Resumo: Investigamos o papel do Programa Renda Cidadã na escolha do voto para governador de Goiás nas eleições de 2014 e de 2018, tendo como variáveis concorrentes o desenvolvimento econômico do município e o alinhamento partidário dos prefeitos. O artigo alia discussão teórica e análise empírica e utiliza dados fornecidos pelo Tribunal Regional Eleitoral de Goiás, por órgãos do governo federal e pelo estado de Goiás. Os resultados indicam que a cobertura do Programa Renda Cidadã e o alinhamento partidário do prefeito com o governador são preditores robustos para o voto em candidato situacionista a governador de Goiás em 2014 e em 2018, respectivamente. O artigo utiliza um desenho metodológico ainda pouco usual para se analisar a escolha de voto no Brasil e contribui para ampliar conhecimentos sobre o comportamento eleitoral em contexto político subnacional.
Palavras-chave: Programa Renda Cidadã, Alinhamento partidário, Política pública, Comportamento eleitoral, Goiás.
Resumen: Investigamos el papel del Programa “Renda Cidadã” (Renta Ciudadana) en la votación para gobernador de Goiás en las elecciones de 2014 y 2018, teniendo como variables concurrentes el desarrollo económico del municipio y la alineación partidista de los alcaldes. El artículo combina discusión teórica y análisis empírico y utiliza datos proporcionados por el Tribunal Regional Electoral de Goiás y por organizaciones gubernamentales federal y de la provincia de Goiás. Los resultados indican que la cobertura del Programa Renta Ciudadana y la alineación partidista son predictores robustos de la votación para los candidatos situacionista a gobernador en 2014 y 2018, respectivamente. El artículo utiliza un diseño metodológico aún inusual para analizar la elección del voto en Brasil y contribuye a ampliar el conocimiento sobre el comportamiento electoral en un contexto político subnacional.
Palabras clave: Programa de Renta Ciudadana, Alineación partidista, Política pública, Comportamiento electoral, Goiás.
Abstract: We investigate the role of the “Renda Cidadã” (Citizen Income) Program in vote choice for governor of Goiás in the 2014 and 2018 elections, having as competing variables the economic development of the municipality and the party alignment of the mayors. The article combines theoretical discussion and empirical analysis and uses data provided by the Regional Electoral Court of Goiás and governmental organizations federal and from the state of Goiás. The results show that the Citizen Income Program coverage and party alignment are predictors of voting for incumbent candidates for governor of Goiás in 2014 and 2018, respectively. The article uses a methodological design that is still unusual to analyze the choice of voting in Brazil and contributes to broadening knowledge about electoral behavior in a subnational political context.
Keywords: Citizen Income Program, Party alignment, Public policy, Electoral behavior, Goiás.
Artigo
Política pública e voto: o papel do Programa Renda Cidadã na eleição para governador em Goiás (2014 e 2018)1
Políticas públicas y votaciones: el papel del Programa Renda Cidadã en las elecciones de gobernador en Goiás (2014 y 2018)
Public policy and voting: the role of Programa Renda Cidadã in Governors elections in Goiás (2014 and 2018)
Recepção: 29 Novembro 2021
Aprovação: 19 Julho 2022
Investigamos o papel de uma política pública na definição do voto para governador de estado, analisando se há uma espécie de “recompensa eleitoral” dos eleitores para políticos que a criaram e implementaram. Tem-se como objeto e contexto o “Programa Renda Cidadã” (PRC), vigente entre os anos 2000 e 2020 no estado de Goiás, sendo que o período de análise abrange as eleições para governador de 2014 e de 2018.
São duas as principais justificativas para a escolha do problema de pesquisa. A primeira se refere à dinâmica entre o contexto político regional e o período de vigência do PRC. O programa foi criado por um ex-governador, Marconi Perillo, do Partido da Social-Democracia Brasileira (PSDB), que foi eleito para o cargo em 1998, 2002, 2010 e 2014, tendo apoiado o governador eleito em 2006, Alcides Rodrigues (à época, filiado ao Partido Progressista). Já na eleição de 2018 foi eleito Ronaldo Caiado, um dos candidatos oposicionistas na disputa e à época filiado ao Democratas (DEM). Logo, a existência do PRC acompanha o período de início, apogeu e decadência da influência política de Perillo.
