Artigos

Recepción: 15 Enero 2021
Aprobación: 15 Abril 2021
DOI: https://doi.org/10.54580/R0301.12
Resumo: A recomendação de isolamento social provocada pela pandemia da COVID-19 ocasionou um contexto sem precedentes para as gerações contemporâneas. Em decorrência da alta transmissibilidade do vírus, foi estabelecida uma restrição às atividades sociais, comerciais e industriais como medida preventiva para frear o contágio da doença. Tais medidas causaram implicações em parâmetros ambientais, como na demanda de energia e na emissão de gases estufa na atmosfera. O objetivo deste estudo foi verificar se o contexto atípico de suspensão de atividades exerceu influência nas condições meteorológicas das capitais mais afetadas do Brasil no ano de 2020 em comparação a anos em que não houve isolamento social, dos quais foram selecionadas séries temporais de Temperatura e humidade referentes a um período de 30 anos (1990–2020). Os dados foram submetidos a análises de Correlação Linear entre as variáveis e taxas de Isolamento Social, assim como a uma Análise de Cluster Hierárquica para identificar se o ano de 2020 apresentou comportamento atípico em relação aos demais anos analisados. Os resultados demonstraram que o impacto causado pelo isolamento social e pela suspensão das atividades sociais, comerciais e industriais não influenciou o comportamento climático do ano de 2020, em comparação ao recorte temporal de 30 anos.
Palavras-chave: COVID-19, Isolamento Social, Mudanças Climáticas, Temperatura do ar, Séries temporais.
Abstract: The social distancing recommendation caused by the COVID-19 pandemic lead to an unprecedented situation for contemporary generations. Due to the high infection rate of the virus, authorities established restrictions for social, commercial and industrial activities in order to decelerate the disease. Such measures had implications on environmental parameters like energy demand and the Green House Gas emissions on the atmosphere. The goal of this study was to investigate whether the atypical ambience caused by the suspension of the human activities had influence on the meteorological conditions in Brazil’s most affected cities in the year 2020, in comparison to the previous years that had no social distancing strategies, in which we selected Temperature and Humidity time series referring to a 30-year period (1990-2020). The data was analyzed through a Linear Correlation between variables and social distancing indexes and a Cluster Hierarchical Analyses to identify whether 2020 had atypical performance when compared to the other previous years. The results demonstrated that the impact caused by the social distancing measures and the suspension of the social, commercial and industrial activities did not impact the climatic conditions in 2020 when compared to the 30-year time frame.
Keywords: COVID-19, Social distancing, Climate change, Air temperature, Time series.
Resumen: La recomendación del aislamiento social provocado por la pandemia de COVID-19 provocó un contexto sin precedentes para las generaciones contemporáneas. Debido a la alta transmisibilidad del virus, se estableció una restricción a las actividades sociales, comerciales e industriales como medida preventiva para frenar el contagio de la enfermedad. Estas medidas han tenido implicaciones para parámetros ambientales, como la demanda de energía y la emisión de gases de efecto invernadero a la atmósfera. El objetivo de este estudio fue verificar si el contexto atípico de suspensión de actividades influyó en las condiciones climáticas de las capitales más afectadas de Brasil en 2020 en comparación con años en los que no hubo aislamiento social, a partir de los cuales se seleccionaron series temporales de Temperatura y Humedad. refiriéndose a un período de 30 años (1990-2020). Los datos fueron sometidos a análisis de Correlación Lineal entre las variables y tasas de Aislamiento Social, así como a un Análisis de Conglomerados Jerárquicos para identificar si el año 2020 presentó un comportamiento atípico en relación al resto de años analizados. Los resultados mostraron que el impacto causado por el aislamiento social y la suspensión de las actividades sociales, comerciales e industriales no influyó en el comportamiento climático de 2020, en comparación con el marco temporal de 30 años.
Palabras clave: COVID-19, Aislamiento social, Cambios climáticos, Temperatura del aire, Series de tiempo.
INTRODUÇÃO
A doença do Coronavírus (SARS-Cov-2), denominada COVID-19, manifestou- se como o cenário de maior surto de contágio já experimentado pelo mundo contemporâneo. A doença foi declarada como estado de pandemia no dia 11 de março de 2020 (WHO., 2020b) e alcançou mais de cinco milhões de casos confirmados globalmente no mês de maio (WHO, 2020a). Trata-se de uma síndrome respiratória que desenvolve sintomas que, em parte, se assemelham aos da gripe comum e que em 80% dos casos não necessita de tratamento hospitalar, mas que pode também se manifestar de maneira mais grave em determinadas situações (WHO, 2020c). A doença manifesta uma taxa de mortalidade global de 6,2%, podendo variar de acordo com cada país e faixa etária populacional (WHO, 2020a).
O cenário criado pela COVID-19 mostrou-se sem precedentes no que diz respeito às formas de contágio da doença, acarretando, assim, a criação de medidas estabilizadoras com o objetivo de controlar ao máximo possível a disseminação do vírus e suas consequentes complicações. Em decorrência da situação de pandemia ser recente e por não haver evidência de protocolos específicos de tratamento, medicação ou vacina preventiva para a doença do Covid-19 até o momento (WHO, 2020c), as determinações para contenção da doença têm sido feitas com base na diminuição da quantidade e velocidade de contágio do vírus. Nicola e outros (2020) apontam que, pelo fato de o vírus se disseminar pelo ar, a interação humana deve ser limitada para prevenir a amplificação da transmissão e que, quando houver interação, deve haver o uso de equipamentos de proteção pessoal. Nessas circunstâncias, a estratégia de contenção da pandemia focou-se no isolamento social humano para controlar a circulação do vírus. Na China país em que foi reportado o primeiro caso da doença as cidades que implementaram medidas de restrição total relataram aproximadamente 37% menos casos confirmados da doença em comparação às que não implementaram (Nicola e outros, 2020). Paital e Parida (2020) relatam que medidas de isolamento social podem ainda: 1) prevenir a sobrecarga do sistema de saúde; 2) restringir a contaminação comunitária em massa e; 3) permitir melhor tratamento médico às pessoas infectadas. Sendo assim, o isolamento social foi declarado pelas principais instituições de saúde do mundo como a principal medida preventiva para o controle da COVID-19.
