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Eleições governamentais e combate a fake news no Brasil
Government elections and the fight against fake news in Brazil
Elecciones gubernamentales y la lucha contra las fake news en Brasil
Revista Sociedade e Cultura, vol. 25, e71036, 2022
Universidade Federal De Goias (UFG)

Artigo


Recepção: 01 Dezembro 2021

Aprovação: 04 Abril 2022

DOI: https://doi.org/105216/sec.v25.e71036

Financiamento

Fonte: CAPES

Número do contrato: 001

Descrição completa: À Fundação de Pesquisa de Minas Gerais (FAPEMIG) e à Coordenação para o Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES - Financiamento 001), Brasil. Agradecimentos adicionais à equipe editorial, aos avaliadores anônimos e à investigadora equatoriana María Belén Zambrano Pontón pelas suas valiosas contribuições que repercutiram positivamente neste artigo.

Resumo: Este artigo discute o contexto vivenciado nas eleições de 2018 no Brasil, no que se refere à divulgação de fake news. O objetivo é caracterizar as informações falsas em campanhas eleitorais eletrônicas, bem como analisar o posicionamento dos eleitores adiante da desinformação. Aplicou-se pesquisa documental em 35 informações falsas esclarecidas pelo site do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), além da análise do conteúdo de comentários realizados em 14 postagens feitas no Facebook do TSE, à luz da Teoria da Ação Comunicativa. Como resultados, observou-se que as fake news foram uma preocupação do Brasil nas eleições de 2018 e estiveram associadas às condições de votação, legitimidade das urnas eletrônicas e dos cálculos dos resultados. A influência das fake news nas eleições mostrou-se presente ao considerar a opinião pública, com posicionamentos contrários e favoráveis. A experiência brasileira provoca reflexões e ações para as próximas eleições em países democráticos.

Palavras-chave: Mídias Sociais, Democracia, Eleições, Opinião Pública, Habermas.

Abstract: This paper discusses the context experienced in the Brazilian elections in 2018, regarding the disclosure of fake news. The objective is to characterize the false information in electronic electoral campaigns, as well as to analyze the position of the voters against misinformation. The documentary search was applied on the 35 false information clarified by the “Tribunal Superior Eleitoral” (TSE) website, as well as the content analysis of comments made in 14 posts on the TSE Facebook under the Theory of Communicative Action. As result, it was observed that the fake news were a Brazilian concern for this election and were associated with the voting conditions, the legitimacy of electronic voting, and the calculation of results. The influence of the fake news in the elections was present when considering the public opinion with contrary and favorable positions. This Brazilian experience launches reflections and actions to be considered for the next elections in democratic countries.

Keywords: Social Media, Democracy, Elections, Public Opinion, Habermas.

Resumen: Este artículo discute el contexto vivido en las elecciones de 2018 en Brasil, en lo que se refiere a la divulgación de fake news. El objetivo es caracterizar las informaciones falsas en campañas electrónicas, así como analizar el posicionamiento de los electores frente a desinformación. Se aplicó una investigación documental en 35 informaciones falsas aclaradas por el sitio del “Tribunal Superior Eleitoral” (TSE), además del análisis del contenido de comentarios realizados en 14 posturas hechas en el Facebook del TSE. Los resultados presentaron que las fake news fueron una preocupación de Brasil para esas elecciones y estuvieron asociadas a las condiciones de votación, legitimidad de las urnas electrónicas y cálculo de los resultados. La influencia de las fake news en las elecciones se mostró presente al considerar la opinión pública con posicionamientos contrarios y favorables. La experiencia brasileña provoca reflexiones y acciones para las próximas elecciones en países democráticos.

Palabras clave: Redes Sociales, Democracia, Elecciones, Opinión Pública, Habermas.

Introdução

A experiência democrática brasileira ilustra a influência dos veículos de comunicação no âmbito político de um país. No contexto das mídias de massa no Brasil, por meio do rádio, televisão ou mídia impressa, houve a busca por socializar culturalmente a população, de modo a efetuar uma vigilância pública por meio das informações e notícias disseminadas, além de fornecer a interpretação do significado dos acontecimentos em vigência. Ademais, a relação entre o processo político e as mídias de massa esteve próxima, principalmente em meados da década de 1980, durante o período de redemocratização, de modo que o próprio perfil dos discursos políticos se moldou para utilização de meios como a televisão para potencializar as campanhas no horário gratuito de propaganda eleitoral (AVELAR, 1992; FREITAS, 2018).

A mídia de massa assumiu papel relevante como agente de influência e transformações na política (SARTORI, 1992). A tais meios de comunicação é associado o poder de determinar os temas sobre os quais incidirá a atenção pública (MCCOMBS; SHAW, 1972), de influenciar a participação política (LIVINGSTONE; LUNT, 1994), bem como de impactar o terreno eleitoral, substituindo os partidos políticos, em maior ou menor grau, em sua função comunicadora (RUBIN, 1981; SINGER, 2000). Ainda, pode constituir um elemento voltado para a doutrinação ideológica, controlado por grupos de maior domínio econômico ou mesmo utilizado como instrumento de coerção ideológica por parte de governos (CUNHA, 2016).

Todavia, na sociedade contemporânea, novas plataformas de comunicação se difundiram no ambiente social. Surgiram as mídias sociais que apresentaram uma estrutura radicalmente diferente das tecnologias de mídia anteriores. Os consumidores de notícias e informações passaram a se beneficiar de redes de distribuição mais rápidas e baratas; os fornecedores de informações encontraram menos barreiras de entrada; e se estabeleceu uma diversidade de oportunidades de produzir, consumir e compartilhar informações e maior interação entre os envolvidos (BENHAM, 2020; NASER, 2020). O crescimento da internet teria fragmentado exponencialmente o poder comunicativo (NASER, 2020), indo ao encontro de uma construção coletiva e não predeterminada (MEDEIROS, 2013). Diferentemente da mídia tradicional, qualquer usuário passou a se tornar um filtro de informação (GARIMELLA et al., 2018). Nesse contexto, emerge um público que se comunica e interage de forma ativa, participativa, mantendo características de auto-organização (MEDEIROS, 2013).

Nessa direção, estudos vêm sendo feitos de maneira a mostrar como Twitter, Facebook, entre outras plataformas, tornaram-se instrumentos importantes nos limites do exercício político e da atuação da opinião pública (ALLCOTT; GENTZKOW, 2017; CUNHA, 2016). No Brasil, em 2018, de acordo com pesquisa realizada pela agência We Are Social e pela plataforma Hootsuite, havia 140 milhões de usuários ativos de mídias sociais, o que correspondia a 66% da população do país. A pesquisa revela que as redes sociais preferidas dos usuários brasileiros eram YouTube (95%), Facebook (90%) e WhatsApp (89%) (WE ARE SOCIAL; HOOTSUITE, 2019).

Contudo, a partir do crescimento da produção de conteúdo on-line, gerou-se um composto de preocupações acerca das implicações desse movimento para o processo político democrático. Entre elas, cientistas da comunicação, cognitivos, sociais e da computação mostram-se engajados em esforços para compreender a disseminação maciça de notícias falsas, as chamadas fake news. Tal disseminação está associada a informações falaciosas que são compartilhadas e que foram potencializadas, principalmente, após o surgimento das mídias sociais pela possibilidade de geração de conteúdo por parte dos usuários, sem a existência de um processo de verificação ou validação das informações (ALLCOTT; GENTZKOW, 2017; SHAO et al., 2017). As fake news foram apontadas como influentes em processos eleitorais ao redor do mundo e, para alguns estudiosos (FONSECA, 2011; ALLCOTT; GENTZKOW, 2017; BRAGA; CARLOMAGNO, 2018; ITUASSU et al., 2019), uma ameaça às democracias.

A partir desse cenário e com base na teoria da ação comunicativa de Habermas (2012), entende-se o espaço das mídias sociais como uma esfera onde a comunicação possa se desenvolver, tendo em vista que para a ação comunicativa é necessário a existência de dois ou mais indivíduos com capacidade de compreensão linguística para criticar e refletir acerca de algo. Por outro lado, como reafirma Habermas (2012), para que um processo comunicativo seja considerado como bem-sucedido é necessário que não existam distorções na mensagem transmitida.

