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Pandemia na era secular: Liberdade religiosa em Portugal nos inícios do surto da COVID-19
Pandemic in the secular age: Religious freedom in Portugal at the beginning of the COVID-19 pandemic
andemia en la era secular: La libertad religiosa en Portugal al inicio de COVID-19
Revista angolana de ciências, vol. 3, núm. 2, pp. 277-302, 2021
Universidade Rainha Njinga a Mbande

Artigos


Recepción: 15 Julio 2021

Aprobación: 15 Octubre 2021

DOI: https://doi.org/10.54580/R0302.02

Resumo: Com esta investigação pretende-se examinar o impacto das restrições à liberdade religiosa, causadas pelo estado de emergência sanitária, associado à pandemia da COVID-19, durante o primeiro confinamento em Portugal. Tendo como base o marco teórico da era secular e secularidade, este trabalho permite interpretar, por meio de uma análise qualitativa, hipotético-dedutiva, o lugar da religião em sociedades caracterizadas por culturas de secularidade. No final, conclui-se que a normalização da subordinação de princípios e práticas religiosas aos da esfera política, patenteada pela hierarquização de atividades essenciais e não-essenciais, e a sua promoção através da auto-secularidade, esvaziam a presença da religião no espaço público e promovem o avanço de uma cultura de secularidade.

Palavras-chave: Secular, Secularidade, Liberdade religiosa, COVID-19, Portugal.

Abstract: This paper analyses the impact of restrictions on religious freedom, caused by the state of health emergency, related to the COVID-19 pandemic, during the first period of lockdown in Portugal. Against the backdrop of the secular age and secularism, this research allows for the interpretation of the place of religion in societies marked by cultures of secularity through a qualitative, hypothetical- deductive, analysis. It concludes that the normalisation of the subordination of religious values and practices to those of the political sphere, highlighted by the hierarchisation of essential and non-essential activities, and its promotion through self-secularity empties the presence of religion in the public sphere and helps the development of a culture of secularity.

Keywords: Secular, Secularity, Religious freedom, COVID-19, Portugal.

Resumen: En esta investigación pretendemos examinar el impacto de las restricciones a la libertad religiosa, provocadas por el estado de emergencia sanitaria, asociado a la pandemia de COVID-19, durante el primero confinamiento en Portugal. Partiendo del marco teórico de la era secular y la secularidad, este trabajo permite interpretar, a través de un análisis cualitativo, hipotético-deductivo, el lugar de la religión en las sociedades caracterizadas por las culturas de la secularidad. Al final, se concluye que la normalización de la subordinación de los principios y prácticas religiosas a los de la esfera política, patente por la jerarquización de las actividades esenciales y no esenciales, y su promoción a través de la autosecularidad, vacían la presencia de la religión en el espacio público y fomentan el avance de una cultura de laicidad.

Palabras clave: Secular, Secularidad, Libertad religiosa, COVID-19, Portugal.

Introdução

O estado de emergência sanitária, ligado à pandemia da COVID-19 e decretado na maioria dos países europeus, levou a uma contração rápida e abrupta para o espaço doméstico das esferas da vida, pública, pelas quais os indivíduos se habituaram a viver. O confinamento, imposto para conter ou limitar a propagação do vírus, criou uma situação sem precedentes, sobretudo em termos de consequências para as liberdades públicas e direitos fundamentais. Em particular, a liberdade religiosa, entendida na sua dimensão coletiva, foi restringida durante esse período para limitar a propagação do vírus.

Religião, direito e Estado coexistem já numa teia de relações complexas. As crises tendem, porém, a exacerbar tensões e conflitos e um fenómeno como o da COVID-19 teve o condão de gerar uma situação sem precedentes ao nível da restrição da liberdade religiosa no continente europeu. De um lado, os Estados procuraram equilibrar o dever de garantir a saúde e segurança dos seus cidadãos com o de proteger as suas liberdades, incluindo a de culto; de outro lado, as religiões dividiram-se sobre as interpretações divinas, o respeito pela ciência e proteção do direito à liberdade de consciência e de religião.

O modo como os sistemas legais responderam à emergência pandémica, desde a interrupção completa do exercício culto religioso coletivo até ao reconhecimento de formas mais flexíveis de acomodação religiosa, captou a atenção dos cientistas sociais. Por exemplo, os números especiais do Journal of Law, Religion and State (vol. 8, n.º 2-3, 2020), da Revista General de Derecho Canonico y Derecho Eclesiastico del Estado (n.º 54, 2020) e da Laws (vol. 10, n.º 1). Destacaram-se ainda os webinars “La liberté de religion aux temps du Coronavirus”, organizado pelo Droit, Religion, Entreprise et Société (DRES) da Universidade de Estrasburgo (junho de 2020), e “COVID-19, Religion and Belief”, preparado, entre outros pelo Cambridge Institute on Religion and International Studies, pela Bruno Kessler Foundation e pela Fundação Getulio Vargas; e ainda o projeto de investigação “Religious Liberty & COVID-19” da Universidade de Portsmouth.

O foco do estado da arte na Europa patenteia o excepcionalismo europeu (Berger, Davie e Fokas, 2008). A análise dos impactos das medidas governamentais tornase mais relevante num continente onde persiste um padrão de separação com cooperação entre Estado e religiões, havendo um espírito de diálogo, negociação e de (re)definições do espaço público e simbólico de ambos.

Neste contexto, uma forma de se lograrem ganhos epistemológicos, ao nível do estudo das relações Estado-religiões, é através da investigação das práticas políticas e jurídicas atualmente existentes. Este artigo propõe-se a examinar impacto das restrições da COVID-19 no exercício da liberdade religiosa em Portugal, na primeira fase do confinamento (de março a maio de 2020) – o “período em que foi mais intensa a limitação (proibição) de realização da liberdade de culto” (Adragão, Leão e Ramalho et al. 2020, p.19). Esta escolha prende-se com cinco motivos: i) sociorreligioso, no contexto europeu, o país é um caso de imobilismo religioso e de predominância dos sem religião como principal alternativa ao catolicismo1; ainda que, ii) no seio da sua própria modernidade, tenha sofrido consequências dos fenómenos da secularização (Moniz 2019, 2021); iii) tipologia de relacionamento Estado-religiões, Portugal está perto dos conceitos de twin tolerantions (tolerâncias gémeas) e principled distance (distância por princípio)2; iv) no tocante às medidas de combate à pandemia, as restrições ao culto religioso foram consideradas “elevadas”, quando comparadas com os demais países europeus (The Conversation, 2020); e v) com o facto de não existirem ainda investigações que problematizem este fenómeno no país, em particular nas áreas da sociologia e ciência política.