Dessa forma, observa-se que, em decorrência das medidas de prevenção terem sido estabelecidas de acordo com a prioridade da saúde pública, até o momento, o impacto indireto do contexto pandêmico no meio ambiente foi pouco analisado (Zambrano-Monserrate e outros, 2020). Sendo assim, o presente estudo visa verificar as implicações ambientais ocorridas a partir da suspensão das atividades sociais, comerciais e industriais provocadas pela recomendação do isolamento social. O estudo foca, à vista disso, uma análise das condições climáticas por meio de dados meteorológicos de temperatura e umidade das cinco cidades mais afetadas do país, levando em consideração o fator do isolamento social e, por conseguinte, se tal fator exerceu alguma mudança nas variáveis de temperatura e umidade das cidades analisadas. A análise é feita sob duas perspectivas: a histórica que considera dados climáticos de um recorte temporal de 30 anos em comparação ao ano de 2020 , e a mais curto prazo, que considera um recorte temporal, de aproximadamente dois meses, referente apenas ao ano de 2020 e ao período de isolamento social.
Isolamento Social e o Meio Ambiente
O cenário de isolamento social, por ser estabelecido com base em necessidades da saúde, abre precedente para que seja analisada a interferência desse no meio ambiente do planeta (Zambrano-Monserrate e outros, 2020), uma vez que manifesta um contexto social jamais visto no mundo contemporâneo.
A Organização das Nações Unidas (UN, 2019), anteriormente à condição de pandemia, apontou 2020 como um importante marco para o alcance dos objetivos estabelecidos no Acordo de Paris sobre o Clima de 2016 e, a partir da conjuntura pandêmica, é possível analisar comportamentos inéditos da população global e verificar que a redução da dominância humana no meio ambiente pode resultar em mudanças climáticas drásticas (Paital, 2020).
À vista disso, além do impacto imediato na saúde pública, a crise atual tem implicações significantes nas economias, na demanda de energia e nas emissões de gases estufa. O relatório da Agência Internacional de Energia (IEA, 2020), por exemplo, relata que o efeito da COVID-19 na demanda de energia global pode mostrar-se sete vezes maior do que o da crise econômica de 2008, em razão do cenário de vários meses de restrição da mobilidade e da atividade econômica e social. Paital (2020), por outro lado, aponta que a população de países em que o surto de contágio já completou 100 dias vem experimentando uma renovação ambiental no que diz respeito à poluição do ar e corpos de água e à fauna e flora nos arredores das cidades mais afetadas.
As restrições de trânsito e as medidas de quarentena impostas pela China primeiro epicentro da doença geraram alterações na quantidade de Dióxido de Nitrogênio (NO2) e Material Particulado (MP) na atmosfera do país, especialmente na região de Wuhan (cidade onde os primeiros casos foram registrados), o que posteriormente se repetiu em cidades como Roma, Madri e Paris, que foram as primeiras regiões europeias a estabelecerem quarentena restrita e a manifestarem também reduções significativas (Zambrano-Monserrate e outros, 2020). Wang e Su (2020) assinalam que a redução da poluição atmosférica na China se iniciou pela região de Wuhan e espalhou-se pelo país conforme as cidades implementaram medidas restritas de isolamento, mostrando que há uma correlação próxima entre as atividades econômicas e as restrições de mobilidade e a demanda para consumo de energia no país.
No que diz respeito à redução de emissão de gases estufa, estima-se que globalmente haja uma diminuição de 8% (2.6 giga toneladas) nas emissões o que equivale aos níveis de emissão de dez anos antes. No entanto, é importante destacar que essa redução em curto prazo exerce pouca influência se comparada à concentração total acumulada na atmosfera nas últimas décadas, de forma que tal diminuição precisaria se manter em longo prazo para que o dano já causado possa ser considerado reversível (UN, 2019). No entanto, ainda que em curto prazo, tal redução na atual situação de crise passa a ser considerada um ponto de partida para o estabelecimento de estratégias futuras, uma vez que se estima que com o fim das medidas restritivas de isolamento social e com o retorno das atividades econômicas dos países, as emissões de gases estufa tornem a aumentar e talvez, inclusive, ultrapassem os valores pré-pandemia (UN, 2019; Wang, 2020; Zambrano-Monserrate e outros, 2020).
Outros exemplos são que a demanda de eletricidade global foi reduzida entre 5% a 10% e alcançou 20% nos países que adotaram medidas de lockdown rigoroso; a demanda por carvão, em comparação ao primeiro bimestre de 2019, reduziu em 8% e impactou especialmente a China, que tem o carvão como base de energia. Ademais, outras reduções podem ainda ser identificadas, como a demanda de petróleo e gás, que são impactadas principalmente pelo impacto no fluxo de automóveis e das indústrias (IEA, 2020).
Nesse sentido, o relatório da Agência Internacional de Energia assinala que, a partir de tais impactos, uma alternativa para alterações futuras sustentáveis e duradouras no cenário pós-pandemia é a da utilização de energias renováveis a qual se estima que a demanda vá aumentar em razão do seu baixo custo de operação.
