Servicios
Descargas
Buscar
Idiomas
P. Completa
Respostas dos representantes políticos aos protestos de 2013: análise do discurso dos presidentes da República, do Senado e da Câmara dos Deputados
Antonio Teixeira de Barros; Stone Bruno Coelho Barbosa
Antonio Teixeira de Barros; Stone Bruno Coelho Barbosa
Respostas dos representantes políticos aos protestos de 2013: análise do discurso dos presidentes da República, do Senado e da Câmara dos Deputados
Responses of political representatives to the 2013 protests: analysis of the discourse of the Presidents of the Republic, the Senate and the Chamber of Deputies
Respuestas de representantes políticos a las protestas de 2013: análisis del discurso de los Presidentes de la República, el Senado y la Cámara de Diputados
Sociedade e Cultura. Revista de Pesquisa e Debates em Ciências Sociais, vol. 23, e51092, 2020
UFG - Universidade Federal de Goiás
resúmenes
secciones
referencias
imágenes

Resumo: Analisa a resposta discursiva dos Presidentes da República, da Câmara dos Deputados e do Senado Federal às manifestações de junho de 2013. Entendendo o discurso como ferramenta essencial do processo político, o texto analisa o uso de elementos como logos, ethos e pathos nos pronunciamentos desses três mandatários. As conclusões mostram que os três representantes optaram por formas diferenciadas de se manifestar, mas há muitas similaridades do ponto de vista do conteúdo e das estratégias discursivas que consistem em defender e legitimar o sistema político e naturalizar a ideia de que os protestos “são normais e saudáveis numa democracia”. Os manifestantes, por sua vez, questionavam o poder institucional, reclamavam da democracia representativa e negavam a legitimidade das instituições políticas e dos representantes.

Palavras-chave: Discurso político, Manifestações de junho de 2013, Presidência da República, Câmara dos Deputados, Senado.

Abstract: This paper analyzes the discursive response of the Presidents of the Republic, the Chamber of Deputies and the Federal Senate to the demonstrations of June 2013. Understanding discourse as an essential tool of the political process, the text analyzes the use of elements such as logos, ethos and pathos in the pronouncements of these three trustees. The conclusions show that the three representatives opted for different ways of manifesting themselves, but there are many similarities from the point of view of the content and the discursive strategies that consist of defending and legitimizing the political system and naturalizing the idea that the protests "are normal and in a democracy. " Demonstrators, in turn, questioned institutional power, complained about representative democracy, and denied the legitimacy of political institutions and representatives.

Keywords: Political discourse, Manifestations of June 2013, Presidency of the Republic, Chamber of Deputies, Senate.

Resumen: Analiza la respuesta discursiva de los Presidentes de la República, la Cámara de Diputados y el Senado Federal a las manifestaciones de junio de 2013. Entendiendo el discurso como una herramienta esencial del proceso político, el texto analiza el uso de elementos como logos, ethos y pathos en declaraciones de estos tres representantes. Los resultados muestran que los tres representantes han elegido diferentes formas de hablar, pero hay muchas similitudes desde el punto de vista del contenido y las estrategias discursivas que consisten en defender y legitimar el sistema político y naturalizar la idea de que las protestas "son normales y saludable en una democracia". Los manifestantes, a su vez, cuestionaron el poder institucional, se quejaron de la democracia representativa y negaron la legitimidad de las instituciones y representantes políticos.

Palabras clave: Discurso político, Manifestaciones de junio de 2013, Presidencia de la República, Camara de los Diputados, Senado.

Carátula del artículo

Artigos

Respostas dos representantes políticos aos protestos de 2013: análise do discurso dos presidentes da República, do Senado e da Câmara dos Deputados

Responses of political representatives to the 2013 protests: analysis of the discourse of the Presidents of the Republic, the Senate and the Chamber of Deputies

Respuestas de representantes políticos a las protestas de 2013: análisis del discurso de los Presidentes de la República, el Senado y la Cámara de Diputados

Antonio Teixeira de Barros
Centro de Formação da Câmara dos Deputados, Brasil
Stone Bruno Coelho Barbosa
Câmara dos Deputados, Brasil
Sociedade e Cultura. Revista de Pesquisa e Debates em Ciências Sociais, vol. 23, e51092, 2020
UFG - Universidade Federal de Goiás

Recepção: 12 Janeiro 2018

Aprovação: 25 Julho 2019

Introdução

O Brasil tem vivenciado um processo político peculiar no contexto recente. Esse processo tem origem em uma multiplicidade de fatores, desde aspectos econômicos, passando pelo crescimento da participação da sociedade e pelos questionamentos acerca da eficácia política do sistema representativo. Esse clima político foi acentuado com as intensas manifestações populares de 2013, nas quais milhões de brasileiros foram às ruas para se manifestar sobre vários temas, como melhorias do transporte público, da saúde, da educação e contra a corrupção. Nesse cenário, as instituições e os atores políticos passaram por frequentes questionamentos por parte da população. O que pode ter levado a uma tentativa de readequação discursiva desses atores com o intuito de demonstrar impressão pública de atendimento a essas demandas apresentadas pelos cidadãos.

Partindo dessa perspectiva, levando em consideração que cabe à Presidência da República e ao Congresso Nacional representarem a população e a federação, este trabalho analisa os discursos dos Presidentes da República, do Senado Federal e da Câmara dos Deputados em resposta às manifestações de junho de 2013, a fim de entender como as principais autoridades da República reagiram aos protestos daquele ano.1 Quais são os elementos presentes nos discursos desses atores? Que ações e medidas foram adotadas ou anunciadas? Que elementos discursivos, estratégias retóricas e visões de mundo constituíram esses discursos? Em que pese a profusão de estudos sobre os acontecimentos de junho de 2013, nenhum trabalho focou na análise das reações e retóricas do Executivo e do Legislativo. Portanto, o presente artigo pretende revelar um novo olhar sobre as manifestações populares de 2013 a fim de contribuir com o estudo desse fenômeno que marcou a história política recente do Brasil.

A metodologia consiste na aplicação da análise do discurso político, segundo a concepção de Patrik Charaudeau (1992; 2004; 2006a; 2006b; 2008; 2014). Para o autor, no discurso político há uma busca constante de impor um regime de verdade. Acontece que essa verdade está sempre ameaçada por um jogo de significações. Para entender o discurso político, Charaudeau (2006) explica que este se constitui em uma complexidade de relações de forças que se instauram no campo da política. No discurso político, há sempre três perspectivas de análise: a questão da ação política, as suas finalidades e da sua organização; as instâncias, que são as partes interessadas da ação; e por fim, os valores em nome dos quais é realizada a ação.

A ação política e a linguagem estão intimamente relacionadas, pois a linguagem emana de um sujeito que só pode se definir em relação ao outro, segundo o princípio da alteridade. Nessa relação, há uma busca constante para influenciar o outro para que pense, diga ou aja segundo a intenção daquele. Contudo, o outro pode ter o seu próprio projeto de influência, o que levará os dois a buscarem um acordo, que regule qual o grau de influência de cada um dos sujeitos.

As instâncias da política são constituídas a partir da delegação pela instância cidadã, o que se concretiza pelo exercício da representação política. Nesse aspecto, uma visão mais contemporânea, que se aplica ao caso em estudo, é a de Urbinati (2017; 2019), que trata a representação democrática como uma diarquia construída a partir da circularidade entre os juízos e opiniões dos representados e as decisões dos representantes eleitos. Para a autora, a representação é democrática quando há convergência entre as duas instâncias dessa diarquia, ou seja, quando a opinião dos representados apresenta ressonância na esfera decisória, isto é, no polo da representação. É isso que ela denomina de relação política circular.

Associada aos valores, outra dimensão igualmente importante no âmbito da representação é a legitimidade. Esta depende de normas institucionais que regem cada domínio da prática social e que atribuem funções, lugares e papéis aos que são investidos de poder através de tais normas. A legitimidade é atribuída de fato pela força do reconhecimento, por parte dos sujeitos que compõem uma determinada comunidade, do valor de cada um de seus membros. Os locais de enunciação dos discursos políticos se dão em lugares da política, como parlamento, partidos e associações.

Para Charaudeau (2006a), o discurso político dos representantes teria tendência a se orientar do logos em direção ao ethos e ao pathos. O logos no discurso corresponde ao aspecto racional, mediante o uso da argumentação lógica ou ainda quando o orador toma de empréstimo argumentos de especialistas como filósofos, cientistas políticos e outros experts, a fim de impressionar sua plateia e produzir efeitos de conhecimento ilustrado. O ethos é o elemento discursivo que contribui para a construção da imagem de si, ou seja, do emissor, e corresponde à necessidade de um sujeito falante se fazer reconhecido e legitimado ao proferir um discurso. Quanto à política, Charaudeau ressalta a existência de vários tipos de ethos discursivos, como o ethos pessoal (ethos de credibilidade ou de exemplaridade), ethos institucional (a imagem de uma instituição) e ethos coletivo (a imagem de um grupo). O ethos de exemplaridade tem grande relevância nos estudos de Charaudeau, pois consiste na habilidade discursiva de se fazer distinto dos demais, seja pela honra, pelo prestígio, pelo poder ou pela coragem e ousadia, entre outras virtudes políticas. O pathos diz respeito à estetização do discursivo com fins emocionais, através da sedução, da dramatização dos acontecimentos e de ancoragem numa visão do mundo fragmentada e atemporal. O pathos é largamente utilizado como reforço da estratégia política que Charaudeau denomina de o mentir verdadeiro, como estratégia de sedução. Para o autor, os atores com domínio do discurso político tentam obedecer à lógica do parecer verdadeiro nos jogos de encenação, a fim de exercer influência sobre suas audiências (CHARAUDEAU, 2008). Cabe ressalvar que os três elementos atuam em conjunto, articulando-se para a composição discursiva, ou seja, o discurso político resulta da conjunção entre o logos (argumento), o ethos (a imagem de si) e o pathos (sentimento). A encenação do discurso político, portanto, oscila entre razão e paixão, segundo o autor.

No processo de formação do ethos discursivo, Charaudeau (2006a) apresenta quatro estratégias discursivas que são necessárias para a composição da imagem (ethos) do político. A primeira é a palavra de promessa, que consiste em fazer o público crer no que é dito, ou seja, ethos de credibilidade. A segunda é a palavra de decisão, focada na apresentação de soluções mediante uma conjuntura crítica ou um diagnóstico previamente conhecido pelo público. A terceira é a palavra de justificação ancorada em argumentos que explicam de forma convincente porque é necessária tomar determinada medida impopular ou porque não foi possível executar algo anteriormente prometido, por exemplo. A quarta é a palavra de dissimulação, algo similar ao que Charaudeau denomina de mentir verdadeiro, pois consiste em camuflar promessas ou dissimular algo que não seja possível realizar ou ainda desfazer supostos mal-entendidos a respeito de expectativas do público sobre algo que o político percebeu a posteriori que não conseguirá cumprir.

Charaudeau refere-se a três lugares de produção do discurso político, chamando atenção para a capilaridade da política na atualidade. O primeiro é aquele tipicamente político, ou seja, o lugar de governança, que corresponde às instâncias políticas formais e institucionais. O segundo é o lugar da opinião ou da conversação civil, isto é, o espaço das trocas argumentativas entre os próprios cidadãos quando tratam de política. O terceiro é o lugar da mediação, o espaço midiático destinado ao noticiário e à análise política. Trata-se de um dispositivo de exibição, segundo a terminologia de Charaudeau (2006b), que recorre com frequência às artimanhas do espetáculo ou da estetização da política conforme a visão de Walter Benjamin (KANG, 2012).

