Artigo

O “negro-vida” e o “branco-tema”: apontamentos sobre uma nova patologia social do branco brasileiro

The “negro-vida” and the “branco-tema”: notes on a new social pathology of the Brazilian whites

El “negro-vida” y el “branco-tema”: apuntes sobre una nueva patología social del blanco brasileño

Joaze Bernardino-Costa
Universidade de Brasília, Brasil
Yuri Santos de Brito
Universidade de Brasília, Brasil
Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia Baiano, Brasil

O “negro-vida” e o “branco-tema”: apontamentos sobre uma nova patologia social do branco brasileiro

Revista Sociedade e Cultura, vol. 25, e72743, 2022

Universidade Federal De Goias (UFG)

Recepção: 06 Maio 2022

Aprovação: 24 Agosto 2022

Resumo: O presente artigo tem por objetivo desenvolver uma reflexão sobre a tensão desencadeada pela introdução do negro-vida e a tematização da branquitude. Para tanto, nos baseamos num trabalho empírico sobre a vigência das ações afirmativas em três faculdades de direito do país, as Faculdades de Direito da Universidade Federal da Bahia, da Universidade de Brasília e da Universidade de São Paulo. No estudo que desenvolvemos com os docentes daquelas faculdades, propomos uma interpretação baseada nas ideias de “patologia social do branco brasileiro” e da neurose cultural do “racismo por denegação”. Na análise das entrevistas, identificamos a existência de um fator que consideramos crucial nos mecanismos atuais de reprodução da desigualdade, a branquitude; e, por outro lado, identificamos a emergência de uma nova perspectiva trazida por pesquisadores e pesquisadoras antirracistas e negros/as, que nomeamos como negro-vida.

Palavras-chave: Negro-vida, Branquitude, Desigualdades Raciais, Faculdades de Direito.

Abstract: This article intends to discuss the tensions unleashed by the inclusion of the “negro-vida” and the thematization of whiteness. It is based on an empirical research on affirmative actions in three law schools: the Federal University of Bahia, the University of Brasília and the University of São Paulo’s Law Schools. In the study, developed with professors of these schools, we propose an interpretation based on the ideas of “social pathology of Brazilian whites” and the cultural neurosis of “racism by denegation”. After analyzing the interviews, we identified the existence of a factor which is crucial to the current mechanisms of reproduction of inequality, whiteness. On the other hand, we identified the emergence of a new perspective brought by antiracist and Black researchers, that we named as negro-vida.

Keywords: Negro-Vida, Whiteness, Racial Inequalities, Law Schools.

Resumen: Este artículo pretende desarollar una reflexión sobre la tensión desatada por la introducción del “negro-vida” y la tematización de la blanquitud. Con ese fin, se basa en una investigación empírica sobre la validez de las acciones afirmativas en tres facultades de derecho del país: las facultades de derecho de la Universidad Federal de Bahía, la Universidad de Brasilia y la Universidad de São Paulo. En el estudio que desarrollamos con profesores de esas escuelas, se propuso una interpretación basada en las ideas de la “patología social del blanco brasileño” y la neurosis cultural del “racismo por negación”. En el análisis de las entrevistas identificamos la existencia de un factor crucial en los actuales mecanismos de reproducción de la desigualdad, la blanquitud; y, por otro lado, observamos el surgimiento de una nueva perspectiva aportada por investigadores negros y antirracistas, que llamamos negro-vida.

Palabras clave: Negro-Vida, Blanquitud, Desigualdades Raciales, Facultades de Derecho.

Introdução

A discussão sobre as relações raciais no Brasil tem, historicamente, tematizado o negro de maneira muito específica e focalizada. A perspectiva de “relação”, porém, exige que se discuta mais do que o negro como um tema; exigindo-se também que se discuta aquele que se define como branco. A não discussão do branco como um lugar social ou do branco como universal tem muito a ver com o chamado confinamento racial da academia brasileira (CARVALHO, 2005), o que faz com que o “ser branco” fique invisível e não seja problematizado. O suposto não-lugar ocupado pela branquitude, por um lado, confere àqueles identificados como brancos um lugar supostamente objetivo, neutro e universal não sujeito às contingências corpo-geopolíticas e, por outro lado, confere àqueles identificados como negros e indígenas um lugar sujeito às contingências corpo-geopolíticas e, consequentemente, sujeito ao escrutínio por parte de um outro tido como objetivo. Daí a tradição de nossas Ciências Sociais em tematizar, exotizar, simplificar, essencializar o negro e o indígena.

Ao retomarmos à perspectiva da “relação”, dialogaremos com as contribuições de Guerreiro Ramos em torno das ideias do “negro-tema”1 (RAMOS, 1995) e também com as contribuições de Cida Bento em torno da ideia da branquitude como a “guardiã silenciosa dos privilégios” (BENTO, 2002, p. 15).

Os tensionamentos em torno das ideias de negro-tema e da branquitude, por um lado, e a proposição da ideia do negro-vida e a necessidade de reconhecer os condicionamentos corpo-geopolíticos na produção do conhecimento, por outro, em grande parte, é resultado das transformações no ensino superior, especialmente a adoção das políticas de ações afirmativas desde o início do milênio. Na recente produção acadêmica sobre o tema, em especial a partir da implantação das ações afirmativas, várias questões têm sido postas em evidência, transformando significativamente os paradigmas. Se Osório (2008), a partir da teoria das desvantagens acumulativas desenvolvida no final dos anos 1970, identificou uma mudança paradigmática nos estudos de mobilidade social e desigualdade racial, podemos também identificar que, a partir do ingresso de estudantes negros nas universidades, esse paradigma interpretativo ganhou um novo ingrediente: a interpretação dos estudos de mobilidade social e das desigualdades sociais a partir de sujeitos negros e indígenas social e politicamente localizados. Assim, temos como novidade desse cenário a entrada massiva do negro-vida2 no âmbito da vida acadêmica, que se opõe à exotização, essencialização, objetificação de si mesmo, e também questiona os privilégios da branquitude. Neste sentido, este novo sujeito produtor de conhecimento, ao agir com rigor analítico e interpretativo, também se posiciona como um sujeito político, produzindo uma sinergia prolífica entre militância e academia.

Os estudos sobre branquitude (BENTO, 2002; SOVIK, 2004; WARE, 2004; HOFBAUER, 2006; JACCOUD, 2008; LABORNE, 2014) chamam a atenção para o fato de que nos estudos de relações raciais o lugar da branquitude se apresenta como universal, portanto não entrecortado pelos eixos de poder racial, de classe e gênero. A branquitude se autoconstrói como neutra, objetiva e não contaminada pelos condicionamentos das experiências sociais.

No interior do paradigma dos estudos de mobilidade social e desigualdades raciais, identificado por Osório (2008), podemos notar a presença de uma nova onda teórica, protagonizada por pesquisadores e pesquisadoras negros e antirracistas. Entre os temas recorrentes desta nova onda teórica, podemos citar a própria problematização da branquitude, o resgate e importância de intelectuais negros/as, o feminismo negro, as ações afirmativas, a representação política negra, o encarceramento e o genocídio da juventude negra, entre outros temas. Em muitos desses estudos, podemos identificar um questionamento do funcionamento dos mecanismos reprodutores das desigualdades raciais, nos quais o silêncio sobre a hegemonia da branquitude é engrenagem fundamental.

A partir da perspectiva da “relação”, pretendemos chamar a atenção, neste artigo, para a complementariedade entre negro-tema e branquitude, por um lado, e, por outro, a emergência de posicionamentos críticos trazidos pelo negro-vida.

Nossa hipótese é que a inédita emergência em massa do negro-vida no contexto universitário, como um ato de resistência e ressignificação da vida negra, faz parte da resistência negra dentro dos projetos de racialização da modernidade. Todavia, enquanto um posicionamento crítico coletivo, essa nova emergência do negro-vida no campo acadêmico começa seu novo impulso a partir da rearticulação do movimento negro nos estertores da Ditadura Militar, em debate e, frequentemente, em confronto com uma academia dominada pela branquitude, diante de um processo de metamorfose de militantes negros em negros intelectuais, como aponta Santos (2011). Iniciativas como o Genocídio do Negro Brasileiro (NASCIMENTO, 2016) dedicam significativos trechos a combater concepções brancocêntricas sobre o negro, enquanto outras, como Lugar de Negro (GONZÁLEZ; HASENBALG, 1982), exemplificam, além das tensões, as alianças possíveis engendradas entre o protesto negro e a emergência de novos paradigmas no âmbito das Ciências Sociais, como os estudos de mobilidade e desigualdade racial.