Apesar dos efeitos positivos, o cenário de isolamento social mostrou-se também desvantajoso em alguns aspectos específicos indiretos. Zambrano- Monserrate e outros (2020) assinalam que a crise na saúde, por exemplo, aumentou a produção e o descarte inapropriado dos equipamentos de proteção individual tais quais máscaras e luvas e a produção de lixo hospitalar que, na cidade de Wuhan, mostrou-se cinco vezes maior do que no mesmo período em anos anteriores. Os autores apontam também que as políticas de quarentena incentivam os consumidores a aumentarem o percentual de compras on-line e de serviços de entrega de comida, o que aumenta a quantidade de lixo produzido e que esse lixo tem sido descartado de maneira imprópria, assim como não tem sido destinado à reciclagem ou à reutilização. Ademais, alguns estabelecimentos comerciais tais quais mercados e farmácias desencorajaram a utilização de sacolas e recipientes reutilizáveis, uma vez que sua utilização é fator de risco para disseminação da doença, aumentando, dessa forma, a utilização de sacolas plásticas descartáveis.
Nota-se, portanto, que o cenário de pandemia exerceu influência sobre diversos aspectos que envolvem o cotidiano humano do planeta, assim como o seu meio ambiente, em especial o contexto das medidas restritivas de isolamento recomendadas pelas instituições de saúde. Dessa forma, reconhecer os impactos causados por tal cenário no planeta permite o questionamento se as medidas de isolamento podem ainda ter impactado as condições climáticas e o comportamento meteorológico nas cidades afetadas de alguma forma.
Ações Antropogênicas no Meio Ambiente
A reflexão referente aos impactos citados provocados pela suspensão das atividades humanas durante a pandemia da COVID-19 e da certa reabilitação ambiental que vem sendo identificada em algumas localidades abrange a temática sobre o cenário ambiental pré-pandemia e qual a interferência da ação humana sobre ele. Isto é, verificar que a suspensão das atividades humanas (principalmente comerciais e industriais) causou tais impactos positivos durante o período de isolamento permite a discussão sobre qual é o papel dessas mesmas atividades no meio ambiente, quando em operação.
Com a mudança climática identificada no planeta, a influência humana vem sendo apontada como contribuidora significante no aumento de temperatura continental e sua "pegada" foi detectada no aquecimento de todos os continentes (Christidis e outros, 2011a). No entanto, Trenberth (2012) aponta que pode ser equivocado indicar a interferência humana como causadora principal das mudanças climáticas terrestres, pois o planeta possui uma vasta variabilidade climática natural. Portanto, as mudanças decorrentes de ações antropogênicas podem ser difíceis de ser detectadas ou separadas da variabilidade natural já existente. Dessa forma, ainda que seja detectada mudança climática significativa, o clima terrestre está, na maioria das vezes, dentre limites previsíveis de variabilidade natural, porém o agrupamento de extremos ainda pode ocorrer quando a variabilidade natural cria anomalias que seguem a mesma tendência do aquecimento global (Trenberth, 2012). Nessa perspectiva, Fischer e Knutti (2015) assinalam ainda que é problemático quantificar a contribuição humana para a mudança climática a partir de um único evento por haver imprecisão observacional considerável na intensidade exata do evento. Ainda assim, o Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC, 2007) aponta que a mudança climática é persistente e tende a crescer e que, ao menos no que diz respeito à emissão de gases estufa, as mudanças na composição atmosférica decorrentes das atividades humanas podem ser consideradas sua causa primordial (IPCC-TGICA, 2007).
Nessa perspectiva, tais mudanças são mais prováveis de serem percebidas por meio de novas margens de referência meteorológicas isto é, em mudanças nos extremos climáticos que se manifestam em chuvas mais fortes e secas mais intensas (Trenberth, 2012). A questão a ser discutida é se tais mudanças se encontram nas margens da variabilidade natural ou se são fruto da influência humana: extremos já são previstos, mas certos extremos relacionados ao aquecimento global estão se tornando mais evidentes (Trenberth, 2012). Christidis e outros (2011a) corroboram quando apontam que a ocorrência de extremos meteorológicos deve ficar mais severa e que isso pode resultar em impactos econômicos e estresse na saúde humana caso
não haja esforço para adaptação. Fischer e Knutti (2014) afirmam que a intensidade média global de extremos frios e quentes aumentou significativamente nas últimas décadas, assim como os valores diários de temperatura mínima e máxima. Porém, os autores indicam que tais tendências não são significantes quando considerado um período de cinco décadas devido à alta variabilidade climática natural, mas que tais tendências vêm mostrando-se mais frequentes do que é esperado da variabilidade normal. Os autores assinalam que, atualmente, parte dos extremos de precipitação e temperatura ocorre devido ao aquecimento do planeta, e que, por conseguinte, pode ser atribuído à influência antropogênica.
É possível, portanto, correlacionar as atividades antropogênicas às mudanças climáticas do planeta, a exemplo do derretimento das calotas polares que contribuem para a incidência de extremos meteorológicos (Trenberth, 2012) e a maior frequência e intensidade de fenômenos como El Niño e La Niña. Sendo assim, a distribuição de anomalias meteorológicas ao longo dos últimos anos permite a discussão de que o aquecimento global terrestre e seus consequentes efeitos sofrem influência de atividades humanas (Christidis e outros, 2011b). É importante notar que à medida que o planeta gradativamente aquece e consequentemente torna extremos meteorológicos eventos frequentes , tipicamente as camadas mais afetadas da sociedade são as economicamente mais vulneráveis (Fischer e Knutti, 2014). O relatório de Orientações Gerais do IPCC (IPCC-TGICA, 2007), por exemplo, assinala a importância de considerar os cenários socioeconômicos dos impactos climáticos causados pelo aquecimento global. Dessa forma, considerar o fator socioeconômico nas análises fornece uma possibilidade de projeções futuras à escala global ou regional que pode ser aplicada às medidas de avaliação e mitigação de tais efeitos.
