Artigos
Mapeamento de inovação nas práticas curriculares dos professores: narrativas de estudantes do ensino médio
Mapeo de la innovación en las prácticas curriculares de los docentes: narrativas de estudiantes de secundaria
Mapping innovation in teachers curricular practices: narratives of high school students
Mapeamento de inovação nas práticas curriculares dos professores: narrativas de estudantes do ensino médio
Revista angolana de ciências, vol. 3, núm. 2, pp. 390-410, 2021
Universidade Rainha Njinga a Mbande

Recepción: 15 Mayo 2021
Aprobación: 15 Agosto 2021
Resumo: A inovação curricular proporciona novos modos de pensar e actuar para melhorar a forma de ensinar e ampliar as possibilidades de aprender. Este artigo visa mapear inovação nas práticas curriculares dos professores, a partir das narrativas de estudantes concluintes do ensino médio de duas instituições secundárias do município de Benguela-Angola. Para isso, faremos uma incursão teórica sobre práticas curriculares, autonomia e o papel do professor na gestão elástica e inovadora do currículo para a melhoria das aprendizagens. Metodologicamente tratou-se de um estudo assente no paradigma qualitativo, com recurso a análise documental e pesquisa bibliográfica, tendo os dados sido recolhidos por meio de um inquérito por entrevista, respondido por dois grupos focais compostos por 13 alunos. Para subsidiar a análise das narrativas dos sujeitos, utilizou-se a técnica de análise temática através da categorização temática, baseada nas orientações de Bardin. Os principais resultados demonstram que na realidade embora se reconheçam casos excepcionais de professores que, por iniciativa e ousadia próprias, procuram adoptar novas formas de organizar e gerir o currículo, as narrativas dos sujeitos permitem concluir que é ainda pouco significativo o número de professores que desenvolve práticas curriculares com rasgos de inovação, condicionando uma participação activa e proactiva dos alunos e sua consequente peregrinação para o alcance do reino da qualidade educativa.
Palavras-chave: Professor, Práticas curriculares, Inovação.
Resumen: La innovación curricular aporta nuevas formas de pensar y actuar para mejorar la forma de enseñar y ampliar las posibilidades de aprendizaje. Este artículo tiene como objetivo mapear la innovación en las prácticas curriculares de los docentes, a partir de las narrativas de egresados de secundaria de dos instituciones de secundaria del municipio de Benguela - Angola. Para ello, realizaremos una incursión teórica sobre las prácticas curriculares, la autonomía y el rol del docente en la gestión elástica e innovadora y el currículo para la mejora del aprendizaje. Metodológicamente, fue un estudio basado en el paradigma cualitativo, utilizando análisis documental e investigación bibliográfica, y los datos fueron recolectados a través de una encuesta de entrevista, respondida por dos grupos focales compuestos por 13 estudiantes. Para apoyar el análisis de las narrativas de los sujetos, se utilizó la técnica de análisis temático a través de la categorización temática basada en los lineamientos de Bardin. Los principales resultados muestran que en realidad, si bien se reconocen casos excepcionales de docentes que, por iniciativa propia y audacia, buscan adoptar nuevas formas de organizar y gestionar el currículo, las narrativas de las asignaturas permiten concluir que el número de docentes que desarrolla prácticas curriculares con características de innovación, condicionando la participación activa y proactiva de los estudiantes y su consecuente peregrinaje para alcanzar el ámbito de calidad educativa.
Palabras clave: Docente, Prácticas curriculares, Innovación.
Abstract: Curricular innovation provides new ways of thinking and acting to improve the way of teaching and expand the possibilities of learning. This article aims to map innovation in teachers curricular practices, based on the narratives of high school graduates from two secondary institutions in the municipality of Benguela-Angola. For this, we will make a theoretical foray on curricular practices, autonomy and the role of the teacher in elastic and innovative management and the curriculum for the improvement of learning. Methodologically, it was a study based on the qualitative paradigm, using documentary analysis and bibliographic research, and the data were collected through an interview survey, answered by two focus groups composed of 13 students. To support the analysis of the subjects narratives, the thematic analysis technique was used through the thematic categorization based on the guidelines of Bardin. The main results show that in reality, although exceptional cases of teachers are recognized who, on their own initiative and boldness, seek to adopt new ways of organizing and managing the curriculum, the subjects narratives allow us to conclude that the number of teachers who develops curricular practices with innovative characteristics, conditioning the active and proactive participation of students and their consequent pilgrimage to reach the realm of educational quality.