Um ponto de relevo desse novo impulso de políticas públicas oriundas da reflexão intelectual do movimento negro está em meados da década de 1980, com as discussões sobre a criminalização constitucional do racismo, à exemplo da Convenção Nacional do Negro pela Constituinte, em 1986. Essa convenção também anteciparia reivindicações no âmbito educacional, tema histórico nas reivindicações do movimento negro e que viria a ganhar vigor no debate sobre as ações afirmativas que passa a ocorrer de maneira mais intensa a partir deste novo milênio3 (SANTOS, 2005).

O conjunto de transformações localizadas na Constituinte de 1988 até o presente significa uma virada tão importante no campo dos estudos das “relações” raciais quanto a formação da ideologia da democracia racial, feita nos finais do século XIX (AZEVEDO, 1996), e assume a formatação mais difundida no campo das Ciências Sociais, adotada como discurso oficial do Estado a partir dos anos 1930, a partir do elogio à miscigenação como prova dessa harmonia e outros argumentos presentes nos escritos de Gilberto Freyre (1992) e outros, como aponta e critica Nascimento (2016). Apesar dos retrocessos e contratempos, a emergência de uma agenda do movimento negro no último quartel do século passado até o presente colocaram em xeque o confinamento racial do mundo acadêmico branco. Ao longo deste artigo, essa hipótese será qualificada e, depois, confrontada com evidências empíricas.

O presente artigo tem por objetivo desenvolver uma reflexão sobre a tensão desencadeada pela introdução do negro-vida e a tematização da branquitude. Para tanto, nos baseamos num trabalho empírico sobre a vigência das ações afirmativas em três faculdades de direito do país, as Faculdades de Direito da Universidade Federal da Bahia, da Universidade de Brasília e da Universidade de São Paulo. No estudo que desenvolvemos com os docentes daquelas faculdades, propomos uma interpretação baseada nas ideias de “patologia social do branco brasileiro” e da neurose cultural do “racismo por denegação”, visando a, por um lado, expor uma engrenagem que consideramos crucial nos mecanismos atuais de reprodução da desigualdade, a branquitude; e, por outro lado, visando a descortinar a emergência de uma nova perspectiva trazida por pesquisadores e pesquisadoras antirracistas e negros/as, que identificamos como negro-vida.

Para tanto, além desta introdução, este texto possui mais cinco seções. Na próxima seção, descrevemos algumas dimensões metodológicas da pesquisa empírica que embasou este artigo. A partir das entrevistas realizadas com docentes das Faculdades de Direito da UFBA, UnB e USP e das transformações do corpo discente trazidas pela política de ações afirmativas, discutimos, na terceira seção, a emergência coletiva do negro-vida e o questionamento do confinamento racial branco. Na quarta seção, sinalizamos a importância das ações afirmativas adotadas na virada do milênio para se pensar o negro desde o negro, bem como o Brasil desde o negro. Na quinta seção, discutimos o que nomeamos como a “nova patologia social”, que é o ocultamento da branquitude por trás da roupagem do universalismo como um mecanismo de reprodução da desigualdade racial. Por fim, são apresentadas as considerações finais muito mais no sentido de um convite ao diálogo e de uma abertura a novos temas trazidos pelo negro-vida e o questionamento do branco-tema. Obviamente, essas transformações não ocorrerão sem tensões, todavia, estas são reconhecidas como necessárias a uma profunda reinvenção da universidade e país a fim de superarmos as desigualdades raciais.

Metodologia

Realizamos, entre 2016 e 2019, 29 entrevistas semiestruturadas com docentes das Faculdades de Direito da Universidade Federal da Bahia, da Universidade de Brasília e da Universidade de São Paulo4. Num processo de amostragem intencional, a fim de reproduzir a heterogeneidade do corpo docente daquelas Faculdades, buscou-se ativamente a maior variação possível de áreas de ensino e de atuação profissional, faixa etária, sexo, raça/cor5.

Foram entrevistados 19 docentes homens e 10 docentes mulheres, reproduzindo a proporção encontrada, em levantamento próprio, de, no mínimo, dois terços de docentes homens nas três instituições. Do ponto de vista de raça/cor, utilizando um critério misto de classificação6, registrou-se, nas entrevistas, 21 pessoas brancas e 8 pessoas pretas e pardas; muitas destas últimas se apresentam – o que foi validado por levantamento e observação realizadas ao longo da pesquisa – como alguns dos únicos docentes negros das instituições pesquisadas. Cabe registrar também que foram entrevistados docentes das mais variadas áreas do Direito, como Administrativo, Ambiental, Civil, Constitucional, Empresarial, Internacional, Penal e Trabalho, bem como Introdução, Pesquisa, História, Filosofia e Sociologia do Direito; também foram entrevistados membros de diversas carreiras jurídicas: advocacia privada e pública, ministério público, magistratura, atuação em diversos ramos do Poder Executivo e Legislativo, assessoria jurídica popular e, ainda, docentes que dedicavam-se exclusivamente ao trabalho acadêmico.

Desta maneira, fica evidente que a pesquisa logrou êxito em investigar diversos perfis profissionais e acadêmicos presentes na realidade das escolas públicas brasileiras de Direito, onde, a despeito da variedade, predomina um perfil de docentes que se dedicam paralelamente às carreiras jurídicas, majoritariamente brancos e homens, com consequências que serão discutidas mais adiante. Com o uso dos procedimentos metodológicos acima apresentados e a seleção intencional de casos (instituições e docentes) com características diferentes para enriquecer a comparação, avaliamos haver a possibilidade de generalização analítica – mas não estatística – das conclusões elaboradas, indicando ao leitor a utilidade dos conceitos aqui discutidos para analisar outros casos7.

Três pontos específicos das entrevistas – que cobriram um espectro mais amplo de questões – serão ressaltados ao longo do trabalho. Em primeiro lugar, os discursos acerca da sua própria identidade racial, sobre as desigualdades raciais, e, por fim, sobre as tensões no cenário pós-implementação de políticas de ações afirmativas.

O trabalho de campo compreendeu também, como técnica de apoio às entrevistas, a observação direta. Foram feitas visitas interessadas às Faculdades estudadas antes, durante e depois do processo de entrevista, com a frequência regular às aulas dos mais diversos semestres e temas, buscando o preparo necessário para o trabalho empírico e, também, o enriquecimento da discussão dos resultados. Por fim, cabe ressaltar que foi mantido um contato igualmente frequente, regular e interessado com estudantes, que, com diferentes graus de ciência da sua condição de colaboradores da pesquisa, contribuíram decisivamente com pistas que, investigadas, renderam material relevante para a pesquisa.

Negro-vida, branco-tema: conflitos, silêncios incômodos e integração numa universidade em transformação

Já nos anos de 1950 e 1960, Alberto Guerreiro Ramos empreende uma dura crítica em seu Introdução Crítica à Sociologia Brasileira (1995) à sociologia praticada no Brasil. Ele aponta a insistência de uma academia de maioria esmagadoramente branca em tematizar o negro brasileiro de maneira a quase folclorizá-lo, criando um “negro-tema” estanque, tratado como problema, a partir de categorias estrangeiras e europeias, totalmente desligado do “negro-vida”, que é “algo que não se deixa imobilizar; é despistador, proteico, multiforme, do qual, na verdade, não se pode dar versão definitiva, pois é hoje o que não era ontem e será amanhã o que não é hoje” (RAMOS, 1995, p. 215).

Carvalho (2005) nos ajuda a remontar como essa exclusão foi construída, talvez, propositalmente, nos trazendo exemplos de intelectuais negros que permaneceram alijados dos espaços de prestígio, de produção e amplificação das ideias que são as universidades – a começar pelo próprio Guerreiro Ramos. Para ele, o confinamento racial das universidades brasileiras não é ocasional e, diante do debate acerca das ações afirmativas, tornou-se impossível de esconder ou ser secundarizado. Não deve ser à toa que, como aponta Campos (2008), as polêmicas públicas acerca desse tema desencadearam “imposturas” de todo o tipo entre intelectuais brasileiros, expondo as vísceras de uma tensão racial que permanecia no subterrâneo da academia brasileira até então.