Em resumo, o clima está mudando, o aquecimento global é inegável; sabe-se que as ações antropogênicas indiscutivelmente vêm mudando a composição atmosférica do planeta. Apesar de esses eventos extremos específicos não terem sido causados pela ação humana de forma determinante, eles têm sido agravados pelo aquecimento global (Fischer, 2015). Sendo assim, nenhum evento meteorológico advém exclusivamente de influência antropogênica, mas surge de interações complexas na dinâmica da atmosfera e superfície terrestre que são intensificadas pelas temperaturas mais altas resultantes da ação humana (Fischer, 2015). Trenberth (2012) cita que nenhum evento climático específico é causado decisivamente pelas mudanças climáticas e aquecimento global, mas que todo o conjunto de fatores contribui. Portanto, os eventos meteorológicos são afetados pelas mudanças climáticas porque o ambiente em que eles ocorrem está sendo afetado, e, dessa forma, o efeito das ações antropogênicas não são nem determinantes para tais eventos, tampouco não exercem nenhuma influência, mas sim são parte de um efeito sistemático (Trenberth, 2012). E é especialmente importante analisar tais efeitos para o desenvolvimento de estratégias de adaptação e mitigação das mudanças climáticas (Zwiers e outros, 2011).
Portanto, partindo do princípio de que o impacto ambiental causado pelo isolamento social e a pandemia da COVID-19 possam ser considerados um evento extremo que implicou alterações significantes no que diz respeito à atmosfera terrestre a qual tem relação direta com as mudanças climáticas e o aquecimento global , além de relativa reabilitação ambiental em aspectos de poluição, emissão de gases estufa e demanda de energia global, surge o questionamento de qual impacto ele teria sob as condições meteorológicas de temperatura e umidade de uma cidade, considerando que há evidência de que a ação humana influencia as condições climáticas em longo prazo.
Dessa forma, o objetivo geral do presente estudo consistiu verificar se o contexto atípico de isolamento social e a suspensão das atividades comerciais e industriais exerceram influência nas condições meteorológicas de temperatura e umidade das cinco capitais mais afetadas pela pandemia no Brasil. O estudo visou, como objetivos específicos, verificar se o ano de 2020 com a variável de isolamento social demonstrou comportamento meteorológico diferente em relação a um recorte temporal de 30 anos que analisou as cidades entre 1990 e 2020 e se foi identificada correlação entre o isolamento social e as variáveis de temperatura e umidade referente ao período analisado de aproximadamente dois meses.
MATERIAL E MÉTODOS
Área de estudo – Caracterização das cidades
A doença do Coronavírus no Brasil já acometeu mais de 400.000 pessoas (WHO, 2020a) e causou mais de 25.000 mortes, o que corresponde a aproximadamente 6% dos casos confirmados. O objeto de estudo da pesquisa foi definido de acordo com a identificação dos cinco estados mais afetados do país com dados meteorológicos disponíveis na data selecionada , que correspondem aos estados do Ceará, Pernambuco, Amazonas, Pará e Bahia (IHME, 2020). A Figura 2 representa a curva do número de casos confirmados nas cidades analisadas, assim como a curva das taxas de isolamento social alcançadas em cada estado. No que diz respeito à taxa de isolamento social, o valor máximo dentre as cidades correspondeu a 57% na cidade de Fortaleza, aproximadamente na quarta semana analisada. É importante ressaltar que as taxas de isolamento nos países em que a situação de pandemia foi controlada a exemplo da Itália, Espanha, Portugal, entre outros superaram os 80% de distanciamento (IHME, 2020), o que possibilita o debate para saber se as taxas de Isolamento Social no Brasil foram suficientes ou eficazes.

No que diz respeito à caracterização climática das cidades selecionadas, a classificação dos climas zonais demonstra que as cidades se tornam mais úmidas conforme se aproximam da área correspondente à floresta Amazônica.

MÉTODO
O estudo foi realizado com dados anuais de temperaturas e umidade obtidos em cinco estações meteorológicas situadas nos estados do Ceará, Pernambuco, Amazonas, Pará e Bahia. As medições foram feitas por meio de sensores de temperatura e umidade do ar que foram registradas pelas estações meteorológicas convencionais localizadas em cada cidade analisada e disponibilizadas por meio do banco de dados do INMET.
O estudo foi feito sob a perspectiva de duas análises diferentes. A primeira referente aos dados meteorológicos em relação ao Isolamento Social no período correspondente a 01 de março de 2020 a 31 de maio de 2020, que buscou verificar se existiu correlação entre a curva das taxas de Isolamento Social e o comportamento climático. A segunda foi referente aos dados históricos correspondentes ao recorte temporal de 30 anos, em que foram analisadas as datas de 03 de maio de cada ano entre 1990 e 2020. Utilizou-se, para a realização deste estudo, dados anuais de temperatura máxima, temperatura mínima e umidade de cada cidade, além dos dados referentes às taxas de isolamento social de cada estado. O recorte temporal de 30 anos foi selecionado com base nas recomendações da Organização Mundial de Meteorologia, que aponta tal recorte como sendo o mínimo para identificação de normalidades ou anormalidades climáticas (WMO, 2017). A data selecionada de 03 de maio foi definida com base na disponibilidade de dados na base utilizada. Os dados meteorológicos foram coletados por meio de sensores de temperatura do ar (°C) e sensores de umidade do ar (%) das séries históricas da base de dados do INMET, referentes à mesma data nos últimos 30 anos. Dessa forma, buscou-se identificar quaisquer alterações climáticas nas cincos cidades escolhidas, decorrentes do período de dois meses de isolamento social decretados no início de março pelos estados selecionados. Os dados de isolamento social foram coletados na base de dados do IHME (2020).
