Apresentação
A revista Sociedade e Cultura publica nesta edição o dossiê “Representação na América Latina: eleições, marcadores sociais e moralidades em disputa”, reunindo trabalhos que tratam da representação política na região e dos desafios que a cercam, sobretudo em relação à atuação de grupos sub-representados na política, ao debate de temas do seu interesse e ao avanço da desinformação e da intolerância.
No artigo inaugural do dossiê, “A ascensão de Dilma Rousseff e Michelle Bachelet na presidência da República: trajetórias, significados e desafios”, Neiva Furlin reconstitui os percursos das duas ex-presidentas, que foram as primeiras mulheres a governar Brasil e Chile, respectivamente, desde a trajetória prévia às suas eleições para a presidência até o exercício dos mandatos. A autora também avalia o peso que demandas feministas tiveram na definição de políticas públicas ao longo dos governos de Rousseff e Bachelet e como as ex-presidentas lidavam com o desafio de ser mulher em um cargo historicamente ocupado por homens. Para Furlin, as trajetórias de Rousseff e Bachelet têm pontos em comum, embora os contextos prévios às suas ascensões ao poder sejam distintos. No exercício do governo, a autora considera que ambas mantiveram um compromisso com a agenda feminista.
No artigo seguinte, “Disputas sobre gênero e sexualidade: o papel de parlamentares progressistas na Câmara dos Deputados no Brasil”, Rayani Mariano dos Santos analisa a atuação de legisladoras/es comprometidos com a defesa de direitos na tramitação de dois projetos de lei na câmara baixa do Legislativo brasileiro que são ilustrativos da disputa em torno da agenda conservadora que se instaurou no país. A autora identifica parlamentares que tiveram participação ativa na tentativa de barrar a aprovação desses projetos, conhecidos como Estatuto da Família e Escola sem Partido. Por meio de discursos e expedientes regimentais, as tramitações foram postergadas, mas isso não seria suficiente para evitar que o Estatuto da Família acabasse sendo votado e aprovado em 2015.
Com o artigo “Eleições governamentais e combate a fake news no Brasil”, Magnus Luiz Emmendoerfer, Nayara Gonçalves Lauriano e Lusvanio Carlos Teixeira abordam o cenário de difusão de desinformação durante a campanha para as eleições brasileiras de 2018. As/os autores analisam a atuação do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) nas redes sociais para esclarecer informações falsas e comentários postados aos esclarecimentos da instância eleitoral. A conclusão do estudo é que essas iniciativas oficiais são insuficientes para alterar a percepção de quem acaba por ser influenciado por informações falsas.
Situado no campo de estudos de um mecanismo convencional de representação política, o artigo “Análise de narrativas e experiências de jovens fliados a partidos políticos”, de Antonio Teixeira de Barros, lança luz sobre as motivações da filiação partidária de jovens que tendem a rechaçar esse canal de expressão política, por meio da coleta e da análise de depoimentos pessoais. Entre os aspectos citados nos depoimentos, o autor destaca o aprendizado político, a convivência e o que define como “espírito de broderagem” para explicar a participação de jovens em partidos no Brasil.
A etapa seguinte à oficialização dos resultados da eleição presidencial de 2018 no Brasil, com a posse do eleito, também foi tema de um artigo do dossiê. Em “Contra ‘ideologias nefastas’: moralidades e cidadania à brasileira na cerimônia de posse presidencial de Jair Messias Bolsonaro”, Carla Costa Teixeira e Gabriel Calil Maia Tardelli se debruçam sobre o discurso de posse do presidente eleito, interrompendo uma alternância de 24 anos entre governantes do Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB) e do Partido dos Trabalhadores (PT). Para as/os autores, o discurso de Bolsonaro teve descontinuidades e continuidades em relação aos proferidos pelas/os representantes dos dois partidos citados que o antecederam. Como descontinuidade, Teixeira e Tardelli destacam a ausência do tema dos direitos humanos, e como continuidade, a ideia de que, em vez de universais, direitos são privilégios no processo de construção da cidadania no país.
Um espaço de representação política menos usual nos países latino-americanos é o tema do artigo “Representantes ciudadanos de los partidos: nuevas legitimidades en contextos no equivalentes”, de Héctor Manuel Gutiérrez Magaña. O objeto de estudo do autor é o que define como Organismos Cidadãos de Regulação (OCR). Segundo ele, são órgãos que, se por um lado fundamentam sua legitimidade em oposição à das/os representantes eleitos, por outro, necessitam de vínculos com partidos políticos para o reconhecimento da sua autoridade. Gutiérrez Magaña baseia essa conclusão na observação do organismo eleitoral do México e de agências de controle da corrupção no Equador.
Por fim, em “Do - and why - people interact with politicians on social media? Evidences from Brazilian state level elections”, Márcio Carlomagno, Sérgio Braga e Alzira Ester Angeli analisam as campanhas em redes sociais de candidatas/os a governador no Brasil e concluem que a atividade foi intensa e que ser competitiva/o e ter citações na imprensa convencional são fatores preditivos da atenção recebida por cada postulante.
Desse modo, o dossiê reúne trabalhos das Ciências Sociais que, a partir de distintas abordagens teórico-metodológicas e recortes empíricos, apresentam discussões densas sobre a representação política e social no Brasil e na América Latina. Trata-se de um conjunto robusto de pesquisas que colaboram para discussões atuais sobre conflitos a respeito de questões que tratam do tema da representação política, bem como refletem criticamente sobre o Estado, seus modos de regulação, enquadramentos e coproduções, articulando tais processos a distintos marcadores sociais de diferença e às moralidades em disputa produzidas a partir deles. Por fim, trazem subsídios para os debates e estratégias sobre a participação política na América Latina.