A segunda se ancora na possibilidade de ampliação de conhecimentos a respeito do potencial eleitoral de uma determinada política pública em contexto subnacional. Há um volume considerável de pesquisas a respeito no âmbito federal, investigando especificamente a condição de beneficiário do Programa Bolsa Família – PBF2 (BRASIL, 2021) e o voto para presidente da República. No entanto, tal questão é pouco explorada em ambiente subnacional, apesar de haver programas de transferência de renda em complementação ao PBF em 10 (dez) estados: Acre, Rio de Janeiro, Distrito Federal, Espírito Santo, Rio Grande do Sul, Rondônia, Mato Grosso, São Paulo, Santa Catarina e Paraná.
O artigo é organizado da seguinte maneira: no primeiro capítulo, concedemos informações sobre o PRC, especificamente, sobre o histórico de criação e de implementação, os critérios para ser beneficiário e os valores transferidos aos beneficiários. O tópico dois é dedicado à discussão de estudos que abordam a relação entre o PBF e o voto para presidente da República, tendo, ao final, a construção da hipótese. No terceiro tópico, discorremos sobre dados e técnicas e, em sequência, fazemos a análise dos dados. Nas considerações finais realizamos uma síntese dos resultados e destacamos os limites e as virtudes da pesquisa.
Neste tópico se aborda informações sobre o PRC, especificamente sobre sua caracterização, histórico, marcos legais e recursos financeiros investidos.
O PRC foi um programa de transferência de renda do Governo do Estado de Goiás, que vigorou de 2000,2001,2002,2003,2004,2005,2006,2007,2008,2009,2010,2011,2012,2013,2014,2015,2016,2017,2018,2019,2020 e era destinado ao auxílio de famílias carentes em estágio de extrema pobreza, por meio da concessão de um benefício financeiro mensal, objetivando, prioritariamente, o combate à fome e à miséria. Os beneficiários eram definidos mediante critérios objetivos previamente estabelecidos na legislação, que também trata do valor do benefício e demais condições aplicáveis.
Para situar o PRC na conceituação de políticas públicas, a contribuição de Rua e Romanini (2014) é útil. As autoras concebem política pública como um sistema complexo, que transcende decisões isoladas e exige ações estratégicas para tomar decisões. Elas criam o conceito de “arenas”, pressupondo que “existe uma inter-relação entre a percepção de uma policy por parte dos indivíduos e grupos afetados e a estrutura das interações na arena política (politics)3” (FREY, 1999, p. 11).
As arenas são constituídas em regulatórias, redistributivas e distributivas. No que concerne à arena distributiva – na qual se insere o objeto do presente estudo – ela abrange políticas públicas que alocam bens e serviços. Um dos principais exemplos na história brasileira de uma política pública inserida na arena distributiva é o PBF e os programas dele derivados. É preciso destacar que, apesar de o PBF promover uma redistribuição de renda, isso não define sua classificação em termos de arena decisória. Isso se deve ao fato de que os contribuintes, de modo geral, não conseguem identificar precisamente quanto de seus impostos foi direcionado aos seus beneficiários.
O Programa Renda Cidadã foi criado para substituir o Programa Apoio às Famílias Carentes (PAFC), cujo escopo residia em combater a fome e a miséria, e que havia sido instituído pelo Decreto n.º 4.379 de 1995, pelo então governador emedebista, Maguito Vilela. A diferença substancial entre os programas é que, enquanto o PRC oferece auxílio pecuniário às famílias em estado de vulnerabilidade, o PAFC se materializava pela distribuição de cestas básicas e alimentos em espécie, além de doação de lotes urbanos e de isenção de tarifas de energia elétrica, água e esgoto para as famílias que se enquadrassem nos critérios definidos na legislação específica do programa.
A criação do PRC se deu via Lei Estadual n.º 13.605, de 29 de março de 2000, editada pelo então governador Marconi Perillo (PSDB), e regulamentada via Decreto n.º 5.211, de 10 de abril de 2000. Os critérios indicavam que a família beneficiária de auxílio financeiro não poderia empregar mais do que 15% do recebido na aquisição de produtos de higiene pessoal e limpeza, sob pena de reprovação das contas posteriormente apresentadas, dispondo também que o PRC deveria beneficiar, prioritariamente, famílias integradas por pessoas com deficiência, hanseníase, leucemia ou síndrome da imunodeficiência adquirida. Por sua vez, o decreto regulamentador tratava dos critérios a serem atendidos pelos grupos familiares a fim de fazer jus ao auxílio mensal.
