Resenha
Métodos quantitativos em Ciência Política
Quantitative methods in Political Science
Métodos cuantitativos en Ciencia Política
Métodos quantitativos em Ciência Política
Revista Sociedade e Cultura, vol. 25, e71924, 2022
Universidade Federal De Goias (UFG)
| FIGUEIREDO Dalson Britto. Métodos Quantitativos em Ciência Política. 2019. Curitiba. Intersaberes. 320 ppp. |
|---|
Recepção: 16 Fevereiro 2022
Aprovação: 23 Junho 2022
The numbers have no way of speaking for themselves. We speak for them. We imbue them with meaning. Data-driven predictions can succeed – and they can fail. It is when we deny our role in the process that the odds of failure rise. Before we demand more of our data, we need to demand more of ourselves. (Nate Silver)
Em seu livro mais recente, Métodos Quantitativos em Ciência Política, o professor e cientista político Dalson Figueiredo apresenta contribuições analítico-metodológicas essenciais para entender a Ciência Política e os conceitos por ela compreendidos.
Logo na introdução, o autor evidencia a metodologia pedagógica (ou pedagogia metodológica) que iluminará a compreensão dos conceitos e técnicas da aplicação estatística na pesquisa empírica em Ciência Política. Escrito em linguagem clara e acessível, o livro é endereçado aos estudantes que estão iniciando os cursos de graduação e pós-graduação, além de servir também, é claro, a todos aqueles que planejam desbravar o universo da pesquisa científica e da metodologia quantitativa.
Profundamente divertido e lúdico, assim como o romancista Jostein Gaarder no Mundo de Sofia, Figueiredo conduz o leitor a uma viagem genuinamente agradável ao labiríntico mundo dos métodos quantitativos. Para tanto, o autor recorre à sua vasta experiência com ensino e pesquisa e explica, sem fazer uso de fórmulas matemáticas ou de mistificações professorais, desde procedimentos estatísticos mais básicos até técnicas robustas de coleta, organização, interpretação e análise de dados. O objetivo é familiarizar os leitores com aplicações práticas da estatística na análise de fenômenos sociais e políticos, como, por exemplo, financiamento de campanha, desigualdade social e percepção da corrupção.
O livro é dividido em cinco capítulos, cada um deles convidando o leitor a um mergulho em diferentes tópicos que são interativamente ilustrados com figuras, esquemas explicativos, gráficos, tabelas e quadros, que exercem simultaneamente no texto uma dupla função instrutiva: sintetizar a compreensão dos conteúdos abordados e elucidar a contribuição de elementos gráficos quando devidamente apresentados na redação científica. O resultado disto é uma pérola acadêmica, que não se restringe à introdução de métodos quantitativos na Ciência Política. Mais que isso, o autor expande dialeticamente suas contribuições do campo metodológico ao campo pedagógico, apresentando um registro fiel do seu diário de pesquisa, no qual é relatada sua expertise com o ensino de métodos e técnicas, bem como às aplicações estatísticas na pesquisa empírica a partir de fenômenos previamente investigados por ele.
No primeiro capítulo, Figueiredo apresenta ao leitor os conceitos básicos na análise de dados: população, amostra e amostragem, ressaltando, luminosamente, as características de uma boa amostra, os tipos, as vantagens e as limitações de cada uma. Na Ciência Política, é comum o uso de amostras para inferir sobre uma população mais ampla. Sendo assim, amostras aleatórias (simples ou estratificadas) representam a melhor forma de garantir inferências respaldadas nas evidências.
A este respeito, o autor exemplifica com uma hipotética pesquisa de opinião sobre a popularidade do presidente Jair Bolsonaro. Por um lado, o pesquisador que deseja extrair resultados generalizáveis para todo o eleitorado brasileiro não pode entrevistar apenas os eleitores que sejam simpatizantes do presidente. Por outro lado, amostras não probabilísticas podem ser utilizadas, por exemplo, quando o objetivo da pesquisa é analisar o comportamento de atores vinculados ao presidente, como é comum nos estudos de caso.