É possível, nesse âmbito, identificar transmutações na relação entre a política e regimes democráticos e o ambiente de mídia contemporâneo. Exemplo recente, tratado na literatura, diz respeito à democracia norte-americana, em que as mídias sociais foram protagonistas de estratégias política e eleitoral na campanha presidencial de 2016, palco de efervescências ideológicas, exposição midiática de atores políticos, eleitores e cidadãos e, principalmente, de disseminação de informações falsas, apontadas como manipuladoras da opinião pública no processo eleitoral (ALLCOTT; GENTZKOW, 2017; DA EMPOLI, 2019; JANG; KIM, 2018; MIHAILIDIS; VIOTTY, 2017; SHAO et al., 2017).

No contexto brasileiro, os estudos da influência midiática no processo político democrático, segundo Lattman-Weltm (2018), vêm apresentando considerável desenvolvimento em âmbitos empírico, teórico e metodológico nos últimos 25 anos. Contudo, acerca das fake news, trata-se de uma temática ainda incipiente na literatura nacional, apesar de constantemente debatida e analisada em meios jornalísticos. Na literatura internacional, mostra ser uma temática tratada em diferentes perspectivas, principalmente a partir das já citadas eleições presidenciais norte-americanas de 2016. Os trabalhos que tomaram as fake news como objeto empírico buscaram compreender suas fontes, como as notícias são disseminadas (JANG et al., 2018; SHAO et al., 2017) e quais os impactos que estas exercem na decisão de voto em sistemas democráticos (ALLCOTT; GENTZKOW, 2017; BALMAS, 2014) e ainda propuseram formas de combater esse tipo de desinformação (JANG; KIM, 2018; MIHAILIDIS; VIOTTY, 2017).

No Brasil, sobretudo no cenário das campanhas eleitorais em 2018, amparadas pela utilização maciça e pela apropriação das tecnologias digitais da internet e das mídias sociais, como instrumento de propaganda eleitoral e publicidade, inclusive como fomentadoras de (des)informação, também denominadas e-campanhas ou campanhas eletrônicas (BRAGA; CARLOMAGNO, 2018), o Tribunal Superior Eleitoral (TSE), órgão máximo da Justiça Eleitoral no país, disponibilizou em seu site esclarecimentos para informações falsas. O objetivo é a veracidade das informações direcionadas aos eleitores e a obstrução de influências falaciosas na tomada de decisão de voto e no exercício da democracia. Para sua operacionalização, o TSE recebia denúncias acerca da divulgação de informações falsas associadas às eleições majoritárias de 2018, gerando, por conseguinte, os esclarecimentos sobre as mesmas, além da reprodução de conteúdo em diferentes canais de veiculação como maneira de disseminar a informação correta.

Nesse sentido, este artigo discute o contexto vivenciado nas eleições presidenciais do Brasil em 2018, no que se refere à divulgação de informações falsas (fake news), analisando a estratégia tomada pelo TSE para conter a disseminação e trazer esclarecimento acerca desse tipo de informação (ou desinformação), além de elucidar o posicionamento dos eleitores em relação aos fatos então esclarecidos, uma vez que, segundo a literatura, o fenômeno das fake news tem contado com a participação ativa dos usuários de plataformas de mídias sociais.

Nessa lógica, para analisar e compreender esse contexto, o artigo pauta-se na lente teórica orientada pela proposta habermasiana da ação comunicativa. Para Habermas (1989), a validação da ação comunicativa se dá por meio da análise crítica do discurso falado, a qual deveria se pautar por uma série de aspectos validativos, considerando a verdade, a retidão, a sinceridade e a inteligibilidade.

Assim, o artigo se propõe as seguintes questões: como se caracterizaram as informações falsas disseminadas no período das e-campanhas eleitorais em 2018 no Brasil?; e como se mostrou a apreciação da opinião pública em relação aos esclarecimentos das fake news veiculadas pelo TSE nas eleições de 2018? Para isto, como objeto desta pesquisa, foram considerados os esclarecimentos realizados pelo TSE e disponibilizados em seu portal oficial na internet, bem como os comentários realizados pelos usuários do Facebook, especificamente na fan page do TSE, nas postagens realizadas para esclarecer as fake news denunciadas.

A partir da provocação de uma discussão sobre o fenômeno das fake news, no contexto eleitoral e político, nos contornos da democracia brasileira e das eleições de 2018, espera-se avançar na literatura emergente sobre o tema, caracterizada como um ambiente propício de oportunidades e desdobramentos. Além disso, o artigo aborda aspectos entranhados na realidade atual, em que se observa a preocupação de muitos países, inclusive do Brasil, ao tomar medidas, entre elas o objeto desta pesquisa, ratificando a influência exercida pelo panorama midiático contemporâneo sobre a opinião pública e vice-versa, de maneira a manipular aspectos que compõem o processo político democrático, com potencial para gerar consequências negativas, especialmente em termos de desinformação.

Democracia, mídias sociais, fake news e aproximações com a teoria da ação comunicativa

A história política do Brasil é marcada por golpes seguidos de períodos de democratização, em que a população adquire ou volta a ter o direito de eleger seus governantes pelo voto, direito este suprimido em períodos de regime autoritário. Sendo assim, dois momentos se caracterizaram pela democratização: o primeiro com a destituição de Getúlio Vargas em 1945, que governou o país de forma ditatorial após a Revolução de 1930; e o segundo, em meados da década de 1980, com o fim da ditadura militar vivenciada pelo país após o golpe de 1964.

Na segunda democratização brasileira, vivenciou-se um momento de mobilização por parte da população em prol do retorno do voto direto para presidente, em um movimento que ficaria conhecido como “Diretas Já”, com manifestações populares em várias partes do país. Nesse aspecto, salienta-se que nesse período as mídias de massa exerciam um importante papel, atuando por meio de rádio, televisão e mídia impressa na busca por socializar culturalmente a população, efetuar uma vigilância pública com a veiculação de informações e notícias e interpretar o significado dos eventos em andamento (AVELAR, 1992).

Sartori (1992) aponta que a mídia é um agente que exerce influência e transformações na política. Recuperando as noções apresentadas por McCombs e Shaw (1972), sabe-se que os meios de comunicação em massa assumem um impacto sobre os conhecimentos de seu público, apresentando às pessoas uma lista do que pensar e falar, influenciando a agenda pública. Especialmente, no contexto de campanhas políticas, reconhece-se uma espécie de orientação do cidadão pela mídia. As necessidades de informações relacionadas à arena política podem ser variadas e desencadear usos diversificados da mídia e formas diferentes de processamento de informações (SHAW, 1979). Além disso, a influência da mídia de massa também é associada a aspectos como disseminação da elite; influência da formação, expressão e consumo da opinião pública; e substituição dos partidos políticos em sua função comunicadora (SINGER, 2009).

Cabe elucidar que a mídia de massa pode constituir um elemento voltado para a doutrinação ideológica, sendo geralmente controlada por grupos que detém maior domínio econômico ou mesmo utilizada como instrumento de coerção ideológica por governos autoritários (CUNHA, 2016). A televisão mudou o perfil das campanhas eleitorais e as concepções de decisão de voto dos cidadãos, uma vez que pesquisas de opinião pública ganharam destaque e as características dos candidatos começaram a se orientar por uma perspectiva da imagem. Pela interação com produtores e diretores, passou a se buscar a produção da imagem dos candidatos, que seria avaliada em um contexto de preferências dos eleitores. E a construção dessa imagem passou a se utilizar de uma multiplicidade de instrumentos voltados a fortalecer a imagem de certos candidatos e a depreciar a imagem dos adversários (AVELAR, 1992).

Isto posto, no século XX, diante do predomínio de meios de comunicação como televisão e rádio, Bagdikian (1997) alertou sobre as consequências da atuação de grandes corporações e iniciativas de publicidade em massa nos meios de disseminação de notícias nos Estados Unidos. Isso gerou a preocupação com a configuração dos debates políticos e a concessão de privilégios a candidatos considerados como mais carismáticos e comunicativos.