Sua expansão se deu pela Lei n.º 16.831 de 11 de dezembro de 2009, já na gestão do governador Alcides Rodrigues (PP), com o objetivo de subsidiar o processo de emancipação da população atendida, notadamente mediante sua inserção no mundo do trabalho. Nesse desiderato, além do auxílio financeiro básico, o PRC passou a fornecer auxílio educação e auxílio saúde.
Em 2013, tendo novamente Marconi Perillo como governador, foi editada outra lei sobre o PRC (Lei n.º 18.090, de 17 de julho de 2013), que acresceu aos escopos do programa o combate à exclusão das famílias vulnerabilizadas pela extrema pobreza, alterando também os grupos de classificação no programa. Por fim, foi sancionada a Lei n.º 19.319, de 23 de maio de 2016, que instituiu as bases do “Novo Programa Renda Cidadã”. O novo texto delimitou conceitos fulcrais à aplicação da norma, como família, família em situação de pobreza e renda familiar mensal, além de estabelecer objetivos específicos do programa.
Inicialmente, o gestor do PRC era o Governo do Estado de Goiás, incumbido de definir as normas complementares do programa. O cadastro podia ser efetivado nos municípios de residência dos pretensos beneficiários, no Centro de Referência de Assistência Social (CRAS) ou no Centro de Referência Especializado de Assistência Social (CREAS). Essa informação possui relevo no bojo da pesquisa proposta, notadamente quando se analisam os impactos no voto para governador em um cenário em que o cadastro de famílias atendidas era realizado pelo município, com possíveis efeitos na identificação do responsável pelo programa aos olhos do beneficiário.
Em junho de 2018, o programa foi suspenso por determinação do Ministério Público de Goiás.4
Os recursos destinados ao PRC entre os anos de 2003 e 2018 estão ilustrados no Gráfico 1. No período entre 2000 e 2009, a Lei Orçamentária autorizava o governador a abrir créditos especiais para o Renda Cidadã até o limite de R$ 55.000.000,00, (cinquenta e cinco milhões) destinados ao custeio do benefício. A partir desses anos, a norma deixou de estabelecer um limite máximo a ser investido.

Em 2006, teve o maior investimento (ano de eleições gerais), com injeção de R$117.702.269,88 (cento e dezessete milhões, setecentos e dois mil, duzentos e sessenta e nove reais e oitenta e oito centavos). Esse montante foi significativamente diminuído no ano de 2007, ano com menor direcionamento de investimentos ao programa.
É identificável uma tendência de se investir mais recursos no PRC em anos eleitorais, em comparação com anos não eleitorais, considerando as eleições para governador do estado. O montante de recursos destinado ao programa em 2006, 2010 e 2014, que foram anos eleitorais, foram superiores aos anos antecessores e predecessores, que não foram anos eleitorais.
Esse padrão não se repete somente no comparativo entre os anos de 2018 e 2017. Ele pode ser entendido como uma exemplificação do ciclo orçamentário político, definido por Klein (2010, p. 284) como “um ciclo econômico causado por motivações políticas, que se apresenta de várias formas: através do aumento do gasto público, geração de emprego, redução de impostos ou mesmo movendo os gastos de serviços públicos menos visíveis para mais visíveis”. Ele pondera que o orçamento político é concebido com fins de potencializar a reeleição do incumbente. Assim, as possibilidades real e legal de reeleição são referência para o ciclo orçamentário político. Real no que se refere à chance mínima de que os esforços viabilizarão a reeleição, e legal porque a Constituição Federal do Brasil apenas autoriza uma reeleição. Com efeito, Klein (2010) também destaca outras motivações para a estratégia do ciclo orçamentário político, como, por exemplo, se o político no cargo apoia a eleição de um candidato de seu grupo político, ou mesmo para melhorar sua imagem com fins de concorrer a outros cargos políticos representativos.
Brusca, Labrador e Montesinos (2015), por sua vez, argumentam que o incumbente possui uma vasta gama de informações não acessíveis aos eleitores, situação que o guia no direcionamento das despesas. Dessa forma, uma vez que a busca informacional pelos eleitores para decidir o voto tem custos e pouco impacto no resultado geral, o ciclo orçamentário político é atrativo aos mandatários que querem se manter no poder.