Antes da análise dos discursos, apresentamos uma breve contextualização sobre as manifestações de 2013, objeto dos pronunciamentos em exame. Em seguida, são analisados os pronunciamentos do Presidente da Câmara, do Presidente do Senado e da Presidente da República que estavam em exercício na época. Na sequência, são apresentadas uma comparação dos discursos e as conclusões.

Desafios para uma hermenêutica das jornadas de junho de 2013

São muitos os desafios para analisar o que ocorreu em junho de 2013: a diversidade de termos usados para se referir aos protestos, a origem deles, as características dos movimentos, a natureza das reivindicações, as fases e as subdivisões internas e o modo como as manifestações foram avaliadas pelos estudos realizados até agora (ORTELLADO; SOLANO, 2015a; 2015b; TATAGIBA; TRINDADE; TEIXEIRA, 2015; TELLES, 2015a; 2015b; MESSENBERG, 2017). O principal desafio, segundo Parra (2013, p. 2), é que se trata de “um acontecimento que ainda vibra em aberto” e tem sido examinado sobretudo sob a forma de análises de conjuntura. Além disso, são movimentos globais, virais e em redes policêntricas (CASTELLS, 2013; DOMINGUES, 2013; GOHN, 2016; SILVEIRA, 2016; GOMES, 2016; SANTOS e ALDÉ, 2016; MALINI et al. 2016), mas com suas configurações específicas em cada lugar onde ocorreram (GERBAUDO, 2015; GERBAUDO e TRERÉ, 2015). Como destaca Céli Pinto (2017, p. 137-138), Gondim (2016, p. 357) ressalva que “a gênese espontânea das jornadas de junho tem sido superestimada, pois nelas tiveram participação ativa movimentos sociais pré-existentes, cujas ações não eram massivas, nem amplamente publicizadas”.

Ainda segundo Pinto (2017), as manifestações revelaram uma trajetória discursiva que mobilizou para o protagonismo dos protestos “um sujeito novo para as ruas”, considerando “o tempo de democracia brasileira pós-1985: o sujeito tendencialmente de direita do espectro político, constituindo-se em um discurso com apelo popular, a partir de enunciadores de classe média” (p. 152). A dimensão discursiva das manifestações também foi objeto de estudo de Mendonça e Ercan (2015), especialmente a repercussão dos protestos nos meios de comunicação e nas mídias sociais. Em outro estudo, Mendonça (2017), ao avaliar os eventos em Belo Horizonte, afirma que essas discussões “evidenciam a necessidade de compreender formas de ação coletiva contemporâneas que são menos centralizadas e mais atravessadas pela agência e pela expressão dos indivíduos” (p. 137).

A respeito da designação dos eventos, a literatura registra que houve uma nítida disputa simbólica pelo poder de nomear: jornadas, acontecimentos, manifestações, rebeliões, levantes, multidões de junho, utopias de junho2, primavera brasileira, ondas, protestos etc. Esse é um dos aspectos discutidos por Gohn (2016, p. 133-134). Em sua visão, “são designações importantes porque remetem à identidade do movimento”. Entretanto, “o termo manifestações ficou como um marco de referência na memória do país”. Por essa razão, “considero que em Junho de 2013 houve manifestações de protestos. (...) As manifestações atuais não querem ser nominadas de movimentos, usualmente autodenominam-se como pertencentes a coletivos” (GOHN, 2016, p. 133-134).

Singer (2013) questiona a utilização do termo ‘Jornada de Junho’, pois “as jornadas originais constam de O 18 de Brumário de Luís Bonaparte como nada menos que o mais colossal acontecimento na história das guerras civis europeias” (p. 24). O autor explica que, mesmo com uma intensa adesão das massas, não se acreditou estar em curso uma tentativa de revolução, pois, diferentemente do caso francês, “não houve aqui um desenho insurrecional” (p. 24). Além disso, complementa que: “as relações de classe e propriedade não estiveram diretamente no centro das manifestações e as regras do jogo político foram visadas de maneira difusa” (SINGER, 2013, p. 24).

Apesar de serem enquadrados na categoria analítica de novos movimentos sociais (MELUCCI, 1980; TOURAINE, 1981; HABERMAS, 1981; INGLEHART, 1990; EYERMAN E JAMISON, 1991; RODRIGUES, 1995; GOHN, 1997; ALONSO, 2009), “novíssimos movimentos sociais” (AUGUSTO, ROSA e RESENDE LOPES, 20163) ou “novíssimas formas de protestos” (GOHN, 2016), há análises que traçam paralelos entre tais manifestações e os movimentos juvenis da década de 1960.

A análise de Gohn (2016, p. 137) é ainda mais abrangente do ponto de vista dos paralelos históricos. Para a autora, as manifestações de junho “têm inúmeras matrizes, que vão do socialismo utópico do século XIX, às modernas interpretações sobre o poder da sociedade em rede, passando também por concepções do liberalismo e do marxismo”.

Voltando ao caso brasileiro, conforme Antunes (2013), as manifestações que começaram em junho e continuaram em parte de julho, estendendo-se, ainda que de modo bastante diferenciado, nos meses seguintes, tiveram em sua origem causas variadas. Para o autor, as manifestações devem ser compreendidas por uma processualidade interna, de superação de um longo período de letargia, que se articula com uma processualidade externa, caracterizada por uma época de questionamentos sobre a ordem global. O autor resume três pontos importantes:

  • O primeiro relaciona-se com um fenômeno interno, em que se consolidou a percepção de que o projeto que vinha se desenvolvendo no Brasil desde a década de 1990 não foi capaz de garantir serviços públicos de qualidade;

  • O segundo fator traz uma conjuntura muito especifica, pois está relacionado à realização pelo Brasil da Copa das Confederações “quando a população percebeu que estádios de primeiro mundo o Brasil faz, enquanto isso, já no entorno dos estádios, a população é excluída” (Idem, p. 38);

  • Por fim, o terceiro diz respeito às características desses movimentos situando-os em um contexto global em que as mobilizações se iniciam pelas redes sociais e fazem com que uma grande massa da população ocupe os espaços públicos, das ruas e praças. Essa tendência se verifica desde 2008 com as manifestações na praça Tahrir, no Egito, ou ainda no movimento Occupy Wall Street, nos Estados Unidos (ANTUNES, 2013, p. 39).

Quanto à trajetória e fases das manifestações, não há um consenso na literatura. Apesar disso, apresentamos uma síntese no Quadro 1, que contempla os principais momentos das manifestações.

Quadro 1
Fases das Manifestações de Junho de 2013


Em relação às características, a maioria dos estudos realizados até agora destaca o fato de não haver liderança, no sentido hierárquico e centralizado, uma vez que “todos são líderes” (GOHN, 2016, p. 134). Segundo Vianna (2013, p. 38), “o carisma político estava na multidão e não nas lideranças”. Em outras palavras, as manifestações se caracterizam por não terem um comando único e centralizado, tampouco uma pauta elaborada com pontos específicos de luta. Do ponto de vista “organizacional, mesclavam-se participantes de movimentos organizados, de partidos políticos, membros de grupos semiorganizados de expressão estética e cidadãos individualizados, simpatizantes com as causas em pauta” (SCHERER-WARREN, 2014, p. 427). Na maioria dos casos, os protestos se caracterizam como levantes espontâneos de segmentos sociais que queriam externar as insatisfações com os agentes políticos. Isso ocorreu em praticamente todas as capitais brasileiras e em cidades médias, com destaque para São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Porto Alegre, Curitiba, Fortaleza, Recife, entre outras. Trata-se de um movimento em rede, que se espalhou por todo o território nacional (CARDOSO; Di FÁTIMA, 2013; TAVARES; RORIZ; OLIVEIRA, 2016). Para Vianna (2013, p. 42), as multidões de junho não são “massas monolíticas manobráveis, mas uma configuração social formada por indivíduos das mais diferentes orientações, expectativas, experiências, faixas etárias, geração e recursos materiais e imateriais”.

Além de fragmentadas e descentralizadas, Gohn (2016, p. 133-134) registra que os manifestantes “autoproduzem imagens com discursos sem referência a tempos do passado, como se não tivessem outras memórias incorporadas além de si próprios”. Segundo a autora, “a referência é o presente e a permanência é circunstancial”. São equiparadas pela autora aos instant mob ou flash mob, “ações combinadas nas redes sociais para promover uma ação específica no tempo e no espaço, impactar um coletivo e se dissolver”. Essas características desafiam os propósitos de cooperação que são típicos de um coletivo: que tipo de cooperação pode ser gestada em um encontro fugaz, em convivências pontuais, fragmentadas? (GOHN, 2016, p. 133-134; GUIMARÃES, 2017; SILVA; ZIVIANI, 2018).

De fato, as manifestações de junho de 2013 não seguiram um padrão de outros movimentos que ocorreram até então no Brasil. Não havia um movimento social, sindicato ou partido que encabeçava a organização, tampouco alguém que pudesse falar em nome das pessoas que ocupavam as ruas. Singer (2013) procurou traçar o perfil socioeconômico dos manifestantes. Em sua avaliação, uma parte expressiva dos manifestantes era pertencente à classe média e a outra parte era formada pelo “precariado”’, trabalhadores desqualificados e semiqualificados que entram e saem rapidamente do mercado de trabalho. Estanque (2014, p. 74) complementa que se trata de “dinâmicas e tensões sociais onde transparece uma pulsão de classe média e na qual a juventude e a precariedade ocupam um papel decisivo”. Lopes (2016, p. 335) também se refere a segmentos de “juventudes precarizadas” como catalizadores dos movimentos.

Com base em pesquisas feitas na época, Lopes (2016) afirma que foi um movimento formado majoritariamente por jovens adultos (aproximadamente de 26 a 39 anos). Verifica-se ainda que os manifestantes tinham alta escolaridade. “Nas oito capitais pesquisadas, nada menos que 43% dos manifestantes tinham diploma universitário, quando, em 2010, apenas 8% da população brasileira possuía o canudo” (SINGER, 2013, p. 28). Quando analisado o perfil dos manifestantes no que se refere à renda familiar, “uma parte substantiva estava na metade inferior da distribuição de renda, criando um contraste em relação à imagem que havia sido sugerida pela escolaridade, dimensão na qual a quase totalidade dos manifestantes encontrava-se na metade superior” (SINGER, 2013, p. 30). Assim, analisando o perfil socioeconômico dos manifestantes, Singer (2013) reforça a sua hipótese de que as manifestações eram formadas por pessoas pertencentes a dois blocos distintos formados por jovens e jovens adultos de classe média e outro por pessoas da mesma faixa etária, mas pertencentes à metade inferior da estrutura social brasileira, e que possuíam uma escolaridade inferior. Para além da heterogeneidade socioeconômica, as manifestações também apresentavam uma infinidade de bandeiras políticas e ideológicas.

