Dossiê: Os poderes emergentes e a ordem mundial contemporânea
Apresentação
Os poderes emergentes e a ordem mundial contemporânea: dilemas, tensões e possibilidades

Apresentamos o dossiê “Os poderes emergentes e a ordem mundial contemporânea: dilemas, tensões e possibilidades”, organizado e publicado na revista Sociedade e Cultura da Universidade Federal de Goiás. Em função de debates que vem sendo feitos nos últimos anos no âmbito do Grupo de Pesquisa sobre as Potências Médias(GPPM) edo Grupo de Estudos e Pesquisa em Ásia-Pacífico (GEPAP/UEPB), temos visto como de extrema importância a organização de eventos e publicações que aglutinem reflexões voltadas para essa temática. Neste sentido, seminários e mesas foram organizados nos encontros da Associação Nacional de Pós-Graduação em Ciências Sociais (ANPOCS), da Associação Brasileira de Relações Internacionais (ABRI), na Encontro da FLACSO/Equador e da International Studies Association (ISA); e, por fim, temos a satisfação de publicar este dossiê que se apresenta como um ponto importante de síntese de reflexões a respeito dos processos de emergência de novas potências médias e seus impactos para a ordem mundial contemporânea.
Tendo em vista as recentes transformações na ordem mundial e na estrutura do capitalismo global, as hierarquias e as correlações de força no âmbito internacional têm passado por mudanças. Neste contexto, novos atores têm buscado se inserir internacionalmente de maneira diferenciada, encontrando neste processo possibilidades e limites. Ao mesmo tempo, nota-se que as respostas dadas pelas potências tradicionais/desenvolvidas têm um aspecto de manutenção do status quo e até mesmo entre os principais países do centro tradicional da ordem mundial vigente há claras diferenças e clivagens em relação a como lidar com tais potências emergentes. Estas, por sua vez, têm reagido de formas distintas às consequências deste cenário incerto e tenso, seja no nível dos Estados envolvidos ou dos atores não-estatais – tendo em vista que tais dinâmicas tendem a impactar também suas respectivas sociedades em um sentido mais amplo.
Em tal conjuntura, são de extrema importância os estudos sobre as potências emergentes e seus respectivos contextos de atuação. Alguns autores têm trabalhado sobre isso, destacando alguns aspectos pertinentes de tais processos (LI, 2019; MENEZES; RAMOS, 2018; LEITE; LI, 2018) – e neste sentido o presente dossiê busca contribuir para o debate em curso. Em especial, nosso objetivo é o de apresentar algumas contribuições relevantes cujo escopo incorpore aspectos transversais, não se reduzindo assim a uma perspectiva estadocêntrica mas também enfatizando a importância de outros atores para o entendimento de tais transformações concernentes aos processos de emergência.
Daniela Secches, Javier Vadell e Leonardo Ramos abrem o dossiê com uma importante discussão teórica e conceitual acerca das teorizações relativas às potências médias e emergentes na Economia Política Internacional. O objetivo dos autores é apresentar uma revisão teórica que seja capaz de delinear algumas proposições sobre as possibilidades e limites analíticos destes conceitos nos dias atuais – algo extremamente relevante a fim de que possamos lidar melhor não apenas com a atual conjuntura, mas também com os artigos subsequentes que compõem o dossiê. Neste mesmo caminho teórico-conceitual, Ernesto Vivares e Lorena Herrera- Vinelli focam nas dimensões regionais do processo de emergência, especialmente no que diz respeito ao Novo Regionalismo Sul Americano. Assim, os/as autores analisam os múltiplos e contrastantes papéis e limitações das teorias dominantes sobre o regionalismo na Economia Política Internacional em seus estudos sobre o Novo Regionalismo Sul Americano. A ênfase dos autores dá- se nas questões metodológicas, partindo do conceito weberiano de “jaulas conceituais” a fim de interpretar o desenvolvimento teórico neste caso bem como seus limites.
Caminhando rumo a um enfoque mais empírico, Elia Alves, Alexandre Leite e Livia Picchi apresentam uma questão muito pertinente:comoacooperaçãointernacionalparaodesenvolvimento se desdobra para a arena doméstica? Em termos mais específicos, como as prioridades e dimensões apontadas nestes acordos de cooperação entram na agenda da política pública no âmbito doméstico? Assim, os autores buscam responder tais questões a partir da análise dos acordos bilaterais sobre eficiência energética assinados entre Brasil e países desenvolvidos, da legislação brasileira concernente à política nacional de energia implementada a partir da crise do petróleo nos anos 1970 e do Plano Nacional de Mudança Climática. Neste processo, eles identificam os atores e os mecanismos pelos quais tais programas, que foram originalmente estruturados em países desenvolvidos, influenciaram a política energética brasileira e caracterizam os instrumentos, neste caso, dos acordos de cooperação entre as partes. Por fim, os autores destacam que a Cooperação Internacional para o Desenvolvimento condicionou o conteúdo dos programas de eficiência energética que foram adotados, sinalizando que a política externa brasileira tem um papel importante na política de energia brasileira – em outras palavras, destacando alguns elementos empíricos da emergência brasileira.