São abordadas neste tópico algumas obras de referência sobre política pública e voto no Brasil. Ao final, são construídas hipóteses que guiarão a análise de dados do tópico quatro.
Como já destacado anteriormente, na introdução, o que se produz sobre política pública e voto recai, quase que exclusivamente, na relação entre a condição de beneficiário do PBF e a escolha do voto para presidente da República. Nesse sentido, a discussão teórica se dará nesses termos, fazendo uso do debate e das evidências dessas pesquisas para a formulação de hipóteses para o contexto e o objeto específicos deste artigo.
A eleição de Luís Inácio Lula da Silva, o Lula, do Partido dos Trabalhadores (PT), em 2002, é um evento importante para analisar a relação entre política pública e voto porque o governo do ex-presidente implementou mudanças significativas na área social, criando o PBF a partir de junção de programas sociais (Bolsa Escola, Auxílio Gás e Cartão Alimentação) e ampliando a quantidade de famílias beneficiárias e de recursos financeiros investidos6.
Na leitura de Limongi e Guarnieri (2015), Lula conquistou uma parcela significativa do voto da classe média em 2002 devido a um conjunto de fatores de conjuntura política e econômica. Ao longo do primeiro mandato, Lula executou, em boa medida, os investimentos sociais contidos em sua plataforma eleitoral, com destaque para o PBF, Minha Casa Minha Vida, Luz para Todos e ProUni. Tais programas sociais não se direcionavam à sua base eleitoral da primeira eleição, mas sim à parcela mais pobre da população, uma decisão que, de acordo com os autores, culminou na mudança significativa de seu eleitorado em 2016.
O percentual de votos válidos de Lula nas eleições presidenciais de 2002 e 2006 foram bastante parecidos, tanto no primeiro, quanto no segundo turnos. O que boa parte da literatura especializada assevera é que houve alteração substancial dos seus eleitores. O que se argumenta é que o investimento em políticas sociais levou, em termos eleitorais, a uma via de mão dupla: se, por um lado, elas possibilitaram um apoio mais massivo dos estratos mais pobres da população, por outro lado, elas contribuíram para uma considerável perda de apoio eleitoral do eleitorado de classe média (CORRÊA, 2015; HUNTER; POWER, 2007; NICOLAU; PEIXOTO, 2007; SIMONI JUNIOR, 2017; ZUCCO, 2008; CANÊDO-PINHEIRO, 2015).
O realinhamento eleitoral de Lula em 2006 é evidenciado nos trabalhos de Hunter e Power (2007) e Nicolau e Peixoto (2007) através de mapas ou correlações de distribuição dos votos nos municípios, demonstrando que o PT passou a concentrar votos principalmente em municípios pequenos e pobres, em especial na região Nordeste. Para Simoni Junior (2017), uma vez que as cidades de pequeno porte, nordestinas e pobres são as que também recebem, proporcionalmente, mais investimentos no Programa Bolsa Família, o nexo causal está delineado: o PBF gera efeitos significativos e possui forte influência para o realinhamento eleitoral sucedido em 2006.
Zucco (2008) e Canêdo-Pinheiro (2015), por sua vez, defendem que, não obstante o efeito eleitoral do Bolsa Família, o realinhamento também significou uma inclinação histórica de “governismo” no Brasil, que aponta a tendência dos cidadãos mais pobres ou moradores de localidades menos desenvolvidas a optar pelo voto no candidato situacionista, de forma dissociada de seu partido ou de suas realizações pessoais como gestor.
Zucco (2008) pontua que, para as eleições de 2006, o fenômeno do Bolsa Família não é suficiente para explicar a reeleição de Lula. Contudo, no exercício do seu primeiro mandato, o ex-Presidente foi superior aos governos passados no sentido de não somente aperfeiçoar o sistema de transferência de renda – que passou a representar uma maior diferença na vida das pessoas e na economia dos municípios mais pobres – mas também soube ser recebedor dos créditos pessoais pelo programa. Somando-se isso a um bom momento econômico, é possível explicar a migração de eleitorado e, ao cabo, sua reeleição.