A agenda inicial da primeira fase das manifestações de junho não nasceu de partidos políticos, “mas do apartidário (porém não antipartidário) e anarquista Movimento Passe Livre (MPL), que tem uma natureza agregativa mais dinâmica de novas agendas para ações reivindicatórias coletivas” (VIANNA, 2013, p. 43). O movimento possui uma identificação mais à esquerda. Nas manifestações, o MPL defendia que “os sucessivos aumentos das passagens são expressão da digna raiva contra um sistema completamente entregue à lógica da mercadoria” (SINGER, 2013, p. 32). É isso que leva Vianna (2013, p. 38), ao afirmar que as demandas são tipicamente morais, ou seja, “que o seu voto valha algo, que políticos corruptos sejam presos, que haja desmilitarização das PMs, que não se sintam humilhadas quando precisam recorrer aos serviços públicos e que haja redução nas distorções salariais e legais entre as categorias profissionais”. Gohn (2016) também ressalta a conotação moral das demandas dos manifestantes, como a luta pela ética na política, contra a corrupção. Silveira (2016) argumenta de forma similar, ao defender que os movimentos reivindicavam mudanças de valores na sociedade. Entretanto, ressalva Vianna (2013, p. 38), também “há demandas estruturais que tocam diretamente a forma como a parceria público/privado e a dinâmica tributária-financeira vêm sendo concebidas”.

Apesar da importância do MPL em ter acionado as manifestações de 2013, suas bandeiras não dominaram as insatisfações levadas pelas pessoas às ruas. O fato é que, a partir do momento em que importantes setores da classe média foram para a rua, “o que havia sido um movimento da nova esquerda passou a ser um arco-íris, em que ficaram juntos desde a extrema-esquerda até a extrema-direita” (SINGER, 2013, p. 34). Antunes (2013) reforça essa interpretação, ao afirmar que “nunca se tratou exclusivamente de um aumento do preço da passagem de ônibus e de metrô. Na realidade, estamos diante da ruidosa transformação de uma inquietação social latente e difusa em uma aberta insatisfação social” (p. 44). Contudo, uma das principais insatisfações manifestadas era o descolamento da classe política com os anseios da população. A dinâmica político-administrativo foi fortemente questionada. Um sistema representativo em que cargos políticos “se tornam carreiras autorreferidas”. Com o tempo, tais representantes alienam-se das implicações éticas e democráticas de sua função, “afastam-se de seus representados e naturalizam rotinas gestivas reduzidas a ações centradas apenas na busca por posições no Estado para suas legendas políticas capitarem recursos públicos que as permitam se reproduzirem” (VIANNA, 2013, p. 45).

A população que foi às ruas reivindicava transformações e que os seus direitos sociais fossem efetivados. O Governo Federal “sabe bem que o atual modelo não chegou nem perto de entregar o que foi encomendado. Mas, para manter-se no poder, ele procura capturar a indignação social, atribuindo-lhe outro sentido” (BRAGA, 2013, p. 58). A indignação é apontada por Gohn (2016) como núcleo articulador das manifestações. Essa indignação social da população se agravou ainda mais no contexto da realização da Copa das Confederações, pois o poder público investiu muitos recursos para garantir o evento no Brasil. Para a população foi “vendida” a ideia de que os grandes eventos esportivos deixariam um legado na questão da mobilidade urbana das grandes cidades. Contudo, a grande massa da população não pôde sentir essa melhora, nem tampouco puderam participar dos eventos, já que a grande maioria dos ingressos era inacessível para uma parcela significativa da população. Para Singer (2013, p. 35-36) as manifestações ganharam conotação popular “à medida que apareceram as palavras de ordem contra os gastos com a Copa do Mundo de 2014 e as Olimpíadas de 2016”, sobretudo nos locais em que ocorreram os jogos da Copa das Confederações.

Além disso, destacam-se os questionamentos sobre a qualidade dos serviços públicos. O discurso contra a corrupção foi o que ganhou mais ressonância. É preciso lembrar que o julgamento do “Mensalão”, escândalo de corrupção que envolveu muitos políticos poderosos de vários partidos, foi amplamente divulgado pela imprensa, gerando uma revolta na população (SINGER, 2013).

Como podemos perceber, não existiu uma única bandeira de reivindicações, nem tampouco uma uniformidade das massas que ocuparam as ruas, no que diz respeito ao aspecto socioeconômico. Contudo, concordamos com Vianna (2013) que a multiplicidade de bandeiras não desqualifica o movimento nem a sua importância em promover alterações no cenário político nacional. Essa complexidade dos movimentos é um dos desafios para a análise e a interpretação sociológica e política das chamadas Jornadas de Junho. A literatura analisada chama atenção para aspectos como crise nas formas de mediação política, individualização na participação política, onda de desinstitucionalização e despartidarização nas democracias atuais e formação de comunidades emocionais.

Acerca da crise nas formas de mediação política, os movimentos em exame tentam se afirmar como “organização horizontal, rejeição a diálogos com representantes estatais por vias institucionais e com ampla mobilização através de redes sociais digitais” (p. 21). Além disso, grande parte desses grupos “negam a estrutura hierárquica dos movimentos tradicionais e os modelos de representação que culminam em líderes capazes de negociar com o Estado e de serem capturados pelos interesses do poder institucional” (AUGUSTO, ROSA e RESENDE LOPES, 2016, p. 21). A crise do sistema de representação política se expressou principalmente “no ataque aos partidos e movimentos sociais organizados” (PARRA, 2013, p. 7).

Chauí (2013) associa as manifestações com uma modalidade de espetáculo, ressaltando sua dimensão performática e dramatúrgica. É oportuno salientar que a análise de Dowbor e Szwako (2013) ressalta exatamente o caráter de performance das manifestações, com base nas metáforas dramatúrgicas e nas realidades teatrais evocadas pelas manifestações, especialmente aquelas conduzidas pelo Movimento Passe Livre (MPL). Os autores denominam de “vocalização do ator-evento”, ressaltando a “dramaticidade da violência, a alta dose de contingência das performances públicas, bem como as modalidades organizacionais” (p. 43). Santos e Aldé (2016) também salientam a dimensão dramatúrgica, como uma característica da “gramática” das manifestações.

Reação da Presidência da República, da Câmara dos Deputados e do Senado

Neste tópico, analisamos a reação da Presidência da República, da Câmara dos Deputados e do Senado Federal às manifestações de junho de 2013. Cada discurso será analisado separadamente. Em seguida, serão apresentadas as comparações.

O discurso da Presidente da República

Em cadeia nacional de rádio e TV, a Presidente dirigiu-se à Nação, em pronunciamento de dez minutos no dia 21/06/13, no auge das manifestações4. Dilma Rousseff usa seu lugar de governança, como autoridade política, mas prefere se expressar pelo lugar da mediação, como define Charaudeau (2006a). Entretanto, o espaço midiático é monopolizado pelo espaço da governança, uma vez que se trata de convocação de cadeia nacional de rádio e TV, recurso pelo qual todos os veículos compulsoriamente cedem seu espaço, em transmissão simultânea. Cabe ressaltar ainda que, nesses casos, a autoridade pública se expressa livremente, sem intervenção de jornalistas dos veículos, sem edição e sem cortes. O espaço de mediação, nesse caso, torna-se, de fato, um mero espaço de exibição para o lugar de fala da governança.

Interessante observar os dois momentos em que ela se dirige ao povo. Na abertura e quase no final do pronunciamento, ela disse “minhas amigas e meus amigos”, numa estratégia de colocar-se como parceira dos interlocutores, como igual, alguém que está do lado dos ouvintes, sem hierarquia. Assim, ela tenta apresentar um ethos discursivo ancorado na simpatia e na cordialidade, como uma “amiga” de todos. Além do ethos, há o elemento pathos, que tenta seduzir e cativar a atenção do público por meio da informalidade na linguagem. Quase no meio do pronunciamento e ao final ela recorre ao vocativo “brasileiras e brasileiros”, um pouco mais formal, porém ainda em conformidade com sua estratégia de manter proximidade com seus interlocutores, colocando-se perante o público como uma brasileira, “igual a todos”, sem apelar para a distinção da autoridade que o cargo lhe confere.

Em seguida, Dilma Rousseff tece um variado repertório de elogios às manifestações e aos manifestantes, em consonância com a estratégia do “mentir verdadeiro” exposta anteriormente por Charaudeau (2006a). Para minimizar os efeitos políticos do que estava acontecendo nas ruas, Dilma Rousseff preferiu elogiar em vez de criticar. Disse que as manifestações “mostram a força e o vigor de nossa democracia”, além do “desejo dos jovens de mudar o Brasil”. Referiu-se ainda às manifestações como “uma nova energia política” e que “a mensagem das ruas é pacífica e democrática”. Defendeu ainda a liberdade de expressão: “os manifestantes têm o direito de defender suas ideias livremente”. Dessa forma Dilma Rousseff procura passar a imagem de uma autoridade que respeita e valoriza o lugar da opinião, ou seja, a opinião dos cidadãos, nos termos de Charaudeau (2006a).

Assim, a Presidente tenta construir seu regime de verdade recorrendo a ideias e chavões do senso comum, que são diretamente associados à democracia, tentando responder a seus opositores que usavam as manifestações como pretexto para criticar seu governo. Em vez de focar no seu governo, ela recorre à tática retórica da generalização, ao dizer que os protestos “fazem parte da democracia”. Com isso, Dilma Rousseff recorre ao pathos através da dramatização positiva dos acontecimentos, apelando para uma visão do mundo atemporal, como lembra Charaudeau (2006a). Ela prefere falar da democracia em sentido abstrato, a-histórico e atemporal e com isso tentar minimizar e naturalizar os efeitos das manifestações, como se não houvesse relação direta com a crise em que seu governo estava mergulhado.

Em seguida, Dilma Rousseff recorre ao ethos de exemplaridade, ao anunciar: “irei conversar nos próximos dias com todos os chefes dos demais poderes e os governadores para fazermos um grande pacto pelo Brasil”. Aqui, ela recorre ao mesmo tempo à palavra de promessa e à palavra de decisão, duas instâncias fundamentais no discurso político, conforme Charaudeau (2006a). A combinação dessas duas estratégias reforça sua autoridade política e enfatiza o lugar da governança por ela exercido. Ao proferir tal anúncio, ela assume o lugar de fala de “amiga” e de “brasileira igual a você” e assume sua autoridade e seu poder de ação política, além de apontar para a instância política na negociação com as demais autoridades, com base em valores políticos republicanos. Temos aqui três elementos básicos apontados por Charaudeau (2006a): a ação política, a instância política e os valores políticos, conforme foi abordado anteriormente.

Além de autoapresentar-se como artífice do pacto político nacional, Dilma Rousseff também incluiu os próprios manifestantes como agentes deste pacto, atribuindo a eles papel similar ao dos agentes políticos institucionais, numa estratégia discursiva de empoderamento dos manifestantes. Além disso, a Presidente usa mais uma vez a estratégia da palavra de promessa e tenta passar a imagem de uma governante que valoriza a participação e as relações horizontais de poder, tentando afirmar um modelo moderno de governança política:

Prometo receber os líderes das manifestações pacíficas, os representantes dos jovens, juntamente com os sindicalistas, os representantes dos trabalhadores, de associações e movimentos populares. Precisamos de sua energia, de suas reflexões e de suas contribuições, de suas experiências, de sua criatividade e de sua aposta no futuro, de sua capacidade de questionar os erros do presente e do passado (Grifos acrescentados).

O grande pacto nacional, objeto do anúncio da Presidente consistia em um pacote de medidas para as seguintes áreas: responsabilidade fiscal e controle da inflação, Plebiscito para formação de uma constituinte exclusiva sobre reforma política, combate à corrupção, saúde, transportes e educação. A respeito da economia, Dilma Rousseff disse que “Este é um pacto perene para todos nós", mais uma vez acionando o elemento atemporalidade. Segundo a presidente, o pacto pela preservação dos fundamentos da economia "é uma dimensão especialmente importante no momento atual, quando a prolongada crise econômica mundial ainda castiga as nações”. Neste trecho, ela aponta para a situação de seu governo, fugindo da atemporalidade, mas logo desvia para a crise global, como se não houvesse efeitos no Brasil ou se o problema vivido aqui fosse mera decorrência da conjuntura mundial.