Porém, o ciclo de transformações na comunidade universitária brasileira, em geral, foi arrasador neste sentido: a introdução do negro-vida como elemento central na vida universitária nacional foi sem precedentes a partir da virada do milênio. E, como aponta a professora Francisca8,

[...] mudar o perfil do estudante é você mudar tudo na universidade, você mudar que... que você é provocado dentro da sala de aula, qual é a discussão do tema de pesquisa, o que os estudantes se preocupam pra criar um projeto de extensão, né, isso traz novas demandas, traz novos olhares que antes a gente não via.

O tipo de relato feito por Francisca é bastante frequente entre os docentes entrevistados e, de fato, é possível afirmar que há uma percepção generalizada de mudança no perfil do estudante: ao ser perguntado sobre o tema, Luis9 fala em uma “grande mudança” e Thereza10 especifica que se trata de “ingressos de pessoas que em tese jamais teriam acesso à universidade” sem as ações afirmativas; Ernesto11 elogia que “houve um enriquecimento muito grande para a universidade, né, porque você diversificou o quadro [de estudantes] da universidade”, em contraponto ao descrito por João12, para quem antes “era só playboy, bicho, aqui era só... entendeu? Galera classe média.”. Mesmo no caso da USP, a mudança percebida é radical; diz Bernardo13 que:

Só pra você ver, eu tava te falando, até 5 anos atrás, praticamente não havia aluno pardo, usando os termos e... e... pardo e negro. Então, de repente num ano uns 20% da turma era pardo e negro, era visual, cê... cê entendeu o aspecto? É porque não havia antes, não é nem questão de eu estar sendo preconceituoso, é que simplesmente a mudança de cara nas classes nesses últimos anos foi muito... foi visual. Eu... eu... eu tô aqui na São Francisco desde 1994, eu sei exatamente como é que era a cara da São Francisco, é visual o negócio.

Mesmo em casos em que o docente manifesta reservas ou contrariedade à política de cotas ou em que, ao ser perguntado diretamente, busca evitar fazer afirmações sobre o perfil dos estudantes – em especial sobre os beneficiários das políticas de cotas – ao longo das narrativas sobre sua vivência cotidiana como professor, esse fato acaba sendo exposto de maneira indireta ou, em alguns casos, diretamente, contradizendo a afirmação feita quando a provocação sobre o tema é mais explícita. É o caso de Thereza, que diz que identificar os cotistas seria um exercício de preconceito, mas, ao mesmo tempo, também afirma, sobre a presença de estudantes negros antes e depois das cotas, que “aumentou por exemplo a quantidade. Muitíssimo. Isso ai é uma coisa visível, antes pra você encontrar uma pessoa negra aqui na faculdade era a coisa mais difícil do mundo”. Há uma dissonância cognitiva que não é simples de resolver: se era difícil vê-los antes, e agora é comum, por que reconhecer negros e cotistas seria um exercício de preconceito? É uma dificuldade de se posicionar, por exemplo, que Cândido não encontra; perguntado se identifica cotistas e não-cotistas, ele é firme:

Claro! <com ênfase> Quase sempre. O principal elemento distintivo é o fenotípico, né? Óbvio que você nunca pode ter certeza absoluta, mas é evidente: pra quem foi professor da faculdade de direito num momento em que a cada 200 ingressantes você tinha 1 ou 2 negros, você se depara numa sala de 40 alunos com vinte negros, a probabilidade, a quase certeza de que eles são integrantes desse universo cotista salta aos olhos. Então, acho que esse é um primeiro elemento muito forte para o Direito. Fenotipicamente, a maioria dos professores, sobretudo aqueles que estão há muito tempo na universidade, tem sim condição de discernir, quase sempre com acerto, quem é cotista e quem não é cotista.

Também o professor Maurício14 ressalta a mudança de características fenotípicas nas turmas como evidência do impacto das cotas. Refletindo o fato de serem de grupos sociais que historicamente acessam a universidade sem precisar de políticas inclusivas como as que, a seu ver, mudaram a cara das turmas:

[...] é bastante diferente o visual da turma, você consegue ver os alunos negros... antigamente, se você se esforçasse, no meio de cem, achava um. Hoje em dia, já é uma coisa mais normal, você vê uma diversidade sem que você tenha que fazer um esforço pra procurar [e também afirma, sobre os não-cotistas] que são majoritariamente brancos e de classe média [tipicamente uma] pessoa mimada [que] não tem a devida noção do privilégio que é de tá numa universidade pública.

Os dados disponíveis, aliás, corroboram essa percepção de mudança no corpo estudantil. Na rede federal de ensino, por exemplo, a Lei de Cotas, em 2016, garantia que 53% das vagas, ou 129 mil das 245 mil vagas, fossem reservadas para estudantes de escola pública, negros e indígenas, contra 21,6% em 2012, antes da Lei (EURÍSTENES; FERES JÚNIOR; CAMPOS, 2016). A reserva de vagas é uma etapa fundamental, mas torna-se necessário também verificar se a ocupação destas vagas efetivamente ocorre e se esta significa, estatisticamente, mudanças no perfil discente tais como percebidas pelos docentes entrevistados.

Na UFBA, por exemplo, percebe-se um aumento significativo da participação de pretos e pardos entre os selecionados no vestibular a partir das cotas aprovadas em 200415, em especial dos autodeclarados pretos, que atingem 22% do total em 2012. O corte mais social que racial do modelo da universidade é sentido no perfil da renda dos ingressantes: as faixas acima de cinco salários mínimos diminuem, de 2004 a 2012, de 83,4% para 53,8%, enquanto os estratos de até 5 salários mínimos sobem de 16,6% para 46,2%. Em Direito, especificamente, o segmento de até 3 salários mínimos sobe de 1,7% – quase ausente – para 28,1%, quase um terço, mesmo antes das cotas econômicas serem adotadas com a Lei de 2012. Cabe ressaltar que às cotas se somam a criação de cursos noturnos e a expansão de vagas, muito acentuadas a partir de 2012 (SANTOS, 2013; DAFLON; FERES JÚNIOR; MORATELLI, 2014). A UnB tem impactos comparáveis, como é possível verificar na literatura (VELLOSO, 2009; ARAÚJO, 2013; GARCIA; JESUS, 2015)16.

Já no caso da USP, a última universidade brasileira a adotar as políticas de cotas, há menos condições de medir os impactos das cotas. Apenas em 2016, a USP adere parcialmente ao Sistema de Seleção Unificado (SiSu), inicialmente para 13,5% das vagas, havendo cotas sociais com recorte racial dentre essas; só em 2018, o Conselho Universitário aprova por ampla maioria um sistema similar ao da Lei de Cotas (FERREIRA, 2018; BRITO, 2019; SILVA, 2021)17. A política vem para substituir um modelo utilizado anteriormente e alvo de críticas pela sua menor efetividade, o sistema de bônus, onde os estudantes de determinado público-alvo recebem um acréscimo nas suas notas. Já nas primeiras turmas, acompanhadas in loco no desenvolvimento desta pesquisa, já há uma percepção de que um outro perfil de estudante foi introduzido, tanto por parte dos próprios alunos quanto por parte de docentes, como no caso de Bernardo, que relatava que à época “os professores de terceiro, quarto e quinto [semestres] ainda não sentiram isso, mas eu que sou do primeiro, eu já senti essa mudança, eu sinto de uma forma mais imediata a mudança, a mudança é nítida.” Ainda que não seja possível ter visões idealizadas a partir desse processo, é preciso considerar que a inédita entrada massiva do negro-vida na universidade amplifica as fissuras pelas quais se realiza a proposta legada por Guerreiro Ramos de pensar o negro desde o negro. E, neste sentido, as tensões são positivas, pois desvelam questões que antes ficavam represadas.