À luz dos marcos teóricos da era secular (Taylor 2007) e das culturas de secularidade (Wohlrab-Sahr & Burchardt, 2012, 2017), analisar-se-á como a crise pandémica enfatizou os desafios legais, políticos e socioculturais e deu origem a uma tensão entre direitos concorrentes, exacerbando a tensão entre políticas públicas religiosamente neutras e reivindicações de acomodação religiosa. Por conta da restrição de atividades no espaço público, nomeadamente celebrações religiosas, e da gradual marginalização da religião na vida pública, Portugal afigura-se como um laboratório útil epistemologicamente para se perceber como a liberdade religiosa e, por extensão, os valores religiosos são geridos pelos Estados na era secular.

Culturas de secularidade

Vivemos numa era secular, afirmou Charles Taylor (2007) num dos mais célebres trabalhos filosóficos da década de 2000. Ou seja, vivemos numa etapa da idade contemporânea na qual uma estrutura imanente das ordens cósmica, social e moral opera como se o sagrado não existisse ou como se fosse oposto aos processos de amadurecimento, crescimento e emancipação humana.

Na linha de Berger (1990 [1967], 1979), o argumento tayloriano advoga que nas sociedades modernas – marcadas pelo pluralismo de cosmovisões, retirada de elementos religiosos da vida pública e sua substituição por outros associados a uma cultura pública (secular) – dificilmente se consegue manter a conceção geral de que a crença religiosa é central para a ordem social. Pelo contrário, em alguns meios, o secular tornou-se a “solução por defeito” (Taylor, 2007, p.12-13). O efeito fragilizador dos diferentes elementos das sociedades modernas3, terá como resultado amiúde “inevitável” (Ibidem, p.532) o recuo da religião no espaço público.

As formas institucionais e centralizadas de religião são, portanto, menos capazes do que no passado de influenciar as ações dos indivíduos. Este argumento foi partilhado diretamente comigo por Enzo Pace ou Steve Bruce. Por um lado, o primeiro defende que isso pode ser justificado através duma abordagem sistémica luhmianna (Luhmann, [1998] 2013) que vê a religião como um sistema de relações estabelecidas com um determinado meio. O argumento básico é que, pela coincidência dos fenómenos de diferenciação funcional e de regulação ou controlo da religião, as suas formas institucionais tradicionais sofrem uma perda relativa de relevância social. Este argumento foi desenvolvido mais profundamente em Pace (2017). Por outro lado, o segundo asseverou que essa diminuição do significado social da religião institucional e tradicional deriva da falta de consenso social, uma das suas principais bases de sustentação. O proselitismo religioso, de nível macro (institucional), tornou-se cada vez menos capaz de cativar os indivíduos, no sentido da conversão ou conservação de fiéis. A contínua afirmação societal (através de interações quotidianas), de nível micro, passou a ser a sua maior forma de persuasão. Contudo, considerando a secularidade das sociedades, essa persuadição efetuase, amiúde, com base em valores e práticas seculares.

As mutações são consequência da afirmação e hegemonia de princípios seculares, como a igualdade e a liberdade, que visam “substituir os religiosos” (Bruce, 2014, p.192); dum esvaziamento da religião no espaço público, nomeadamente ao nível do “controlo das interações quotidianas” (Bruce, 2011, p.37) e, por conseguinte, duma agudização da “crise” (Bruce, 2006, p.37) das suas estruturas de plausibilidade, relatada por Berger (1990 [1967]); e duma relativização das crenças, pois a diversidade e a competição entre cosmovisões religiosas dificulta que alguma se assuma como a verdadeira.

Estas teses são devedoras da obra de Berger e Luckmann (1966) e da ideia de que a realidade quotidiana, considerada autoevidente e dominada por princípios e rotinas pragmáticos, obriga a uma suspensão da crença (religiosa). Com a pressão exercida pela hegemonia dos princípios seculares, as forças sagradas são gradualmente removidas das reservas de conhecimento disponibilizadas socialmente, tornandose mais dificilmente adquiríveis. À medida que o religioso é afastado do quotidiano e das confirmações face-a-face, mais difícil se torna retêlo.

O resultado disto tudo é, segundo Bruce (2014), a secularidade; i.e., um mundo no qual a religião gradualmente vai tendo menos relevância nas diferentes esferas sociais, onde o consenso e a autoridade em torno de valores e práticas seculares são maiores e onde o isolamento religioso tem um custo social alto e que a maioria das pessoas não está disposta a pagar. Dá-se uma suspensão (voluntária ou direcionada) da crença em valores religiosos, transcendentais, e, a contrario sensu, uma suspensão da descrença nos valores seculares, imanentes, que passam a ser aceites num sentido catártico, tornando-se na norma destas sociedades marcadas pela secularidade.

A prescrição desta cultura torna-a dominante, porquanto passa a haver mais consenso e autoridade em torno de princípios e soluções seculares. Destacam-se algumas ortodoxias seculares, em particular os princípios democráticos da liberdade, igualdade, justiça social, direitos humanos, desenvolvimento socioeconómico ou solidariedade.

Afirma-se a força deste poder ideológico e, não raras vezes, simbólico na promoção de mensagens culturais ou políticas específicas ou na inculcação de princípios particulares e na sua naturalização ou interiorização. O político passa, não só, a determinar o conjunto de regras em torno das quais a sociedade se organiza, mas também a enquadrálo, estabelecendo os próprios princípios e práticas através das quais as relações societais se compreendem e experienciam. Este poder é um produto de batalhas históricas e ideológicas descritas por Smith (2003) ou Driessen (2010), sendo também uma consequência da progressiva competição entre o religioso e o secular pela produção de bens ou normas que condicionam e conduzem a vida dos indivíduos.

Esta ideia geral pode ser entendida à luz do conceito de hegemonias seculares de Wohlrab-Sahr e Burchardt (2012, 2017). Os autores, examinando as secularidades múltiplas, descrevem as formas de distinção e institucionalização das diferenciações entre o religioso e outras esferas sociais (consideradas não religiosas) e que privilegiam as soluções do Estado moderno e as ideias (seculares) que o fundam.