No século XXI, a hegemonia da televisão, enquanto mídia de massa, começou a ser abalada a partir do surgimento de novas mídias, principalmente as ligadas à internet (CUNHA, 2016). Nesse contexto de avanço tecnológico e aumento do acesso à internet, emergem as mídias sociais com características diferentes das mídias de massa, tendo em vista que o seu público ocupa uma posição passiva, enquanto nas mídias sociais o público participa ativamente das interações e discussões, doando e recebendo conteúdos e recursos (SILVA; SANTOS, 2017). Assim, as preocupações apresentadas em relação à mídia ganharam novas nuances e voltaram-se para a formação do que é chamado por Pariser (2011) de “filtro bolha”, do qual as pessoas se alimentam e ecoam os assuntos relacionados à particularização dos seus interesses.

Mouffe (2003) discorre que a sociedade democrática contemporânea abarca interesses plurais, com uma proliferação de particularismos que vai na contramão do individualismo do sentimento liberal, o que pode fortalecer o ideal de coletividade. Assim, Mouffe (2003, p. 16-17) defende o modelo de “pluralismo agonístico” em que “o “outro” não deve ser visto como um inimigo a ser destruído, mas como um “adversário”, isto é, alguém com cujas ideias iremos lutar, mas cujo direito de defender tais ideias não vamos questionar”. O conflito, então, para a autora é considerado como legítimo: “a especificidade da democracia moderna repousa no reconhecimento e legitimação do conflito e na recusa em suprimi-lo pela imposição de uma ordem autoritária”.

Habermas (1989) também considera o conflito como importante para a participação do cidadão no processo democrático. Sob seus preceitos, a democracia é vista na perspectiva deliberativa. Segundo esse autor, a deliberação na esfera pública é um mecanismo de solução de problemas e resolução de conflitos. No procedimento deliberativo, as decisões são justificadas sob razões que podem ser aceitas por todos, mesmo que nem todos compartilhem a mesma perspectiva sobre o assunto em questão (LUBENOW, 2010). Assim, a concepção de democracia passa pelo papel da esfera pública e está caracterizada por ser um espaço de deliberação irrestrito de comunicação pública, em que os assuntos problematizáveis não passam por discussões ou qualquer tratamento prévio. Um aspecto a ser considerado é a qualidade da deliberação, que se dá de acordo com o procedimento no qual “os cidadãos disputam interpretações de contribuições por tanto tempo até que cada um esteja convencido de que foram empregados os melhores argumentos” (LUBENOW, 2010, p. 247).

O espaço das mídias sociais representa uma esfera em que a comunicação pode se desenvolver entre dois ou mais indivíduos com capacidade de compreensão linguística para criticar e refletir acerca de algo (HABERMAS, 2012), configurando-se assim em uma arena de discussão. Ademais, Habermas (2012) elenca que a ação comunicativa baseada na interação dialógica entre indivíduos e direcionada à resolução de problemas, a partir da apresentação e sustentação de argumentos e da busca por consenso, é um elemento com potencial para fortalecer os processos democráticos. Porém, distorções no processo comunicativo podem inviabilizar ou mesmo invalidar essas interações.

A possibilidade de transmissão de conteúdo entre usuários sem filtragem significativa de terceiros, verificação de fatos ou julgamento editorial, utilizando as plataformas de mídias sociais, é entendida como condição favorável para a disseminação de notícias falsas (ALLCOTT; GENTZKOW, 2017). Ainda que se tenha pouco conhecimento a respeito do efeito real causado pela veiculação de notícias falsas sobre o processo decisório dos cidadãos no terreno eleitoral (JANG; KIM, 2018), observou-se uma crescente preocupação dos países com a difusão de informações falsas (DA EMPOLI, 2019).

Conforme destacado por Da Empoli (2019), utilizadas nas eleições de diversos países, as fake news tendem a gerar alterações na democracia, fazendo ascender atores políticos populistas e sem experiência na política tradicional. Assim, na política contemporânea, profissionais de áreas ligadas a sistemas de informação e informática passaram a ter um papel crucial, no manuseio de algoritmos e big data em prol da promoção de ideologias ou candidatos em campanhas eleitorais.

Além disso, Morozov (2018) aponta a utilização de informações pessoais dispostas nas mídias sociais que acabam se tornando uma espécie de mercadoria comercializável, pela utilização maciça de algoritmos, capazes de representar padrões comportamentais e servir como ferramentas para estratégias de obtenção de votos. Ainda, a oferta de fake news pode apresentar a motivação ideológica de promover ou desconstruir a imagem de determinado candidato (BRAGA; CARLOMAGNO, 2018).

Sob uma perspectiva conceitual, Allcott e Gentzkow (2017) consideram que as fake news são sinais distorcidos e não correlacionados com a verdade. Os autores elencam algumas razões pelas quais as fake news têm ganhado importância ao longo dos anos, como a maior maleabilidade e facilidade em monetizar o conteúdo na web por meio de plataformas de publicidade. A disseminação de fake news ainda se relaciona com o declínio da confiança na grande mídia de massa e a crescente polarização política. Conforme ressaltado por Garimella et al. (2018), à medida que a polarização sobre questões políticas se faz presente, vem se apresentando a crescente preocupação de que os cidadãos não dão atenção aos agrupamentos do lado oposto, cercando-se por pessoas e fontes de notícias que expressam apenas opiniões com as quais concordam.

Entre os fatores que contribuem para que as mídias sociais se posicionem como espaços propícios à disseminação de notícias falsas estão: os custos fixos de entrada no mercado e de produção de conteúdo, que nas mídias sociais são pequenos, aspecto favorável para aumentar a rentabilidade relativa dos produtores de notícias falsas; o formato das mídias sociais, que pode dificultar a avaliação da veracidade de uma informação publicada; e a segregação de ideias entre vínculos estabelecidos em mídias sociais, que corrobora para que pessoas que recebem notícias falsas tenham menos probabilidade de obter evidências que contrariem uma história ideologicamente alinhada (ALLCOTT; GENTZKOW, 2017).

Diante disso, a teoria da ação comunicativa - TAC, arcabouço teórico proposto pela Escola de Frankfurt e desenvolvido por Jürgen Habermas, apresenta-se como uma forma de crítica à razão instrumental, pautando-se no desenvolvimento da razão comunicativa (CASTRO; BEHR, 2018). A razão instrumental refere-se ao posicionamento racional da existência, cujo pensamento volta-se para os fins e alcance de determinados objetivos, desconsiderando-se valores éticos ou morais presentes nos meios (SOUZA; CARRIERI, 2011). Já a ação comunicativa refere-se à interação dialógica entre indivíduos na busca por se gerar entendimento acerca de algo (HABERMAS, 1989). Nesse sentido, a ação comunicativa seria uma forma de expressão de convicções e desejos comuns de determinado grupo na busca por alcançar objetivos coletivos por meio de um consenso.

A proposta da TAC vai além da crítica tradicional, uma vez que considera que a emancipação do indivíduo ocorre por meio das suas interações e da intersubjetividade, e não através da categoria trabalho (HABERMAS, 2012). Nesse sentido, a linguagem exerce um papel fundamental, dado que é por meio dela que o indivíduo expressa seus desejos e expectativas, e que a interação comunicativa se torna viável. Habermas (1988) discorre que as interações que se caracterizam como comunicativas são aquelas em que os indivíduos envolvidos discutem e estabelecem acordos validados intersubjetivamente que orientem suas práticas posteriores em termos de plano de ação.

O objetivo da TAC é analisar as distorções no processo comunicativo e as consequências disso, tendo em vista que a compreensão e o entendimento em torno de algo deveriam vir da argumentação e do diálogo em interações dotadas de comunicação não distorcida (TEIXEIRA et al., 2009). Assim, para que a razão comunicativa possa vigorar, é necessário que os diálogos se pautem na utilização de argumentos válidos, os quais possam ser analisados e legitimados, já que o entendimento é o escopo da prática comunicativa.