Embora não tenha se realizado a catástrofe predita pelos intelectuais contrários às cotas – o aumento dos conflitos raciais, por exemplo (CAMPOS, 2008) –, há sim o que aponta o professor Cândido18 ao dizer que:

[...] há uma tensão que não se resolve [conta ele que, sendo negro e professor, não raro é acusado, pelos corredores, de perseguir alunos brancos; e daí afirma que] nunca apresentaram, e até gostaria que apresentassem, um documento formal [pois] o debate sobre as relações raciais ganha quando ele é explícito. Então, eu prefiro ser acusado formalmente e consequentemente ter uma oportunidade pública de um debate esclarecedor.

Por outro lado, a similaridade com a experiência de Benedito19 demonstra como essa tensão transborda para as carreiras jurídicas: ele narra um episódio em que sua condição de advogado foi questionada num evento da Ordem dos Advogados do Brasil que ocorria numa casa legislativa, o que o leva a dizer que a experiência do negro no mundo jurídico “é do não lugar, [...] como aquele lugar [...] que você não participa porque não lhe pertence”.

Assim, há um conjunto de tensões, muitas delas não-pronunciadas, com a entrada massiva do negro-vida na universidade; elas parecem decorrer menos de um estímulo à racialização por parte do desenho da política, e mais pelos conflitos que a branquitude tem diante desse processo. Parece inadequado culpabilizar os incluídos pelo ressentimento daqueles que sempre ocuparam o espaço da universidade.

A “tensão que não se resolve”, como descreve o professor Cândido, e que se materializa por uma acusação explícita ou insinuada de perseguir os alunos brancos, configura-se como uma das dimensões daquilo que Bento (2002) chama de pacto narcísico da brancura, um desconforto gerado pela perda de privilégios e pelo fato de o estudante não estar ganhando todos os bens materiais e simbólicos envolvidos no ingresso e na trajetória universitária. O simples fato de estudantes negros serem deslocados dos locais tradicionalmente subalternos ocupados é suficiente para gerar uma “tensão” naqueles que achavam que as universidades eram exclusivamente deles.

Muitos dos achados das pesquisas de Cicaló (2012), que realizou uma etnografia numa turma de Direito da UERJ e percebeu tensões relacionadas à raça e à classe dentro da turma, demarcando até o lugar de sentar de cada grupo, ou de Santana (2009) e Jaime (2016), relativos aos sofrimentos dos negros em ascensão e das suas estratégias de superação de barreiras raciais – incluídos aí dinâmicas de conflito e negociação –, acabam por ser evidenciados novamente pelas entrevistas dos docentes, tanto por relatos críticos quanto por suas próprias posições sobre o assunto. É o que conta Francisca:

Foi um relato que uma aluna daqui de direito, essa é do meu grupo, e ela é de direito, e ela tava contando que no primeiro dia de aula, aqui em direito tem essa tradição de trote, e uma das brincadeiras do trote era pedir pra os calouros virem com a farda da escola pra faculdade né, tipo assim, pra sacanear os calouros, todo mundo de roupa e eles de farda de escola. E ela disse que ficou muito “p” porque ela não consegue imaginar como as pessoas que propuseram aquela brincadeira não imaginaram o efeito que aquilo ia gerar na sala de aula, e aí ela disse que no outro dia, que assim, quem não tivesse com farda da escola ia ser pintado, e todo mundo não queria passar por isso, no outro dia tinha 70% da sala com a farda do Anchieta, do Colégio São Paulo, do colégio sei lá qual que é, popzinho aí da classe média soteropolitana, e 30% da sala escondidinha no fundo, né, meio constrangida com a farda de colégio público, e assim... Como que aquilo foi uma brincadeira que demarcava muito bem de onde você vem, né, e porque vocês não vão se misturar, e aí minha aluna contou isso pra mim assim eu fiquei pensando assim... “p”, que coisa forte, e essa vivência ser marcada no primeiro dia de aula, então a brincadeira era uma forma de marcar, quem é quem aqui desde o primeiro dia de aula, e isso foi uma coisa que me tocou bastante como que talvez essa experiência das cotas estejam sendo vivenciadas entre os estudantes.

Em sentido complementar ao relato oferecido por Francisca, e evidenciando conflitos de natureza mais explícita, é possível recuperar também o que conta o professor Cândido. Envolvido com a militância por igualdade racial, o docente não raro acaba sendo procurado por estudantes que se sentem prejudicados pelo racismo institucional ou mesmo por casos explícitos de discriminação por parte de outros docentes. No caso específico, o entrevistado relata uma tentativa de, durante a integração das primeiras turmas após as cotas, houve a tentativa de impor um trote humilhante aos alunos vistos, pelos veteranos, como indignos de cursar Direito na “egrégia” Faculdade de Direito. Diz ele que isso não é incomum, pelo contrário:

É recorrente isso, absolutamente recorrente em Direito. Desde um primeiro momento, quando nós lutávamos pelas cotas e um grupo de estudantes organizado na forma de... de um núcleo político que lançava e lança até o hoje chapas para concorrer às representações estudantis, e que anunciou que faria um trote desonroso aos primeiros cotistas que ingressassem na «Egrégia» Faculdade de Direito, e nós mandamos recado dizendo que se isso se desenvolvesse... ia ter porrada. Por que a gente ia reagir em defesa desses estudantes, além deles próprios, evidentemente, se auto-defendendo, inclusive com a disposição para o confronto físico, por que... seria intolerável. Uma coisa é emitir uma opinião desfavorável às cotas. Isso é possível debater, embora me pareça uma opinião absurdamente equivocada do ponto de vista político, mas é absolutamente razoável no espaço democrático que alguém que seja contra opine, apresente sua hipótese, dispute a proposta de rejeição das cotas. Ora, uma vez aprovado pelo Conselho Universitário, uma vez transformado numa política da universidade, admitir que um grupo, qualquer que seja ele, impusesse uma humilhação aos primeiros estudantes negros que ingressassem por cotas seria um fim do mundo. Isso... Nesse caso houve recuo, não se manteve. A pessoa que articulava isso era um estudante que se reivindicava inclusive nazista, e fazia questão de declarar-se defensor, com reparos, das teses do nacional-socialismo, que não está mais na faculdade, pelo tempo, mas que deixou, digamos assim, herdeiros, ahn? Então existe um núcleo articulado que toda oportunidade que tem, debocha e tenta produzir uma desqualificação à política e aos beneficiários da política.

Tais relatos de trotes são apenas dois dos exemplos cotejados nas entrevistas de tensões abertas. Embora não sejam raras, elas, não obstante, constituem a minoria dos relatos cotejados. Casos como esses são fundamentais para um conjunto de reflexões, mas aqui eles ajudam a perceber como é difícil aceitar acriticamente os argumentos apresentados em sentido contrário – o de que a universidade seria um espaço livre de casos explícitos de racismo, ou de que as tensões raciais seriam advindas dos próprios estudantes negros e negras ou cotistas. Ainda assim, é possível afirmar que a maior parte dos relatos tenta, em diversos momentos, se manter em linha com estes últimos argumentos, e aponta silêncios e pistas, que são apenas compreendidos com o apoio de outros métodos. Os professores Miguel e José20 fazem questão de ressaltar: “a aula é igual para todos”. Miguel ainda diz: preparadas sobre “esquemas baseados nos melhores livros”, numa atitude que tem uma aparência igualitarista, similar à fala de Ives21, que afirma categoricamente que “ficaria surpreso e lamentaria” se soubesse que os estudantes não se integram sem distinções de raça e classe. Já José chega a dizer que “eu sou contra esse negócio, por exemplo, se você tem valor... <pausa> valor, digamos meritório acadêmico, você não precisa botar sua cor no meio, não precisa”.

Tais falas contrastam de maneira flagrante com relatos de outros docentes, como a afirmação, com certo tom de indignação, de Ulisses22 de que “não acho que cegueira seja política pública conveniente pra nada!”. E contrastam até com afirmações deles mesmos: Ives, por exemplo, ao ser perguntado se os docentes deveriam levar em conta as diferenças entre cotistas e não-cotistas, já muda de ângulo, dizendo que “eu confesso que não levo. Mas eles devem ter que levar. Tem que levar. Tem que ser levado em conta”. Essa posição indica um reconhecimento de demandas emergentes por mudanças na prática docente, mas que não são consideradas pelo professor.

