma sucinta apresentação do autor, visto que considero este lançamento de 2015 também um esforço coerente com a trajetória da produção do próprio Oliver Bennett.

Professor de Política Cultural na Universidade de Warwick, Inglaterra, Bennett há muito se dedica a pensar os “futuros imaginados” no ocidente a partir de uma ótica transdisciplinar. Seu Cultures of pessimism, lançado em 2001 pela Edinburgh University Press, 224p, apresentou no formato de ensaio prospectivo as origens e desdobramentos das leituras sombrias de futuro elaboradas de forma sistemática pelos grandes movimentos intelectuais do último século. Esta perspectiva predominante, que se apresenta com a pretensão de ser um atestado irrefutável de seriedade no exercício analítico e crítico da sociedade, decanta no senso comum em que “realismo” e “pessimismo” se apresentam muitas vezes como sinônimos incontestes. Porém, o exercício de escrutinar o pessimismo cultural, se é em si mesmo importante por expor a ossatura na qual é edificada parte da produção cultural, científica e literária no capitalismo avançado, nos devia algo por não apresentar sua contraface: o otimismo cultural. E é esta a seara que iremos discutir daqui por diante.

Em Cultures of optmism, a promoção do otimismo é interpretada como uma “política cultural implícita” entranhada na vida cotidiana em seus discursos ou práticas. Para Bennett, as políticas culturais necessitam transbordar seus espaços formais de elaboração, seja o Estado ou as corporações, dado que em última instância objetivam disseminar e sedimentar valores, comportamentos e atitudes em prol da realização de mudanças e/ou assegurar a manutenção do status quo. Nestes termos, são mobilizados recursos de origem diversa, sejam narrativas, agentes específicos e instituições com seu aparato material e simbólico que possibilitem o alcance das metas sentenciadas de forma deliberada ou não. Esta concepção mais alargada das políticas culturais, visto que em última instância dialoga tanto com os impactos sobre a agência humana quanto com a permanência/modificação das estruturas, enseja um campo profícuo de reflexão que se entende com as ciências sociais em seu sentido estrito e as transcende. Para abordar o otimismo, especificamente a filosofia, as diversas modalidades de psicoterapia, as religiões mundiais em perspectiva comparada e os estudos de comportamento organizacional são recrutados, visto que há uma miríade de expressões do otimismo na sociedade contemporânea. Inclusive, a despeito das narrativas e práticas serem difusas e por vezes até divergentes, encontrando disparidades inegáveis em sua forma, estas se encontram em seu conteúdo essencial: propõem a leitura de um futuro melhor que o presente. Por esta razão, esperança e otimismo, embora Bennett tente diferenciar os conceitos, muitas vezes se apresentam como intercambiáveis e complementares.

A tarefa deste livro se desenvolve a partir do ensaio como formato preferencial, o que deriva em uma proposta de análise irresistivelmente arejada, e se assenta em cinco eixos onde o otimismo cultural no capitalismo avançado encontraria suas expressões para o autor: 1) o campo da democracia representativa liberal ou simplesmente nas poliarquias espalhadas pelo globo; 2) as práticas de gerenciamento da força de trabalho e na cultura corporativa; 3) na família como óbice ou motivadora de “culturas de otimismo”; 4) nas grandes religiões mundiais; 5) na psicoterapia. Conferindo coerência e organicidade a estes cinco eixos, o capítulo inicial apresenta um conjunto ousado de hipóteses que justifica tamanha atenção ao tema do otimismo cultural. Para além de ser uma continuação reversa e complementar dos estudos de Bennett sobre o pessimismo, o otimismo aqui se apresenta como um imperativo, uma demanda incontornável, aplicável aos indivíduos e às sociedades.

Retomando uma das questões mais tradicionais da teoria social, sobre qual fator tornaria possível a relativa e desconcertante permanência das sociedades de modo que as mesmas não se desintegrem no ar, Bennett aposta no otimismo como uma resposta plausível. O compartilhamento de expectativas positivas ofertadas ante um futuro hipotético tanto moldaria as estruturas sociais quanto influenciaria de forma decisiva a agência humana implicando na adesão dos indivíduos a projetos coletivos. A natureza funcionalista desta afirmação é inegável, afinal, toda sua análise se engaja em esmiuçar possíveis funções do otimismo. Ainda, reforça o autor, sequer as sociedades humanas seriam um empreendimento possível sem algum tipo de crença positiva que as justifique, moldando as batalhas do presente a partir de uma ótica calcada no futuro. Falamos aqui, portanto, de expectativas dos agentes, do seu engajamento e dos procedimentos de criação de legitimidade por parte das instituições. Além disso, a aposta lançada é a de que o estoque global de otimismo poderia ser decisivo em uma dada coletividade para que esta seja bem sucedida ou não. Todavia, este argumento em especial não é testado ou discutido de maneira sistemática.