Os argumentos, para que possam ser legitimados, devem atender a aspectos propostos por Habermas, como: a verdade proposicional – o conteúdo do discurso deve tratar de algo fatidicamente existente ou ocorrido no mundo; sinceridade – o indivíduo que transmite alguma informação deixa claro suas intenções para tal, a partir de sua bagagem vivencial; retidão - regularidade do que é dito em relação às normas sociais que regulam a interação entre os membros de determinado grupo; inteligibilidade – a mensagem é transmitida de forma correta e orientada na busca pelo entendimento entre o ouvinte e o locutor da mensagem (TEIXEIRA et al., 2009). Em relação à verdade de determinado enunciado, Habermas (2004, p. 46) sugere que esta seria comprovada “somente se pudesse resistir, sob os exigentes pressupostos pragmáticos dos discursos racionais, a todas as tentativas de invalidação”. Nesse sentido, a realidade em que as proposições são testadas é repleta de linguagens e significações, o que faz da proposição a ser testada uma estrutura linguística submetida a um determinado contexto. Uma alternativa proposta para se testar as proposições é a combinação de uma perspectiva de compreensão imanente à linguagem utilizada e uma compreensão voltada à assertividade ideal da verdade, a qual é submetida a duas perspectivas de análise, indo além da análise da coerência em relação a outras proposições aceitas (HABERMAS, 2004).

O conceito de esfera pública de Habermas (2004) se caracteriza como uma arena apta para discussão, expressão de opiniões e posicionamentos, em que as opiniões coletivas são filtradas e condensadas em forma de opinião pública acerca de determinada temática. Para o bom funcionamento dessa esfera, é necessário que os indivíduos assumam uma postura democrática e aberta ao diálogo, na busca por se chegar a um consenso por meio da comunicação e da expressão de opiniões nessas interações (TEIXEIRA et al., 2009).

Habermas (2012) divide as interações em duas perspectivas, sendo elas: o mundo da vida e o sistema. O mundo da vida representa a esfera em que a ação comunicativa se desenvolve e as interações se orientam na busca por se chegar ao entendimento. Nessa esfera, os indivíduos interagem, criticam e refletem acerca de determinado aspecto. O resultado dessa interação é produto da própria comunicação, e não uma deliberação advinda de alguma imposição. Já o sistema se refere à esfera orientada pela produção material, em que são criados valores que os indivíduos devem seguir para se manterem nesse sistema. Para fins deste artigo, a TAC pode ser sintetizada no Quadro 1.

Quadro 1
Proposta de síntese da teoria da ação comunicativa

Fonte: Elaboração nossa com base em Habermas (1988).

A crítica habermasiana (Quadro 1) refere-se ao mundo da vida ter sido colonizado pelo sistema, o que faz com que os indivíduos orientem suas atividades de acordo com mecanismos do sistema, tais quais o poder e o dinheiro, em detrimento da comunicação enquanto elemento norteador das práticas. Assim, se analisada a atuação do Estado, observa-se uma série de características advindas desta colonização, tendo em vista a implantação de estratégias gerencialistas no contexto público (CASTRO; BEHR, 2018).

Diante do novo quadro proporcionado pelas mídias sociais, aponta-se para uma transformação na esfera pública que, portanto, vem a afetar domínios essenciais ao cidadão e suas ações perante a arena política – capacidade de aquisição de informações, de expressão, de associação e, inclusive, de deliberação (LÉVY, 2010; MEDEIROS, 2013). Nesse sentido, a internet possibilita aos interessados participar do jogo democrático através de oportunidades de interação. Tem-se que a esfera virtual pode ser uma extensão da esfera tida como tradicional, sendo atuante como espaço de extensão da expressão política (MEDEIROS, 2013). Há aqueles que então consideram que as esferas públicas, tanto aquela manifestada em uma sociedade física quanto virtual, atuam de maneira complementar (MEDEIROS, 2013).

Nessa direção, embora Habermas não tenha proposto uma teoria precisa particularmente às novas mídias, senão às conversações públicas, a concepção habermasiana de esfera pública é apontada como perspectiva de suporte para manusear o papel da mídia, em suas novas formas de produção e distribuição de informações, como aspecto ligado à democracia e ao direito público de ser informado (MEDEIROS, 2013). Entende-se, conforme as noções defendidas por Mortensen e Walker (2002), que o espaço público da concepção habermasiana teria se expandido. Observando as mudanças e nuances advindas da disseminação das mídias sociais, especialmente nas questões da opinião pública na internet e a noção de esfera pública, como proposta por Habermas, tem-se a oportunidade de enxergar as novas mídias como espaços de colaboração. Tais espaços promovem a mediação entre os cidadãos e as ações políticas e a expressão, sendo que, sob a perspectiva habermasiana, o sujeito da esfera pública é portador da opinião pública (HABERMAS, 2003; MEDEIROS, 2013).

Métodos

Empregou-se a pesquisa documental considerando a página on-line “Esclarecimentos sobre Informações Falsas veiculadas nas Eleições 2018”, criada pelo TSE1 em seu site para a denúncia e o esclarecimento de informações falsas disseminadas durante as eleições de 2018 no Brasil. Tal conteúdo foi escolhido por proporcionar a identificação e o acesso de fake news que estavam em circulação e associadas ao contexto eleitoral brasileiro, de maneira a explorar essa temática, ainda incipiente, na literatura científica nacional. Com isso, foram levantadas ao todo 35 fake news denunciadas e esclarecidas, permitindo caracterizar os elementos que configuraram essas eleições no Brasil.

Ainda, para haver o conhecimento do comportamento social dos usuários de mídias sociais em relação às fake news identificadas e esclarecidas pelo TSE, foram analisados os comentários públicos de usuários na página do TSE no Facebook2. Os comentários coletados em domínio público corresponderam ao período de 9 a 31 de outubro de 2018, realizados em quatorze postagens com esclarecimentos das informações falsas ou divulgação da página de esclarecimentos. Na maioria das postagens realizadas pelo TSE, a hashtag “#NaDúvidaNãoCompartilhe” foi utilizada como orientadora da finalidade das publicações. Tendo em vista que eram muitos os comentários publicados, como critério de escolha utilizou-se o filtro disponibilizado pelo próprio Facebook, de comentários mais relevantes, o qual coloca no topo os comentários com mais visualizações, reações e respostas. Assim sendo, foram considerados na análise 98 comentários do Facebook.

O conteúdo passou por uma análise textual lexicográfica, utilizando-se o software livre Interface de R pour Analyses Multidimensionnelles de Textes et de Questionneires (IRaMuTeQ), o qual permite a realização de análises das informações textuais por meio de técnicas estatísticas voltadas à categorização dos dados textuais pela semelhança dos vocabulários presentes, organizados por meio de clusters, de modo a relacionar e organizar as informações de acordo com o foco de análise. Especificamente, realizou-se uma análise de similitude do corpus textual das fake news denunciadas e dos comentários dos usuários no Facebook do TSE, de forma a identificar a estrutura do conteúdo reunido, a partir das ocorrências das palavras e da conectividade entre elas, e a compreender os temas-chave manifestados (LINS, 2017).

Assim, a análise de conteúdo foi empregada neste estudo, corroborando Janis (1982), para determinar e descrever as características das relações entre determinado conteúdo, seja pela perspectiva caracterizadora do comunicador, do público, da audiência a que o conteúdo é direcionado ou outras perspectivas caracterizadoras relacionadas à comunicação. Como direcionador, buscou-se esclarecer e descrever o conteúdo reunido, à luz da TAC tratada por Habermas (1988; 1989; 2004; 2012).

A disseminação de fake news: uma preocupação durante a e-campanha eleitoral de 2018 no Brasil

Em outubro de 2018, o TSE lançou uma página na internet voltada ao esclarecimento dos eleitores brasileiros em relação a informações falsas em circulação, em busca de agir de forma corretiva para reduzir o crescimento desse meio de desinformação (TSE, 2018a). Os esclarecimentos realizados foram disponibilizados entre os dias 11 e 28 de outubro, sendo o dia de lançamento da página de esclarecimento e o dia de votação do segundo turno, respectivamente. O segundo turno correspondeu à eleição para os cargos de presidente da República e governador em 13 estados e no Distrito Federal, uma vez que no primeiro turno, os candidatos, nos casos especificados, não alcançaram a maioria absoluta dos votos válidos. As informações falsas tratadas pela página estiveram associadas tanto a eventos ligados ao primeiro turno das eleições, cuja votação se deu no dia 7 de outubro, quanto à e-campanha eleitoral do segundo turno, iniciada um dia após a votação do primeiro turno, indo até o dia 27 de outubro3.