Eduardo23 pondera que a aula não é igual para todos, ao relatar que:

[...] tem gente que não tem dinheiro pra um livro, nada..., [e ele por isso abre sua biblioteca pessoal para os alunos, mas ressalta] já tive aluno [que disse] ‘professor, tô sem dinheiro pra pegar um ônibus, pra ir lhe ver na justiça... porque o vale que eu tenho é pra vim pra faculdade’, entendeu? E ai eu pego e dou a ele o material, mando por email, agora, bicho, é difícil....

O último exemplo vem de Luís e demonstra o interesse por temas diferentes a partir do ingresso do negro-vida. Durante a entrevista, ele dá, como lembrança, uma cópia de uma cartilha, em forma de história em quadrinhos, sobre a tributação de terreiros de Candomblé. Ele conta que “eles são do movimento negro, negócio de terreiro de candomblé, e fizeram uma cartilha. E eles apresentaram, o pessoal... uma reação tranquila. Eles apresentaram na sala, né, falando sobre os equívocos da prefeitura”. Uma das alunas do grupo, porém, encontrou enormes dificuldades para ser orientada na área de Direito Tributário, quando escolheu desenvolver um trabalho sobre a tributação de terreiros de candomblé. Enquanto nos conflitos explícitos percebe-se docentes dispostos a dizer que “vai ter porrada”, nessas nuances mais delicadas é comum que estudantes acabem ficando pelo caminho das prioridades intelectuais, supostamente neutras, que, ao fim e ao cabo, reproduzem o racismo epistêmico ao colocar problemas detectados como “de negro” no fim da fila, prejudicando reflexões acadêmicas relevantes, válidas e emergentes num contexto de transformação do perfil do corpo discente.

Se a inserção do negro-vida implica em novas tensões, conflitos e demandas, a tematização do branco também não passa despercebida. Desde elementos mais subjetivos – como perceber que a postura corporal dos docentes por vezes mudava quando o tema da entrevista, conduzida por um pesquisador negro, se inclinava para as questões raciais, levando a frases mais elaboradas, gagueiras, pausas para reflexão antes das respostas – até o próprio conteúdo das respostas quando eram diretamente questionados sobre sua branquitude.

A começar pela autodeclaração. Alguns docentes marcaram “outro” ou “pardo” na ficha de autoclassificação, mas ao longo da entrevista acabam por referir-se a si mesmos como brancos. Em outros casos, docentes brancos tentam ressaltar experiências de racismo sofridas por eles: Eduardo, pela sua condição de nordestino estudando em São Paulo, na adolescência, perdeu o nome e virou “Baiano”, uma classificação que, como nos mostra Guimarães (1995), é derivada de categorias raciais; ou Thereza, que relata ter sido parada na porta de um restaurante nos Estados Unidos, mesmo bem-vestida, e ser interpelada sobre sua condição de pagar os preços do cardápio. O exemplo mais bem-acabado é do professor Miguel, que recorre ao argumento de que tem uma avó “índia” para justificar sua opção pela classificação como “outro”, e vai além no raciocínio, ao afirmar que dividir as pessoas entre brancos e negros é “venenoso”.

Não deixa de ser muito forte as diferenças na reflexão acerca das dificuldades enfrentadas em suas trajetórias. É comum que docentes negros e negras repitam argumentos como o de Virgínia24, que coloca o racismo e o sexismo como principais barreiras na sua trajetória, atribuindo à “educação familiar antirracista um peso relevante na superação delas, enquanto docentes brancos como Augusto25 veja como maior dificuldade a necessidade de muita dedicação aos estudos, atribuindo ao seu amor aos estudos a principal vantagem que desfrutou ao longo de sua carreira.

Ainda assim, a maioria dos docentes brancos reage de maneira bastante veemente à possibilidade de ter sua branquitude associada a qualquer forma de privilégio ou facilidade. É o caso de Ives, que assevera sem titubear:

Um homem branco é apenas um homem que tem que lutar pela vida. [Ele reconhece haver um lado que significa possibilidades e vantagens nas desigualdades, mas prossegue] considero que não tive nenhuma, a não ser, acho que a minha própria família veio a construir, entendeu? Mas, pra mim significa apenas um cara que tem que [...] lutar pra levar comida pra casa. Matar um leão todo dia.

A contradição aparente entre dizer que não teve vantagens, a não ser as que a sua família construiu, exemplifica a ausência de reflexão sobre o racismo estrutural como um fator crucial na hierarquização da sociedade; é uma fala explícita num contexto de não-fala, de silenciamento da questão das vantagens obtidas dentro da hierarquia racial.

Há, claro, exceções. Paulo26, por exemplo, conta que em todas as seleções que disputou, concorreu com mulheres, negros ou mulheres negras, e sempre passou em primeiro. Ao longo da entrevista, ele ataca a ideia de mérito, “não dá pra falar de justiça social com mérito”, e meritocracia, “a meritocracia é o oposto da democracia”, o que faz sua conclusão da resposta ser muito significativa tanto pelo conteúdo como pela forma com que foi expressa: “Não vou tirar meu mérito. Mas, por outro lado... <pausa, fala baixo:> ...né?”. Já Roberto27 utiliza um exemplo do cotidiano, de fora da universidade: “eu tô na fila e vou visitar um paciente do hospital e na fila tem uma pessoa negra, o guarda chega e diz pro negro, mas você não tá vendo aí que o dia de visita é quinta-feira e hoje é quarta? Tira ele da fila, mas não me tirou”, uma situação que para ele evidencia não apenas a discriminação racial contra o negro, mas o seu próprio privilégio racial.

A tematização da branquitude parece ser difícil para os entrevistados, mesmo entre aqueles que têm uma visão crítica sobre a questão racial. Ser categorizado como branco, para alguns entrevistados, parecia representar uma redução inaceitável de suas histórias de vida. Há os que se recusam a ser um “branco-tema” – o que é uma posição justa, já que ninguém merece ser tratado como objeto ou, pior ainda, como algo estanque, vazio de significados, essencializado num rótulo atribuído por alguém. Como, aliás, é o que ocorre diuturnamente com a população negra no âmbito acadêmico.

Aqui, porém, a tematização não é só um aprisionamento: é a possibilidade de um reexame crítico de si mesmo; seguindo um pensamento fanoniano (FANON, 2008), o ato de tirar as máscaras brancas para revelar o que há por debaixo delas, ainda que sejam peles brancas! Lembremos que ao escrever Pele Negra, Máscaras Brancas, Fanon (2008) pretendia tanto libertar o negro de sua suposta inferioridade quanto o branco da sua suposta superioridade, ambos escravos de uma sociedade neurótica. Não por acaso, os docentes brancos que buscam refletir criticamente sobre sua condição racial, em geral, declaram se alinhar, ainda que de maneira menos elaborada, a posições sobre a questão racial que são formuladas com riqueza pelos docentes negros que refletem também criticamente sobre o tema.

Mas é muito mais que isso: eles recusam que sua branquitude seja tematizada de qualquer forma; o branco-vida parece determinado, neste contexto peculiar, a reivindicar-se mestiço, “com um pé na cozinha”, como disse iconicamente o então candidato à Presidência da República em 1994, Fernando Henrique Cardoso, conhecido sociólogo afeito a discussões dessa natureza (NERI, 1994). Ou, ainda, mesmo quando a condição racial de branco é inescapável, um tipo de argumento aflora: o racismo afeta negativamente os negros, mas não garante nenhum privilégio em especial para os brancos, ou, pelo menos, “pra mim não!”. Tais comportamentos são documentados de maneira importante nas opiniões de estudantes e professores universitários sobre a desigualdade e sobre sua própria condição racial em diversos estudos, em especial quando há um diálogo do entrevistado branco com interlocutores identificados como negros (BRITO, 2017, 2019; BARRETO, 2008; RIBEIRO, 2014; PINHEIRO, 2010; PASSOS, 2015; NERY; COSTA, 2009; MENIN et al, 2008; LABORNE, 2014).

Ora, que papel cumpre essa negação? A introdução paulatina da agenda política do negro-vida no debate público brasileiro, marcada por seguidos sucessos nos fins do século XX e início do XXI, em especial a entrada em massa de estudantes de baixa renda e negros nas universidades e a moderna tematização do racismo como fenômeno estrutural, desafiou irresistivelmente o lugar de fala da branquitude acadêmica? A que serve a resposta pela negação? Como ela se constituiu? Em contraste à documentada patologia social do branco brasileiro, de Guerreiro Ramos, que quer a todo momento afastar-se da mestiçagem de seu povo, afastar-se da negrura, a seu ver, degenerante, num gesto de protesto à própria identidade racial, como se interpreta, de maneira integrada à discussão vigente sobre o racismo, esse tipo de posição?