Prosseguindo, o otimismo, esta “cognição quente”, em oposição à cognição fria da razão instrumental, mobiliza os agentes e teria adquirido maior relevância no espaço intramuros das universidades a partir do acúmulo obtido nas últimas três décadas no campo da psicologia social e, especialmente, na psicologia positiva. Esta subárea de conhecimento, cujo pioneirismo é do psicólogo norte-americano Martin Seligman, apresenta uma crítica contundente à psicoterapia tradicional centrada nas patologias da psique e, consequentemente, nas disfunções da modernidade. Se esta última vertente terapêutica produziu avanços importantes em termos do entendimento da subjetividade humana, há certa carência discursiva na tentativa de analisar as estratégias utilizadas pelos indivíduos na manutenção do próprio bem-estar em condições adversas ou até mesmo de compreender seu oposto, os círculos virtuosos de comportamento em uma dada circunstância. Deste ponto, no qual o otimismo é reabilitado em sua relevância pela psicologia positiva, Bennett se aventura em um difícil terreno em que tenta não ceder nem ao determinismo sociológico e tampouco ao determinismo biológico ao discutir o fenômeno.

O otimismo, tal como o pessimismo, é interpretado majoritariamente a partir de uma abordagem culturalista e seu desenvolvimento é pensado manuseando variáveis tipicamente sociais, algo que o livro privilegia em seus esforços ao analisar a política, as relações de trabalho, a religião e a família. Contudo, Bennett não é indiferente ao debate de cunho mais apropriado das ciências da natureza. O otimismo poderia também ser produto da herança genética, o que explicaria a persistência de uma postura otimista em determinados indivíduos e igualmente é compreendido como uma “vantagem evolutiva” na perspectiva biologizante. Portanto, o otimismo também pode ser analisado a partir de causas endógenas. Ancorado particularmente na neurofisiologia, o argumento em prol do otimismo ganha contornos de urgência ao conectar a expectativa de um futuro melhor com maiores possibilidades de sobrevivência dos indivíduos humanos.

Não desconsiderando este conjunto de argumentos oriundos da biomedicina ou das ciências biológicas, Bennett intenta acrescentar maior grau de complexidade ao debate. Em tom de crítica e, ao mesmo tempo, tecendo caminhos de complementaridade aos argumentos das ciências naturais a partir de reflexões da grande área humanidades, o limite do argumento biológico é não conseguir captar o entorno dos indivíduos ou, em outras palavras, o ambiente sociocultural onde os seres humanos podem ser estimulados em maior ou menor grau em suas expressões subjetivas. Se a postura otimista detén um caráter genético, esta pode ser simplesmente inexpressiva e até irrelevante em um entorno desestimulante e hostil. De outro lado, o otimismo como expressão cultural, a despeito de argumentos biologicamente determinados, produz resultados diferentes a partir dos aprendizados ofertados nas diversas esferas da sociedade. Partindo desta premissa, as instituições ou práticas sociais que mantém uma conexão mais ou menos íntima com a promoção do otimismo são analisadas em curtos e estimulantes ensaios temáticos apresentados em capítulos individuais.

A primeira esfera de interpretação escolhida é a democracia representativa liberal. A política, para além da análise encontrada nas teorias da escolha pública e na rational choice, é um poderoso difusor de esperança justamente por lidar diretamente com expectativas de futuro. Invariavelmente as narrativas ensejam se concretizar nas instituições ou na ação coletiva, não obstante suas diferenças substantivas no espectro ideológico necessitam vislumbrar uma realidade melhor vindoura. Esta prática impetrada pelos agentes políticos, Bennett chama de “promessa retórica”, uma performance narrativa que dialoga com os agrupamentos sociais visando construir a expectativa de um amanhã plausível e capaz de atender suas demandas de bem-estar. Este recurso retórico, obviamente, é utilizado a despeito do método de escolha dos governantes em um dado Estado Nacional. Afinal, o leitor familiarizado com os regimes autoritários na América Latina, estes solenemente ignorados por Bennett, poderá recordar de uma torrente de promessas retóricas positivas apresentadas por ditadores do Cone Sul. Todavia, a aposta aqui é aliar as poliarquias de Robert Dahl com a “promessa retórica” otimista.

Para Bennett, a democracia em si, como valor e regime, demanda a esperança como estratégia de legitimação cotidiana. Por conter em si um germe igualitário, mesmo que este seja muitas vezes estritamente formal em sua versão representativa liberal, e por incluir agrupamentos de diferentes pontos do espectro político no sistema político, a “promessa retórica” funciona como um mecanismo estabilizador em um cenário potencialmente instável. Evidentemente, sem a adesão de diferentes grupos da sociedade, a narrativa perde em absoluto sua eficácia simbólica. O leitor de Max Weber provavelmente identificará aqui vestígios teóricos que guardam afinidades eletivas com os processos de construção da dominação legítima. Em paralelo com as narrativas religiosas, a política aqui apresenta a promessa de uma prosperidade que virá, porém, em um espaço de atuação radicalmente secular, intramundano. Como evidência empírica, trechos de diferentes discursos de lideranças políticas no século XX são selecionados e apresentados no decorrer do capítulo.