A repercussão das fake news no primeiro turno das eleições foi discutida, de maneira que propostas para combater a disseminação de informações falaciosas durante o segundo turno fossem elaboradas. O TSE expõe via portal eletrônico que as ações vinculadas à disseminação de notícias falsas estiveram sob a responsabilidade de uma corte, especificamente, de três juízes, estes referidos como juízes auxiliares da propaganda. Salienta-se que esta corte esteve envolvida em outras demandas, consideradas como sensíveis pelo TSE, a respeito das eleições de 2018. No entanto, especificamente, 50 ações acolhidas estiveram associadas a processos sobre fake news, com pedidos de retirada de conteúdos da internet, nas quais 48 foram respondidas com celeridade, considerando que a disseminação destas informações falsas se dá em rápida velocidade, aspecto apontado pelo próprio TSE4. Por fim, os processos subjugados relacionados a fake news representaram 12% das demandas subordinadas a esta corte (TSE, 2018b, 2018c).

A Justiça Eleitoral já vinha se preparando havia algum tempo, tendo em vista que as eleições norte-americanas em 2016 demonstraram a influência das fake news no ambiente político em geral (ALLCOTT; GENTZKOW, 2017; DA EMPOLI, 2019; JANG; KIM, 2018; MIHAILIDIS; VIOTTY, 2017). Em dezembro de 2017, foi instituído pela Portaria TSE nº 949 o Conselho Consultivo sobre Internet e Eleições, cuja funcionalidade estaria associada ao Gabinete do Presidente do TSE. O grupo teve em sua composição dez integrantes, sendo representantes da Justiça Eleitoral, Governo Federal, Exército Brasileiro e da sociedade civil. Entre as suas atribuições destacam-se a realização de pesquisas e estudos sobre as regras eleitorais e a influência da internet nas eleições, principalmente, a respeito da influência exercida pelas fake news, dos riscos de sua disseminação, bem como do uso de robôs com o objetivo de compartilhamento das mesmas (TSE, 2017a).

Inclusive, o Conselho Consultivo sobre Internet e Eleições discutiu em sua primeira reunião, no dia 11 de dezembro de 2017, a necessidade de criação de um site ou aplicativo para recebimento de denúncias sobre fake news e sugestões para atuação. Além disso, para o órgão, o processo de conscientização acerca das fake news passaria pela criação de cartilhas e campanhas para a população e pela elaboração de manuais para os juízes eleitorais (TSE, 2017a). Nessa sequência, na literatura sobre a experiência das eleições norte-americanas e a difusão de notícias falsas, é possível identificar estudos que elucidaram a respeito da necessidade de buscar a educação midiática e o apoio a um posicionamento mais crítico por parte do usuário, consumidor das informações, no sentido de que reflita criticamente acerca da informação que está sendo gerada e/ou compartilhada (MIHAILIDIS; VIOTTY, 2017; JANG; KIM, 2018).

Também em dezembro de 2017, o TSE lançou a Resolução nº 23.551, que trata de múltiplas questões relacionadas às eleições de 2018. Acerca das fake news, a resolução previa, em determinados casos, a remoção de certos conteúdos da internet, bem como a requisição judicial de determinados dados ou registros eletrônicos de fontes geradoras de desinformação (TSE, 2017b)5.

A partir de informações disponibilizadas pelo TSE, aponta-se que diversos conteúdos de natureza inverídica e ofensivos estiveram associados, em especial, aos candidatos ao cargo de presidente, sendo eles, em ordem alfabética, Fernando Haddad (Partido dos Trabalhadores - PT) e Jair Bolsonaro (Partido Social Liberal - PSL), e que então esses conteúdos foram retirados da internet.

A página de esclarecimentos teve como objetivo atuar por meio de geração e disponibilização de conteúdos para o acesso de qualquer pessoa por informações que desconstruíssem boatos ou notícias, cujo fim seria confundir os eleitores brasileiros (TSE, 2018a). A partir da TAC, o esforço do TSE representa idealmente a busca de um ambiente onde os indivíduos pudessem discutir e dialogar, pautando-se na inexistência de comunicações distorcidas, as quais atrapalham o processo de construção de entendimento (HABERMAS, 1989; TEIXEIRA et al., 2009). Para Habermas (1989; 2012), a ação comunicativa baseia-se em argumentos válidos, cujo conteúdo trata-se de algo existente ou ocorrido no mundo, em que as intenções que permeiam a transmissão da mensagem são identificadas de forma clara, em acordo com as normas sociais, buscando o entendimento da mensagem transmitida de forma correta, ou seja, sem distorções. O título dos esclarecimentos gerados pelo TSE e suas respectivas datas são expostos no Quadro 2.

Quadro 2
Esclarecimentos gerados na página do TSE

Fonte: Elaboração nossa com base em TSE (2018).

De maneira a evitar distorções no processo comunicativo, as informações falsas em circulação eram denunciadas pela página e os esclarecimentos então produzidos, de maneira a informar e tornar compreensível o que vinha a ser comunicado. Ainda, para enfrentar a desinformação foram disponibilizados posts e matérias elaborados em resposta e veiculados por diferentes vias de acesso na internet como páginas de órgãos oficiais ligados ao governo, Twitter, Facebook e YouTube, acompanhados dos links para redirecionamento. Em caso de relatos de irregularidades quanto ao processo eleitoral, envolvendo qualquer evento ilícito, os mesmos seriam encaminhados pelo TSE para a verificação de órgãos de investigação desta natureza como o Ministério Público Eleitoral e a Polícia Federal, para que também fosse feita a responsabilização dos disseminadores do conteúdo falso, para conter ou mitigar a ação estratégica (HABERMAS, 1988) de produção de fake news nas eleições.

Distorções do processo comunicativo e a caracterização das informações falsas denunciadas

A TAC permite a análise de distorções no processo de comunicação, partindo do pressuposto que a ação comunicativa é uma via para a expressão de convicções e desejos comuns de um grupo a fim de alcançar objetivos coletivos (HABERMAS, 2012). Sob essa perspectiva, as informações falsas vinculadas às eleições brasileiras de 2018, as fake news, são vestígios de distorções da verdade se manifestando no meio político.

De maneira a identificar tais informações falaciosas, realizou-se uma análise de similitude que tornou possível evidenciar a ocorrência dos termos manifestados e a conectividade entre eles, que fundamentam a estrutura de conteúdo das 35 denúncias consideradas, inferindo os temas que estiveram mais relacionados às informações falsas esclarecidas. Na Figura 1, observa-se que há quatro termos que mais se destacaram, são eles: “voto”, “urna”, “circular” e “redes sociais”. Delas se ramificam outras expressões de relevância como “eleitor”, “candidato”, “vídeo” e “urnas eletrônicas”.


Figura 1
Denúncias de informações falsas esclarecidas pelo TSE
Fonte: Elaboração nossa com base no material coletado para o corpus de análise.

Com isso, pode-se inferir a forte relação entre a circulação de fake news e as redes sociais, ratificando um dos aspectos trazidos pela literatura, de que caracterizam e contribuem para a geração e difusão deste tipo de desinformação. Analisando o conteúdo do corpus textual considerado, ratifica-se que as notícias denunciadas circulavam pela internet, via redes sociais e WhatsApp, no formato de mensagens, imagens e, principalmente, vídeos, estes atrelados, em especial, a problemas com as urnas eletrônicas durante a votação para o cargo de presidente.

Esta última circunstância corrobora o que foi observado na análise de similitude realizada, ao evidenciar que, entre as informações disseminadas pelas redes sociais, destacaram-se os conteúdos associados às urnas eletrônicas, no que diz respeito a situações em que os eleitores não haviam conseguido votar ou confirmar o voto em determinado candidato. Triangulando o cenário exposto com a análise do conteúdo das denúncias feitas, foi confirmada a relação com a análise de similitude, identificando a circulação de informações falsas que sugeriam que eleitores estavam tendo problemas com as urnas eletrônicas, que apresentavam falhas e evidenciavam a existência de fraude em urnas utilizadas no primeiro turno das eleições.