Essas são as questões levantadas em trabalhos já citados, mas, destacam-se aqui as contribuições de Sovik (2004) e Lélia González (1988), onde o racismo e a branquitude são apontados, de maneiras diferentes, como fenômenos que se fortalecem enquanto negam sua própria existência. Para usar as palavras de González (1988), trata-se de uma neurose cultural, um racismo por denegação, que ganha com esse disfarce em plena vista. Com as evidências trazidas acima, nossa intenção é estimular este debate e fortalecer esse enquadramento enquanto chave explicativa do comportamento de brancos diante da questão racial.

A Virada do Milênio: as ações afirmativas como marco de uma transição no pensamento racial

Como temos assinalado ao construir nossa hipótese inicial, essas descrições e visões de mundo que observamos nas três Faculdades de Direito exemplificam um tensionamento positivo que passa a ocorrer no âmbito da produção do conhecimento. O chamado confinamento branco passa a sofrer questionamentos a partir das estratégias adotadas pelo movimento negro desde o último quartel do século XX. Há impactos sérios na forma cotidiana de se enxergar a questão racial brasileira a partir das vitórias seguidas do movimento negro desde a sua rearticulação nos estertores da Ditadura Militar (PEREIRA, 2005; SANTOS, 2011), em especial, das políticas públicas resultantes delas. Há uma verdadeira virada quando da chegada do terceiro milênio: a criminalização constitucional do racismo em 1988; o reconhecimento oficial do racismo do Estado Brasileiro em 1995; a Conferência de Durban, suas etapas preliminares e sua Declaração, em 2001; o debate sobre a adoção de ações afirmativas nas universidades públicas, a partir deste período até a implementação das Leis de Cotas no Ensino Superior, em 2012, e nos Concursos Públicos, em 2014 etc.

Esse conjunto de mudanças reposiciona o debate sobre a questão racial na medida em que tensiona, desestabiliza e atinge o calcanhar de aquiles da posição formulada a partir dos anos 30, que caracterizava o Brasil como um paraíso racial. E, ao mesmo tempo, coloca em pauta, por um lado, a discussão sobre quais medidas seriam cabíveis para a mitigação das desigualdades raciais e, por outro lado, coloca em pauta, de uma maneira meio envergonhada, a defesa das hierarquias raciais por parte daqueles que sentem seus privilégios ameaçados.

A adoção de ações afirmativas é um marco definitivo desse reposicionamento, sobretudo porque conta com amplo apoio da sociedade brasileira, como documentado por pesquisas de opinião (QUEIROZ; SANTOS, 2006), e também porque tem tido sucesso em termos de promover o ingresso de um sem número de jovens negros e pobres no ensino superior. A batalha política que então se desenha tem a ver com o seguinte dilema, tal qual colocado por Fraser (2006): essas iniciativas terão caráter afirmativo e pontual ou se farão parte de um programa transformativo mais amplo?

O professor Cândido expressa sua preocupação com isso, ao afirmar que, embora haja uma ampliação na base de recrutamento das universidades, estas permanecem contando apenas com “bolsões de resistência [num ambiente hegemonizado por um] elitismo que se traduz tanto numa concepção epistemológica monocultural, eurocêntrica, liberal, quanto numa atitude organizacional que dá vazão a essa mentalidade”.

De uma maneira diferente, Olívia28 registra argumentos no mesmo sentido, jogando nuances sobre o que significa aderir aos benefícios dessa instituição, ao afirmar que:

[...] quanto mais diploma, mais branquinho você fica. Se eu chegar num lugar e ninguém souber que eu sou a professora, doutora, coordenadora não sei do que mais, as pessoas falam comigo como falam com uma empregada doméstica, entendeu? Mas quanto mais diploma, mais você embranquece.

Em que pese a real preocupação de nossos entrevistados, entendemos que ainda não temos elementos empíricos para responder de maneira categórica o dilema acima. Em verdade, as ações afirmativas poderão ter um caráter afirmativo e pontual ou poderão ter um caráter transformativo. O curso e impacto das políticas e ação afirmativa a longo prazo dependerá muito do quanto elas estarão articuladas com alternativas políticas possíveis de futuro. Se as ações afirmativas forem capturadas e colonizadas por um discurso liberal pró-mercado, ela poderá simplesmente se adequar a uma política de representação liberal conservadora, cujo resultado será uma política de diversidade do mercado de trabalho e uma diversificação da elite política, econômica e cultural do país. Ora, diante da história de exclusão racial da sociedade brasileira, este não é um resultado desprezível. Porém, uma alternativa política possível de futuro pode ser constituída a partir da radicalização do negro-vida. Muito além de uma diversificação liberal conservadora pró-mercado, podemos construir um horizonte contra-hegemônico e decolonial de construção de universidade e sociedade.

Os estudantes negros – e podemos acrescentar indígenas e quilombolas – estão trazendo para o interior das universidades não somente uma corporalidade que até há pouco tempo estava ausente, mas estão trazendo novas experiências de vida que os auxiliam a problematizar e inovar a política do conhecimento, o que pode ser interpretado também como um desafio posto às universidades em geral – e às tão importantes faculdades de direito em particular – de dialogar com um Brasil até pouco tempo invisibilizado (BERNARDINO-COSTA; BORGES, 2021; BERNARDINO-COSTA et al., 2016).

As alternativas políticas possíveis de futuro estão em aberto. O êxito de um projeto político para além de uma lógica pró-mercado dependerá de alguns fatores, que extrapolam o mundo acadêmico. No que concerne à vida universitária, este êxito dependerá do quanto a comunidade acadêmica antirracista e negra se mobilizará e se articulará para enfrentar o racismo e a branquitude e também dependerá do quanto estas transformações estarão articuladas com outras políticas, como, por exemplo, ações afirmativas na pós-graduação e na carreira docente, transformações curriculares, etc.29

As ações afirmativas podem significar não apenas uma mobilidade social de novas gerações de jovens negros – o que já é uma grande realização – mas podem significar também o surgimento de uma nova interpretação da vida, do país e do futuro. A entrada coletiva de estudantes negros nas universidades públicas significa em toda a sua positividade uma nova corporalidade no ambiente universitário. Uma nova corporalidade que traz consigo uma outra experiência de vida, novas temáticas e novas perguntas para o desenvolvimento do conhecimento. Uma das facetas desta novidade no mundo acadêmico é o reconhecimento da inscrição histórico e corporal da branquitude, que até então tinha se pensado como universal.

A identificação da branquitude como particular, da mesma forma como o negro-vida, o indigenismo-vida, o quilombismo-vida é um ganho em termos cognitivos, uma vez que o reconhecimento da parcialidade de cada uma destas perspectivas do conhecimento pode proporcionar oportunidade de uma fertilização cruzada do conhecimento. Porém, para que esta transformação no âmbito da produção do conhecimento ocorra é fundamental a perda do privilégio da branquitude, o que muitas vezes não ocorre sem tensão e receio.

Neste sentido, identificar a branquitude num cenário onde há o reconhecimento do aspecto estrutural e sistemático do racismo significa explicitar um centro importante de combate ao racismo, na medida em que este exige posicionamentos e redistribuição de recursos alocados prioritariamente às redes de pesquisa compostas majoritariamente por pessoas brancas. A recorrência da “fraude branca” nas políticas afirmativas no âmbito da graduação, pós-graduação e concursos para a carreira pública é um exemplo autoevidente do papel que a branquitude e a atualização do mito da democracia racial e dos discursos sobre a mestiçagem jogam na oposição não apenas discursiva, mas também através da tentativa de sabotagem consciente de posições e políticas públicas antirracistas (RODRIGUES, 2022; BATISTA; FIGUEIREDO, 2020; MARQUES, 2019; SANTOS, 2021).