Sobre a reforma política, defendeu maior participação popular e propôs a convocação de um plebiscito para que a população brasileira decidisse sobre os rumos da reforma política. De acordo com a presidente, o processo constituinte seria específico para estabelecer regras da reforma política. “Uma reforma política pode produzir mudanças na forma de escolha de governantes e parlamentares, financiamento de campanhas eleitorais, coligações entre partidos, propaganda na TV e no rádio e outros pontos”, explicou ao apelar para o elemento logos, com base em seu conhecimento político e no argumento racional.

Dilma Rousseff alegou que o debate da reforma política “entrou e saiu” várias vezes da pauta nas últimas décadas. “É necessário que nós [...] tenhamos a iniciativa de romper um impasse. Quero neste momento propor um debate sobre a convocação de um plebiscito popular que autorize o funcionamento de um processo constituinte específico para fazer a reforma política que o país tanto necessita". Ao apresentar o assunto como necessidade consensual da nação, Dilma Rousseff recorre mais uma vez à tática retórica do mentir verdadeiro, como se não houvesse disputas, conflitos e lutas entre os partidos políticos e os próprios parlamentares a respeito das distintas e antagônicas propostas de reforma política. Quando se referiu à participação popular como um “tônico da democracia representativa”, a Presidente disse:

Precisamos oxigenar o nosso sistema político, encontrar mecanismos que tornem as nossas instituições mais transparentes, mais resistentes aos malfeitos e, acima de tudo, mais permeáveis à influência da sociedade. É a cidadania e não o poder econômico que deve ser ouvido em primeiro lugar (Grifos acrescentados).

Dilma Rousseff reafirma, mais uma vez, o lugar da opinião, ao colocar a cidadania em primeiro plano e prossegue em seu raciocínio:

Quero contribuir para uma ampla e profunda reforma política. É um equívoco achar que qualquer país possa prescindir de partidos e, sobretudo, do voto popular, a base de qualquer sistema democrático - Grifos acrescentados.

Pelos grifos, observa-se que ela própria se coloca como agente e protagonista da reforma política, sem ressaltar que se trata de uma questão de competência do Poder Legislativo. Ela usa a estratégia do silenciamento nesse caso, acerca da tramitação de uma possível reforma política, para enfatizar seu lugar de governança e sua palavra de decisão. Além disso, ela reitera a relevância dos partidos políticos, ao contrário da retórica dos manifestantes, que defendem o apartidarismo.

Ao falar da corrupção, Dilma Rousseff cita a necessidade de mais transparência política e afirma que

A Lei de Acesso á Informação, sancionada no meu governo será ampliada para todos os poderes da República e as demais instâncias federativas. Essa lei é um poderoso instrumento do cidadão para fiscalizar o uso dos recursos públicos. Aliás, a melhor forma de combater a corrupção é com transparência e rigor (Grifos acrescentados).

O trecho grifado mostra que a oradora procura formas de destacar a atuação positiva de seu governo, recorrendo ao ethos de exemplaridade pessoal e, também, ao ethos institucional (seu governo), como denomina Charaudeau (2006a). A presidente prossegue na defesa do combate à corrupção e reitera a necessidade de “endurecer a legislação”, de modo “que a corrupção dolosa seja classificada como crime hediondo, com penas severas". Aqui ela recorre ao ethos de exemplaridade na defesa da justiça e da lei, como se essa mesma lei não dependesse de aprovação pelo Congresso Nacional, com a ressalva de o Poder Legislativo concentrar elevado grau de denúncias de corrupção política.

Com o propósito de melhorar os serviços públicos de saúde, uma das demandas dos manifestantes, Dilma Rousseff apela aos governadores e prefeitos para que acelerassem os investimentos já contratados em hospitais, unidades de pronto-atendimento e unidades básicas de saúde e ampliassem a adesão de hospitais filantrópicos ao programa do Ministério da Saúde que troca dívidas por mais atendimento. Nesse caso, ela remete para o lugar de governança dos estados e municípios, eximindo de responsabilidade a governança federal que ela representa. Ela disse que o governo “vai incentivar a ida de médicos para as cidades que mais necessitam de atendimento de saúde, e, quando não houver brasileiros disponíveis, contratar médicos estrangeiros para trabalhar exclusivamente no Sistema Único de Saúde”. Nesse ponto do pronunciamento, ela dirige-se especificamente aos médicos:

Gostaria de dizer à classe médica brasileira que não se trata nem de longe de uma medida hostil ou desrespeitosa aos nossos profissionais. Trata-se de uma ação emergencial, localizada, tendo em vista a dificuldade que estamos enfrentando para encontrar médicos em número suficiente ou com disposição para trabalhar nas áreas remotas do país ou nas zonas mais pobres das nossas grandes cidades.

O apelo aos médicos se justifica pela notória rejeição desses profissionais à proposta de contratar médicos estrangeiros. Assim, Dilma Rousseff tenta ampliar seu leque de interlocutores e eventuais apoiadores de seu pronunciamento, mencionando as necessidades da população de áreas remotas que sobrevivem sem ou com escassa assistência à saúde. Ao incluir os médicos no discurso, a Presidente busca ampliar as repercussões de seu pronunciamento e tenta obter apoio da população (lugar da opinião) que precisa de atendimento e assistência nos serviços de saúde. Além disso, procura passar a ideia que uma governante que não está focada apenas no jogo político, mas preocupada com a população carente.

Ao mencionar o problema dos transportes públicos, um dos fatores que levaram à eclosão da onda de manifestações pelo país, Dilma Rousseff prometeu um “salto de qualidade” nesse setor, apelando para uma imagem forte, apesar de se tratar de um clichê. Um salto, contudo, indica uma ação contrária à inércia das políticas públicas para o setor; e “qualidade” é algo que todos os usuários desse serviço almejam. Para demonstrar efetividade no mentir verdadeiro, a presidente recorreu a números e estatísticas. Ela destacou a desoneração fiscal do setor promovida pelo governo federal, o que, segundo afirmou, permitiu a redução das tarifas de ônibus em 7,23% e a de metrô e dos trens em 13,25% e condiciona o sucesso da medida à governança de prefeitos e governadores:

Estamos dispostos agora a ampliar desoneração do PIS-Cofins sobre o óleo diesel dos ônibus e a energia elétrica consumida por metrô e trens. Esse processo pode ser fortalecido pelos estados e municípios com a desoneração dos seus impostos. Tenho certeza que os senhores governadores e prefeitos estarão sensíveis a isso.

Dilma Rousseff também anunciou a destinação de mais de R$ 50 bilhões para novos investimentos em obras de mobilidade urbana. “Essa decisão é reflexo do pleito pela melhoria do transporte coletivo no país, onde as grandes cidades crescem e onde no passado houve a incorreta opção de não se investir em metrôs”, declarou. Outro anúncio durante a abertura da reunião foi a criação do Conselho Nacional do Transporte Público, com a participação de representantes da sociedade civil e dos usuários, para assegurar “uma grande da participação da sociedade na discussão política do transporte” e “uma maior transparência e controle social no cálculo das tarifas”. A estratégia de recorrentes anúncios reforça seu poder de palavra e o lugar da governança no discurso político. Assim, o efeito esperado é o reforço de sua própria autoridade como governante.

Para a área de educação, Dilma Rousseff mencionou o projeto que destina 100% dos royalties da exploração do petróleo para a educação, em tramitação no Congresso:

Avançamos muito nas últimas décadas para reverter o atraso secular da nossa educação, mas agora precisamos, vou repetir, de mais recursos. O governo tem lutado junto ao Congresso Nacional para que 100% dos royalties do petróleo e 50% dos recursos do pré-sal a serem recebidos pelas prefeituras, pelo governo federal, pelos municípios e a parte da União, repito, sejam investidos na educação. Confio que os senhores congressistas aprovarão esse projeto que tramita no Legislativo com urgência constitucional.

Além disso, a presidente reiterou argumentos do senso comum de que “nunca houve país no mundo que tenha se tornado desenvolvido sem um esforço concentrado na educação”. Segundo ela, “nenhuma nação é capaz de se desenvolver sem alfabetização na idade certa, sem creches para a população que mais precisa, sem educação em tempo integral, sem ensino técnico profissionalizante, sem universidades de excelência, sem pesquisa, ciência e inovação”. Em sua visão, “são condições essenciais para alcançar essas metas, a formação, valorização e bons salários para os educadores e isso exige recursos”. Mesmo sendo argumentos óbvios, são recursos discursivos relacionados ao logos para reforçar seu ethos discursivo.

O único ponto “fora da curva” no discurso de Dilma Rousseff foram suas críticas à violência nas manifestações. Ao defender que os protestos eram democráticos e que todos os brasileiros podem exercer seu direito de livre expressão, ela ressalvou que “desde que as manifestações sejam pacíficas e ordeiras” e sigam “o primado da lei e da ordem”, pois “a violência envergonha o Brasil”. O tom condenatório à violência se enquadra na defesa dos valores políticos, como lembra Charaudeau. Mas a Presidente evoca também o ethos de exemplaridade de sua biografia política e dos jovens de sua geração, ao afirmar que a liberdade política de que desfrutamos atualmente é tributária de muita luta do passado: “minha geração lutou muito para que hoje tivéssemos essa liberdade”.

O discurso do Presidente da Câmara dos Deputados

O Presidente da Câmara dos Deputados, no biênio 2013/2014, foi o deputado Henrique Eduardo Alves (PMDB-RN), que exercia na época seu 11º mandado, totalizando 43 anos como parlamentar. Com uma extensa biografia política, coube a ele conduzir os trabalhos da Câmara dos Deputados no período das manifestações de junho de 2013. Para realizar um estudo das estratégias discursivas de Alves, optamos por selecionar todas as declarações dadas pelo presidente à imprensa, e que foram registradas pela Assessoria de Comunicação da Presidência da Câmara dos Deputados, durante o mês de junho de 2013. Optamos por essa estratégia, pois, ao contrário da postura do Presidente do Senado, Alves não realizou um pronunciamento no Plenário. Ele fazia declarações para imprensa e conduzia, juntamente com os demais líderes da Casa, votações de projetos em resposta aos apelos populares.

Cabe mencionar que optamos por selecionar os textos produzidos pela Assessoria de Imprensa da Presidência durante junho de 2013, por ser um órgão ligado ao Presidente da Casa que cuida de sistematizar e divulgar todas as ações do presidente. Portanto, as notícias que foram veiculadas no site da presidência eram as mensagens que o parlamentar no comando da casa desejava transmitir. Para complementar, avaliamos o pronunciamento realizado pelo Presidente Henrique Eduardo Alves no final do ano Legislativo de 2013 em que o deputado faz um balanço das ações e dos projetos aprovados no período. Escolhemos essa manifestação pois ela se caracteriza como uma prestação de contas à sociedade dos trabalhos realizados pela Câmara dos Deputados no ano das manifestações.