As fake news mostraram-se estar ligadas a denúncias de urnas fraudadas ou com problemas, situação na qual o eleitor não conseguia legitimar seu voto, a fim de prejudicar a computação dos votos válidos em determinado candidato. Nesse sentido, revela-se que as informações falaciosas mostraram-se associadas às fases organizativas das eleições, a destacar a votação e a totalização dos resultados.

Tal constatação coaduna com o estudo de Ituassu et al. (2019), intitulado “De Donald Trump a Jair Bolsonaro: democracia e comunicação política digital nas eleições de 2016, nos Estados Unidos, e 2018, no Brasil”. Esses autores fazem uma reflexão sobre os sufrágios e os impactos da comunicação digital nas e-campanhas majoritárias nos Estados Unidos, em 2016, e no Brasil, em 2018, influenciadas pelas fake news por meio das mídias sociais. Constata-se que os conteúdos sobre a validação de votos em um determinado candidato, especificamente no Brasil, objeto do presente estudo, estão relacionados às campanhas hipermidiáticas, que têm como cerne moldar informações e conteúdo de cunho político-partidário, com formato de conteúdo jornalístico, tendo como objetivos fazer propaganda política, desencadear uma agitação no processo eleitoral, aumentar as movimentações no ciberespaço e atribuir maior visibilidade ao contexto da desinformação.

Quanto às fake news e à repercussão das denúncias das urnas fraudadas, sobretudo no primeiro turno das eleições de 2018, no Brasil, Mota et al. (2018) exemplificam e esclarecem que essas notícias falsas vieram à tona para causar mais alvoroço na reta final do segundo turno e, mesmo desmentidas, foram suficientes para comover determinados grupos a disseminar tais notícias nas mídias sociais.

Para ilustrar a relação das fake news com o tema “fraude nas urnas eletrônicas” nas eleições majoritárias de 2018, realizou-se, pelo presente estudo, uma pesquisa no Google Trends a fim de analisar e apresentar a relevância dos temas e assuntos de maior movimentação na plataforma, pela internet, em 2018, considerando os termos de pesquisa “fake news” e “urnas”. Dessa forma, o Google Trends comparou os termos e apresentou, em posições de maior relevância, os que mais movimentaram a internet durante o período em análise. Os dados são apresentados em uma escala de 0 (zero) a 100 (cem), sendo que o valor de 100 representa o maior pico de popularidade de um determinado termo. Os valores a partir de 0 (zero) demonstram o grau de popularidade do termo, que podem crescer de acordo com a movimentação dos usuários na plataforma, variando desde nenhuma relevância a relevância moderada (escala de 0 a 50) e relevância moderada a alta relevância (escala de 50 a 100), conforme pode ser observado na Figura 2.


Figura 2
Relevância dos termos fake news e urnas pelos usuários de internet em 2018
Fonte: Dados extraídos do Google Trends (https://trends.google.com.br/trends/yis/2018/BR/).

É possível observar na Figura 2 que, durante 2018, os termos “fake news” e “urnas” obtiveram seu ápice de movimentação na internet, na plataforma Google, entre 7 e 13 de outubro. Cabe ressaltar que o primeiro turno das eleições majoritárias de 2018 ocorreu em 7 de outubro, data em que também se iniciou a propagação das notícias falsas sobre as fraudes nas urnas eletrônicas. O termo “fake news” obteve o valor de 25 pontos, portanto, dentro da escala moderada de movimentação dos usuários na plataforma, em comparação com o termo “urna”, que obteve o valor de 100 pontos, alcançando o maior pico de popularidade nas pesquisas entre os usuários da internet6. No entanto, como o termo “urna” pode ser considerado como abrangente, realizou-se uma nova pesquisa na ferramenta Google Trends a fim de caracterizá-la melhor, no que tange ao tema “urnas eletrônicas”, com as principais consultas relacionadas à expressão, cujos resultados podem ser observados na Figura 3.


Figura 3
Relevância do termo Urnas Eletrônicas pelos usuários de internet em 2018
Fonte: Dados extraídos do site Google Trends (https://trends.google.com.br/trends/yis/2018/BR/).

É possível demonstrar, a partir da Figura 3, que o tema “urnas eletrônicas” obteve o mesmo valor (100 pontos) que o termo “urnas”, no mesmo período analisado, entre 7 e 13 de outubro de 2018. É importante salientar que os assuntos mais consultados nesse período pelos usuários da plataforma na internet, segundo o Google Trends, referem-se evidentemente às fraudes nas urnas eletrônicas, os quais estiveram entre os esclarecimentos gerados pelo site do TSE, conforme apontado por este estudo, sendo: 1) “fraude nas urnas eletrônicas”; 2) “fraude nas urnas eletrônicas 2018”; 3) “auditoria urnas eletrônicas”; 4) “urnas eletrônicas apreendidas”; 5) “polícia federal urnas eletrônicas”.

Posicionamento dos usuários em relação às fake news esclarecidas

Ao passo que houve o esforço de enfrentamento às informações falsas por parte do TSE, em especial, no que tange à geração de informações que desconstruíssem as fake news em circulação, constatou-se, por outro lado, a indisponibilidade de acesso em grande parte das postagens realizadas na página do TSE no Facebook a partir dos links disponibilizados na página de esclarecimento, por problemas no link disponibilizado ou pela remoção da própria página vinculada às publicações. Ainda neste sentido, tomou-se o conhecimento que, após o primeiro turno, especificamente entre 9 e 31 de outubro de 2018, foram efetuadas 14 publicações de conteúdo na página do TSE no Facebook com o objetivo de transmitir a mensagem de maneira correta, nas quais se observou a manifestação de opiniões coletivas favoráveis e contrárias às fake news.

Conforme elencado por uma série de autores, a democracia relaciona-se com uma sociedade pluralista, não livre de tensões. Habermas (2012) compreende que tais tensões seriam resolvidas por meio de uma arena deliberativa, em que a ação comunicativa em relação aos assuntos por problematizar seria uma forma de expressão de convicções e desejos comuns de determinado grupo e os objetivos coletivos seriam alcançados na busca pelo consenso.

Allcott e Gentzkow (2017) apontam que, com a difusão de notícias on-line, entre as questões apontadas para o processo político, salienta-se a diversidade maciça de pontos de vista. Ao passo que, no primeiro momento, essa diversidade de perspectivas de observação e entendimento pode ser associada a uma sociedade pluralista, bem como evidenciava Habermas (2012). Allcott e Gentzkow (2017) apontam que a diversidade excessiva de pontos de vista torna mais fácil que os cidadãos com ideias afins formem “bolhas de filtro” em que estariam isolados de perspectivas contrárias, isto é, diferentes às suas. Parisier (2011) avalia que se esperava que a internet fosse agente de redemocratização da sociedade, mas que esse desfecho ainda não foi alcançado, pois o exercício da democracia contempla que os cidadãos enxerguem as coisas pelo ponto de vista dos outros, o que não se passa quando os mesmos encontram-se fechados cada vez mais em bolhas próprias.

Constituídas majoritariamente por empresas privadas de comunicação, que seguem a lógica capitalista de obtenção de lucro (FONSECA, 2011; SILVA et al., 2016), as redes sociais integram a esfera pública em que as opiniões coletivas são sintetizadas em opinião pública. Segundo Habermas (1989, 2004 e 2012), para o bom funcionamento da esfera pública, os indivíduos admitem uma postura democrática e aberta ao diálogo em busca do consenso. Os posicionamentos dos usuários em relação às fake news esclarecidas, parte do reconhecimento de que plataformas de mídias sociais como o Facebook são palco de efervescência ideológica, mostram que não é possível identificar um consenso a ser atingido. Essa observação não despreza o conflito, visto que para o próprio Habermas ele é legítimo e importante para a participação do cidadão no processo democrático.