Assim, gostaríamos de registrar a constatação da existência de um argumento, mesmo inconscientemente, em favor da manutenção das hierarquias raciais, identificado entre aqueles entrevistados contrários ou reticentes à política de ação afirmativa. A negação da branquitude, além de ser parte de um processo de padronização racial do mundo como aponta Bento (2002), passa a ser não apenas um recurso passivo de preservação silenciosa de privilégios como também uma arma ativa de combate à inclusão. Renegar o inevitável debate sobre a condição racial branca não apenas da academia brasileira, como também da política, da justiça, da mídia, etc., é sonegar a possibilidade de um debate franco acerca das desigualdades e injustiças, e das formas de eliminá-las, seguindo o raciocínio do racismo por denegação descrito por Lélia González (1988).

Essa transformação se daria na medida em que o contexto do debate sobre a questão racial no Brasil muda de qualidade, não apenas a partir da atuação política do movimento negro, como também dos movimentos estruturais que causaram a ascensão socioeconômica de inúmeros indivíduos e famílias negras ao longo do início do século XXI30, inclusive com o acesso à educação sendo importante motor desse processo (PAIXÃO et al., 2010). Assim, há uma verdadeira virada do milênio na discussão sobre as desigualdades raciais e as questões sociais a ela associadas, que requalificam as posições sobre a branquitude em determinados espaços sociais como a universidade.

A nova “Patologia Social”: o ocultamento da branquitude como mecanismo de reprodução da desigualdade

Não é razoável partir do pressuposto de que há um esforço coordenado e centralizado de construção de todos esses argumentos, baseados na ocultação da branquitude, como forma de combater os avanços em políticas públicas de combate à desigualdade. Enquanto é verdadeiro que a posição política e acadêmica que realça e reforça a ideia de democracia racial continue tendo importantes núcleos de formulação e divulgação, além do surgimento de novas formas de atuação política abertamente racista – e estudar sua atuação tem um valor próprio – o que aqui nos interessa é compreender como essas posições acabam por se traduzir no comportamento cotidiano de indivíduos que reforçam este ocultamento da branquitude como um mecanismo de reprodução da desigualdade.

A ideia aqui é de que há – quando conveniente – uma inversão dos polos da patologia social constatada por Guerreiro Ramos. Portanto, não se trata de protestar contra uma identidade racial que nunca se iguala à do branco europeu, e sim de percorrer o caminho oposto, para chegar aos mesmos resultados, como proposto por González (1988) e Sovik (2004). Porém, aqui, não há um valor tão destacado em categorias psicologizantes (“patologia”, “neurose”): trata-se de identificar uma estratégia, mais ou menos consciente, de por-se fora do caminho das posições políticas antirracistas, sem prejuízo de seguir buscando, e aproximar-se do padrão branco euroamericano, a fim, inclusive, de buscar aceitação nesses meios estrangeiros.

Autodescrever-se como universal e não beneficiado pelos privilégios da brancura pode parecer muito razoável a um docente branco que se vê matando um leão por dia. Mas, em escala, este comportamento cristaliza posições na medida em que se torna inviável discutir não apenas como os negros são mantidos na base da pirâmide, mas também como os brancos logram permanecer no topo. A branquitude não-enunciada tem um efeito tão deletério quanto o desprezo à negritude tão bem documentado por Ramos (1995).

Focalizar as histórias de vida, as opiniões e comportamentos de pessoas brancas que ascenderam às posições de prestígio a partir desse enquadramento peculiar é uma tarefa relevante para lançar luz nos elementos coletivos das estratégias de ascensão pessoal utilizadas. Decerto, não serão estratégias deste tipo que garantirão uma mitigação efetiva e real das desigualdades.

Como aponta Santana (2009), mesmo aqueles negros que conseguiram furar o bloqueio da desigualdade social e assumir postos bem-remunerados e de prestígio, através de processos de mobilidade isolada, acabam por enfrentar em seu cotidiano situações tão difíceis que, por vezes, o bem-estar e a felicidade lhes escapa pelos dedos, sendo tragados por uma maré de sentimentos de culpa, frustração, raiva e tristeza. Uma maré que não é produto de uma essência psíquica própria aos negros, mas sim cicatrizes de uma ascensão social que encontra no racismo um formidável oponente, que, mesmo derrotado, fere; e depois, quando a ferida parece prestes a fechar, ressurge para cutucá-la e lembrar que a dor do sujeito que é racializado não sumirá enquanto ele não deixar de sê-lo.

Assim, entender que interessa menos promover a ascensão isolada de pessoas negras e mais entender como um grupo bem determinado se mantém confinado nos espaços de poder, para patrocinar um processo de ascensão coletiva e inclusiva, que não apenas diversifique a base de recrutamento de uma instituição – digamos, a universidade, mas sim a transforme para servir aos interesses das grandes maiorias excluídas, significa necessariamente mexer em uma das engrenagens mais bem protegidas dos mecanismos de reprodução da desigualdade racial. Sem, com isso, querer crer que haja qualquer necessidade de combate individual sistemático às pessoas brancas: pelo contrário, focalizar a branquitude significa trazê-las ao debate, retirá-las do limbo de uma patologia social, de uma neurose cultural ou, como diz Fanon (2008), dos grilhões que prendem tanto o colonizado quanto o colonizador – tanto o branco como o negro – em arquétipos pré-definidos e desumanizadores. O rompimento do confinamento racial branco, sem dúvida, poderá ter efeitos positivos para toda a sociedade.

Nem tanto uma Conclusão

Com este artigo não pretendemos concluir, e sim abrir mais espaço ao debate. À luz da formação histórica brasileira e das recentes transformações estruturais e ideológicas no que tange à questão racial, é preciso reposicionar as armas da crítica a fim de manejar de maneira eficiente conceitos e ações que visem à desconstruir a desigualdade que é funcional à excludente sociedade moderna brasileira.

Algumas questões pairam no debate e começam a tomar forma quando da aprovação das ações afirmativas. Uma delas é que o privilégio racial atenta contra os direitos; estes não podem sobreviver sob a sombra daqueles. Assim, a questão do racismo não é apenas uma questão de exclusão e é inócuo discuti-la sem trazer à baila seu antípoda, seu espelho, seu oposto complementar, que é justamente o conjunto de facilidades que se vende àqueles que aceitam a posição do branco – inclusive, aí incluída a doutrina do branqueamento, que coopta e negocia identidades raciais.

Trata-se de acoplar à teoria das desvantagens cumulativas uma teoria das vantagens cumulativas, que tem a branquitude como um eixo fundamental, para compreender o sistema como um todo. Esconder essa contraparte, como nos ensinou Lélia González (1988), fortalece por demais seus beneficiários e, talvez, por isso que, conscientemente ou não, estes não refletem sobre ela ou acham o tema incômodo.

Com a entrada massiva do negro-vida nas universidades brasileiras, pelo menos nelas há uma chance histórica de tematizar as questões relativas às desigualdades e não apenas pensar o negro desde o negro, mas também pensar o branco desde o negro, pensar o Brasil desde o negro. Se o negro é povo no Brasil31, então logo se deduz que se nos equiparmos com as armas da crítica, ao invés de nos adequarmos às instituições onde chegamos (como a universidades, por exemplo), e se fizermos um esforço para adequá-las às necessidades mais prementes de desmontar as piores desigualdades, estaremos caminhando em direção a cumprir uma das tarefas mais importantes para a construção em que negros e brancos possam estar livres de estereótipos, essencializações e simplificações. Em seu lugar, podemos estabelecer novos parâmetros para o estudo da realidade social para além de qualquer “patologia social”.

Isso não será possível sem tensões. A mera entrada de novos sujeitos na universidade, como demonstrado, já é motivo suficiente para fazer emergir tensões subterrâneas. Ter uma posição radical crítica e autocrítica das instituições universitárias, com o fim de contribuir com uma posição igualmente radical crítica e autocrítica da sociedade brasileira, colocando, inclusive, o foco naqueles sujeitos que sempre tiveram o domínio sobre o processo de reflexão sobre o Brasil e seu povo, necessariamente trará outras tensões. Mas este é um passo necessário e desejável para uma reinvenção profunda, não só da universidade, como de todo o país, onde se poderá observar de maneira mais precisa, fundamentada e crítica como se formou a desigualdade social e racial brasileira, e como será possível enfrentá-la e superá-la.