Notadamente, é possível apontar políticas bem-sucedidas que abonem a expressiva vitória lulista nas eleições de 2006. A despeito de não ter elevado consideravelmente o PIB, Lula I teve uma política monetária equilibrada e taxas de juros decrescentes, assegurando estabilidade de preços e contexto atrativo para investimentos. Ademais, como pontuam Abensur, Cribari-Neto e Menezes (2007), o PBF contribuiu, em boa medida, para o êxito eleitoral do petista. Dados do Censo Demográfico de 2000 indicavam que 33% dos brasileiros viviam abaixo da linha da pobreza e 16% deles eram considerados miseráveis. Portanto, o sucesso da política em retirar parte dessas pessoas da situação de indigência, decisivamente, contribuiu para a imensa popularidade do ex-presidente.
Cribari-Neto e Souza (2013), neste sentido, identificam que, malgrado o bom momento econômico tenha contribuído com a reeleição de Lula, não anulou os efeitos da concentração de recursos em políticas de transferência de renda. Os autores comprovam que, se os gastos com programas assistenciais fossem mantidos nos níveis de 2002, ou seja, sem aumento durante os quatro anos de mandato, a votação do petista em 2006 apresentaria redução de cerca de 7 milhões de votos. De outra feita, se não se observasse qualquer crescimento econômico neste mesmo período, a queda na votação de Lula seria de aproximadamente 2 milhões.
É relevante pontuar que, conforme Cribari-Neto e Souza (2013), mesmo nestes cenários de reduções de votos, Lula teria sido reeleito, uma vez que a diferença entre sua votação e a de Geraldo Alckmin foi de 22% – cerca de 21 milhões de votos. A despeito disso, a força eleitoral dessas políticas, especialmente o PBF, ainda é inegável.
Com efeito, não foram todos os eleitores mais pobres beneficiados pelo PBF. Ainda assim, Zucco e Power (2013), que consideravam tanto os diretamente beneficiados quanto aqueles que tinham na família ou dentre seus conhecidos algum beneficiário do programa, evidenciaram significativa alteração do volume de eleitores das faixas de menor renda que apoiaram Lula em suas duas eleições vitoriosas. Abensur, Cribari-Neto e Menezes (2007) foram além, simulando as proporções de votos estimadas em Lula para o pleito de 2006 nos cenários hipotéticos: (1) aumento de 20%, (2) redução de 10% e (3) redução de 50% no número de famílias beneficiárias pelo PBF. Os resultados indicaram que, na primeira situação hipotética, ter-se-ia um aumento médio de 2% na votação de Lula; já no segundo, ter-se-ia uma queda de cerca de 1,2%; e, no terceiro, uma diminuição de 8% da votação. Extrai-se, então, que os possíveis votos em Lula crescem ou caem a partir do acréscimo ou redução de investimentos no programa. Igualmente, Corrêa (2015) concluiu que a votação obtida por Lula entre 2002 e 2006 melhora ao passo que aumenta a cobertura do PBF e piora de modo proporcional ao crescimento da classe alta.
Para além da alteração da faixa de renda dos eleitores de Lula, a literatura especializada também trata de como essa base se organiza geograficamente. Os estados com mais investimentos do PBF foram Bahia (1.410.131 famílias), Minas Gerais (1.177.427 famílias) e São Paulo (1.113.244 famílias), com populações, em 2006, de 13, 19 e 40 milhões, respectivamente. Em sequência, estados nordestinos, mais pobres, cuja renda domiciliar per capita média regional era de R$ 180.53 (ABENSUR; CRIBARI-NETO; MENEZES, 2007). Nicolau e Peixoto (2007) demonstram que foi no Nordeste que se concentrou os investimentos do PBF, abocanhando 53,7% da totalidade dos recursos. Em consonância, houve aumento nas proporções de votos de 2002 para 2006 na Região Nordeste, enquanto em outros treze estados houve redução nas proporções de votos, em especial, nas regiões Sul e Centro-Oeste.
A desigualdade regional é entendida por Abensur, Cribari-Neto e Menezes (2007) como a razão para maiores investimentos no PBF no Nordeste, onde a renda domiciliar per capita média regional alcançava um dos menores valores do país, R$ 180,53. Em adição, Nicolau e Peixoto (2007) informam que os recursos do PBF foram destinados às áreas mais sensíveis eleitoralmente em 2002. No fim do ano de 2006, abarcava quase 19% da população brasileira, embora fosse variável a sua cobertura na totalidade dos municípios do país. Verificou-se destacada correlação entre a cobertura do PBF e voto em Lula tendo como unidade de análise os municípios, o que fortalece a conclusão de que o PBF foi importante para o desempenho eleitoral do petista.