A política externa brasileira em termos gerais é o foco da atenção de alguns dos artigos do presente dossiê. Neste sentido, Marcos Alan Ferreira e Juliana Medeiros, assim como Roberto Menezes e Natalia Fingermann dão uma atenção significativa à análise da política externa brasileira em casos específicos. Marcos Alan Ferreira e Juliana Medeiros focam na ascensão do crime organizado transnacional e, uma vez que a fronteira entre Brasil e Paraguai é a rota mais tradicional do tráfico de drogas na América do Sul, tais países têm um papel fundamental no desenvolvimento das atividades transnacionais ilegais na região sul-americana. Tais processos têm levado Brasil e Paraguai a empreender esforços conjuntos – cooperativos -, incluindo o âmbito militar, demonstrando, neste sentido, alguns aspectos e dilemas implícitos dos processos de emergência do Brasil. Roberto Menezes e Natalia Fingermann, por sua vez, destacam a política externa brasileira durante o governo de Dilma Rousseff, particularmente com relação à Cooperação Sul-Sul no período em questão (MARTÍN, 2016). Tais autores examinam as mudanças nas forças políticas domésticas no período que moldaram a Cooperação Sul-Sul, particularmente a cooperação técnica no governo de Dilma Rousseff
Tendo a cooperação como seu leitmotif, os trabalhos de Clarisa Giaccaglia e María Dussort; e Pablo Nemiña e Juan Larralde mudam o foco do dossiê para o aspecto multilateral da emergência. Assim,o primeiro artigo busca analisar o papel das potências emergentes nos fóruns multilaterais levando em consideração duas questões específicas: energia e patentes farmacêuticas, buscado desta maneira identificar se as potências emergentes têm reforçado ou questionado as diferentes organizações multilaterais associadas à hegemonia do Atlântico Norte. Seguindo esta mesma preocupação comoâmbitomultilateral, Pablo Nemiñae Juan Larraldedirecionam suas atenções para o Fundo Monetário Internacional (FMI) e sua relação com os países da América Latina e Caribe, especialmente durante a década seguinte à crise financeira. Neste contexto, o FMI tem desempenhado três diferentes papéis desde a crise: emprestador, garantidor e, de forma sem precedentes, devedor.
Toda discussão sobre a emergência na política mundial, suas possibilidades, limites e dilemas tem que lidar necessariamente com a China e sua influência nestes processos (BLINDER, 2019; LIMA, 2019; LI, 2019). Neste sentido, tanto a contribuição de Augusto Teixeira Jr. e Peterson Silva, quanto a de Raphael Padula e Felipe Fernandes enfatizam aspectos da segurança internacional concernentes ao papel da China na política mundial contemporânea. Augusto e Peterson destacam os determinantes militares da postura estratégica da China na conjuntura internacional contemporânea, particularmente após as reformas militares introduzidas por Xi Jinping em 2015. Os autores destacam como a China tem lidado com sérios desafios ao combinar modernização militar e desenvolvimento pacífico em um ambiente estratégico marcado pela lógica da balança de poder, e como tais elementos poderiam impactar nas questões de segurança em uma escala global. Raphael Padula e Felipe Fernandes, partindo de uma perspectiva geoestratégica, apresentam uma análise sobre o Mar do Sul da China e sobre como se trata de um espaço estratégico para que a China atinja seus interesses políticos, econômicos e militares. Particularmente, trata-se de um espaço estratégico devido aos seus recursos naturais e sua posição estratégica para a segurança e a projeção chinesas nos âmbitos econômico e militar.
Em suma, este dossiê cobre uma série de importantes questões e agendas de pesquisa sobre os processos de emergência e suas consequências. Além disso, neste processo ele apresenta uma gama de atores e áreas temáticas, como segurança, EPI e instituições, por exemplo. Obviamente não se trata de um trabalho com caráter conclusivo, mas esperamos que ele possa contribuir para aqueles que buscam lidar, de uma forma mais satisfatória, com a política mundial contemporânea.
Revista Sociedade e Cultura. 2020, v. 23:: e63020