Inicialmente, cabe notar que os temas das manifestações de junho de 2013 só irão fazer parte das declarações do Presidente da Câmara a partir do dia 20 daquele mês, como se observa no item 9 do Quadro 2. Antes, o presidente estava em visita oficial à Rússia. Contudo ao tomar conhecimento da proporção do levante popular, Alves antecipou o retorno ao Brasil. Após obter um relatório da situação pelos órgãos de inteligência da Casa, ele fez a seguinte declaração:

Quadro 2
Manchetes produzidas pela Assessoria da Presidência da Câmara dos Deputados


Obtive informações sobre tudo o que aconteceu hoje aqui em Brasília, não só aqui em Brasília, mas sobre tudo o que aconteceu no país inteiro. Acho que foram manifestações pacíficas, em grande parte, ordeiras, democráticas, respeitosas. Aqui e acolá, minorias que não representam a vontade do povo brasileiro praticaram algumas desordens, mas não foi esse o sentimento e a leitura abrangente que tivemos. Essa Casa tem o dever, por ser a Casa do povo brasileiro, de registrá-las e interpretá-las e fazer a leitura correta e dar, portanto, a sua colaboração, o que nós faremos amanhã e nos próximos dias (Henrique Eduardo Alves - Assessoria da Presidência, publicada em 20/06/2013 - Grifos acrescentados).

Nessa declaração, podemos perceber uma clara intencionalidade do Presidente em reforçar a legitimidade da Câmara dos Deputados, por ser a “casa do povo”, para dá uma resposta às reivindicações levadas pela população às ruas. Com isso, ele chama atenção para o parlamento como a instância política maior da democracia. Essa instância é também o lugar da ação política, nos termos de Charaudeau (2006a), que, no caso, segundo o orador, consiste na interpretação e na leitura dos fatos relacionados às manifestações. Além disso, Alves tenta mostrar um ethos de político bem informado e empenhado em acompanhar os fatos, o que foi demonstrado pela antecipação de seu retorno da Rússia. O uso dos termos “amanhã” e “próximos dias” mostra ainda o interesse do parlamentar em afirmar a imagem de um agente público empenhado na ação política imediata, sem delongas.

Mesmo com a famosa frase em que os manifestantes exibiam em seus cartazes com os dizeres de “não me representa”, o presidente reforça o papel institucional do órgão que ele comanda, usando a expressão “Casa do Povo”. Em outro trecho chama a atenção o fato de Alves mencionar o caráter pacífico da maioria dos manifestantes. Ele faz isso com a intenção de pontuar os casos em que houve confronto com a polícia, para em seguida adotar a versão de que esse comportamento foi praticado por “minorias que não representam a vontade do povo brasileiro”. Com isso ele reforça o seu papel legítimo, ou legitimado pelo cargo que exerce, de interpretar e dar resposta ao que a população demandava naquele momento. Essa atitude revela ainda o cuidado de Alves de não criminalizar os manifestantes, apontando para os valores políticos da democracia, que inclui a liberdade de expressão e o lugar da opinião. Os valores políticos são elementos centrais do discurso político, como registra Charaudeau (2006a).

Após falar sobre as impressões das manifestações, o Presidente da Câmara irá ocupar-se em tentar dar respostas sobre temas pontuais identificados nos cartazes dos manifestantes. Como já mencionado anteriormente, as multidões de junho de 2013 não estavam organizadas com uma pauta definida. Dessa forma, há forte influência da mídia (lugar da mediação) nas propostas que foram colocadas na agenda parlamentar para uma decisão política. Com relação à influência da mídia, fica claro que na cobertura das manifestações de 2013 ela irá usar os seus dois dispositivos, denominados por Charaudeau (2006a, p. 63), de exibição dando uma ampla cobertura na busca por credibilidade, e ainda o espetáculo em que os acontecimentos foram narrados de maneira dramatizada para se conquistar mais audiência.

Assim, diante dos acontecimentos e da extensa cobertura midiática, a Câmara irá pautar temas como o fim do voto secreto, a PEC 37 que tratava dos poderes de investigação do Ministério Público, o projeto que ficou conhecido como a “cura gay”, além de pontuar o tema da reforma política, afirmando a necessidade de ouvir a população por meio de um plebiscito. De maneira geral, ao adotar uma estratégia discursiva em que optou por fazer declarações à imprensa sobre temas específicos, conforme evoluíam as manifestações e conforme se identificava o que mais mobilizava a opinião das massas que ocupavam as ruas, o Presidente da Câmara tentava transparecer mais efetividade e objetividade nas respostas produzidas pelo órgão ao levante popular, chamando para si o ethos de exemplaridade no comando da Casa e no acompanhamento e análise dos fatos. Contudo, houve temas em que ele optou por não abordar, mesmo com forte ressonância na população, optando pela estratégia do silenciamento de que fala Charaudeau (2006).

Um exemplo de tema que não foi abordado pelo Presidente da Câmara, Henrique Eduardo Alves, mesmo com forte questionamento por parte dos manifestantes de junho de 2013, foram os gastos com a realização da Copa das Confederações. Além disso, o parlamentar foi envolvido pela imprensa na polêmica ao utilizar o avião da Força Aérea Brasileira para levar a esposa à cidade do Rio de Janeiro com o objetivo de ver o jogo da seleção5. Acerca dos questionamentos levantados pela população sobre os gastos com os Grandes Eventos Esportivos (Copa das Confederações, Copa do Mundo e Olimpíadas), o presidente usou a estratégia do silêncio, priorizando outros assuntos. Talvez porque naquele estágio, no campo político, não se poderia conceber retroagir no compromisso de realizar os eventos.

A Estratégia do silêncio, da ausência de declarações, [..]. Trabalha-se aqui com uma estratégia que avalia que anunciar o que é efetivamente realizado provocaria reações violentas e impediria a implantação do que é julgado necessário para o bem da comunidade (CHARAUDEAU, 2006a, p. 107).

Assim, as autoridades políticas, mesmo com o forte questionamento dos gastos com a Copa das Confederações, optaram por tratar e anunciar medidas sobre outros temas. Ao silenciar sobre os recursos que foram investidos para realizar o evento e anunciar a redução suspensão do aumento da tarifa de ônibus, por exemplo, acreditava-se estar contribuindo para diminuir o acirramento dos ânimos dos manifestantes. Para finalizar, vejamos os principais elementos do pronunciamento realizado em cadeia nacional de rádio e televisão pelo Presidente Henrique Alves. Ao optar por este recurso, Alves segue a estratégia de Dilma Rousseff, quanto ao uso do lugar da mediação para ampliar o lugar da governança, conforme as razões apresentadas acima. Na ocasião do pronunciamento além de fazer uma homenagem à promulgação da Constituição Brasileira de 1988, que naquela ocasião completava 25 anos, o Presidente faz um balanço das ações da Câmara.

O momento histórico da Constituinte ilumina a Câmara Federal agora em que escrevemos novo capítulo de mudanças, em sintonia com os desejos da sociedade. Somos a casa do povo: aqui a “Constituinte das ruas” ressoa livremente na voz dos parlamentares e dos movimentos sociais. (Henrique Eduardo Alves - Pronunciamento em Rede Nacional, realizado no dia 11/10/2013).

Nesse trecho, o que chama a atenção é o fato de que mesmo admitindo a chamada crise de representatividade e o distanciamento dos políticos da sociedade, argumentos típicos do senso comum, Alves busca reforçar o papel dos deputados como sendo os porta-vozes legítimos dos anseios da população. Aqui cabe a observação de Charaudeau (2006a, p. 80) de que o político, quando fala pretende ser a “voz de todos na sua voz, ao mesmo tempo em que se dirige a todos como se fosse apenas o porta-voz de um terceiro, enunciador de um ideal social”.

Seguindo o seu pronunciamento, ele faz uma prestação de contas. Destaca a questão das desonerações do setor de transporte, tema que desencadeou as manifestações de junho, e comenta a aprovação do Estatuto da Juventude que estabelece alguns direitos específicos para esse contingente populacional, com ampla presença nos protestos. Essa estratégia é uma tentativa de dialogar com os integrantes das manifestações, que como vimos, eram formados, sobretudo, por jovens. Para finalizar, ele comenta ainda o fim do voto secreto como uma medida que amplia a transparência do legislativo, possibilitando maior controle do cidadão. Encerra falando do fim dos 14º e 15º salários que os parlamentares recebiam. Esses recursos eram fortemente questionados pela opinião pública, mas dificilmente teriam sido extintos sem a pressão popular. Esse elenco de medidas funciona como palavra de justificação, a fim de convencer seus ouvintes de que o parlamento atua de forma positiva e exerce sua função de representação política. Com esse leque de atividades, Alves desvia da pauta das manifestações para prestar contas sobre os atos do Legislativo, como estratégia para legitimar a ação política da chamada “Casa do Povo”.

O discurso do Presidente do Senado Federal

O Presidente do Senado Federal, no biênio 2013/2014, foi o senador Renan Calheiros (PMDB-AL). O seu perfil na página do Senado assim resume sua biografia política: de deputado constituinte, a ministro de Estado da Justiça e senador da República, líder do PMDB na Casa, Renan Calheiros assume a liderança do Senado pela segunda vez, presidiu a Casa na gestão de 2005 a 2007. Reconhecido por sua capacidade de ouvir, negociar, articular e formar consensos, Calheiros cumpre seu terceiro mandato no Senado e soma quase 40 anos de atividade política. Diferente da estratégia adotada pelo Presidente da Câmara, Renan fez um pronunciamento durante sessão plenária do Senado Federal, lotada de senadores, e transmitida ao vivo pela TV Senado. Ele procurou lançar um pacote de ações que posteriormente foi denominado de agenda positiva em resposta às manifestações de junho de 2013.

Ao se manifestar do Plenário do Senado Federal ele promoveu um ato político, que por si só representou um ato de oficialização e legitimação da instituição que ele preside. Durante esse pronunciamento, Renan Calheiros procura trazer para si a legitimidade de conduzir alguns temas, mesmo que nem tenham sido objeto das manifestações das massas de 2013. Aliás, ele se apropria dessa falta de pauta específica para defender temas que acredita serem importantes. Ao adotar essa estratégia, ele busca obter a adesão do público para o seu projeto, mostrando-se como a pessoa capaz de conduzir e aprovar as medidas reivindicadas pela população. Com isso, ele reforça a sua imagem de liderança e tenta ganhar credibilidade como a figura capaz de conduzir o Congresso Nacional a aprovar as medidas que o povo deseja e ouvindo as críticas da sociedade direcionada ao Parlamento. O Presidente destaca:

Aceitar críticas, Srs. Senadores, é um gesto de humildade e desejo de interagir com a sociedade. O Congresso Nacional é a Casa do povo e está sintonizado aos novos anseios nacionais. Esta Casa sempre quis o que o povo quis. Ela pulsa no ritmo das ruas porque não existe Congresso de costas para o povo. A sociedade muda; as leis precisam mudar e o Parlamento, como todos sabem, precisa ser mais ágil e mais objetivo (Renan Calheiros - Pronunciamento no Plenário do Senado Federal, realizado no dia 26/06/2013).

Nesse trecho ele procura reconhecer a ideia de que a instituição precisa se aprimorar e de que o parlamento precisa estar mais em sintonia com a sociedade, transmitindo a seus pares a noção de democracia como “algo sempre em construção”, utilizando a estratégia da palavra de justificação. Ao falar da necessidade de maior agilidade do Parlamento, ele já se apresenta como possível condutor desse processo, recorrendo ao ethos discursivo de exemplaridade de que fala Charaudeau (2006a), ao se colocar como o escolhido pelos seus pares para conduzir os trabalhos da Casa, e que, portanto, tem a prerrogativa de falar em nome dela, ou seja, detém autoridade legítima para a ação política, ressaltando, portanto, seu lugar de governança. Mas também, ao propor uma agenda que não estava necessariamente direcionada ao o que pedia a população, ele se coloca como a liderança que fala em nome da coletividade (ethos político institucional), e que, portanto, teria a legitimidade para propor o que ele pensa ser melhor para as multidões que ocupavam as ruas.