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Notas

1 “Há o tema do negro e há a vida do negro. Como tema, o negro tem sido, entre nós, objeto de escalpelação perpetrada por literatos e pelos chamados ‘antropólogos’ e ‘sociólogos’. Como vida ou realidade efetiva, o negro vem assumindo o seu destino, vem se fazendo a si próprio, segundo lhe tem permitido as condições particulares da sociedade brasileira. Mas uma coisa é o negro-tema; outra, o negro-vida. O negro-tema é uma coisa examinada, olhada, vista, ora como ser mumificado, ora como ser curioso, ou de qualquer modo, como um risco, um traço da realidade nacional que chama a atenção. O negro-vida é, entretanto, algo que não se deixa imobilizar; é despistador, protéico, multiforme, do qual, na verdade, não se pode dar versão definitiva, pois é hoje o que não era ontem e será amanhã o que não é hoje. Mal formuladas as retratações verbais do negro no Brasil, elas já estão caducas ou já se revelam falsas, porque o negro-vida é como o rio de que fala Heráclito, em que não se entra duas vezes.” (RAMOS, 1995, p. 171).
2 O negro-vida disputou o espaço acadêmico no Brasil desde muito antes, tendo nomes estelares como Clóvis Moura, Lélia González, Abdias do Nascimento, Beatriz Nascimento e o próprio Guerreiro Ramos como bons exemplos. O que chamamos a atenção não é uma mudança de qualidade do negro no espaço acadêmico; é o fato de que, com a implementação das cotas, a presença desse segmento da população no ensino superior atinge patamares inéditos e isso tem implicações também qualitativas, como veremos.
3 Para que não reste dúvidas, estamos falando aqui de uma transformação coletiva no interior da academia, produto direto das políticas de ações afirmativas. Isto não significa que a emergência do negro-vida não tenha se dado no âmbito dos movimentos sociais e da sociedade civil anteriormente e, tampouco, não significa que a experiência do negro-vida, enquanto uma experiência individual, não tenha se dado no âmbito acadêmico em outros momentos.
4 Especificamente, foram realizadas 11 entrevistas com docentes da UFBA, 10 entrevistas com docentes da UnB e 8 entrevistas com docentes da USP. Neste trabalho, cita-se diretamente a entrevista de 8 docentes da UFBA, 6 docentes da UnB e 5 docentes da USP; com essas, já foi possível trazer dados suficientes para a construção do quadro conceitual aqui discutido com amplitude. Manteve-se a opção de evitar ao máximo identificar a universidade à qual o docente está vinculado para cumprir o compromisso de anonimato feito pelo pesquisador no ato da entrevista. Sendo instituições que contam, juntas, com poucas centenas de professores, e menos de uma dezena de docentes declaradamente negros, manifestar o vínculo acadêmico dos nossos sujeitos de pesquisa aumentaria o risco de violação do anonimato.
5 As entrevistas na Universidade Federal da Bahia datam de 2016; as da Universidade de Brasília, de 2018; as da Universidade de São Paulo, de 2019. O fato de a primeira ter desde 2005 o ingresso de estudantes a partir de critério de escola pública e racial, a segunda ter desde 2004 cotas raciais sem recorte de classe (tipo de escola) e depois, por força da lei 12.711/2012, um modelo que combina proxy de classe (tipo de escola e renda) e raça, e a terceira ter assumido apenas em 2017 cotas no mesmo modelo da lei federal não significa uma incomparabilidade das amostras nessas instituições. Pelo contrário, as diferentes trajetórias das ações afirmativas nessas universidades permitem identificar não apenas as diferenças que elas provocam nas percepções dos docentes, mas também as convergências que ocorrem a despeito delas, como argumentado em Brito (2019). Tal comparação, feita com cuidado, enriquece a análise aqui empreendida.
6 Foram três etapas para a classificação dos docentes: no ato da entrevista, o entrevistador assinalava na ficha a heteroclassificação, sem o docente ver; ato contínuo, o docente declarava sua condição, por critério de autoclassificação. Em caso de divergência entre a auto e heteroclassificação declaradas no início da entrevista, levou-se em conta como o docente se descrevia nas perguntas realizadas durante a entrevista. A autopercepção racial dos docentes, aliás, tornaria-se mais detidamente objeto de análise em Brito (2019).
7 O debate sobre a utilidade da generalização analítica a partir de estudos de caso é discutida com qualidade por Alves-Mazzuti (2006). Seguindo suas proposições, acreditamos que a lógica da amostragem é a maneira mais usual da generalização, mas esta também pode ser feita através da replicação, ou seja, da definição de resultados esperados similares ou distintos em vários estudos de caso, viabilizando uma generalização analítica a partir dos resultados encontrados. Isso implica que, ainda que não haja a produção de uma afirmação estatística, há proposições teóricas que podem ser esperadas ou não de acordo com as características dos casos a serem futuramente observados.
8 Nome fictício. Professora autodeclarada branca.
9 Nome fictício. Professor branco.
10 Nome fictício. Professora branca.
11 Nome fictício. Professor branco.
12 Nome fictício. Professor branco.
13 Nome fictício. Professor branco.
14 Nome fictício. Professor branco.
15 A Universidade Federal da Bahia adotou, com a Resolução 01/2004, a reserva de 43% das vagas de cada curso para estudantes de escola pública, dos quais 85% obrigatoriamente pretos ou pardos, além de 2% das vagas para autodeclarados índio-descendentes que estudaram em escola pública, e 2 vagas extras para indígenas aldeados. Com a Lei de Cotas de 2012, a universidade aderiu integralmente ao modelo da Lei Federal.
16 A Universidade de Brasília adotou, em 2003, o Plano de Metas para a Integração Social, Étnica e Racial da Universidade de Brasília, que implementa 20% de reserva de vagas para autodeclarados negros, sem o modelo misto de cota social (escola pública) e racial. Com a Lei de Cotas de 2012, a UnB manteve uma cota racial de 5% além das categorias estabelecidas pela legislação.
17 A Universidade de São Paulo adotou, pela Resolução 7373/2017 aprovada em seus conselhos, um programa de ações afirmativas visando a reserva de 50% das vagas para candidatos oriundos de escolas públicas, com 37,5% das vagas reservadas para estudantes pretos, pardos e indígenas. O programa substitui um sistema de bonificação nas notas dos candidatos de escola pública, pretos, pardos e indígenas, que existia anteriormente e era considerado insuficiente por ser muito menos efetivo que a reserva de vagas.
18 Nome fictício. Professor negro.
19 Nome fictício. Professor negro.
20 Nomes fictícios. Estes professores marcaram “outro” na autodeclaração de raça/cor. Utilizando elementos do discurso sobre suas identidades raciais na entrevista e também heteroclassificação, foi possível categorizar Miguel, que alegava marcar outro por ter avó índia, como branco; e José, que se descreveu como “moreno”, como pardo ou como branco.
21 Nome fictício. Professor branco.
22 Nome fictício. Professor branco.
23 Nome fictício. Professor branco.
24 Nome fictício. Professora negra.
25 Nome fictício. Professor branco.
26 Nome fictício. Professor branco.
27 Nome fictício. Professor branco.
28 Nome fictício. Professora negra.
29 Outras dimensões fundamentais para a construção e efetivação de uma alternativa política possível de futuro passa por transformações estruturais na economia, política e sociedade. Urge reativarmos e retomarmos nossos diálogos sobre o futuro para fazermos frente a escassez de projetos políticos que estamos vivendo nos últimos anos. Porém, este é um tópico para outros artigos.
30 As políticas públicas de fortalecimento da rede de proteção social, como o Programa Bolsa Família, a valorização do salário mínimo e a geração de empregos, em especial na primeira década do século XXI, ocorreram em paralelo com os avanços na implementação de ações afirmativas. Deve-se considerar essas políticas num conjunto, na medida em que há sinergia entre seus efeitos.
31 Campos (2015) recupera essa formulação de Guerreiro Ramos, propondo uma síntese coerente, à época, da reivindicação positiva da negritude como um caminho para estabelecer uma democracia racial efetiva, e não mitológica. As formulações da época, que não são objeto deste trabalho, fornecem interessantes caminhos de enfrentamento ao racismo no contexto brasileiro, onde se incensa os mitos da escravidão benigna e da democracia racial.
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