Para os autores, os Estados e as sociedades modernas têm uma série de problemas societais específicos que são entendidos como os seus problemas de referência. Existem quatro problemas de referência: a liberdade individual, relativamente aos grupos sociais dominantes (religiosos ou não religiosos); a diversidade religiosa e o subsequente conflito social (hipotético ou real); a inclusão e o desenvolvimento social ou nacional; e o desenvolvimento livre das esferas institucionais. Não obstante as respostas sociais dominantes da religião e da secularidade sejam alvo de tensão e de negociação, a todos os problemas de referência é oferecida normalmente uma solução baseada em ideias-guiadoras seculares. Por exemplo, para o primeiro, a solução passa pela defesa da liberdade e da individualidade; para o segundo, pela tolerância, respeito ou não- interferência; para o terceiro, pelo progresso ou iluminismo; e pelo quarto, pela racionalidade ou eficiência.

A hegemonia e institucionalização destas ideias guiadoras e a sua aplicação aos problemas de referência, seguindo a terminologia de Wohlrab-Sahr e Burchardt (2017), levaram à emergência de culturas de secularidade que são codificadas no direito, construídas dialeticamente no espaço público e compreendidas nos hábitos culturais das pessoas. Isto transformouas num grupo de pressupostos dominantes que moldam as perceções, práticas e sensibilidades dos indivíduos sobre a religião.

Em suma, com a pressão hodierna dos problemas de referência, os Estados constrangem os princípios e as práticas religiosas, institucionalizando-os, de modo a que fiquem o mais confinados possível ao respeito pelos princípios democráticos. As sociedades democráticas passam, no espaço público, a viver sobretudo de referências seculares. Com isto diminuem-se os níveis de literacia religiosa e o papel das religiões nas práticas quotidianas dos indivíduos. Daí que, já em meados da década de 2000, John Rawls e Jürgen Habermas identificassem uma necessidade pós-secular de tradução dos conteúdos religiosos que permitisse a sua compreensão e aceitação no espaço público.

Todavia, isso não inviabiliza o estabelecimento de modelos de relação ou cooperação com o religioso. Na Europa, aliás, o sistema de separação com cooperação é o mais comum (Torfs, 2007). Os Estados centram-se em três aspetos essenciais: i) nas twin tolerations (Stepan, 2000) – o que, como assinalado precedentemente, é o contrário de exclusão mútua (v.g., direito de culto ou liberdade das religiões proporem os seus valores publicamente), de modo a que os valores democráticos não sejam violados; ii) na compreensão da religião como um bem público e não meramente privado e, por consequência, a legitimidade do Estado em envolver-se positivamente com os elementos da religião organizada – e não apenas protegê-los de eventuais violações –; e iii) a principled distance, onde os Estados, por meio de acordos formais, reconhecem organismos específicos, frequentemente maiorias religiosas tradicionais e há muito estabelecidas, como representantes corporativos das diferentes religiões, conferindo-lhes apoios e direitos específicos para a concretização de tarefas comuns às do Estado. Isso ficará mais claro na secção seguinte.

Liberdade religiosa em Portugal

Existe uma longa tradição política em Portugal de relações, sobretudo, com a igreja católica. Desde o ato de vassalagem de 1143, às onze concórdias do período 1210-1642, até às inúmeras concordatas assinadas durante a formação do território (Leite, 1993, p.13-22). A falta de experiências pluralistas no campo religioso, tanto na corte como no povo, levou à abertura da primeira fresta na muralha legislativa nacional. Com a monarquia constitucional (1820-1910), o catolicismo passou a ser a religião oficial do Estado.

Para efeitos de sistematização, recorde-se que o artigo 25.º da Constituição de 1822 afirmava que “a religião da Nação Portuguesa é a católica apostólica romana”. As três Constituições da monarquia liberal teriam, aliás, em comum a afirmação do catolicismo como religião oficial do Estado – artigo 25.º da Constituição de 1822; artigo 6.º da de 1826; e artigo 3.º da de 1838 –, indo a Carta de 1826 um mais longe no seu espírito ao afirmar, no n.º 4 do artigo 145.º, que “ninguém pode ser perseguido por motivos de Religião, uma vez que respeite a do Estado e não ofenda a Moral Pública”. Assim seria até 5 de outubro de 1910.

A proclamação da República foi acompanhada dum conflito religioso, ligado à reação contra o anterior sistema de união, derivado dum anticlericalismo difuso em sectores da população urbana e do positivismo e jacobinismo do partido republicano. Não foi de estranhar que a legislação dos primeiros meses do novo regime assumisse uma posição “vincadamente laicista e anticatólica” (Miranda 1986, p.120).

Neste sentido, foi publicado o decreto com força de lei de 20 de abril de 1911 (“Lei da Separação da Igreja e do Estado”), no qual o artigo 2.º preceituava que “a religião católica apostólica romana deixa de ser a religião do Estado e todas as religiões são igualmente autorizadas”. Assim, não só pela primeira vez o Estado e a religião apareceram dissociados, como também a religião católica surgiu em igualdade com as demais confissões4. Para Santos (2016, p.503), este período inicia aquilo que designa por primeira separação entre Estado e religiões em Portugal. A Constituição de 1911 consagrava ainda, no título respeitante aos direitos e garantias individuais (artigos 3.º e 4.º), na continuidade da Lei da Separação, a não-confessionalidade do Estado e a plena liberdade de consciência de todos os cidadãos.

Já durante o Estado Novo, a Constituição de 1933, no seu artigo 8.º, n.º 3, entre os direitos e garantias individuais dos cidadãos portugueses, mencionava a liberdade e inviolabilidade de crenças e práticas religiosas, não podendo ninguém por causa delas ser perseguido, privado dum direito ou isento de qualquer obrigação ou dever cívico, acrescentando também que ninguém seria obrigado a responder acerca da religião que professa. No título respeitante às relações do Estado com a igreja católica e demais cultos inscreviam-se os artigos 45.º e 46.º, nos quais, além do mais, se dispunha ser livre o culto público ou particular de todas as religiões, e ainda que, sem prejuízo do preceituado pelas concordatas, o Estado mantenha o regime de separação em relação à igreja católica e a qualquer outra religião ou cultos praticados dentro do território português. Este é o período da segunda separação, na sistematização de Santos (2016, p.503-505). No entanto, em 7 de Maio de 1940 foi assinada a concordata entre a Santa Sé e a República Portuguesa, de cujas disposições mais significativas se verifica que houve, de um lado, o propósito de não voltar ao sistema da religião oficial do Estado; mas de outro, não se hesitou em garantir uma posição especial para a religião católica5.