Keywords: Teacher, Curricular practices, Innovation.
INTRODUÇÃO
Em épocas de inúmeras transformações, impõe-se à sociedade uma mudança educativa, através da qual sejam colocadas em prática um conjunto de estratégias que permitam formar sujeitos à altura dos ímpetos locais, globais e actuais, isto é, capazes de enfrentar os grandes desafios e as profundas metamorfoses do desenvolvimento próprios dos dias de hoje. É neste contexto que pensamos na pedra angular insubstituível, o professor, com capacidade de transformar continuamente as suas práticas pedagógicas, questionar as regras da gramática do jogo curricular, germinando outros pensamentos, conquistando a independência de seu pensamento, no sentido de se encontrar respostas curricularmente mais justas e ajustadas tendo como referência central o aluno, a escola e a hegemonia dos contextos (Julião, 2020a; Roldão, 1999).
Nesse mundo em constante movimento, é papel fundamental da escola e dos professores ministrar aulas que sejam dinâmicas, produtivas, interessantes, atraentes e felizes (Julião, 2020a). É papel do professor despertar o apetite e a sede de seus alunos pelo conhecimento dentro e fora do cenário das quatro paredes da sala de aulas. Para alcançar esses objectivos, é imprescindível que se reinvente, se reinvista e se revolucione, desenvolvendo práticas curriculares inovadoras, e se arme de recursos que irão contribuir positivamente para a excelência de sua actuação dentro e/ou fora dos limites impostos pela escola.
Torna-se ainda imprescindível, aproveitar as margens de autonomia previstas no Decreto Presidencial n.º 160/18, de 3 de Julho (Angola, 2018) e no Decreto Presidencial n.º 276/19, de 6 de Setembro (Angola, 2019), para flexibilizar, dinamizar, inovar e desenvolver o projecto curricular e mudar a forma como se organiza o currículo. Torna-se, igualmente fundamental, não seguir roteiros desconexos do contexto, divorciar-se de práticas curriculares baseadas excessivamente no falarditar do mestre de forma descontextualizada, desmembrar-se de metodologias pouco provocadoras, de monotonia das actividades em sala de aula e da utilização de materiais curriculares de cariz mais tradicional, que em nosso entendimento, emperram a melhoria da qualidade das suas práticas e a concretização de um ensino ao serviço das aprendizagens.
Neste sentido, o presente artigo visa mapear a inovação nas práticas curriculares dos professores, a partir das narrativas de estudantes concluintes do ensino médio de duas instituições secundárias do município de Benguela-Angola. O texto, metodologicamente desenvolvido como uma investigação qualitativa, com análise documental e entrevista grupal, incorporou em seu marco analítico autores como Roldão, Pacheco, Morgado, Lopes e Julião. Para subsidiar a análise das narrativas dos sujeitos pesquisados, utilizou-se a técnica de análise categorial temática, baseada nas orientações imprescindíveis de Bardin (2009).
A justificativa desta abordagem é a necessidade de estimular reflexões dos principais intervenientes do processo educativo e da comunidade em geral angolana sobre a necessidade de mudança da escola e a importância de se desenvolver práticas curriculares inovadoras, procurando-se reforçar o papel e as competências dos professores para fazer frente aos desafios hodiernos e a outros cenários ainda incertos, conseguindo dar respostas eficientes e eficazes aos desafios da melhoria dos processos de ensino-aprendizagem.
Para isso, urge revisitar as políticas educativas, curriculares e a questão do reforço da autonomia da escola e dos professores, no sentido de revisar e ampliar o sentido do que são conteúdos relevantes; torná-los aprazíveis para os estudantes; aproveitar os meios disponíveis, os clássicos ou as novas tecnologias; revisar as práticas que dificultam esses objectivos; tornar as escolas algo mais que simples locais onde se ‘passa a matéria para os alunos decorarem e fazerem provas’ (Gimeno Sacristán e Pérez Gómez, 2011, p. 58).