Assim, foram tratados os comentários coletados nas publicações realizadas pelo TSE em seu perfil no Facebook. De acordo com a representação, que pode ser visualizada na Figura 4, identificou-se que nos comentários dos usuários três palavras apresentaram-se em destaque, são elas: “tse”, que remete ao próprio tribunal, “voto” e “bolsonaro”. Delas ramificam-se outras expressões que aparecem de forma significativa, como: “urna”, “eleição”, “candidato” e fraude”. No extremo das ramificações há relações como (1) “turno”, “fraude” e “voto”; (2) “resposta”, “querer” e “explicação”; (3) “eletrônico” e “urna”; e (4) “e agora tse?”, “caixa dois do bolsonaro” e “campanha”. A Figura 4 ilustra o cenário observado nas opiniões compiladas e codificadas a partir da análise da estrutura textual.


Figura 4
Comentários realizados pela opinião pública no Facebook do TSE
Fonte: Elaboração nossa com base no material coletado para o corpus de análise.

Triangulando as associações de palavras representadas pela opinião dos usuários com os tipos de denúncias esclarecidas pelo TSE e a leitura integral do que foi escrito nos comentários, pode-se inferir que os comentários feitos representam aspectos pertinentes à literatura no que tange à influência das informações falsas no processo eleitoral de um regime democrático (SHAO et al., 2017; JANG; KIM, 2018). A partir da manifestação dos usuários, essa influência vem à tona, sobretudo para alguns que se consideraram prejudicados com a disseminação das informações falsas, vistas com significativo poder de influência nas eleições brasileiras de 2018 (Quadro 3).

Quadro 3
Manifestação de usuários sobre a disseminação de fake news

Fonte: Elaboração nossa.

Relacionando os encadeamentos identificados nos comentários dos usuários e os tipos de fake news denunciadas, observou-se uma convergência para a disseminação de informações que questionavam a legitimidade das condições para a realização das eleições, com muitos solicitando explicações a respeito dos relatos de fraudes nas votações. Como identificado nas denúncias analisadas, houve circulação de mensagens e vídeos de pessoas que alegavam não ter conseguido votar ou confirmar seu voto. Nessas questões relacionadas ao voto, destaca-se a manifestação favorável ao retorno do sistema de votação com cédulas de papel em vez das urnas eletrônicas. Já outros difundiam a informação sobre a ocorrência de anulação de votos destinados ao então candidato do PSL, Jair Bolsonaro, quando o eleitor digitava o número dessa candidatura (Quadro 4).

Quadro 4
Manifestação de usuários sobre o voto

Fonte: Elaboração nossa.

Ainda sobre o questionamento da legitimidade do processo eleitoral, aspectos que remetem à democracia aparecem em alguns comentários, em especial, qualificando as fake news como uma ameaça ao regime democrático (Quadro 5).

Quadro 5
Manifestação de usuários sobre a ameaça das fake news ao regime democrático

Fonte: Elaboração nossa.

Verifica-se que um discurso falacioso é adotado como premissa verdadeira por um grupo que compartilha posições políticas, construídas com base na disseminação de notícias falsas por meio das mídias sociais, principalmente. Tal afirmativa vai ao encontro da perspectiva de que a desinformação, quando direcionada para públicos específicos, constituídos muitas vezes por bolhas ou “câmeras de ecos” que dialogam entre si, facilita a apropriação da ação comunicativa de forma reversa, com o objetivo de tornar-se mais associativa, no sentido intuitivo, instantâneo e de fácil assimilação, e menos reflexiva, no sentido de causar uma dissonância cognitiva que induza à reflexão (FONSECA, 2011; ITUASSU et al., 2019). Ou, simplesmente, as pessoas se motivam a compartilhar informações, independentemente de que apresentem ou não conteúdos autênticos, desde que elas (as informações) reforcem os valores, opiniões e convicções dos seus grupos de afinidade. Revelaram-se ainda aspectos que vão em direção a um dos elementos apontados pela literatura como motivador da disseminação das fake news: a segregação ideológica (ALLCOTT; GENTZKOW, 2017), possibilitando uma reflexão sobre a ideia habermasiana de interação comunicativa, em que o indivíduo expressa seus desejos e expectativas compreendidos nos contornos de uma comunicação não distorcida. Foi possível identificar manifestações com posições favoráveis e contrárias, principalmente, em torno dos então candidatos a presidente Fernando Haddad e Jair Bolsonaro (Quadro 6).

Quadro 6
Manifestação de usuários sobre os candidatos à presidência

Fonte: Elaboração nossa.

Tais posicionamentos estiveram associados a manifestações de que Bolsonaro estaria sendo prejudicado, entendendo que as eleições estariam sendo fraudadas e não reconhecendo a legitimidade das condições de votação e, principalmente, do uso das urnas eletrônicas, que estariam sendo manipuladas. Outros exigiam a impugnação da candidatura de Bolsonaro, já no segundo turno, a partir de informações de que estaria envolvido em esquema de caixa dois em sua campanha e se utilizava de mecanismos de disparo de informações falsas contra o candidato adversário. Representada por uma das ramificações observadas no gráfico de similitude, houve, nesse caso, a mobilização dos usuários no Facebook a partir da hashtag “#EagoraTSE?” (Quadro 7).

Quadro 7
Manifestação de usuários no Facebook

Fonte: Elaboração nossa.

Verificou-se ainda que mesmo para informações apresentadas como falsas e esclarecidas pelo TSE, muitos usuários apresentaram opiniões contrárias às informações verificadas e então esclarecidas, manifestando resistência e desconfiança em relação aos esclarecimentos. Nesse aspecto, observou-se de maneira latente que certos usuários consideravam como defensáveis as informações tidas como falsas pelo tribunal (Quadro 8).

Quadro 8
Manifestação de usuários tratando as fake news como defensáveis

Fonte: Elaboração nossa.

Assim, com base na teoria de Habermas, pode-se observar que a ação comunicativa se caracteriza como a interação discursiva de um conjunto de indivíduos, dotados de capacidades linguísticas e interpretativas, os quais discutem acerca de determinada temática na busca por se chegar a um acordo/consenso que orientará as ações posteriores desses indivíduos (HABERMAS, 1988). Nesse sentido, pensando-se no contexto das eleições de 2018, verificou-se que as mídias sociais desempenharam um papel importante, dado que foram meios utilizados como arena de debate e sustentação de posições individuais, em um processo dialógico. A partir do compartilhamento de informações, buscava-se afirmar uma opinião e informar aos demais usuários acerca de algo. Porém, com a disseminação de fake news, as informações falaciosas tinham capacidade para prejudicar o processo democrático, uma vez que se tratava de informações de diversas naturezas, sejam depreciando a legitimidade do processo eleitoral vigente ou atacando a imagem de algum candidato.

Para que a ação comunicativa possa ocorrer, é necessário que não existam distorções no processo comunicativo (TEIXEIRA et al., 2009). Entretanto, as mídias sociais favorecem um aspecto que se mostra desfavorável à ação comunicativa, dado que as informações compartilhadas não passam por uma avaliação prévia de terceiros, que poderia garantir legitimidade e veracidade (ALLCOTT; GENTZKOW, 2017). Nesse sentido, a disseminação de fake news configura uma ação estratégica, uma vez que o compartilhamento de informações falsas tem por objetivo a afirmação de determinado posicionamento, independentemente da validade dos argumentos. Além disso, é uma ação estratégica dos indivíduos que criam as fake news, na medida em que, com elas, buscam formar a opinião acerca de algo e influenciar na decisão individual de voto, seja depreciando o processo eleitoral ou um determinado candidato. Trata-se da colonização de um processo dialógico que deveria ter a natureza de ação comunicativa, mas que se orienta por um viés instrumental da comunicação.

Nos resultados, observou-se que as informações falsas esclarecidas pelo TSE circulavam por diversos meios, na forma de mensagens, imagens e vídeos, com enfoque voltado principalmente para problemas das urnas eletrônicas na votação para presidente. Na perspectiva dos usuários das redes sociais que tiveram acesso aos esclarecimentos, constataram-se várias manifestações que discorriam em relação à influência negativa das fake news para o processo eleitoral, sendo que vários usuários sugeriram até o cancelamento das eleições por parte do TSE. Nesse sentido, pelos resultados encontrados, corrobora-se a literatura acerca do tema no sentido de que as fake news conturbam o cenário democrático e podem ser empregadas como estratégia de e-campanha, tanto no cenário brasileiro quanto em outros países, a destacar: Alemanha (MARTINS, 2019), Estados Unidos (RUNCINAN, 2018; ITUASSU et al., 2019), França (RUEDIGER; GROSSI, 2018) e Reino Unido (ESTEVES, 2019).