O segundo capítulo, por sua vez, é essencial para compreender a importância das medidas de tendência central (média, mediana e moda) e de dispersão (variância, desvio padrão e erro padrão) nos fenômenos políticos. Nesta parte, o leitor é apresentado ao processo de conversão de um conceito abstrato em uma variável empírica que permitirá a mensuração do fenômeno de seu interesse. Para tanto, o autor exemplifica-nos tal processo valendo-se de um tema muito estudado pelos cientistas políticos: a corrupção. Como investigar a corrupção? Indaga Figueiredo ao seu interlocutor. Primeiramente, o pesquisador precisará adotar uma definição teórica da corrupção que esteja lastreada na perspectiva jurídica ou na compreensão internacional, isto é, na literatura sobre o tema. O próximo passo que o pesquisador deve adotar é o de mensurar o conceito a partir dos objetivos da pesquisa, ou seja, daquilo que o pesquisador busca responder com os seus achados. No caso em tela, por exemplo, há diferentes estudos que utilizam casos que foram detectados e julgados pelo Poder Judiciário. Outros trabalhos, por sua vez, utilizam os índices de percepção da corrupção, como o que é produzido anualmente pela Transparência Internacional na investigação dos impactos de práticas corruptas nas instituições, adotando o ponto de vista de especialistas no assunto.
É importante notar como a explicação sobre a operacionalização da corrupção é o fio condutor para compreensão da importância das medidas compostas na investigação de fenômenos não observáveis diretamente. O autor destaca de imediato três utilidades: 1) sintetizar informação; 2) aumentar a confiabilidade e a validade das mensurações; e 3) medir conceitos/fenômenos não diretamente observáveis. Na Ciência Política, a utilização de índices é mais comum do que de escalas, por isso o autor desmistifica um equívoco conceitual muito comum entre pesquisadores iniciantes: as semelhanças e diferenças entre índices e escalas. Isso porque o índice pode ser construído pela simples agregação dos escores das variáveis em um único indicador, ao passo que a escala dependerá de um sustentáculo teórico ao conceito a ser mensurado. O capítulo apresenta, ainda, um dos mais importantes tipos de distribuição estatística: a distribuição normal. O último assunto deste capítulo é, inequivocamente, um passo substancial para o pesquisador avançar da estatística descritiva para inferencial. Isso ocorre porque muitos fenômenos naturais e sociais se assemelham à representação gráfica da distribuição que possui uma curva em formato de sino. Assim, uma vez que os dados seguem a representação Gaussiana do sino, há mais segurança para o pesquisador utilizar os pressupostos da inferência estatística, bem como de informações da amostra que permitam generalizações para a população.
O capítulo três é um dos capítulos mais importantes do livro. É nele que Figueiredo convida-nos a dissecar a lógica dos testes de hipótese, um dos principais instrumentos que guiará o pesquisador na elaboração de inferências válidas na pesquisa científica. Com exemplos extraídos de trabalhos empíricos da área, o autor elenca que uma hipótese deve apresentar três componentes principais: 1) uma relação esperada; 2) uma variável independente; e 3) uma variável dependente. Além disso, ela deve abranger variáveis e estabelecer uma relação esperada entre elas. Nessa chave compreensiva, duas hipóteses rivais costumam nortear a pesquisa empírica: a nula (H0) e a alternativa (Ha). O autor sustenta que a plausibilidade de cada hipótese dependerá da significância estatística e do poder estatístico. Isto é, os testes de significância subsidiarão a tomada de decisão acerca de qual hipótese é mais plausível. As noções de poder estatístico, erro estatístico, além da comparação entre médias (a partir de exemplos retirados do noticiário jornalístico), distinção lógica da pesquisa experimental e o funcionamento da pesquisa observacional, também são devidamente decodificados pelo autor. No transcorrer do texto, ele nos apresenta entre três e quatro casos distintos para esclarecer o tema, reforçando, deste modo, a apreensão dos conceitos abordados.
O quarto capítulo é inteiramente dedicado à correlação, que é uma medida de associação amplamente utilizada na pesquisa científica. Nessa parte, o livro-bússola acentua a necessária alfabetização algorítmica da sociedade para compreensão do nosso mundo cada vez mais movido a dados e correlações espúrias. Isso porque é muito comum (tanto entre os investigadores pouco experimentados quanto para os diferentes veículos de mídia) a confusão que envolve a associação entre duas ou mais variáveis e a causalidade, que é provavelmente uma das tarefas mais desafiadoras da análise de dados. Por isso, Figueiredo dedica uma seção inteira com exemplos empíricos de correlações espúrias, fornecendo adicionalmente instruções minuciosas para implementação computacional da correlação.