Os dados sugerem que estados de São Paulo e Rio de Janeiro centros econômicos do Brasil ocupam os primeiros lugares entre os estados com maior número de casos confirmados no país (IHME, 2020), no entanto, em ambos os casos os dados meteorológicos não haviam sido disponibilizados na base de dados utilizada para a referida data, portanto foram descartados. O mesmo aconteceu com o estado do Maranhão, o qual os dados sugerem ocupar a quinta posição com maior número de casos confirmados, porém não possui dados disponíveis para a data selecionada. Sendo assim, definiu- se como objetos de estudo as capitais dos estados do Ceará (Fortaleza), Pernambuco (Recife) Amazonas (Manaus), Pará (Belém) e Bahia (Salvador). Com o descarte dos estados de São Paulo e Rio de Janeiro em decorrência da não disponibilidade da base de dados, os estados mais afetados pela COVID-19 no país concentram-se nas regiões Norte e Nordeste do território nacional.

Os dados foram organizados inicialmente em planilhas eletrônicas para depois serem submetidos às análises. O software utilizado descartou os anos que apresentaram falhas nos dados, dessa forma realizando apenas as análises com os anos disponíveis. As análises de dados foram realizadas no software SPSS versão 22.0. Foi realizado o teste de normalidade Shapiro-Wilk nas variáveis temperatura máxima, temperatura mínima e umidade de cada cidade. Após os testes de normalidade, foram realizadas correlações lineares entre as variáveis climáticas de cada cidade coletadas na base de dados históricos do INMET e os índices de isolamento social coletados da base de dados do IHME (2020), de forma a verificar se há correlação entre as taxas de isolamento social (IS) e as variáveis de Temperatura Máxima (Tmax), Temperatura Mínima (Tmin) e Umidade Relativa Média (URM). Os resultados foram classificados segundo o modelo de Cohen (1988) em fracos (0,10-2,29), médios (0,30-0,49) ou fortes (0,50-1,0).
Com o objetivo de analisar o comportamento do ano de 2020 em relação aos demais 29 anos coletados, foi feita uma Análise de Cluster Hierárquica. A Análise de Cluster agrupa as variáveis em grupos semelhantes, de forma que os pertencentes a um grupo são os mais parecidos quanto possível uns com os outros, assim como os grupos diferentes são dissimilares, conforme Valli (2012) explica. O agrupamento hierárquico dos dados permite, dessa forma, identificar comportamentos semelhantes ou outliers dentre as variáveis analisadas. A Análise de Cluster foi realizada no recorte de 30 anos, buscando identificar comportamentos similares ou dissimilares, divididos em cinco agrupamentos de clusters, de forma hierárquica em cada cidade. A análise é feita de modo a agrupar variáveis similares em clusters que são representados através de um dendograma, que é a forma mais usual de representação dos resultados de algoritmos hierárquicos e mostra intuitivamente a ordem do agrupamento. Quanto mais alta a linha ligando dois clusters, mais tarde foi feito seu agrupamento. Logo, a altura da linha ligando dois clusters é proporcional à sua distância (Linden, 2009). Dessa forma, a linha de distância euclidiana demonstra, conforme a maior ou menor distância, a similaridade dos clusters entre si. Com base nisso, tentou-se identificar se o ano de 2020, no período determinado de aquisição de dados, se demonstrou atípico em relação aos outros anos, devido ao isolamento social provocado pela COVID- 19.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
As análises de Cluster são demonstradas abaixo nos dendogramas referentes a cada cidade. Os agrupamentos foram realizados de forma hierárquica com base na homogeneidade dos valores de temperatura máxima, mínima e umidade entre os anos e foram identificadas as distâncias euclidianas entre cada cluster.
Fortaleza – Ceará


A figura 3 refere-se à cidade de Fortaleza (Ceará), que está classificada como a terceira cidade com maior número de COVID-19 (IHME, 2020). A cidade apresentou coeficiente correlação linear nulo entre as variáveis IS x Tmax (0,01), IS x Tmin (0) e IS x URM (0), demonstrando que o Isolamento Social não exerceu influência nas condições climáticas da cidade. A análise de agrupamento hierárquico foi realizada em quatro clusters, dentre os quais, 17 anos (1994, 1995, 1999, 2000, 2002, 2003, 2005, 2006, 2007, 2010, 2011, 2014, 2015, 2016, 2017, 2019 e 2020) demonstraram um mesmo comportamento em relação a temperaturas e a umidades, correspondendo ao cluster A. O agrupamento A possui em torno de 20 de distância euclidiana em relação ao segundo cluster agrupado B que se refere aos anos de 1998, 2004, 2012 e 2018. O grupo B possui distância euclidiana de 15 em relação ao terceiro agrupamento C (2013). Por fim, os três primeiros agrupamentos A, B e C possuem distância euclidiana em torno de 25 em relação ao quarto agrupamento D (1996, 1997, 2008 e 2009).
A figura 4 representa a linha temporal de temperaturas da cidade de Fortaleza, na qual o ano de 2020 compõe o cluster A o de maior quantidade de anos homogêneos entre si e demonstra que teve comportamento similar à maioria dos anos analisados, sem grandes variações. Os clusters B e C demonstram comportamento similar: variáveis de temperatura máxima e mínima (Tmax e Tmin) com pouca variação, mas com a variável de umidade relativa média (URM) mais baixa que o restante. O cluster C correspondente ao ano mais atípico de 2013 demonstra a variação mais significante no que diz respeito à variável URM, sendo o ano com o menor valor detectado ao longo dos 26 anos analisados. O cluster D demonstra que os anos a que se refere tiveram comportamento atípico nas variáveis de Tmax e Tmin, com valores mais baixos, e valores de URM mais altos que os demais anos analisados. Com base nos dados analisados, para a cidade de Fortaleza, pode-se notar que a variável dominante na aglomeração de clusters é a da URM, em que é identificada a maior variação ao longo dos anos. Os dados apontam que, no que diz respeito às variáveis de Tmax e Tmin, a variação entre anos é baixa. Silva (2004), ao analisar a variabilidade climática da região do Nordeste brasileiro, verificou que os eventos de extremos de precipitação e temperatura têm mostrado tendência de crescimento, o que Fischer e Knutti (2014) apontam como sendo um efeito consistente decorrente do aquecimento global. À medida que os dados climáticos do ano de 2020 não demonstraram variação mesmo no contexto de isolamento social e restrição das atividades, o resultado corrobora com o Relatório sobre a Lacuna de Emissões de 2019 (UN, 2019) que aponta que estratégias agudas não são sustentáveis em longo prazo, mas podem representar um importante ponto de partida para a sociedade refletir. Dessa forma, devido ao fato de o isolamento social não ter demonstrado alteração significativa das condições climáticas, observa-se que são necessárias estratégias ainda mais definitivas para que os impactos ambientais sejam passíveis de reversão, especialmente ao considerar que no cenário pós-pandemia tende a ocorrer um efeito reverso em meio às tentativas de recuperação da economia por parte das nações (Zambrano- Monserrate e outros, 2020).