DE QUE FALAMOS QUANDO ABORDAMOS O CONCEITO DE INOVAÇÃO?
A inovação constitui uma temática que tem merecido, nos últimos anos, uma atenção digna de realce, no âmbito da reflexão e investigação educativas, em função da multiplicidade dos critérios de análise utilizados pelos autores, podendo, assim, falar-se de inovação técnica ou tecnológica, cultural ou pragmática, pessoal, política ou empática; inovação menor ou radical; inovação de natureza profunda, estrutural (holística) ou conjuntural (parcelar, localizada); inovação constituída (se visa alcançar um novo estado de estabilidade do sistema) ou constituinte (se encara o processo inovador como permanente), essencial ou superficial (Pacheco, 2001).
As inovações curriculares, como derivações de políticas educativas, são construções sociais que decorrem de uma necessidade de mudanças efectivas de crenças curriculares e processos de formação, não devendo resultar de um roteiro desconexo nem autoritário (racionalidade top-down), mas de um amplo e consciente envolvimento e negociação dos agentes curriculares, mediante um processo participado de planeamento, execução e avaliação.
Ciente da complexidade da problemática da inovação educativa e curricular, que não pode ser analisada segundo parâmetros rígidos, podemos socorrer-nos do entendimento de La Torre (1994), segundo o qual um processo de inovação deve obedecer a alguns critérios, a saber: a origem pode ser interna ou externa às escolas, desde que o conhecimento/entendimento, os valores, atitudes, e estratégias sejam partilhadas pelos agentes inovadores; os critérios de actuação visam a solução de problemas e a melhoria da acção curricular; as estratégias de inovação devem favorecer a clarificação progressiva dos problemas, a gestão da mudança e a busca de soluções exequíveis; Deve obedecer a questões fundamentais como o que se quer mudar, porquê, para quê, quando e de que forma; Obedece a um projecto concebido, concretizado e avaliado pelos agentes inovadores em função da hegemonia dos contextos; Devem ser discutidas e negociadas numa cultura de respeito e de colaboração.
Para a presente abordagem, e em função das balizas supra aludidas, assumiremos os postulados de Sebarroja, que apresenta uma definição muito abrangente e que nos ajuda a elucidar o conceito ao considerar a inovação como:
uma série de intervenções, decisões e processos, com algum grau de intencionalidade e sistematização, que tentam modificar atitudes, ideias, culturas, conteúdos, modelos e práticas pedagógicas e, por sua vez, introduzir, seguindo uma linha inovadora, novos projectos e programas, materiais curriculares, estratégias de ensino e aprendizagem, modelos didácticos e uma outra forma de organizar e gerir o currículo, a escola e a dinâmica da aula (Sebarroja, 2001, p. 16).
Como vemos, este conceito engloba decisões políticas, modificação de crenças, práticas e atitudes, novos conteúdos e programas, modelos de ensino, novos modos de gestão e organização curricular, utilização de novos materiais e recursos tecnológicos e novas formas de avaliar os alunos. Estamos a falar de um processo que provoca novos modos de pensar e actuar para melhorar a forma de ensinar e ampliar as possibilidades de aprender.
A inovação curricular incorporada no sistema da educação leva em consideração três termos – inovação, reforma e mudança. Segundo Pacheco (2001), por reforma educativa entende-se uma transformação da política educativa de um país a nível de estratégias, objectivos e prioridades, transformação esta que pode ser traduzida por conceitos como inovação, mudança e melhoria que têm como denominador comum a introdução de algum pensamento ou prática nova. Embora possa ter uma abrangência mais lata, a inovação expressa-se, particularmente, “a nível mais concreto das práticas educativas e dos contextos imediatos da acção dos professores e dos diversos agentes educativos” (Pacheco, 2001, p. 15) e nem toda a mudança significa necessariamente uma inovação.