Outro aspecto que chama a atenção é o fato de Calheiros cita a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), uma instituição que historicamente sempre participou das pautas transformadoras do país. Talvez por isso, que nesse momento de crise, Calheiros trouxe para o debate legislativo a presença simbólica de representantes da entidade e incorporou algumas sugestões em seu pacote de propostas legislativas. Com isso, ele tentar ampliar o leque de interlocução política e se beneficiar do capital de reputação da OAB e do logos jurídico que pauta as ações dessa entidade. Em suma, temos uma estratégia para legitimar sua ação política como presidente do Senado. Com o anúncio do pacote, Renan conseguiu criar um fato político, trazendo para si a imagem de que ele seria a figura que conduziria as respostas à sociedade, como se pode deduzir a partir da leitura do seguinte trecho:

A sociedade reclama por melhorias no dia a dia, notadamente dos serviços públicos. Nenhum dos Poderes pode se achar perfeito a ponto de prescindir de aperfeiçoamentos. Toda instituição precisa ser refeita diariamente. Só aquelas que têm a humildade de assimilar as críticas, que são permeáveis e admitem corrigir erros mantêm a sua respeitabilidade (Renan Calheiros - Pronunciamento no Plenário do Senado Federal, realizado no dia 26/06/2013 - Grifos acrescentados).

Aqui Renan usa a estratégia discursiva de reforçar as “imperfeições da democracia” e, assim, amenizar os impactos negativos das manifestações e os impactos negativos da própria imagem pública do Congresso Nacional que ele preside, ao argumentar que todas as instituições são imperfeitas e de que é “normal” haver insatisfação com o regime democrático e com a classe política, conforme se vê nos trechos sublinhados. Após tentar “naturalizar” e reduzir os impactos políticos das manifestações, Renan tenta legitimar um discurso institucional de renovação política, ressaltando como positiva a postura do parlamento em aceitar as críticas da sociedade, conforme se observa nos trechos transcritos abaixo:

Vivemos, Srs. Senadores, um novo tempo, e o País reclama, como todos sabem, uma nova agenda. A sociedade da maturidade democrática está atenta, questionando tudo e a todos. Ela cobra uma atenção permanente das instituições e exige ser ouvida com maior frequência e ser atendida com preferência.

A sociedade reclama por melhorias no dia a dia, notadamente dos serviços públicos. Nenhum dos Poderes pode se achar perfeito a ponto de prescindir de aperfeiçoamentos. Toda instituição precisa ser refeita diariamente. Só aquelas que têm a humildade de assimilar as críticas, que são permeáveis e admitem corrigir erros mantêm a sua respeitabilidade.

Aceitar críticas, Srs. Senadores, é um gesto de humildade e desejo de interagir com a sociedade. O Congresso Nacional é a Casa do povo e está sintonizado aos novos anseios nacionais. Esta Casa sempre quis o que o povo quis. Ela pulsa no ritmo das ruas porque não existe Congresso de costas para o povo. A sociedade muda; as leis precisam mudar e o Parlamento, como todos sabem, precisa ser mais ágil e mais objetivo (Renan Calheiros - Pronunciamento no Plenário do Senado Federal, realizado no dia 26/06/2013 - Grifos acrescentados).

Para reiterar que o disse acima, Renan associa a divergência com a democracia, fazendo mais uma vez um paralelo que “naturaliza” a insatisfação dos manifestantes, como se pode observar no seguinte trecho:

Vamos respeitar a divergência, conviver com o contraditório e até com os excessos. Isso é democracia. A liberdade de manifestação do pensamento, além de ser direito natural do homem, é premissa elementar às demais liberdades: política, econômica, de associação e de credo religioso. Não por outra razão as nações livres não mexem nesse alicerce, mestre de todas as liberdades (Renan Calheiros - Pronunciamento no Plenário do Senado Federal, realizado no dia 26/06/2013 - Grifos acrescentados).

Como estratégia de reforço desse ponto de vista, Renan afirma que o Senado está aberto às críticas da população (lugar da opinião) e apresenta um relato sobre o projeto de transparência institucional, que inclusive, foge ao escopo das reivindicações das manifestações. Entretanto, ele aproveita a oportunidade para fazer divulgação institucional positiva, numa espécie de discurso de propaganda, a favor da imagem e da reputação pública do Senado (ethos institucional), a fim de reforçar o papel do Senado como instância legítima de ação política na democracia brasileira:

O Senado continuará aberto à sociedade e às críticas. Estamos cortando custos, desperdícios, privilégios e buscando a excelência em controle público, em controle social, em transparência. Em um ano de Lei de Acesso à Informação, atendemos perto de 30 mil solicitações e apenas 1% dessas solicitações não foram atendidas em virtude da proibição da própria lei (Renan Calheiros - Pronunciamento no Plenário do Senado Federal, realizado no dia 26/06/2013 - Grifos acrescentados).

Grande parte do discurso de Renan é dedicado a apresentar as atividades do Senado naquele momento, destacando uma série de ações e projetos que, apesar de fazerem parte da agenda e da rotina normal de trabalho da instituição, são apresentados no discurso como se fossem respostas às manifestações. Entre esses projetos e medidas destacam-se: o projeto de transparência do Senado, como foi ressaltado acima, o controle de gastos da Casa, projetos de leis na área da saúde, educação etc. Assim, Renan transforma todas as atividades da Casa naquele momento como “respostas às manifestações”, numa generalização das atividades políticas do Senado como se todas estivessem alinhadas aos interesses e demandas dos manifestantes.

Renan empenha-se ainda em destacar o papel do Congresso Nacional, presidido por ele, como o protagonista e instância máxima da ação política, nos termos de Charaudeau (2006), como operador político para viabilizar as propostas da Presidência da República:

Ajudaremos ativamente a implementar os pactos apresentados pela Presidente Dilma Rousseff à Nação. Talvez não haja tido tempo de consultar o Congresso Nacional, mas vamos, mesmo assim, cooperar, e nos comportaremos como facilitadores da mudança (Renan Calheiros - Pronunciamento no Plenário do Senado Federal, realizado no dia 26/06/2013 - Grifos acrescentados).

Cabe destacar que, mesmo sem consultar seus pares, ele assume o compromisso de “ajudar” a implementar as medidas propostas pela Presidência da República. É necessário salientar o uso do verbo conjugado na primeira pessoa do plural “ajudaremos”, embora ele fale por si só. Ele assume o “nós” no sentido do corpo parlamentar, silenciando a respeito das divergências e os dissensos, personalizando a ação política (ethos pessoal) e reduzindo a instância da decisão política ao seu próprio julgamento pessoal, ou seja, seu lugar de governança. Notem-se ainda os possíveis sentidos políticos associados ao termo “ajuda”, conotando as velhas práticas políticas das trocas de favores, do “toma lá, dá”, que no discurso do cotidiano político assume termos mais suaves como “troca de ajuda”. A Presidência da República aparece como um ator político secundário ou desprovido de poder, que necessita de “ajuda” e Renan assume o discurso de um ator generoso e compreensivo, disposto a “ajudar” a implementar a agenda proposta pela Presidência da República, apesar de ainda não saber se terá o efetivo apoio dos demais senadores. Assim, ele aciona os valores de generosidade e presteza, resgatando a relevância dos valores políticos do discurso político, como salienta Charaudeau (2006).

Para reforçar esses valores e seu protagonismo parlamentar, Renan anuncia ainda que:

Além dos pontos propostos pela Presidente, o Congresso humildemente deseja incluir no debate o Pacto pela Segurança Pública e o Pacto Federativo, em que Estados e Municípios, vítimas indefesas do centralismo fiscal, recuperem a capacidade de investir na melhoria da vida das pessoas (Renan Calheiros - Pronunciamento no Plenário do Senado Federal, realizado no dia 26/06/2013 - Grifos acrescentados).

Mais uma vez Calheiros reforça o ethos institucional do parlamento, ao afirmar que o Congresso Nacional é a instância política por excelência da democracia e o os parlamentares como os atores fundamentais da ação política. Além disso, aciona o valor da humildade, como se vê no trecho sublinhado, somando-o aos demais valores apontados acima.

O auge de seu discurso está no trecho no qual ele anuncia a apresentação do projeto de lei que institui o passe livre estudantil nacional, numa tentativa de interlocução direta com os segmentos juvenis presentes nas manifestações de junho de 2013, reiterando seu protagonismo, seu ethos individual e seu lugar de governança:

Eu, pessoalmente - e quero comunicar à Casa e ao País, com muita satisfação -, estou apresentando agora o projeto criando o passe livre para os estudantes, com os recursos dos royalties vindo para a educação (Renan Calheiros - Pronunciamento no Plenário do Senado Federal, realizado no dia 26/06/2013 - Grifos acrescentados).

Como estratégia de reiterar os aspectos já mencionados relativos à ação, às instâncias e aos valores políticos, Calheiros evoca a “missão” do Senado, quase em tom messiânico, reiterando a necessidade de consultas à população, por meio de mecanismos de participação política cidadã, uma das nuances discursivas presentes nas demandas dos manifestantes, que expressaram o desejo de tomar parte nas decisões políticas. Para isso, e numa tentativa mais uma vez, de tentar interlocução com os jovens, Calheiros menciona os potenciais democráticos das tecnologias (lugar de mediação):

Transformar esta energia em ações concretas é a nossa missão, é a missão do Congresso Nacional. Sou um adepto, como todos sabem, das consultas mais assíduas à população, notadamente nos temas mais controversos. Há uma necessidade de ampliarmos, como todos sabem, os mecanismos da democracia direta e da democracia participativa (...) As novas tecnologias nos permitem consultar a população quantas vezes for necessário (Renan Calheiros - Pronunciamento no Plenário do Senado Federal, realizado no dia 26/06/2013 - Grifos acrescentados).

Comparação dos discursos

Os três representantes políticos optaram por formas diferenciadas de se manifestar, mas há muitas similaridades do ponto de vista do conteúdo e das estratégias discursivas. No caso das diferenças, as principais são as seguintes: a Presidente da República usou unicamente o recurso constitucional do pronunciamento em cadeia de rádio e televisão, com o intuito de falar diretamente com a sociedade. O pronunciamento foi realizado no auge dos protestos, mas foi um único ato da Presidente da República, ou seja, tratou o assunto como evento e como movimento, sem continuidade, apesar de os protestos terem adentrado o mês de julho.

O discurso de Dilma Rousseff teve a mesma característica dos protestos no que se refere aos elementos de performance, happening e espetáculo, como registra Chauí (2013). Nessa perspectiva, o discurso de Dilma apresenta elementos típicos de dramatização, conforme registram outros analistas ao se referirem aos protestos (DOWBOR e SZWAKO, 2012; SANTOS e ALDÉ, 2016). Isso significa que ela optou por usar elementos da mesma “gramática dos protestos”, ressalvadas as proporções e a liturgia oficial que serviam de moldura para o pronunciamento de Dilma Rousseff em cadeia de rádio e TV.