Isto fica em evidência na revisão constitucional de 1951 onde, através da nova redação do artigo 45.º, se considerou o catolicismo como “a religião da Nação portuguesa”. Apesar da permanência do princípio da separação na relação entre o Estado e a igreja católica, o tratamento diferenciado à instituição colocou-a numa situação de supremacia face às outras confissões religiosas (Miranda, 1993, p.78).

Durante este período, as minorias religiosas tiveram dificuldades de representação formal ou simbólica ao nível político. Tanto a comunidade judaica (ultraminoritária no universo religioso português), como a protestante (discriminada em matéria de educação e ensino) e, dentro dela, as Testemunhas de Jeová (perseguidas e acusadas de atuar contra a segurança estatal) ou a Federação Espírita Portuguesa (ilegalizada em 1953) foram afastadas ou não conseguiram fazer prevalecer os seus interesses no espaço público (Santos, 2016, p.238-242).

Com a morte de Salazar em 1968 e a ascensão de Marcello Caetano, surge uma nova fase do ordenamento da lei da liberdade religiosa em Portugal. A 21 de Agosto de 1971 é publicada a lei n.º 4/71 que prevê um sistema de reconhecimento das confissões não católicas, inexistente até então (Miranda, 1993, p.78-79). Na sua Base II, a lei afirma que o Estado não professa qualquer religião e que as suas relações com as confissões religiosas assentam no regime de separação, acrescentando que as religiões têm direito a igual tratamento, ressalvando as diferenças impostas pela sua diversa representatividade.

Com a queda do regime em 1974 e os inícios da democratização do país, a Constituição da República portuguesa (CRP) de 1976 veio garantir a liberdade religiosa sem aceção de confissões e sem quaisquer limites específicos. Tornou-se, segundo Miranda (1986, p.123), num estádio mais avançado do que os sucessivos regimes anteriores de união, neutralidade laicista e relação preferencial com a igreja católica, servindo a separação essencialmente de garantia da liberdade e da igualdade. É o período da terceira separação, para Santos (2016, p.504). Cabe, enfim, fazer uma nota sobre a manutenção da Concordata de 1940 a seguir à Revolução de 25 de Abril de 1974.

A transição democrática e a CRP abriram portas a um novo Portugal. Todavia, as relações com a igreja católica mantiveram-se idênticas. A vigência dos diplomas legais de 1940 seria apenas tocada pelo protocolo adicional de 1975, perdurando até ao século XXI quando a Lei da Liberdade Religiosa (LLR) de 2001 conduziu Estado e igreja católica para uma nova concordata nascida em 2004. Com efeito, o sistema de relações Estado-religiões implementado pela CRP assumiu a neutralidade, a igualdade de tratamento e a separação entre o Estado e confissões religiosas (artigo 41.º).

A liberdade religiosa surgiu, então, associada à liberdade de consciência, não obstante as suas diferenças já citadas. Assim sendo, estabeleceu-se a liberdade de manifestação religiosa, separadamente ou em conjunto, em público ou em privado, através do ensino, da prática, do culto ou dos ritos – em consonância com o artigo 18.º da Declaração Universal dos Direitos Humanos. A garantia, no n.º 2 do artigo 41.º, dos direitos e obrigações ou deveres cívicos, independentemente das convicções e práticas religiosas; no n.º 3, a proteção do sigilo da opção religiosa individual; e no n.º 6, a objeção de consciência por motivos de crença ou convicção. Por seu turno, a LLR, no n.º 1 do artigo 4.º, afirmou o princípio da não-confessionalidade do Estado, ou seja, a não adoção de qualquer religião por parte do Estado e o seu não pronunciamento sobre assuntos religiosos. Mas também, com vista à liberdade e à tolerância, a cooperação com as igrejas e comunidades religiosas radicadas em Portugal, mediante a sua representatividade (artigo 5.º); a aplicação do princípio da tolerância para salvaguardar a liberdade de cada crença (artigo 7.º); e a proteção dos direitos individuais e coletivos de liberdade religiosa (artigo 8.º e seguintes).

Não obstante as vicissitudes históricas do modelo vigente de separação Estado-religiões, Portugal tem hoje um quadro legal geral de liberdade religiosa. Todavia, como acontece noutras constituições, a Constituição portuguesa possui uma cláusula de estado de exceção, reservada a moldar a ordem jurídica constitucional a períodos de crise. Com efeito, a CRP (n.º 6 do artigo 19.º) afirma, sobre a suspensão do exercício de direitos, que o estado de sítio ou de emergência em nenhum caso pode afetar a liberdade de consciência e de religião6. Ao nível subconstitucional, a LLR reforça esse princípio no n.º 5 do artigo 6.º. Como atestam vários constitucionalistas, a liberdade de religião integra o âmago dos direitos pessoais, não podendo ser sacrificada nem sequer em caso de estado de sítio (Medeiros & Miranda, 2010, p.893; Miranda 2013, p.38; Adragão, Leão & Ramalho et al., 2020, p.6).

A jurisprudência reforça esta ideia, afirmando que a liberdade de religião é também insuscetível de suspensão em estado de sítio ou emergência, constituindo um limite material de revisão constitucional. Ou seja, liberdade de religião e de culto insere-se no catálogo dos direitos, liberdades e garantias e tem caráter inviolável, não podendo sequer ser afetada em situações extremas de declaração de estado de sítio ou de estado de emergência7. No caso da liberdade de religião, isso inclui a proteção da sua dimensão coletiva e institucional, implicando igualmente a liberdade das confissões religiosas.

Contudo, como sublinham Adragão, Leão & Ramalho et al. (2020, p. 7), esta interpretação gera “interrogações”, uma vez que a CRP (n.º 1 do artigo 41.º) permite a distinção entre a liberdade religiosa – liberdade de crença ou não crença – e liberdade de manifestação exterior e prática de atos de culto. Como se verá na secção subsequente, durante o estado de emergência em Portugal, o direito de culto (coletivo) não foi considerado como direito intangível, sendo essa condição garantida apenas à liberdade de crença (individual).