Portanto, as inovações contribuem para que o aluno se torne num protagonista de sua aprendizagem dentro e/ou fora das “amarras” rigorosas da escola, na sala de aulas ou em seu quarto de casa, sempre conduzido pela sua curiosidade epistémica, porém mediado pelo professor, enquanto mágico do giz por excelência. Fomentar a inovação nas escolas, inovar as práticas curriculares e encontrar as respostas mais assertivas a cada contexto são aspectos que pressupõe a consideração do professor como verdadeiro agente de revoluções estratégicas, pois entendemos que a verdadeira mudança é impulsionada pela ousadia e criatividade desses (Fullan, 1993) que, de forma colegial procura soluções, que melhorem o ensino e promovam boas aprendizagens. Para que as escolas possam ser instituições inovadoras é condição necessária que o sistema escolar repense a figura do professor, tolere e promova o pluralismo, a diversidade e é fundamental que essas escolas ventilem condições imprescindíveis para exercer e construir sua própria autonomia, resistindo às pressões externas, melhorando as margens de qualidade da sua actuação.
O PAPEL DO PROFESSOR NO DESENVOLVIMENTO E NA INOVAÇÃO CURRICULAR
Não há currículo que se realiza à borda da acção proactiva dos professores. Por esse motivo, Pacheco (2001) o considera como sendo o protagonista do desenvolvimento do currículo, pois entende, que ele, vivendo e sentindo a escola, representa o fôlego de todo o sistema educativo, pelo que faz todo sentido e justifica a atenção e o investimento que se deve fazer para a melhoria da sua actuação profissional.
Para analisar o papel do professor no desenvolvimento do currículo, adoptamos a classificação proposta por Pacheco (2001) e Flores (2000) que distinguem os modelos centrados nos objectivos, onde o professor é um mero consumidor de currículo, porque se confina a executar as instruções curriculares arquitectadas fora da escola, assumindo uma postura de mero transmissor de licções-padrão, na lógica de uma pedagogia memorística e sem efectividade; do modelo centrado no processo, onde o professor é um gestor do currículo, assumindo uma postura reflexiva sobre a prática, bem como a responsabilidade na investigação, concepção e desenvolvimento do currículo, adequando-o de forma criativa e inovadora aos contextos específicos; e do modelo centrado na situação, em que o professor é visto como reconstrutor do currículo, porque tem liberdade de criticar e elaborar programas e materiais, de definir as suas estratégias educativas e de propor actividades que considere necessárias para os alunos em função do contexto e com olhos na qualidade.
Nessa perspectiva, Fullan (1993) pontua que o destino de uma inovação educativa dependerá do que os professores pensam e fazem uma vez que são eles que em conjunto com os seus colegas e alunos e pela sua maneira de conceber e gerir quotidianamente as situações de ensino e aprendizagem concretizam o currículo. Assim, urge as políticas educativas ventilarem a favor da figura do professor, que se deve configurar em agente revolucionário da sua prática e responsável pelas mudanças que se almejam na escola, pois entendemos que a verdadeira mudança é a que acontece nas escolas provocada pela ousadia e criatividade dos professores (Fullan, 1993) que, de forma colegial procuram soluções, que passem por projectos contextualizados, em metodologias activas, como sala de aula invertida, aulas dramatizadas, jogos comportamentais, tertúlias literárias/matemáticas, uso de novas tecnologias de informação e comunicação, diversificação dos instrumento de avaliação, que coloquem o ensino no pelo exercício das aprendizagens de boa qualidade.
FORMAS DE INOVAÇÃO CURRICULAR E MELHORIA DAS APRENDIZAGENS
É importante considerar que para o presente estudo, o foco recai na inovação curricular, mais rigorosamente nos aspectos mais concretos da acção do professor na escola e sobretudo na operacionalização curricular. As referências directas às questões pedagógicas ligadas à inovação são numerosas, porém sintetizamos no seguinte:
A contextualização e os objectivos educativos
Num mundo cada vez mais globalizado e desafiante urge a necessidade de conectar o currículo aos contextos e vivências dos alunos, de modo a aprenderem crítica e significativamente. Neste âmbito, a inovação, pode acontecer por via da integração e/ou aproximação de conceitos escolares com a casa, comunidade e experiências educativas dos alunos, tornando o currículo relevante e mais próximo da realidade vivencial de quem aprende.