O presidente da Câmara também usou a mesma prerrogativa constitucional, mas combinou com outras formas discursivas e preferiu diluir suas manifestações ao longo de todo o período dos protestos, por meio da divulgação de suas ideias nas mídias institucionais da Câmara (Portal e TV Câmara) e também pela divulgação de suas opiniões por meio de entrevistas em veículos privados de mídia, valorizando também o lugar da mediação. Como está registrado no Quadro 2, as estratégias de comunicação de Alves foram variadas e o presidente destinou um período relativamente longo a essa interlocução política, de 05/06 a 02/07/2013, ou seja, praticamente cobriu todo o período das manifestações de rua.

A assessoria de comunicação do presidente ficou de prontidão no monitoramento dos fatos, e Alves tratou o assunto como um processo, com suas continuidades, redefinições e reviravoltas. Ancorado no slogan que se refere à Câmara como “Casa do Povo”, Alves recebeu líderes partidários, fez declarações sobre o assunto à imprensa, recebeu as reivindicações dos líderes dos protestos e as levou para as reuniões do Colégio de Líderes6. Assim, Alves tenta assumir o ethos de um político hábil, ponderado e com espírito democrático, tanto pelos discursos como pelos seus atos durante o período em questão.

O presidente do Senado optou por fazer um pronunciamento no plenário da Casa, transmitido ao vivo pela TV Senado. Priorizando o lugar da governança. Enquanto Dilma Rousseff privilegiou a interlocução direta com a sociedade e Alves articulou um conjunto de estratégias de comunicação, incluindo os líderes partidários, a mídia e os representantes dos líderes dos protestos, Renan Calheiros preferiu a interlocução direta com seus pares. Usou a instância máxima de seu poder, a cadeira de presidente da Casa, para se dirigir aos senadores, numa estratégica de reforçar o poder institucional do Senado, ao transformar seu discurso em algo inerente à rotina de trabalho da Casa, sem o caráter de excepcionalidade conferido pela Presidente Dilma Rousseff, ao convocar cadeia nacional de rádio e TV, e sem a característica de agenda continuada de Alves.

Calheiros também dramatizou o evento, realizando sua performance solo, mas no palco institucional do Senado, tendo como plateia os próprios senadores. A fim de reforçar o poder institucional da Casa e seu próprio ethos de exemplaridade, a performance de Calheiros priorizou o anúncio da tramitação do projeto de lei de sua autoria, que instituía o passe livre estudantil em nível nacional, além de um discurso elencando todos os feitos e atos do Senado, como se todas as atividades da Casa que ocorreram naquele período tivessem sido em função das demandas dos manifestantes.

Em relação aos discursos dos manifestantes, os representantes políticos seguiram uma trilha interpretativa completamente distinta. Os três líderes usaram estratégias discursivas para reforçar a relevância do sistema político institucionalizado, da representação política, dos partidos e do parlamento. Além disso, legitimaram a ação coletiva pacífica e ordeira e enfatizaram a presença de protestos e conflitos como algo inerente à democracia, que devem ser tratados com naturalidade. Dilma Rousseff afirmou que “é um equívoco achar que qualquer país possa prescindir de partidos”. Alves repetiu várias vezes o slogan da Câmara como “Casa do Povo”, para legitimar essa instância política como sendo o palco da representação e da democracia. Calheiros também acionou várias provas argumentativas para reforça o papel institucional do Senado, conforme mostrado anteriormente.

A retórica dos manifestantes, por sua vez, seguia uma trilha hermenêutica completamente distinta, ancorada em elementos contrários ao poder institucional, à legitimidade dos partidos e das demais instituições políticas e dos próprios representantes. As centenas de cartazes com os dizeres “não me representa”, “abaixo os partidos” e similares mostram o alinhamento discursivo dos manifestantes com os ideais de autonomia política dos cidadãos e participação política individualizada, desejo de atuação política livre das tradicionais formas de mediação política, ou seja, reivindicação de modos desinstitucionalizados de experimentar e viver a democracia, além da nítida defesa do apartidarismo ou despartidarização, conforme foi abordado de forma detalhada na primeira parte do texto.

Essa comparação mostra claramente o deslocamento e a assimetria entre o discurso fragmentado das manifestações e o discurso institucional dos atores políticos acima mencionados. Esse desencontro retórico entre manifestantes e políticos se deu porque os atores políticos optaram pelo reforço do sistema político institucional, em vez de dialogar de forma aberta e consistente com as vozes expressas pelas manifestações. Os representantes do Poder Executivo e do Poder Legislativo seguiram a trilha da defesa do sistema político representativo, do qual fazem parte. Assim, estariam preservando seus interesses e de todos os integrantes das instituições políticas ancoradas na lógica representativa.

Essa discrepância entre a visão dos manifestantes e as respostas dos representantes é reforçada por pesquisas de opinião feitas na época, a exemplo do levantamento feito pelo Instituto Brasileiro de Opinião Pública e Estatística (IBOPE, 2013). Os dados mostram que 83% dos brasileiros não se sentiam representados pelos governantes e pelas autoridades eleitas e que 89% responderam que não se sentiam representados por nenhum partido político.

Conclusão

Após o estudo mais aprofundado das manifestações de junho de 2013 e a reação da classe política, sobretudo dos Presidentes da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, corroboramos as conclusões de Vianna (2013), ao afirmar que as multidões talvez não possam se governar, “mas também não podemos afirmar, arrogantemente, que sejam incapazes de reivindicar como querem ser governadas, sendo termômetros importantes para se saber quando as estruturas representativas devem se revisar” (p. 46). O distanciamento entre classe política e sociedade tem se agravado, pois uma vez no poder, as autoridades conduzem as suas carreiras para se autopreservarem. “Perde-se o vínculo com a população, barganha-se cargos como se fossem propriedade de partido, esvaziando-os de seu significado social, institucional e constitucional” (VIANNA, 2013, p. 44).

Como vimos, com a população na rua, a Presidência da República, a Câmara dos Deputados e o Senado Federal procuraram propor e aprovar algumas matérias para tentar ou aparentar se reconectar com a sociedade. Naquele contexto, o que percebemos foi que após essa reação do Executivo e do Congresso Nacional, as manifestações foram perdendo adesão popular. Contudo, não encontramos indícios para afirmar que as medidas anunciadas pela Presidente da República e pelos parlamentares possui uma causalidade direta com o fim das manifestações. É necessário considerar que os índices de insatisfação com o sistema representativo permanecem e que o clima de desconfiança e de rejeição à classe política também.

Esses indícios mostram que os resultados esperados pelos líderes políticos não foram alcançados. As estratégias usadas, mais do que tentar responder às manifestações populares, tentaram neutralizar os efeitos delas, amenizando os impactos, produzindo um discurso naturalizante de que “isso é normal na democracia”. Os três líderes, cada um à sua maneira, estavam mais preocupados efetivamente em defender a legitimidade do sistema político, do parlamento e do seu poder institucional.

A comparação dos discursos revelou as similaridades e diferenças, mostrando como cada um dos líderes preferiu lidar com o assunto, revelando seu ethos discursivo. Dilma Rousseff e Calheiros conferiram um tom solene a seus discursos, cada um à sua maneira. Enquanto Rousseff exerceu seu lugar de governança em cadeia nacional de rádio e TV, Calheiros usou a cadeira de presidente do Senado. Alves, por sua vez, usou um conjunto diferenciado de estratégias discursivas, escalonadas ao longo do período dos protestos. As estratégias discursivas de Rousseff e Calheiros se aproximam das características de performance, happening e espetáculo, de forma similar às manifestações (CHAUÍ, 2013; DOWBOR; SZWAKO, 2012; SANTOS; ALDÉ, 2016).

Tal semelhança, entretanto, diz respeito apenas à forma discursiva. No que se refere ao conteúdo, as diferenças são expressivas. Enquanto os representantes políticos usaram todas as estratégias possíveis para legitimar a política institucionalizada, a representação política e a atuação dos partidos e do parlamento, os manifestantes, por sua vez, questionavam o poder institucional, reclamavam da democracia representativa e negavam a legitimidade dos partidos e das demais instituições políticas e dos próprios representantes.

Por fim, cabe salientar que esta pesquisa contribui para a tentativa de compreensão dos processos políticos contemporâneos no plano discursivo. Afinal, como foi ressaltado na primeira parte do trabalho, a política é uma atividade essencialmente discursiva. É pela palavra que o poder se estabelece, produz verdades (e contestações) e permite a conquista de adeptos e a contraposição estratégica aos adversários. A produção de discursos políticos é inerente ao jogo democrático, principalmente em conjunturas críticas, como o foi o caso das manifestações de junho de 2013.