Recife Pernambuco


A figura 5 refere-se à cidade de Recife (Pernambuco), que está classificada como a quarta cidade com maior número de COVID-19 (IHME, 2020). A cidade apresentou coeficiente correlação linear fraco entre as variáveis IS x Tmax (0,16), IS x Tmin (0,08) e uma correlação média entre as variáveis IS x URM (0,3), demonstrando que o Isolamento Social exerceu pouca ou moderada influência nas condições climáticas da cidade. A análise de agrupamento hierárquico foi realizada em quatro clusters, dentre os quais, o cluster A é composto por 25 anos (1990, 1991, 1992, 1995, 1996, 1997, 1999, 2001, 2002, 2003, 2004, 2005, 2006, 2007, 2008, 2010, 2012, 2013, 2014, 2015, 2016, 2017, 2018, 2019 e 2020) que demonstraram um mesmo comportamento em relação a temperaturas e umidades. Esse primeiro agrupamento A possui uma aproximação em torno de 15 de distância euclidiana em relação ao segundo cluster agrupado B que se refere aos anos de 1993, 1994, 2000 e 2009. Esses dois agrupamentos A e B juntos possuem uma distância euclidiana acima de 20 em relação ao terceiro agrupamento C (1998). Por fim, os três primeiros agrupamentos A, B e C possuem distância euclidiana em torno de 25 em relação ao quarto agrupamento D (2011).
Na cidade de Recife, o ano de 2020 apresentou comportamento similar à cidade de Fortaleza, estando no cluster A de maior quantidade de dados homogêneos entre si. No caso de Recife, no entanto, o cluster A possui relativa proximidade aos anos do cluster B, que agrupa anos em que houve a identificação de valores homogêneos de Tmax e Tmin, mas que demonstrou os valores de URM mais altos dentre todos os anos analisados. O cluster C que consiste no ano atípico de 1998 , ao contrário do B, demonstra comportamento de baixo valor de URM e distanciamento significante dos valores de Tmax e Tmin, apontando a mais alta variação de temperatura entre os anos analisados, assim como o valor mais baixo de URM detectado. O cluster D, que consiste no ano atípico de 2011, demonstrou valor alto de URM comparável aos valores identificados no cluster B , porém registrou os valores mais baixos de Tmax e Tmin em comparação aos 30 anos analisados. Wang e Su (2020), ao analisarem as mudanças ambientais ocorridas devido ao isolamento social causado pela pandemia da COVID-19, apontaram que existe uma correlação forte entre as atividades econômicas humanas e as condições ambientais. Em escala local, Carvalho e outros (2020), ao analisarem as tendências de níveis de precipitação e temperaturas no Nordeste brasileiro, apontaram que já é possível detectar mudanças em ambas as variáveis climáticas na região, especialmente no que diz respeito à ocorrência de eventos extremos. Dessa forma, observa-se que, de acordo com a análise dos dados de 2020, o contexto de suspensão das atividades humanas não foi suficiente para causar reversão das mudanças climáticas já detectadas na região ao longo dos anos.
Manaus Amazonas


A figura 7 refere-se à cidade de Manaus (Amazonas), que está classificada como a sexta cidade com maior número de COVID-19 (IHME, 2020). A cidade apresentou coeficiente correlação linear nulo entre as variáveis IS x Tmax (0,03) e fraco entre as variáveis IS x Tmin (0,1) e IS x URM (0,13), demonstrando que o Isolamento Social não exerceu influência nas condições climáticas da cidade. A análise de agrupamento hierárquico foi realizada em quatro clusters, dentre os quais, o cluster A aglomera 23 anos (1990, 1991, 1992, 1993, 1994, 1995, 1997, 2000, 2001, 2003, 2004, 2005, 2006, 2007, 2008, 2009, 2012, 2013, 2015, 2016, 2017, 2019 e 2020) que demonstraram um mesmo comportamento em relação a temperaturas e umidades. Esse primeiro agrupamento A possui uma aproximação acima de 20 de distância euclidiana em relação ao segundo cluster agrupado B que se refere aos anos de 1998, 1999, 2010 e 2018. Esses dois agrupamentos A e B possuem juntos uma distância euclidiana de 25 em relação ao terceiro agrupamento C (1996 e 2014) e ao quarto agrupamento D, que possui unicamente o ano de 2011.
Na cidade de Manaus, de forma similar às cidades de Fortaleza e Recife, o ano de 2020 compõe o cluster A o de maior quantidade de anos homogêneos entre si e demonstra que teve comportamento similar à maioria dos anos analisados, sem grandes variações. O cluster B corresponde aos anos em que Tmax e Tmin não sofreram variações significantes, mas identificaramse os valores de URM mais altos entre os 30 anos analisados. O cluster C demonstra que nos anos a que se refere foram identificados os maiores valores de Tmax e Tmin, enquanto os valores de URM foram os mais baixos entre os 30 anos analisados. O cluster D corresponde ao ano de 2011 mais heterogêneo entre os demais , em que se demonstrou valor de URM sem variações, porém valores de Tmax e Tmin próximos entre si, o que implica dizer que, no referido ano, a variação entre temperatura máxima e mínima foi pouca.