A pandemia na era secular portuguesa

À semelhança da maioria dos países europeus, Portugal abriu a possibilidade de as autoridades imporem restrições à realização de celebrações religiosas ou outros eventos de culto que implicassem aglomeração de pessoas. O Decreto n.º 2- A/2020, de 20 de março, Presidência do Conselho de Ministros, procedeu à execução da declaração do estado de emergência efetuada pelo Decreto do Presidente da República n.º 14-A/2020, de 18 de março. No seu artigo 17.º estabeleceu-se que ficava “proibida a realização de celebrações de cariz religioso e de outros eventos de culto que impliquem uma aglomeração de pessoas”. Além disso, estipulou que a realização de funerais estava “condicionada” à adoção de medidas que “garantam a inexistência de aglomerados de pessoas e o controlo das distâncias de segurança (…) a determinar pela autarquia local que exerça os poderes de gestão do respetivo cemitério”.

O Decreto do Presidente da República n.º 17-A/2020, de 2 de abril, que renovou a declaração de estado de emergência, com fundamento na verificação de uma situação de calamidade pública, estendeu essas restrições. Na alínea f) do artigo 4.º do Anexo II afirmou que ficava parcialmente suspenso o direito à liberdade de culto, “na sua dimensão coletiva”, podendo ser “impostas pelas autoridades públicas competentes as restrições necessárias para reduzir o risco de contágio e executar as medidas de prevenção e combate à epidemia”, compreendendo a “limitação ou proibição de realização de celebrações religiosas” que, novamente, impliquem uma aglomeração de pessoas. Ficou ressalvado, no n.º 1 do artigo 7.º, que esta declaração não afetaria o direito à liberdade de consciência e religião8.

Segundo o Relatório sobre Liberdade Religiosa no Mundo (ACN Internacional, 2021, p.3), na ficha sobre Portugal, um dos efeitos do combate à COVID-19 foi a restrição de celebrações religiosas. Todavia, como mencionado, o nível de restrição ao culto religioso no país foi elevado (The Conversation, 2020), tendo-se caracterizado por elevada restritividade, suspensão de celebrações religiosas e abertura de espaços de culto apenas para práticas cultuais individuais.

Houve, à semelhança do teorizado por Wohlrab-Sahr e Burchardt (2012, 2017), uma aplicação da secularidade em nome de questões de saúde pública. Ou seja, ao problema de referência (pandemia) ofereceram-se respostas seculares (restrições ao culto), respeitando princípios seculares, tais como: racionalidade, ciência, individualidade ou afastamento físico9. Isso vai ao encontro do n.º 2 do artigo 18.º da CRP onde vem plasmado que a restrição de direitos, liberdades e garantias só poderá ser feita através da lei, quando adequado, necessário e proporcional em sentido estrito para salvaguardar direitos ou interesses constitucionalmente protegidos.

O argumento de Wohlrab-Sahr e Burchardt é também visível no modo como as práticas cultuais só abriram na última fase do plano de desconfinamento proposto pelo governo português. Segundo Alfredo Teixeira (Agência Ecclesia, 2021), isso sucedeu “sem evidência” de que pudessem trazer perigo acrescido “em relação às mobilidades que já estavam a ocorrer nas práticas sociais”, acrescentando que, aqui, “o problema da liberdade religiosa não foi totalmente salvaguardado”. Nesse plano de desconfinamento estava previsto que as cerimónias religiosas abririam a 30-31 de maio de 2020, com celebrações comunitárias de acordo com regras a definir entre a Direção Geral de Saúde (DGS) e as confissões religiosas. Nessa mesma data desconfinariam, igualmente, as competições de futebol (jogos oficiais de futebol da 1ª Liga e Taça de Portugal). Antes dessa data, desconfinariam, prioritariamente: i) transportes públicos, comércio local (por exemplo, cabeleireiros e manicures), certos serviços públicos (por exemplo, balcões de finanças ou conservatórias) ou a prática de desporto ao ar livre (04 de maio); e ii) restaurantes, cafés e pastelarias, museus e monumentos nacionais ou equipamentos sociais (18 de maio).

As escolhas de hierarquização efetuadas pelo Estado, através do sistema de (des)confinamento, “não são neutras”, segundo Ferrière (2020, p.9). Ou seja, a hierarquização de atividades essenciais e não-essenciais no regime de confinamento tem um âmbito normativo, sendo regida por critérios científicos que, neste caso, priorizaram a biopolítica, sobretudo, nos seus diferentes dispositivos médico, económico e securitário. O sistema de confinamento opera, portanto, sob uma lógica de desvalorização de certos valores simbólicos, nomeadamente os associados à subjetividade e à crença em detrimento doutros associados à racionalidade e objetividade. Como analisado, foram consideradas essenciais atividades de consumo, produção industrial, lazer e administrativas para proteger um sistema de valores típico das culturas de secularidade. Inversamente, os sistemas de sentido e valores simbólicos religiosos foram hierarquizados como menos essenciais, sendo incapazes de acomodar atividades religiosas coletivas.

O desenvolvimento e hegemonia de culturas de secularidade que reclamam a primazia da autoridade política, racional e secular fica aqui evidenciado. Na linha de Berger (1990 [1967]), o desenvolvimento destas hegemonias seculares, entre outros aspetos, ajuda a relativizar qualquer corpo de crenças religiosas, minando a inquestionabilidade das suas estruturas de plausibilidade. Bruce vai mais longe ao enfatizar que a afirmação e hegemonia de princípios e práticas seculares visam “substituir os religiosos” (Bruce, 2014, p.192), levando a um esvaziamento da religião no espaço público, nomeadamente ao nível do “controlo das interações quotidianas” (Bruce, 2011, p.37), elencadas por Berger e Luckmann, e, por conseguinte, duma agudização da “crise” (Bruce, 2006, p.37) das suas estruturas de plausibilidade, relatada por Berger.

No concernente a este ponto, Adragão, Leão & Ramalho et al. (2020, p.31) afirmaram:

“[É] discutível se na construção das medidas [de contenção da pandemia], se deu sempre a ponderação que seria devida à liberdade religiosa – designadamente, quando se assistiu à retoma de diversas actividades económicas não essenciais, que envolvem aglomeração de pessoas, num ritmo mais acelerado do que as celebrações religiosas.”