Portanto, a partir da análise dessa situação ocorrida nas eleições presidenciais de 2018, no Brasil, é possível tecer reflexões sobre eleições e democracia, tendo como principal elemento a massificação das mídias sociais como processos de e-campanhas, associadas à disseminação de desinformações.

As mídias sociais, como parte do processo de comunicação em um período eleitoral, serviram à criação e ao direcionamento de elementos de formação discursiva a determinados grupos, constituídos por bolhas sociais. Dotadas de valores e ideologias próprios, essas bolhas se apoiam no discurso de liberdade de expressão para disseminar fake news em favor ou em oposição às suas convicções, fazendo ecoar e multiplicar tudo aquilo em que acreditam ou de que se apropriaram como verdade, sem se remeterem à reflexão (FONSECA, 2011; ALLCOTT; GENTZKOW, 2017; ITUASSU et al., 2019).

Os resultados deste estudo mostraram que as eleições majoritárias de 2018 andaram na contramão dos preceitos de Teixeira et al. (2009), autores que apregoam que os indivíduos devam assumir uma postura democrática e aberta ao diálogo para que a razão comunicativa se paute em argumentos válidos, que possam ser analisados e legitimados. O que se verificou foram as formações discursivas em um cenário midiático, servindo de palanque para muitas vozes, constituídas em um conjunto, assumidamente, formado por grupos polarizados e receptivos às fake news (RUEDIGER; GROSSI, 2018; ITUASSU et al., 2019).

Nesse sentido, a teoria de Habermas se faz presente nos resultados encontrados, em que foi possível observar o processo discursivo nas ações do TSE e nas posições dos usuários do Facebook, mesmo quando esclarecidas as fake news, pois a ação comunicativa expressa convicções, desejos e propósitos de um grupo, que intenta alcançar objetivos por meio de um consenso (HABERMAS, 2012). Entende-se aqui como consenso, tendo em vista o cenário empírico observado, as manobras de certos grupos para consolidarem suas crenças e ideologias a fim de obterem uma maior consonância entre seus adeptos, para que, então, as fake news possam difundir sua narrativa pelas mídias sociais. Tal percepção também se aproxima dos preceitos de Habermas ao se referir à esfera orientada pela produção material, na qual os indivíduos presentes nesses grupos ou bolhas sociais compartilham valores para se manterem nesse sistema, assegurando, inclusive, suas motivações ideológicas (BRAGA; CARLOMAGNO, 2018).

Habermas (1989) é assertivo ao considerar que o conflito é importante para a participação do cidadão no processo democrático, haja vista que os resultados deste estudo apontam para aproximações e dissonâncias quanto à legitimidade da eleição presidencial de 2018 em função da desinformação sobre fraudes nas urnas eletrônicas. De um lado, o TSE atesta a falsidade dessas notícias e motiva que pessoas se manifestem contra as fake news, e de outro lado, pessoas influenciadas pela desinformação não mudam suas convicções quando confrontadas com os esclarecimentos do tribunal e mantêm os questionamentos ao escrutínio eleitoral, o que, se conjectura aqui, pode criar riscos à democracia no Brasil.

Conclusões

Este estudo mostrou que, diante da propagação das fake news, especificamente nas eleições majoritárias de 2018, ainda existem barreiras sérias aos órgãos estatais no intuito de combater o fenômeno da desinformação nos meios de comunicação, apesar de estar previsto a sua punição eleitoral (e não penal) nas propagandas eleitorais, conforme artigo 58, da Lei n. 9504 (1997). A preocupação com esse fenômeno para as eleições posteriores fez com que o TSE reforçasse ações normativas para conter a proliferação das notícias falsas, por entender que ferem questões democráticas para a ação comunicativa em termos de igualdade ao direito de resposta dos envolvidos.

A despeito do esforço do TSE em termos de judicialização eleitoral para conter o fenômeno da desinformação, as medidas requerem maior rigor. É inevitável a discussão sobre até onde é legítima a liberdade de expressão e o que pode ser configurado como censura, no que tange ao controle da difusão de fake news no ciberespaço, principalmente em um cenário de disputas acirradas.

Verificou-se, também, que as mídias sociais estão reconfigurando o ambiente democrático no país, depois da representatividade que tiveram no processo eleitoral de 2018. Com elas, emergem as fake news, os discursos de ódio, a polarização político-partidária, a consolidação das bolhas sociais e a crescente manipulação das tecnologias digitais por meio dos big data. Todavia, também é possível considerar que as mídias sociais ampliaram a participação política na sociedade, principalmente àqueles que antes não tinham voz política no contexto democrático.

Por estes motivos, torna-se fulcral que o debate acerca do problema da desinformação continue sendo fomentado, para que o sentido de urgência não se direcione ainda mais para as apropriações ideológicas político-partidárias, bem como se verificou nas eleições majoritárias de 2018, tampouco que os direitos e as garantias constitucionais não sejam obstruídos pela negligência, seja ela pública, dos órgãos estatais, ou política, dos candidatos a cargos eletivos e dos seus apoiadores.

Logo, torna-se importante salientar que a propagação das fake news, a despeito da sua fugacidade, não somente relaciona-se com a ação de dispositivos digitais, mas também tem se revelado fruto do comportamento dos próprios cidadãos. Nesse sentido, dentre as medidas relevantes para evitar a difusão de notícias falsas, são aspectos que requerem atenção à confiabilidade das fontes e dos veículos de informação, a adequação do texto da notícia ao título das mensagens, as formas de escrita e as expressões linguísticas, as doutrinações político-ideológicas e as opiniões tendenciosas, bem como as convicções pessoais, que possam induzir a julgamentos e apologias extremistas.

Novos estudos podem direcionar-se à continuidade das ações de combate e prevenção das fake news, desde o Programa de Enfrentamento à Desinformação às parcerias do TSE com as principais plataformas digitais e mídias sociais, além dos resultados da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) das Fake news, instituída no Congresso Nacional para investigar atos contra a democracia e o debate público disseminados a partir das eleições de 2018.

Referências

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BENHAM, Janelle. Best practices for journalistic balance: Gatekeeping, imbalance and the fake news era. Journalism Practice, v. 14, n. 7, p. 791-811, 2020.

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Notas

3 A propaganda eleitoral ocorre por diferentes meios, de acordo com suas especificidades, seguindo o calendário eleitoral do TSE, disponível em: http://www.tse.jus.br/eleicoes/calendario-eleitoral.
4 Em média, o tribunal levou menos de dois dias para decidir os pedidos de liminar nas demandas levadas à sua apreciação (Cf. TSE, 2018c).
5 A resolução 23.551, de 18 de dezembro de 2017, trata no capítulo IV da propaganda eleitoral na internet, na Seção I, sobre a remoção de conteúdo da internet, e na Seção II, sobre a requisição judicial de dados e registros eletrônicos. Todavia, foi atualizada em 18 de dezembro de 2019, pela resolução 23.610, como forma de minimizar atos semelhantes nas eleições de 2018.
6 O termo “urna” teve uma queda de popularidade entre 14 e 20 de outubro, atingindo o valor de seis pontos, voltando a ganhar destaque entre 28 de outubro (data do segundo turno das eleições de 2018) e 3 de novembro, alcançando 30 pontos, não tão relevante quanto entre 7 e 13 de outubro, mas ainda assim superior ao termo “fake news” com 21 pontos no mesmo período.
À Fundação de Pesquisa de Minas Gerais (FAPEMIG) e à Coordenação para o Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES - Financiamento 001), Brasil. Agradecimentos adicionais à equipe editorial, aos avaliadores anônimos e à investigadora equatoriana María Belén Zambrano Pontón pelas suas valiosas contribuições que repercutiram positivamente neste artigo.


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