Belém – Pará


A figura 9 refere-se à cidade de Belém (Pará), que está classificada como a sétima cidade com maior números de COVID-19 (IHME, 2020). A cidade apresentou coeficiente correlação linear fraco entre as variáveis IS x Tmax (0,24), IS x Tmin (0,16) e IS x URM (0,13), demonstrando que o Isolamento Social não exerceu influência nas condições climáticas da cidade. A análise de agrupamento hierárquico foi realizada em quatro clusters, dentre os quais o grupo A é composto por 27 anos (1990, 1991, 1992, 1994, 1997, 1998, 1999, 2000, 2001, 2002, 2003, 2004, 2005, 2006, 2007, 2008, 2009, 2011, 2012, 2013, 2014, 2015, 2016, 2017, 2018, 2019 e 2020) que demonstraram um mesmo comportamento em relação a temperaturas e umidades. Esse primeiro agrupamento A possui uma aproximação acima de 15 de distância euclidiana em relação ao segundo cluster agrupado B que se refere aos anos de 1996 e 2010. Esse segundo agrupamento B possui distância euclidiana de aproximadamente 25 em relação ao terceiro agrupamento C (1993). Por fim, os três primeiros agrupamentos previamente citados possuem distância euclidiana abaixo de 25 em relação ao quarto agrupamento D (1995).
Na cidade de Belém, o ano de 2020 também foi detectado como homogêneo entre a maioria dos anos analisados, sem grandes variações. O cluster B corresponde aos anos que demonstraram pouca variação entre Tmax e Tmin e valores altos de URM em relação aos demais anos. O cluster Creferente ao ano atípico de 1993 demonstrou-se o ano com maior proximidade entre valores Tmax e Tmin, sugerindo pouca variação, e com o valor de URM mais alto entre os 30 anos analisados. O cluster D referente ao ano atípico de 1995 apresentou valor de URM com pouca variação, porém apresentou os valores mais baixos de Tmax e Tmin entre todos os anos analisados. A análise dos dados aponta que, entre as cidades analisadas, Belém foi a capital que demonstrou a menor variação em todas as variáveis analisadas, além de, no que se refere ao comportamento da URM, ao longo do período analisado, detectou-se um comportamento cíclico que se repete aproximadamente a cada 4 ou 5 anos. Conforme Oliveira e outros (2020) apontaram, a cidade de Belém já demonstra sinais de ocorrência de mudanças climáticas relacionadas à ação humana e à urbanização. No entanto, conforme a Organização das Nações Unidas (2019) analisou em escala global, ainda que a última década tenha sido focada na conscientização a respeito das mudanças climáticas e suas consequências, os impactos ambientais estão cada vez mais significantes, de forma que mesmo as mudanças em menor escala exercem um papel importante para sua mitigação (UN, 2019). Sendo assim, é necessário refletir sobre quais estratégias poderiam ser empregadas de modo a gerar mudanças significativas e em longo prazo.
Salvador Bahia


A figura 11 refere-se à cidade de Salvador (Bahia), que está classificada como a oitava cidade com maior número de COVID-19 (IHME, 2020). A cidade apresentou coeficiente correlação linear nulo entre as variáveis IS x Tmax (0,09), IS x Tmin (0,04) e IS x URM (0,05), demonstrando que o Isolamento Social não exerceu influência nas condições climáticas da cidade. A análise de agrupamento hierárquico foi realizada em quatro clusters, dentre os quais, 13 anos (1990, 1993, 1995, 1996, 1997, 2000, 2002, 2004, 2005, 2007, 2010, 2014 e 2017) representam o cluster A e demonstram um mesmo comportamento em relação a temperaturas e umidades. Esse primeiro agrupamento A possui uma aproximação acima de 15 de distância euclidiana em relação ao segundo cluster agrupado B (1994, 1999, 2001, 2003, 2006, 2008, 2009, 2011, 2013, 2015 e 2020). Esses dois agrupamentos juntos possuem uma distância euclidiana acima de 20 em relação ao terceiro agrupamento C que se refere aos anos de 1992, 1998 e 2012. Por fim, os três primeiros agrupamentos previamente citados possuem distância euclidiana em torno de 25 em relação ao quarto agrupamento D que se refere unicamente ao ano de 2016.
O caso da cidade de Salvador foi o único dentre as cidades analisadas a aglomerar o comportamento do ano de 2020 no cluster B, porém ainda sem se notar comportamento significativamente atípico em relação aos demais. O cluster A não demonstrou variações significantes de Tmax e Tmin e URM. O cluster B no qual se detecta o ano de 2020 demonstra comportamento de altos valores de URM e Tmax e Tmin com pouca variação. O cluster C demonstrou comportamento dos valores de URM mais baixos dentre todos os anos analisados, e o comportamento de Tmax e Tmin mais altos dentre os 30 anos analisados. O cluster D composto pelo ano atípico de 2016 apontou o valor de URM mais alto dentre os anos analisados e proximidade entre os valores de Tmax e Tmin, demonstrando baixa variação entre as temperaturas.
Os dados analisados no agrupamento demonstram que, em todas as cidades analisadas, o ano de 2020 foi detectado como homogêneo em relação à maioria dos anos analisados, não tendo sido identificado comportamento atípico estatisticamente significante entre os clusters. Ademais, nota-se que a variável dominante nas análises de cluster é a da Umidade Relativa Média, em razão de apresentar a maior variação dentre os anos analisados. Os dados analisados sugerem que, em todas as cidades, o ano de 2020 apresentou comportamento homogêneo com a maioria dos anos do recorte temporal, de forma que o agrupamento hierárquico não o demonstrou como sendo um ano atípico, evidenciando que o impacto da COVID-19 e isolamento social não exerceu influência sobre as condições de Tmax, Tmin e URM em nenhuma das cidades analisadas. Tal resultado demonstra que, no que diz respeito às condições meteorológicas citadas, o período em torno de dois meses referentes ao isolamento social não exerceu influência estatisticamente significativa no clima urbano.