Estes elementos são mais controvertidos por conta de questões sobre a legitimidade conferida a uma autoridade de saúde, administrativa, para ajudar a suspender o direito à liberdade religiosa e à circulação de pessoas. Adragão, Leão & Ramalho et al. (2020, p.27), advogam que a CRP “veda” (n.º 1 do artigo 45.º) a possibilidade de se limitar a liberdade de reunião, incluindo a de culto, pelo seu carácter normativo idêntico, através de uma autorização administrativa. Gouveia (2020) vai mais longe, afirmando que o direito ao culto religioso é “insuspensível, não se distinguindo entre liberdade religiosa coletiva ou individual”, dado que a liberdade religiosa engloba direitos individuais e coletivos de liberdade religiosa (artigo 8.º e seguintes da LLR).

Todavia, nem sob o espectro de possível inconstitucionalidade e desproporcionalidade das medidas relacionadas com a suspensão das cerimónias religiosas comunitárias – i.e., mesmo com o avanço da secularidade para o bem da saúde pública, com as características previamente enunciadas – as principais igrejas e comunidades religiosas radicadas em Portugal se manifestaram contra as regras impostas. O caso da igreja católica é elucidativo do modo como a hegemonia secular foi bem-recebida e promovida pelas comunidades religiosas10.

Mesmo antes do Decreto do Governo que veio regulamentar o estado de emergência, n.º 14-A/2020, de 18 de março, ou das orientações do Vaticano, a Conferência Episcopal Portuguesa (CEP) emitiu uma Nota do Conselho Permanente da CEP, 2 de março, sobre a situação provocada pelo coronavírus, onde pediu aos fiéis que seguissem “estritamente as indicações e normas da Direção Geral de Saúde”, alertando para algumas “medidas de prudência” em celebrações e espaços litúrgicos (Conferência Episcopal Portuguesa, 2020a). No Comunicado de 13 de março sobre a COVID-19, a CEP foi mais além, determinando que os “sacerdotes suspendam a celebração comunitária da Santa Missa até ser superada a atual situação de emergência” (Conferência Episcopal Portuguesa, 2020b). A pandemia conduziu, assim, a igreja católica portuguesa a decidir, centralizadamente, pela suspensão de todas as missas em território nacional. Até então, essa decisão havia sido deixada ao critério das 20 dioceses portuguesas, tendo o bispo de Viseu preliminarmente decidido suspender todas as missas e catequeses. Poder-se-iam ainda acrescentar as recomendações locais relativas à possível suspensão ou limitação de outros sacramentos (por exemplo, casamentos, batismos ou confissões), bem como às catequeses e outras reuniões. Segundo os bispos portugueses, no mesmo Comunicado de 13 de março, estas medidas deveriam ser “complementadas com as possíveis ofertas celebrativas na televisão, rádio e internet”. O constitucionalista Bacelar Gouveia (Público, 2020) referiu, a este respeito, que a igreja católica “não esteve bem”, porquanto foi “mais drástica do que o poder político, tomando e até antecipando uma proibição que nem o próprio Estado teve a ousadia de aplicar com tanta severidade”.

Apenas depois se seguiram as instruções da Santa Sé, em particular os Decretos “Em tempo de COVID-19”, de 19 de março, e “Em tempo de COVID-19 II” de 25 de março, onde se deram orientações para as festividades pascais, considerando o caso de impedimento para celebrar a liturgia comunitariamente na igreja, e onde se pediu que os fiéis se unissem em oração nas suas próprias casas. Aí o Vaticano remeteu as celebrações religiosas para os meios de comunicação telemática, como a CEP já havia antecipado. Aliás, a CEP estabeleceu, a 08 de maio (Conferência Episcopal Portuguesa, 2020c), as orientações para a celebração do culto público católico no contexto da pandemia COVID-19, destacando-se algumas partes:

“Reafirmamos o nosso regozijo pela redescoberta e revalorização criativas de numerosas formas pessoais e familiares de prática religiosa, de oração e liturgia doméstica. Mas bem sabemos que as celebrações públicas do Culto Divino constituem o cume e a fonte (…). Na impossibilidade de cumprir presencialmente o preceito dominical, convida-se à leitura orante da Palavra de Deus e à oração em casa, aproveitando-se a transmissão mediática das celebrações (…). Devem afixar-se, em sítios bem visíveis, cartazes a lembrar as regras de higiene e de distanciamento (anexos da Direção Geral de Saúde). O acesso dos fiéis às Missas dominicais, às celebrações da Palavra e a outros atos de culto será limitado (…) de acordo com a dimensão da igreja e as regras aplicáveis, pelas autoridades competentes, a todos os eventos em espaços fechados”.

Além do elogio à prática religiosa individual, no lar, à mediação digital das celebrações religiosas, ao respeito pelas normas estabelecidas pelas autoridades políticas ou administrativas competentes, como a DGS, a igreja católica manteve a suspensão de peregrinações e romarias. Isso incluiu a Peregrinação Internacional Aniversária ao Santuário de Fátima (13 de maio) que deveria decorrer sem a presença de assembleia.

Este comportamento foi seguido, com as respetivas especificidades, pelas demais igrejas e comunidades religiosas radicadas em Portugal. Por exemplo, a Comunidade Islâmica de Lisboa encerrou a Mesquita Central de Lisboa durante o estado de emergência, procedendo igualmente à suspensão de todas as aulas e da oração de sexta-feira (Salatul-Jumu’ah). Num comunicado de 20 de março, o Presidente da Comunidade Islâmica de Lisboa, Abdool Karim Vakil, pediu que se cumprissem “rigorosamente as recomendações das autoridades (…), nomeadamente da DGS”, alertando para a hipótese de se “repensar” as “práticas e procedimentos habituais” do Sagrado mês do Ramadão (Comunidade Islâmica de Lisboa, 2020). Por seu turno, a Comunidade Israelita de Lisboa, num comunicado de 19 de março, afirmou que procederia a “uma inevitável adaptação” dos seus serviços e estrutura comunitária, bem como à “suspensão” das suas principais atividades. Foi encerrada a sinagoga, sendo também suspensos “todos os serviços religiosos (…) por tempo indeterminado” (Comunidade Israelita de Lisboa, 2020). Por seu turno, numa recomendação de 13 de março, a Associação Evangélica Portuguesa (AEP) recomendou que igrejas e comunidades evangélicas não abrissem “portas para cultos e outras atividades”, pedindo respeito por “todas as indicações sanitárias da DGS” (Associação Evangélica Portuguesa, 2020). As Testemunhas de Jeová suspenderam reuniões e contactos presenciais para divulgar a Bíblia, acatando “plenamente as recomendações das autoridades competentes, incluindo (…) a necessidade de ‘distanciamento social’”, de acordo com o seu porta-voz, Pedro Candeias (Diário de Notícias, 2020). Entre outros, o mesmo sucedeu com a Igreja Católica Ortodoxa de Portugal, União Portuguesa dos Adventistas do Sétimo Dia e com A Igreja de Jesus Cristo dos Santos dos Últimos Dias.