A forma de conceber o conhecimento e a aprendizagem
A inovação também pode se dar pela forma de conceber o conhecimento para além das fronteiras disciplinares, ou via reconfiguração de saberes, com a anulação ou diminuição das dualidades entre saberes científicos e popular, entre a ciência e cultura, entre a educação e o trabalho, etc. Neste sentido, o processo de aprendizagem também é revisto e passa a caracterizar-se pela co- construção de conhecimento, onde a transmissão de informações e experiências, via falar-ditar do mestre deixam de ser o foco central (Masetto, 2004).
A Metodologia
Masetto (2004) identifica como característica comum a todas as proposições metodológicas inovadoras o papel privilegiado atribuído à participação activa do aluno e sua interacção com os outros alunos e com o professor, visando à partilha de responsabilidades na co-construção do conhecimento. Do ponto de vista metodológico, inovar significaria estruturar actividades de ensino que requeiram o envolvimento do aluno no planeamento e na realização das actividades propostas, como por exemplo sala de aula invertida, aulas dramatizadas, jogos comportamentais, júri simulado, tertúlias literárias e matemáticas, etc., pois favorecem o alcance de aprendizagens de boa qualidade e possibilitam continuamente o despertar do interesse pela escola.
Os papéis e a relação entre professores e alunos
Em relação a esta matéria, Masetto (2004) refere que as propostas inovadoras trazem também uma reconfiguração da relação estabelecida entre professor- aluno e entre aluno-aluno, uma vez que o professor deixa de ser um mero “dador de aula” e passa ser um provocador que prepara situações de aprendizagem, para que o aluno seja desafiado com oportunidades de tomada de decisão. Para que se consiga a inovação deverá ser desenvolvida uma relação de parceria e de co-responsabilidade, em que se verifique o trabalho em equipa e a construção colectiva do conhecimento. Tudo isto significa, necessariamente, mudanças nas relações de poder dentro da sala de aula, em que os alunos passam a ser protagonistas de suas acções e aprendizagens sob orientação e cooperação do professor.
O uso de materiais ou recurso de ensino
Analogamente ao que ocorre em termos de inovação curricular por via dos métodos e técnicas, e numa perspectiva de complementaridade, as práticas curriculares inovadoras por via de mudanças nos materiais ou recursos de ensino e na tecnologia empregue na sala de aula, se constitui outra dimensão da inovação curricular. Em termos práticos, esta dimensão da inovação dá-se por via da utilização de recursos diversos no processo de aprendizagem dos alunos, tais como: livros mais diversificados, meios de comunicação e multimédia, entre os quais as notícias, revistas, jornais, documentários, e programas de televisão e outras e materiais como portfolios, fichas de trabalho e outros documentos. Em relação a essa matéria, Carbonell (2002) refere que o uso dos recursos acima indicados representa uma mudança significativa, uma vez que os materiais habitualmente utilizados pelos professores, restringem o contacto do aluno com a diversidade de linguagens e pontos de vista existentes além de roteirizar excessivamente a disciplina.
A Avaliação
Outra dimensão, por via da qual se concretiza a inovação curricular é o tratamento dado à avaliação, no âmbito da prática formativa e como instrumento de feedback que motive o aluno a aprender e promova melhorias na aprendizagem e no desenvolvimento integral dos mesmos (Masetto, 2004). No âmbito da avaliação, a inovação pode acontecer por meio do carácter contínuo da colecta de dados, da diversificação das dimensões a serem avaliadas, bem como da mudança e diversificação dos instrumentos e técnicas de avaliação. Para uma boa parte da nossa realidade, a falta de instrumentos de avaliação suficientemente diversificados, e de materiais que facilitem uma pedagogia inclusiva tem levado a domesticação e opressão dos sujeitos que aprendem, adiando a qualidade dos processos de ensino-aprendizagem dos alunos e o consequente desenvolvimento das suas competências.