Marques et al (2011) também encontraram forte relação entre o voto em Lula no 2° turno das eleições de 2006 e o peso do PBF na população municipal total. Os autores concluíram que quanto maior a faixa de cobertura em relação à população total, maior a proporção de votos válidos recebidos pelo candidato. Mesmo quando os municípios não são agregados em faixas de cobertura, sendo o grau de dispersão bastante significativo, o PBF explica sozinho 45% dos votos. Já os estudos de Nicolau e Peixoto (2007) apontam que, ainda que outros fatores fossem mantidos constantes, a exemplo de região geográfica e IDHM-Renda, o aumento de 100 reais per capita no investimento do Bolsa Família correspondia a um acréscimo de 3% na votação do ex-presidente nos municípios.
Quanto à sucessão petista, a análise geográfica das votações de Lula em 2006 e Dilma em 2010, promovida por Nicolau (2014), exibe inúmeras convergências porque as bases eleitorais são basicamente as mesmas: Nordeste, Amazonas e região nordeste de Minas Gerais. De igual sorte, seus nichos geográficos de oposição foram mantidos. Lado outro, Nicolau (2014) não identificou significância estatística para a variável do PBF nas eleições de 2010, que podem ser justificadas por argumentos de natureza técnica. O primeiro argumento é o alto percentual de beneficiários do PBF com baixa escolaridade: 64% com ensino fundamental incompleto e nenhum tem curso superior. Isto é, a forte associação entre baixa escolaridade e os beneficiários do PBF pode ter diminuído o seu efeito no modelo estatístico proposto. A outra justificativa está na medida da variável no Estudo Eleitoral Brasileiro (ESEB) de 2010, que extraia a informação do entrevistado sobre ser ou não beneficiário, mas sem incluir na pergunta a possibilidade de moradores ou moradoras da residência também o serem, o que pode ter subestimado a quantidade de beneficiários na amostra e, por consequência, prejudicado a estimativa estatística.
Almeida e Souza (2015), por sua vez, fizeram uma análise macro (cidades) e encontraram resultados diversos dos de Nicolau (2014), indicando associação positiva entre o PBF e a vitória eleitoral de Dilma em 2010. Verificaram que o investimento per capita no PBF influenciou os votos em Dilma no Nordeste, no sentido em que as cidades que mais receberam investimento no programa apresentaram maiores percentagens de voto em Dilma. Os autores também identificaram uma relação positiva entre a taxa de pobreza e o voto em Dilma. Por fim, observaram uma associação entre o voto em Lula em 2006 e o voto em Dilma em 2010.
Em síntese, os estudos sobre PBF demonstram que o seu nível de cobertura teve efeito nas eleições. Embora não tenha sido encontrado sistematicidade significativa de influência das variáveis-controle sobre o vínculo do PBF com os resultados do pleito presidencial de 2006, Marques et. al (2011) afirmam ter sido forte a relação entre o PBF e o resultado da eleição. Nesse sentido, cabe destacar que não basta o governo instituir um programa social, mas que seu eventual sucesso lhe seja efetivamente atribuído. Kerbauy (2011) menciona que, entre os que votaram em Dilma em 2010, 45,3% disseram que conheciam programas sociais de redistribuição de renda então vigentes, enquanto 26,9% dos eleitores de Serra alegaram conhecê-los.
O balanço da discussão da literatura especializada aponta a existência de relação entre políticas de transferência de renda e voto no Brasil. O mecanismo dessa relação indica que as regiões mais pobres e, por consequência, as mais atendidas pela política pública, são as que apresentam percentual mais elevado de voto ao candidato incumbente, idealizador ou mantenedor da política pública. Os números são robustos para o período temporal, para a política e cargo político investigados pelos estudiosos do tema, de modo a sustentar indícios de que tais efeitos eleitorais também podem ser encontrados a nível estadual.
A literatura internacional também ampara a validade dessa hipótese. Em análise ao programa condicional de transferência de renda mexicano (Progresa, agora chamado de Oportunidades), De La O (2013) alcançou evidências de que o programa conduziu a um aumento na participação eleitoral e na votação no incumbente, demostrando que os efeitos pró-incumbente da transferência de renda são explicados principalmente por um mecanismo de mobilização e apoio ao partido situacionista.