À semelhança da igreja católica portuguesa, houve ainda uma recomendação transversal a todas igrejas e comunidade religiosas para o culto doméstico, individual ou no ambiente familiar, e um apelo à utilização de meios de comunicação digital. Para os católicos as medidas adotadas pela igreja deveriam ser “complementadas com as possíveis ofertas celebrativas na televisão, rádio e internet”, devendo-se permanecer em “oração pessoal e familiar” (Conferência Episcopal Portuguesa, 2020b). Para o cardeal-patriarca de Lisboa, a suspensão da celebração comunitária das missas gerou uma experiência monástico-digital, de “aprofundamento das motivações” e de exploração dos recursos mediáticos e da internet, enfatizando que se deveria redescobrir a “igreja doméstica” (Agência Ecclesia, 2020).

Por sua vez, a Comunidade Islâmica de Lisboa passou o Duá, uma parte essencial do culto, para o Facebook; as testemunhas de Jeová apelaram à leitura online da Bíblia e à partilha de conteúdos bíblicos digitais; a AEP recomendou o uso da tecnologia para transmitir as celebrações ou gravar mensagens/pregações; e os adventistas passaram os seus serviços de culto para o seu sítio de internet.

Segundo a formulação de Wohlrab-Sahr e Burchardt, o poder de agência sobre as culturas de secularidade – neste caso, em favor de questões de saúde pública – está centrado nas autoridades públicas seculares. Na era secular, esse fenómeno promove uma competição religioso-secular cujo terreno de jogo é desnivelado a favor de princípios duma ordem moral moderna secular. Gorski (2003, p.115-119) designou isto de “modelo de conflito sociopolítico”, enquanto Stolz (2010, p.272) lhe chamou “batalha silenciosa”, um conflito onde as igrejas, sobretudo as cristãs, não raras vezes perdem. Todavia, o que se verificou na experiência portuguesa foi uma corresponsabilização do secular e do religioso para o desenvolvimento de respostas seculares a um problema de referência específico (pandemia). Mesmo antes da promoção ou imposição do poder político, foram as próprias igrejas e comunidades religiosas a favorecer uma tal ordem moral moderna secular, promovendo uma auto-secularidade que presume a subordinação de valores e práticas religiosas aos da esfera política.

Em parte, isto reflete o que o Relatório sobre Liberdade Religiosa no Mundo (ACN International, 2021, p.4) descreve sobre Portugal quando afirma que alguns fenómenos, típicos das sociedades hodiernas ocidentais, chegaram ao país, particularmente a crescente “marginalização da religião na vida pública e a legalização de práticas” opostas aos valores de várias religiões. Na conceção tayloriana, este tipo de práticas refletem um quadro ou referencial imanente (secular), no qual a ciência e a tecnologia se assumem como marco cósmico e ontológico pelo qual as sociedades modernas se regem. Isto é, tornam-se no marco imanente subjacente à ordem social contemporânea que, por defeito, leva as pessoas a optar por valores e práticas seculares, afastando-se, assim, das esferas religiosas.

Mesmo com a transição do religioso para a esfera digital, tendência que se tem vindo a afirmar como complemento das práticas religiosas, as novas tecnologias podem constituir um elemento de “diluição das comunidades religiosas”, segundo Franca, Martins & Fernandes (2019, p.135). Elas contribuem para alteração das sociabilidades assentes na vizinhança residencial e numa única comunidade física e aumentam a complexidade das relações sócio-espaciais, sobretudo, no espaço urbano. Como discutido noutros locais (Wilson, 1969 [1966]; Hervieu-Léger, 1999; Moniz, 2020), o declínio das formas de comunidade e a consequente atomização dos indivíduos tendem a afastar as pessoas dos laços comunitários religiosos tradicionais. Elas promovem esferas privadas e móveis de interação social que fomentam a diminuição da plausibilidade global dos sistemas moral e religioso (tradicionais).

Esta cultura de secularidade, também promovida pelas igrejas e comunidades religiosas, tende a difundir uma religiosidade com vínculos institucionais mais ténues e sem efeitos praxistas que pode ter consequências negativas para a religião, sobretudo a sua desagregação e acantonamento. Isto é especialmente evidente na sua coparticipação no espaço público, amiúde dispersa e fortemente controlada pela esfera política. Contudo, estes temas relacionados com as consequências efetivas e a médio termo duma auto- secularidade deverão ser objeto de reflexão noutro(s) trabalho(s) de investigação.

Considerações finais

Num comentário final, pesando o que aqui foi analisado, pode-se afirmar que o estado de emergência sanitária associado à COVID-19 gerou uma situação de restrição à liberdade religiosa, na sua dimensão coletiva, que não se verificava em Portugal, pelo menos, desde a década de 1970, antes da publicação da lei n.º 4/71.

A normalização da preponderância dos princípios seculares permitiu uma hierarquização de atividades essenciais e não-essenciais que, além de pôr em questão as estruturas de plausibilidade da religião, esvaziou a sua presença no espaço público e ajudou a promover uma cultura de secularidade. É provável que isto tenha sucedido por conta dum quinteto de razões prévia e implicitamente examinadas:

  • O gradual predomínio duma era secular que assume um afastamento da religião no espaço público.

  • O estabelecimento dum sistema de relações Estado-religiões que implementa processos de regulação/controlo do religioso baseados em princípios de neutralidade secular e numa lógica de hierarquização que tende a desvalorizar certos valores simbólicos (religiosos).

  • O avanço e hegemonia de culturas de secularidade que reclamam a primazia da autoridade política, racional e secular. Neste caso, através do avanço da secularidade para o bem da saúde pública.