O comportamento corroborado pelas análises possibilita a abertura de uma discussão a respeito da escala do impacto das mudanças climáticas no planeta, uma vez que uma situação atípica de suspensão significativa das atividades comerciais e industriais não mostrou potencial de reversibilidade de um dano climático que vem sendo causado há várias décadas. Conforme Trenberth (2012) apontou, ainda que considerando a variabilidade climática natural, é possível correlacionar a atividade humana aos efeitos de aquecimento e mudanças climáticas terrestres. Isso implica dizer que a atmosfera do planeta vem sofrendo danos decorrentes de tais atividades há tempo suficiente para que mesmo a suspensão quase total dessas atividades por um curto período de dois meses não foi suficiente para reverter ou retardar o efeito causado pelos anos em operação.
No que se refere ao aspecto social e urbano da pandemia, é interessante analisar o parâmetro socioeconômico relacionado à disseminação da COVID-19 no Brasil considerando o padrão geográfico pelo qual a doença se espalhou. Silva e outros (2014), ao analisarem as estatísticas brasileiras sob a perspectiva da pobreza multidimensional relacionada não apenas ao poder aquisitivo, mas ainda aos índices de saúde, moradia e saneamento constataram que as macrorregiões do Norte e Nordeste do país possuem a situação mais grave entre as demais. Nesse sentido, Blumenshine e outros (2008) apontam que há evidência de que situações de pandemia afetam desproporcionalmente pessoas de grupos sociais diferentes, cabendo enfatizar o fato de os estados mais afetados por casos de a doença estar entre os mais socioeconomicamente vulneráveis do país.
É importante salientar que o impacto causado pelo isolamento social decorrente da COVID-19 não deve ser analisado como um evento isolado, mas como uma conjuntura complexa que implica a necessidade de adaptações futuras por parte da sociedade, tanto no que diz respeito às variáveis de saúde pública quanto às variáveis climáticas. Conforme Zambrano-Monserrate e outros (2020) analisaram, mesmo as mudanças detectadas em relação à poluição do ar, emissão de gases estufa e reconstituição de certos ecossistemas ocasionadas pelo isolamento social, podem ter pouco impacto se considerado todo o tempo pelo qual o planeta vem sendo afetado e que, para que o impacto seja significativo, é necessária uma redução sistemática e em longo prazo nas economias dos países. Os autores enfatizam ainda a possibilidade de que o retorno às atividades, se não tomados os cuidados necessários, poderá aumentar as emissões e a poluição para valores maiores do que os anteriores à pandemia, causando um efeito reboot. Nessa perspectiva, mostra-se essencial que o impacto ambiental do isolamento social, ainda que em curto prazo, seja tratado como um episódio que possui potencial de em um cenário pós-pandemia agravar ainda mais os danos causados à atmosfera terrestre, e consequentemente às mudanças climáticas, se não tomados os devidos cuidados. Tal contexto corrobora com o relatório da Agência Internacional de Energia quando aponta que a crise causada pela COVID-19 abre precedente para discussões a respeito de transições para energias renováveis e mais sustentáveis as quais requerem esforços contínuos e comprometimento em longo prazo e pode ser apenas temporária sem a inclusão de mudanças estruturais.
Até o fechamento desta pesquisa, não foi possível ter acesso aos dados de São Paulo e Rio de Janeiro na base de dados utilizada do INMET, que representam as duas capitais com o maior número de casos confirmados de COVID-19. Ademais, o período a que o estudo se refere em que ocorreu o contexto de isolamento social consiste em aproximadamente dois meses, o que em comparação a dados coletados de 30 anos pode se considerar curto. Da mesma forma, as conclusões decorrentes das análises de dados fornecidos pelo INMET podem não estar relacionadas diretamente ao impacto ambiental e sua diversidade de fatores no que diz respeito à COVID-19. Por fim, destaca-se que na busca de literatura não foram identificados outros trabalhos de mesma temática, tendo em vista que o contexto proporcionado e sua repercussão são recentes no cotidiano das populações.
CONCLUSÃO
Os dados analisados, referentes as cinco cidades estudadas demonstraram que o contexto atípico de isolamento social e suspensão das atividades comerciais e industriais não exerceu influência nas suas condições meteorológicas de temperatura e umidade. O ano de 2020 que apresentou o contexto atípico de isolamento social não demonstrou comportamento meteorológico atípico em relação ao recorte temporal de 30 anos que foi analisado (1990–2020), no qual os anos anteriores não vivenciaram o cenário de isolamento. No que se refere à análise do período que foi verificado, de aproximadamente dois meses do ano de 2020, não foi identificada correlação significante entre o isolamento social e as variáveis de Temperatura Máxima, Temperatura Mínima e Umidade Relativa Média nas cidades observadas. Tais resultados podem ser devido, justamente, ao curto período de isolamento que foi analisado, em comparação ao recorte temporal de 30 anos.
Dessa forma, observou-se que as diminuições provenientes das adaptações antropogênicas no prazo de três meses devido ao isolamento social não foram suficientes para ocasionar possíveis reversões climáticas referentes a todos os anos em operação e aos danos que já foram causados sistematicamente.
Desse modo, o impacto do isolamento social no comportamento meteorológico identificado a partir das análises estatísticas, na realidade, diz respeito à necessidade das nações de considerar o cenário atípico causado pela COVID-19 como ponto de reflexão para futuras mudanças de atitude em suas economias, de forma a adotarem medidas que possam ser reproduzidas em longo prazo e que possam causar impacto significante no planeta.
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