Considerando o balanço da literatura empreendido neste tópico, elaboramos a seguinte hipótese:
H1: quanto maior a cobertura do PRC nos municípios, mais elevados são os votos nos candidatos situacionistas a governador do estado de Goiás.
A tabela 1 traz as informações referentes aos aspectos técnicos e metodológicos.

Neste tópico é feito um panorama da distribuição geográfica dos votos, são realizados testes de correlação entre a variável explicativa e a ser explicada e, por fim, são aplicados testes de regressão linear multivariada para explicar a variação da distribuição dos votos nos candidatos situacionistas a governador.
A partir dos mapas 1, 2 e 3, verificamos uma diferenciação de intensidade e de padrão de votação dos candidatos situacionistas nas eleições de 2014 e de 2018. Nos dois primeiros mapas, referentes aos dois turnos da primeira eleição em análise, a partir da qual Marconi Perillo (PSDB) foi reeleito governador, observamos uma pulverização de votação em intensidade moderada e alta por todo o estado, apresentando percentuais mais expressivos nos municípios pertencentes às regiões de planejamento do entorno do Distrito Federal, centro, norte e nordeste, ao passo que nos municípios das regiões oeste, sudoeste e sudeste a votação se deu de forma menos expressiva. A situação se mostra distinta em 2018, com a predominância de baixo percentual de votação do candidato situacionista, José Eliton (PSDB), em todo o estado, com exceção dos municípios do nordeste goiano, tradicionalmente sua base eleitoral.


Realizamos testes de correlação bivariados e de regressão linear multivariada. Em relação aos primeiros, considerando os dois turnos da eleição de 2014, o que se observar é que o patamar da correlação se dá em nível considerado moderado (r2 de 0,28 e de 0,24) nos primeiro e segundo turnos, respectivamente – e em sentido positivo, isto é, quanto maior a cobertura do PRC nos municípios, mais alto é o percentual de votação no candidato situacionista.
No primeiro turno de 2018 a situação é a mesma, mas o patamar de correlação é consideravelmente menor (r2 0,11), ainda que o sentido positivo permaneça. Com o aumento dos investimentos nesse ano, expressos no Gráfico 3, a reta de correlação se inicia mais distante do marco 0 do eixo x. A despeito disso, a votação nos municípios concentra-se mais fortemente no início do eixo y, demonstrando a baixa adesão ao candidato peessedebista nessas eleições, derrotado em 1º turno.
Os resultados dos Gráficos 1, 2 e 3 indicam que há correlação de sentido positivo entre PRC e voto para governador, mas que essa relação se mostrou mais robusta na eleição de 2014 do que na eleição de 2018. Cabe ressaltar que correlação não significa causalidade, que os gráficos têm o objetivo de trazer evidências descritivas e que os testes de regressão linear multivariada, abordados em sequência, são os mais indicados para apontar os fatores explicativos do voto.



Os resultados das regressões lineares multivariadas encontram-se nos Gráficos 4, 5 e 6 abaixo9. Neles, observamos que, no primeiro e segundo turno de 2014, o aumento de 0,1 unidade no grau de cobertura do PRC está associado a um aumento de 0,02 unidades na votação do candidato situacionista. A relação é estatisticamente significativa e de sentido positivo, isto é, quanto maior a cobertura do PRC no município, maior tende a ser a votação do candidato a governador situacionista, em ambos os turnos. O mesmo padrão de associação não é verificado em 2018, uma vez que a relação se mostra negativa e sem significância estatística.



Esses resultados são congruentes parcialmente com os demonstrados nos Gráficos 1, 2 e 3, no sentido de a associação entre a cobertura do PRC e o voto se dar em sentido positivo, tanto em testes bivariados quanto em multivariados. Dessa forma, a hipótese não pode ser corroborada, tampouco refutada.
Dentre as variáveis explicativas concorrentes, os dados referentes ao IDM não apresentam robustez estatística, já que não verificamos significância estatística com o voto nas duas eleições e nos três turnos analisados. Ademais, os valores modulares são muito baixos, próximos a zero em todos os cenários. Já em relação ao alinhamento partidário, em 2014 há associação negativa de baixo valor modular e insignificância estatística. No entanto, em 2018, a situação se altera, havendo associação positiva e estatisticamente significante. Nessa eleição, os municípios que tinham prefeitos filiados a algum partido político que fazia parte da coligação do candidato situacionista apresentaram votação média nesse candidato a governador em patamar superior a 0,017 unidades em relação aos demais municípios.