Material suplementar
Referências
ALONSO, Angela. As teorias dos movimentos sociais: um balanço do debate. Lua Nova. São Paulo, n. 76, p. 49-86, jan./abr., 2009.
ANTUNES, Ricardo. As rebeliões de junho de 2013. Observatorio de América Latina. Cidade do México, v. 14, n. 34, p. 37-49, novembro, 2013.
ANTUNES, Ricardo; BRAGA, Ruy. Os dias que abalaram o Brasil: as rebeliões de junho, julho de 2013. Revista Políticas Públicas. São Luis, v. 18, n. 3, p. 41-47, jul., 2014.
AUGUSTO, Acácio; ROSA, Pablo Ornelas; RESENDE, Paulo Edgar da Rocha. Capturas e resistências nas democracias liberais: uma mirada sobre a participação dos jovens nos novíssimos movimentos sociais. Estudos de Sociologia, Araraquara, v. 21, n. 40, p. 21-37, jan./jun., 2016.
BRAGA, Ruy. As jornadas de junho no Brasil: Crônica de um mês inesquecível. Observatorio de América Latina . Cidade do México, v. 14, n. 34, p. 51-61, novembro, 2013.
CARDOSO Gustavo; DI FÁTIMA, Branco. Movimento em rede e protestos no Brasil: qual gigante acordou? EcoPós. Rio de Janeiro, v. 16, n. 2, p. 143-176, mai./ago. 2013.
CASTELLS, Manuel. Redes de indignação e esperança: movimentos sociais na era da internet. Jorge Zahar Editor, 2013.
CHARAUDEAU, Patrick. Grammaire du sens et de l’expression. Paris: Hachette, 1992.
CHARAUDEAU. Patrick.; MAINGUENEAU, Dominique. Dicionário de Análise do Discurso. São Paulo: Contexto, 2004.
CHARAUDEAU, Patrick. Discurso político. São Paulo: Contexto , 2006a.
CHARAUDEAU, Patrick. Discurso das mídias. São Paulo: Contexto , 2006a.
CHARAUDEAU, Patrick. Linguagem e discurso: modos de organização. São Paulo: Contexto , 2014. 256p.
CHAUI, Marilena. As manifestações de junho de 2013 na cidade de São Paulo. Teoria e debate. São Paulo, n. 113, p.13-21, 2013.
DOMINGUES, José Mauricio. Las movilizaciones de junio de 2013: ¿Explosión fugaz o novísima historia de Brasil? Observatorio de América Latina . Cidade do México, v. 14, n. 34, p. 51-61, nov., 2013.
DOWBOR, Monika; SZWAKO, José. Respeitável público...: performance e organização dos movimentos antes dos protestos de 2013. Novos Estudos-CEBRAP. São Paulo, n.97, p. 43-55, nov., 2013.
ESTANQUE, Elísio. Rebeliões de classe média? Precariedade e movimentos sociais em Portugal e no Brasil (2011-2013). Revista Crítica de Ciências Sociais. Coimbra, n.103, p. 53-80, maio, 2014.
EYERMAN, Ron; JAMISON, Andrew. Social movements: A cognitive approach. Pensylvania City: Ardent Media, 1991.
GERBAUDO, Paolo. Protest avatars as memetic signifiers: political profile pictures and the construction of collective identity on social media in the 2011 protest wave. Information, Communication & Society. London, v. 18, n. 8, p. 916-929, may, 2015.
GERBAUDO, Paolo.; TRERÉ, Emiliano. In search of the ‘we’ of social media activism: introduction to the special issue on social media and protest identities. Information, Communication & Society . London, v. 18, n. 8, p. 865-871, may, 2015.
GOHN, Maria da Glória. Teoria dos movimentos sociais: paradigmas clássicos e contemporâneos. São Paulo: Edições Loyola, 1997.
GOHN, Maria da Glória Marcondes. Manifestações de junho de 2013 no Brasil e praças dos indignados no mundo. Petrópolis: Vozes, 2015.
GOHN, Maria da Glória Marcondes. Manifestações de protesto nas ruas no Brasil a partir de Junho de 2013: novíssimos sujeitos em cena. Revista Diálogo Educacional. Curitiba, v.16, n.47, jan./abr., 2016.
GOMES, Wilson. Nós somos a rede social: o protesto político entre as ruas e as redes. In: Mendonça, R. F.; Pereira, M. A.; Filgueiras, F. (Orgs). Democracia digital: publicidade, instituições e confronto político. Belo Horizonte: EdUFMG, 2016, p.367-390.
GONDIM, Linda M. P. Movimentos sociais contemporâneos no Brasil: a face invisível das Jornadas de Junho de 2013. Polis, Santiago , v. 15, n. 44, p. 357-379, jan./abr., 2016 .
GROPPO, Luís Antonio. Utopias de junho. Revista Espaço Acadêmico. Maringá, v. 6, n. 186, 52-60, dez., 2016.
GUIMARAES, Lara Linhalis. Uma revoada de entidades: o que enxameia a atuação dos streamers nas jornadas de junho de 2013? Galáxia. São Paulo, n. 36, p. 99-110, set./dez., 2017.
HABERMAS, Jurgen. 1981. New social movements. Telos. New York, v. 21, n. 49, p. 33-37, sep., 1981.
IBOPE. Veja pesquisa completa do Ibope sobre os manifestantes. Disponível em: http://g1.globo.com/brasil/noticia/2013/06/veja-integra-da-pesquisa-do-ibope-sobre-os-manifestantes.html Acesso em: 16/07/19.
INGLEHART, Ronald. Values, Ideology and Cognitive Mobilization in New Social Movements. London: Taylor & Francis, 1990.
KANG, Jaeho. A mídia e a crise da democracia: repensando a política estética. Novos Estudos-CEBRAP. São Paulo, n. 93, p. 61-79, abr./jul., 2012.
LOPES, João Teixeira. Movimentos ou momentos? Algumas notas sobre “novíssimos movimentos sociais”. In: Mendonça, R. F.; Pereira, M. A.; Filgueiras, F. (Orgs). Democracia digital: publicidade, instituições e confronto político . Belo Horizonte: EdUFMG , 2016, p. 333-344.
MALINI, Fábio et al. A viralização da revolta em redes sociais. In: Mendonça, R. F.; Pereira, M. A.; FILGUEIRAS, F. (Orgs). Democracia digital: publicidade, instituições e confronto político . Belo Horizonte: EdUFMG , 2016, p. 391-417.
MARTINS, Carlos Eduardo. A “Primavera” brasileira: que flores florescerão? Lutas Sociais, v. 17, n. 31, p. 140-152, set./dez., 2013.
MELO, Cristina Teixeira Vieira de; VAZ, Paulo Roberto Givaldi. E a corrupção coube em 20 centavos. Galáxia. São Paulo, n. 39, p. 23-38, jan./abr., 2018.
MELUCCI, Alberto. 1980. The new social movements: a theoretical approach. Social Science Information, v. 19, n. 2, p. 199-226, may, 1980.
MENDONÇA, Ricardo Fabrino; ERCAN, Selen A. Deliberation and protest: strange bedfellows? Revealing the deliberative potential of 2013 protests in Turkey and Brazil. Policy Studies. London, v. 36, n. 3, p. 267-282, aug., 2015.
MENDONÇA, Ricardo Fabrino. Singularidade e identidade nas manifestações de 2013. Revista do Instituto de Estudos Brasileiros. São Paulo, n. 66, p. jan./abr., p. 131-159, 2017.
MESSENBERG, Débora. A direita que saiu do armário: a cosmovisão dos formadores de opinião dos manifestantes de direita brasileiros. Sociedade e Estado. Brasília, v. 32, n. 3, p. 621-647, set., dez., 2017.
MORAES, Thiago Perez Bernardes; Romer Mottinha Santos. Os Protestos no Brasil: Um estudo sobre as pesquisas na web, e o caso da Primavera Brasileira. Revista Internacional de Investigación en Ciencias Sociales. Cidade do México, v. 9, n. 2, p. 193-206, abr./ago., 2013.
MIGUEL, Luis Felipe. Mito e discurso político: uma análise a partir da campanha eleitoral de 1994. Campinas: Editora da UNICAMP, 2000.
ORTELLADO, Pablo; SOLANO, Ester. Pesquisa manifestação política 12 de abril de 2015a. Disponível em: http://gpopai.usp.br. Acesso em: 11/01/18.
PARRA, Henrique. Jornadas de junho: uma sociologia dos rastros para multiplicar a resistência. Pensata. São Paulo,v. 3, n. 1, p. 141-150, dez., 2013.
PINTO, Céli Regina Jardim. A trajetória discursiva das manifestações de rua no Brasil (2013-2015). Lua Nova. São Paulo, n. 100, p. 119-155, jan./abr., 2017.
RODRIGUES, Eugénia. Os novos movimentos sociais e o associativismo ambientalista em Portugal. Boletim do CES. Coimbra n. 60, p. 1-33, 1995.
SANTOS, Joaão Guilherme B. dos Santos; Aldé, Alessandra. As manifestações de junho: estratégia em rede para resistência civil. In: Mendonça, R. F.; Pereira, M. A.; Filgueiras, F. (Orgs). Democracia digital: publicidade, instituições e confronto político . Belo Horizonte: EdUFMG , 2016, p.475-496.
SCHERER-WARREN, Ilse. Manifestações de rua no Brasil 2013: encontros e desencontros na política. Cadernos CRH. Salvador, v. 27, n. 71, p. 417-429, maio/ago., 2014.
SILVA, Regina Helena Alves da; ZIVIANI, Paula. Temporalidades emaranhadas: desafios metodológicos da dinâmica dos protestos em rede de 2013 no Brasil. Revista Crítica de Ciências Sociais , Coimbra, n. 117, p. 27-46, dez. 2018.
SILVEIRA, Sérgio Amadeu. Insurgências, redes de opinião e coletivos de intervenção. In: Mendonça, R. F.; Pereira, M. A.; Filgueiras, F. (Orgs). Democracia digital: publicidade, instituições e confronto político . Belo Horizonte: EdUFMG , 2016, p. 345-365.
SINGER, André. Brasil, junho de 2013, classes e ideologias cruzadas. Novos Estudos-CEBRAP. São Paulo, n. 97, p. 23-40, set./dez., 2013.
TAVARES, Francisco Mata Machado; RORIZ, João Henrique Ribeiro; OLIVEIRA, Ian Caetano de. As jornadas de maio em Goiânia: para além de uma visão sudestecêntrica do junho brasileiro em 2013. Opinião. Publica. Campinas v. 22, n. 1, p. 140-166, jan./abr., 2016 .
TATAGIBA, Luciana; TRINDADE, Thiago; TEIXEIRA, Ana Claudia C. Protestos à direita no Brasil (2007-2015) . In: CRUZ, Sebastião Velasco; KAYSEL, André; CODAS Gustavo (Orgs.). Direita, volver!: o retorno da direita e o ciclo político brasileiro. São Paulo: Editora Fundação Perseu Abramo, 2015.
TELLES, Helcimara de Souza. Corrupção, legitimidade democrática e protestos: o boom da direita na política nacional? Revista Interesse Nacional. Belo Horizonte, v.8, n.30, p. 31-43, set./dez., 2015a.
TELLES, Helcimara de Souza. O que os protestos trazem de novo para a política brasileira? Em Debate. Belo Horizonte, v. 7, n. 2, p. 7-14, maio./jul., 2015b.
TOURAINE, Alain. The voice and the eye: An analysis of social movements. Cambridge: Cambridge University Press, 1981.
URBINATI, Nadia. The democratic tenor of political representation. In: VIEIRA, Monica Brito (Ed.). Reclaiming representation: contemporary advances in the theory of political representation. London: Taylor & Francis , 2017.
URBINATI, Nadia. Judgment alone. In: CASTIGLIONE, Dario; POLLAK, Johannes (Eds.). Creating political presence: the new politics of democratic representation. Chicago: University of Chicago Press, 2019.
VIANNA, Alexander Martins. As multidões de junho de 2013 no Brasil: o desafio de explicar e compreender. Revista Espaço Acadêmico. Maringá, v. 13, n. 146, p. 36-48, out., 2013.
Notas
Notas
1 Foram incluídos na análise os discursos proferidos pelos canais institucionais das referidas instituições, mas sem considerar as redes digitais, que ainda não apresentavam o vigor da atualidade. Essas redes passaram a se tornar mais relevantes para as instituições políticas a partir das eleições de 2018.
2 Ao analisar a bibliografia sobre as Jornadas de Junho de 2013, Groppo (2016) considera que parte dos protestos, em torno da luta pela redução da tarifa, conteve aspectos utópicos, em sua dimensão espacial - a imagem de uma cidade melhor - e em sua dimensão espaço-temporal - o anseio popular de retomar o controle dos seus destinos.
3 Os autores questionam o uso do termo “movimentos sociais” e optam por “momentos” em vez de movimentos. Em sua análise existem diferenças estruturais que devem ser consideradas em relação aos movimentos sociais, sejam eles “velhos”, “novos” ou “novíssimos”, como a durabilidade, a organização e a reciprocidade entre seus integrantes e lideranças. As jornadas de junho, ao contrário, foram efêmeras, descentralizadas e com frágeis laços de cooperação e reciprocidade.
4 O discurso teve baixa repercussão na imprensa e no Congresso Nacional. Na mídia, apenas o Portal G1 publicou matéria completa sobre o pronunciamento, enquanto os demais veículos de mídia publicaram apenas breve registro. Para a reportagem do G1: http://g1.globo.com/politica/noticia/2013/06/dilma-propoe-5-pactos-e-plebiscito-para-constituinte-da-reforma-politica.html Consultado em 09/02/17.
5 Matéria publicada pelo G1, com a manchete: “Presidente da Câmara usou avião da FAB para levar parentes ao Rio” disponível em: http://g1.globo.com/politica/noticia/2013/07/presidente-da-camara-usou-aviao-da-fab-para-levar-parentes-ao-rio.html
6 O Colégio de Líderes é o grupo que negocia a agenda parlamentar em cada Casa, juntamente com o presidente da instituição. É composto pelos líderes da Maioria, da Minoria, dos Partidos, dos Blocos Parlamentares e do Governo.
Quadro 1
Fases das Manifestações de Junho de 2013


Quadro 2
Manchetes produzidas pela Assessoria da Presidência da Câmara dos Deputados


Buscar:
Contexto
Descargar
Todas
Imágenes
Visualizador XML-JATS4R. Desarrollado por Redalyc