No quinto e mais importante capítulo do livro, uma questão apresentada no início do texto serve-nos como chave compreensiva para o uso da técnica estatística mais popular na Ciência Política contemporânea: o modelo de regressão de mínimos quadrados ordinários. Qual o impacto dos gastos de campanha sobre os resultados eleitorais? Ao se valer da regressão, o pesquisador analisa a plausibilidade de relações funcionais entre variáveis como, por exemplo, a existência de associação entre desigualdade de renda e níveis de homicídio; ou se a escolaridade afeta o rendimento médio do trabalho. Assim, quando os pressupostos da regressão são satisfeitos, é possível descrever o padrão de associação entre uma variável dependente e conjunto de variáveis independentes. A espinha medular da análise de regressão é composta pela compreensão do campo de pesquisa em profundidade (investigando se existem e como os trabalhos anteriores especificaram os modelos explicativos); definição de hipóteses (previamente ao trabalho analítico); familiarização com os dados disponíveis na base de trabalho; estimação do modelo e, por fim, divulgação dos resultados. A aplicação dessa técnica nas Ciências Sociais é inenarrável, sobretudo quando não é possível conduzir experimentos (como ocorre na maioria dos casos). Por isso, a maior parte das análises desse campo do conhecimento científico é realizada com base em dados observacionais. Figueiredo sugere, desse modo, a compreensão dos fundamentos da regressão linear como primeiro passo para o leitor que planeja se tornar um analista de dados profissional.
Finalmente, o mérito do livro é o de entregar em tempos de clickbait científico um instigante e atemporal trabalho que se traduz num valioso guia de sobrevivência para vida cotidiana de pesquisadores, munindo-os do mesmo modo para consultas de rotina. Corresponde, igualmente, a um tratado rigoroso sobre a importância da transparência científica, que é inventivamente referendada nos exemplos humoristicamente consagrados nas sugestões bibliográficas, fílmicas e musicais (nem as notas de rodapé passam incólumes ao leitor mais desatento).
Tudo isto é, evidentemente, consolidado em diferentes tipos de exercícios que o leitor encontrará ao final dos capítulos. O aluno-pesquisador poderá assegurar a fixação de cada conteúdo por meio de exercícios explicativos, elaborados com diferentes propósitos e níveis de dificuldade. Além disso, há questões para reflexão, em um livre exercício de imaginação teórico-metodológica.
É importante destacar também o caráter neoiluminista desta obra, publicada justamente numa era de desinformação em massa, predominantemente mediada por dispositivos tecnológicos regidos por algoritmos cada vez mais capazes em lidar com o tratamento matematizado da sociedade. Diariamente, a máxima “programe ou seja programado” testa o triunfo de tecnologias voltadas para o processamento, cruzamento e análise preditiva de um alto volume de informações. Não é por menos que Figueiredo inicia a introdução do seu texto com um alerta sobre a onipresença dos dados na nossa vida diária: uma vez datificado, tudo pode ser planilhado, isto é, convertido em variável, codificado e analisado preditivamente.
Portanto, na avenida onde se cruzam diferentes discursos obscurantistas que enredam teorias conspiratórias, negacionismo científico e defesa de políticas exotéricas, o livro simboliza o semáforo ou uma vela no mundo assombrado pelos demônios (para pegar de empréstimo a ideia de Sagan referendada por Figueiredo na conclusão). Portanto, este livro deve ser leitura obrigatória para todos os acadêmicos, cientistas, jornalistas e divulgadores que pretendem influenciar pessoas pelas pesquisas científicas, especialmente no cenário pós-apocalíptico da pandemia decorrente da Covid-19.
A mentira viaja tão rápido quanto um vírus, mas só a vacina da verdade (lastreada na ciência) nos ajudará no seu efetivo combate. Sendo assim, a transmissão do vírus da ignorância só será contida com informação baseada nas evidências. Este livro é um importante passo para a produção de anticorpos contra a desqualificação científica.