  • A aceitação da subordinação de princípios e experiências religiosas aos da esfera política através da promoção de uma auto-secularidade, promovida pelas igrejas e comunidades religiosas, que favorece a ordem moral moderna secular.

  • A passagem do religioso para a esfera privada e digital que reduz os vínculos comunitários e tende a disseminar uma religiosidade com laços institucionais mais frágeis e sem efeitos praxistas.

O quinteto de asserções e as construções teóricas que lhe subjazem não são, porém, sinónimos dum perecimento da religião, sendo ainda menos tributários da ideia de que isso poderá suceder duma forma universal, unilinear ou determinista. Não obstante o avanço duma era secular marcada pela emergência e predomínio dum paradigma imanente de interpretação do mundo e pelo avanço e hegemonia de culturas de secularidade, a religião continua a ser importante. Como evidenciado, nos casos referentes à manutenção da realização de celebrações de carácter religioso, de funerais ou da liberdade de circulação dos ministros de culto, não obstante as suas múltiplas condicionantes, a própria cultura de secularidade foi forçada a adaptar-se ao religioso.

Todavia, aquando da resposta aos problemas de referência específicos das sociedades hodiernas, como visto, tanto na teoria como na prática, a solução oferecida baseia-se unicamente em ideias-guiadoras seculares. Por exemplo, ao problema de referência da COVID-19 deu-se uma resposta secular, i.e., a restrição da liberdade de manifestação exterior e prática de atos de culto. Priorizou-se a privatização da crença ao invés do culto religioso, o afastamento físico ao invés da eclésiae a racionalidade e conhecimento científico ao invés de fé ou tradição. Apesar de, mesmo dentro das culturas de secularidade, o político permitir ao religioso inspirar ou influenciar certas propostas de significado sociopolítico, a premissa é que as fontes inspiradoras (transcendentes) da religião apareçam amortecidas. Ou seja, a sua contribuição deve ser primeiramente, senão exclusivamente, sociopolítica e só acessoriamente religiosa. A religião é compelida a perder, em certa medida, aquando da sua intervenção no espaço público, o seu sentido propriamente religioso, sendo isso ainda mais evidente em situações de auto-secularidade. A crença é reduzida a um problema de liturgia ou de fé – um resto, como lhe chamou Marcel Gauchet –, mas pouco mais do que isso.

Por fim, não pretendo diminuir a relevância do trabalho aqui desenvolvido, até porque, modéstia à parte, considero-o profícuo para enquadrar a era secular, desafiar as culturas de secularidade e lançar novas pistas de investigação na área. Mais, esta investigação anima o futuro debate sobre as consequências, positivas ou negativas, da auto-secularidade fomentada durante a pandemia. No entanto, considero que serão necessários mais estudos para se sustentar e fortalecer este argumento ou, quem sabe, para falsificá-lo. Serão indispensáveis mais investigações, provavelmente com maior amplitude e abrangência, que considerem outras áreas geográficas, métodos comparativos e períodos de análise mais extensos. Todavia, neste momento, apenas posso esperar que este estudo seja um contributo nesse sentido.

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Notas

1 O facto de Portugal nunca ter experimentado uma visão religiosa moderada entre católicos e não-católicos (v.g. protestantismo) repercute-se na ascensão deste grupo.
2 O primeiro estabelece os limites mínimos de liberdade de ação fixados pelas instituições políticas, relativamente às autoridades e comunidades religiosas e vice-versa (Stepan, 2000); o segundo estipula os limites da inclusão ou exclusão pública da religião e a medida na qual as autoridades estatais se empenham nessa ação.
3 Por exemplo, a urbanização e a erosão da civilização paroquial, associadas a fortes vínculos religiosos; a expansão da literacia e a educação e o fim do monopólio do conhecimento do clero; a ciência e a tecnologia e o desenvolvimento de caminhos alternativos aos religiosos para se compreender o mundo; o crescimento do Estado moderno e a centralização de funções oferecidas anterior e exclusivamente pelas instituições religiosas.
5 Parecer da Câmara Corporativa publicado no “Boletim da Faculdade de Direito”, Coimbra, vol. XVII, p. 359 (apud, Ac. TC 423/87, p.4130).4 Parecer da Câmara Corporativa publicado no “Boletim da Faculdade de Direito”, Coimbra, vol. XVII, p. 334 ss (apud, Ac. TC 423/87, p.4130).
6 Cf. Lei n.º 44/86 sobre o regime do estado de sítio e do estado de emergência. O n.º 1 do artigo 2.º, sobre garantias dos direitos dos cidadãos, diz precisamente o mesmo.
7 Cf. Processo 01394/06.0BEPRT, Acórdão n.º 544/2014 e Acórdão n.º 545/2014.
8 Recorda-se que o Despacho n.º 4235-D/2020, sobre a aplicação do artigo 6.º do Decreto n.º 2-B/2020 aos ministros do culto, lhes garantiu a “liberdade de circulação para a prática de atos urgentes, ainda que enquadrada nos condicionalismos gerais vigentes ao abrigo da declaração do estado de emergência”. Assim sendo, reafirmou a manutenção em vigor das limitações à dimensão coletiva da liberdade de culto, previstas na alínea f) do artigo 4.º do mesmo Decreto.
9 De acordo com o seu diagrama de formas básicas de secularidade (Wohlrab-Sahr & Burchardt, 2017, p.162), este tipo de secularidade, a favor de questões de saúde pública, afigura-se mais próximo daquela de tipo 1 (associada ao mundo da vida e com foco implícito centralizado), onde a secularidade é acompanhada de ideias guiadoras como responsabilidade individual e afastamento físico. Aproxima-se ainda da secularidade do tipo 4 (associada ao sistema e com foco implícito descentralizado), onde a secularidade é acompanhada de ideias guiadoras como a racionalidade e conhecimento científico.
10 Foram raros os casos em que isso não sucedeu. Por exemplo, a necessidade de interrupção, por parte das forças policiais, de missas comunitárias em Mangualde, Alcochete ou Porto Cruz em março de 2020 ou a posição dum vigário da Diocese Leiria-Fátima que defendeu publicamente que os bispos deviam levantar a suspensão das missas comunitárias.
4 Parecer da Câmara Corporativa publicado no “Boletim da Faculdade de Direito”, Coimbra, vol. XVII, p. 334 ss (apud, Ac. TC 423/87, p.4130).


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