A outra seara com a qual Bennett se defronta na busca por compreender as expressões do otimismo cultural contemporâneo é o espaço do trabalho. Focado em uma reconstrução histórica que parte das propostas de Elton Mayo, professor de Harvard do primeiro quartel do século XX e propositor da cultura da gerência de recursos humanos, até chegar nos primeiros anos do século XXI e debater a proposição do positive organizational behaviour, o argumento ganha robustez crítica. Deste cenário, em que o que está se discutindo é, em última instância, as relações de trabalho no capitalismo avançado e suas contradições, vemos a instrumentalização radical do otimismo manejado como uma possível vantagem competitiva na disputa entre corporações. O otimismo, neste sentido, é admitido como um exercício de violência simbólica inaceitável no âmbito corporativo e uma manipulação sofisticada e invasiva na subjetividade dos trabalhadores. Em última instância, argumenta Bennett, o discurso instrumentalizado do otimismo no âmbito laboral adquire ares de perversidade por moldar subjetividades muito mais em acordo com os interesses dos líderes organizacionais, a quem chama de arquitetos sociais, em detrimento do elenco de prioridades dos empregados. Tudo isto sem desconsiderar que as condições objetivas de trabalho permanecem inalteradas, sendo a aposta na “positividade” dos trabalhadores justamente o enfoque desta concepção.

Na esfera familiar e nas relações entre pais e filhos, tema do capítulo posterior ao que aborda as relações de trabalho, Bennett tenta reequilibrar variáveis endógenas e elementos exógenos no entendimento da promoção do otimismo em crianças. Não desconsiderando os elementos estritamente biológicos e endógenos, o que funcionaria como um ponto inicial vantajoso para os indivíduos desde a mais tenra idade, a questão aqui se centra no que o autor chama de complexo de parentalidade.

Para Bennett, o complexo de parentalidade constitui o entorno como um todo em que ocorre o desenvolvimento infantil. Justamente por ser um “complexo”, um conglomerado, este evidentemente engloba os(as) cuidadores(as) primários(as) que ocupam um papel de indiscutível destaque. Todavia, a classe social a qual pertencem, o Estado Nacional onde se encontram, histórico familiar, religião, todos estes elementos são articulados como parte do complexo de parentalidade. Ainda, questões de abrangência macro, como a conjuntura econômica e política, são ingredientes considerados por afetarem de forma direta ou indireta o comportamento familiar que, decerto, influencia na manutenção de um maior bem-estar nas primeiras fases da vida de um indivíduo, redundando em uma reserva maior ou menor de otimismo posterior.

No capítulo específico sobre as religiões, Bennett compreende que estas, mesmo na contemporaneidade, atendem a permanente demanda social por esperança. Em um mundo radicalmente secularizado e desprovido de sentido, a partir das explicações imanentes da ciência ou assolado por catástrofes naturais, só as religiões fornecem um discurso que assimila os humanos como individualidades significativas e entregam a promessa de solução transcendental para as suas angústias. O capítulo, demasiado sucinto e por isso bastante arriscado, dialoga brevemente com as teorias da salvação, a soteriologia, e a escatologia, narrativas sobre o destino final, no qual estas afiançam, seja pelo mérito ou pela fé, a cessão do sofrimento da humanidade. O capítulo é entrecortado por breves exemplos do hinduísmo, budismo, cristianismo e islamismo, sendo ressaltadas suas diferenças nos pontos mais inconciliáveis de suas narrativas. Se por um lado não há a pasteurização destas religiões, o leitor pode se ressentir da ausência de maior densidade analítica por Bennett, dado o acúmulo de conhecimento que há nas “ciências da religião” em suas diversas vertentes.

Como última esfera específica, identificada pelo autor como uma das instituições promotoras do otimismo na contemporaneidade, o debate centra-se na psicoterapia. Em mais uma reconstrução histórica, as práticas da New Thought são rememoradas como ancestrais tanto da psicoterapia contemporânea quanto da sua versão diluída e fast food na autoajuda. A New Thought,corrente filosófica do século XIX, se desenvolve nos Estados Unidos como prática de aconselhamento, mesclando inspiração teológica e aplicação terapêutica. Deste antecedente, perpassando depois menções a Sigmund Freud e Carl Rogers, até chegar ao movimento da psicologia positiva, Bennett conclui que as diferentes vertentes da psicoterapia levam água ao moinho do otimismo cultural, tendo nos psicólogos e demais profissionais que se utilizam dos conceitos e práticas deste campo de conhecimento os agentes privilegiados da promoção da esperança na sociedade contemporânea. Contudo, ressalta que o acesso à terapia ainda é bastante restrito para boa parte da população justamente pelos custos envolvidos, o que torna esta possível solução menos democrática do que deveria.

Concluindo, navegando entre o “grande otimismo” (o que envolve a política, a religião e as corporações) e o “pequeno otimismo” (especialmente as famílias e a psicoterapia), Bennett, de maneira vanguardista e com sua pegada que deixa um rastro inegavelmente sociológico, enfrenta um grande tema que normalmente as ciências sociais não apresentam em seu rol de prioridades. Todavia, Cultures of optimism, pelo espectro com que se defronta, está longe de esgotar a questão, algo que não anula a tentativa de apontar possibilidades de conceber o bem-estar subjetivo, em suas práticas e instituições, nos dias que correm.

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