Quanto às variáveis de controle, o analfabetismo não apresentou associação estatisticamente insignificante, mas a inscrição no CadÚnico sim. Nos dois anos e três turnos, a associação se mostrou positiva e em torno de 0,20, o que significa que as cidades com mais famílias inscritas no CadÚnico direcionaram maior quantidade de votos ao candidato a governador situacionista.
Sobre a capacidade preditiva dos modelos, o r2 ajustado apresenta magnitude moderada, variando do menor valor de 0,26 em 2018 para o maior valor de 0,39 no primeiro turno de 2014.
Apesar de já haver uma tradição em comportamento eleitoral no Brasil, ainda é pouco comum construir uma investigação com um desenho metodológico em que a unidade de análise são os municípios e não os indivíduos; tampouco é usual ter como objeto a escolha do voto para governador. Nesse sentido, o artigo contribui consideravelmente para a área, ao adentrar na análise macro e descortinar comportamentos e atitudes em nível subnacional.
As políticas públicas são uma das possíveis ações governamentais para tentar solucionar problemas públicos. Há uma vasta área de estudos sobre como elas são formuladas, sobre os desafios de sua implementação, bem como sobre o monitoramento e a avaliação de seus resultados. No entanto, a influência que elas exercem na sociedade vão além dos seus efeitos sobre os beneficiários. Políticas públicas podem influenciar, em alguma medida, a opinião pública e faz sentido hipotetizar, como se faz neste trabalho, que ela gere recompensas eleitorais. E foi exatamente isso o que observamos no caso goiano para o ano de 2014: em municípios com maior cobertura do PRC, houve maior votação em candidatos situacionistas a governador.
A ambição analítica era analisar a relação PRC e voto para governador em todo o período possível, a fim de observar se a recompensa eleitoral foi maior em eleições sucessivas à sua criação, em comparação com as eleições mais recentes, decorridas mais de quinze anos depois. Mesmo com essa limitação estrutural, justificada no tópico “dados e técnicas”, identificamos que o PRC foi parcialmente relevante para explicar a variação do voto nos candidatos situacionistas a governador, favorecendo-os em pequena medida numa eleição vitoriosa. Na eleição em que a situação não logrou êxito, o PRC não apresentou significância para determinar o voto.
As evidências da relação entre uma política pública regional de transferência direta de renda e a escolha do voto confirmam o que a literatura especializada já havia identificado no plano nacional. Certamente, os resultados desta pesquisa contribuirão para que outros pesquisadores se coloquem à investigar problemas de pesquisa similares em outros contextos políticos regionais. Como mencionado anteriormente, são 10 (dez) os estados que possuíam programas de transferência de renda em complementação ao PBF e isso certamente faz parte de um cálculo político-eleitoral, para além de ser uma necessidade para sanar problemas sociais. Cabe aos politólogos analisar o alcance da recompensa eleitoral que esses programas podem gerar, positivamente ou negativamente, aos candidatos situacionistas, e identificar tendências.
O desenho metodológico utilizado neste artigo possibilita observar tendências e generalizar os resultados para o estado de Goiás com elevada acurácia, uma vez que usamos resultados eleitorais e não intenções de voto. Ofertar evidências científicas de que a magnitude da proporção de investimento nos municípios está associada à variação na quantidade de votos de candidatos situacionistas a governador do estado é de grande valia. No entanto, esse desenho metodológico apresenta limitações, não sendo possível explorar todas as questões relevantes na relação entre política pública e voto. Uma delas se refere à existência ou não de uma “marca” do programa, isto é, se existe ou não entre os eleitores uma percepção de que Marconi Perillo e seus aliados políticos são os “pais” do PRC, se são os responsáveis por sua criação e manutenção e se, num cenário hipotético em que não ocupem mais a chefia do Poder Executivo estadual, o PRC deixaria de existir ou funcionaria de maneira deficitária. Pensamos que adentrar nessa e em outras questões não sanadas com análise quantitativa de dados agregados se faz necessário em investigações científicas com problema de pesquisa similar.