Não se pode deixar de considerar, no entanto, que um processo de inovação, no sentido adoptado neste trabalho, que prevê melhorias acentuadas à situação vigente não se dá por meio de alterações pontuais em um ou outro aspecto, mas envolve, necessariamente, múltiplas dimensões, suas inter-relações e a abertura dos professores às mudanças. Portanto, é possível perceber as inúmeras possibilidades de concretização de práticas de inovação curricular nas escolas e nas salas de aulas tendo como finalidade dinamizar as formas de ensinar para melhorar e ampliar as possibilidades das formas de aprender.
MATERIAL, MÉTODOS E INSTRUMENTOS
Na investigação que serve de base ao artigo, assume-se uma abordagem essencialmente qualitativa ou hermenêutica, conforme defendido por Coutinho (2011) ao afirmar que os estudos qualitativos são aqueles que visam a compreensão de fenómenos na sua totalidade, e desocultar os significados que os próprios sujeitos atribuem aos contextos e as suas vivências. Importa lembrar que o mais importante nos estudos de índole qualitativo não é a representatividade da amostra, mas sim a significatividade das respostas dos sujeitos, por privilegiar o recurso a estratégias metodológicas de índole participativa e o aprofundamento das questões.
Para a elaboração do presente texto foram seleccionadas obras essencialmente relacionadas à autonomia, inovação curricular e trabalhos académicos pertinentes para a temática. Por englobar diferentes áreas de conhecimento, fezse recurso a análise documental e bibliográfica, tendo os dados sido recolhidos por meio de um inquérito por entrevista, com questões semi-estruturadas (Coutinho, 2011; Bogdan e Biklen, 1994).
A pesquisa é do tipo descritivo - exploratório. Descritiva, porque, como sublinham os metodólogos Cervo e Bervian (2002) baseia-se no registo, análise e correlação de factos, sem interferência do pesquisador, no sentido de se manipular variáveis. É exploratório porque, pensando numa investigação de grande monta, procurou- se entender contextos e obter insights preliminares, procedendo-se a uma reflexão sobre a forma e com que critérios o deveríamos fazer.
A pesquisa bibliográfica, envolveu uma parte significativa da bibliografia tornada pública em relação ao tema (Teses, Dissertações, artigos científicos, livros) e pesquisa documental, pelo facto de se recolher dados circunscritos à análise de documentos oficiais, como por exemplo a LBSEE 17/16, de 7 de Outubro alterada pela Lei n.º 32/20, de 12 de Agosto, o Decreto Presidencial n.º 160/18, de 3 de Julho e o Decreto Presidencial n.º 276/19, de 6 de Setembro (Marconi e Lakatos, 2009;Cervo e Bervian, 2002).
De acordo com as orientações definidas para este estudo, e porque o contacto directo com os inquiridos, além de ser mais enriquecedor, permitiu explorar em profundidade aspectos que considerámos vitais, optámos por realizar entrevistas semi-estruturadas, o que permitiu que os entrevistados pudessem expressar as suas percepções e opiniões com a necessária tranquilidade e liberdade (Bogdan e Biklen, 1994), sem que o processo obedecesse a uma estrutura muito rígida, cabendo ao investigador sintetizar as divergências e convergências das opiniões, extraindo as conclusões que melhor se alinham aos objectivos da investigação.
POPULAÇÃO, AMOSTRA E PROCEDIMENTOS
A presente investigação foi realizada em duas instituições escolares do 2º Ciclo do Ensino Secundário, situadas no município de Benguela, na zona periurbana. Para a realização do estudo obtivemos previamente uma autorização dos gestores escolares e dos professores para aplicação dos instrumentos de recolha de dados, assegurando-lhes que toda informação seria codificada, obedecendo o carácter da confidencialidade.
Em relação ao número de participantes na entrevista grupal, encontramos na literatura diferentes opiniões relativamente a essa questão. Contudo, tendo em conta o critério de saturação, Pizzol (2004) considera que o tamanho óptimo para um grupo focal é o que permite uma interacção efectiva dos participantes e uma discussão adequada dos temas. Entendemos, por isso, que o número de componentes do grupo devia ser suficiente para gerar uma discussão rica e de algum valor para os objectivos da pesquisa.
Para a execução da pesquisa que embasou a escrita deste artigo, realizamos entrevistas em grupo, com duas sessões ao total, realizadas em dias alternados e com duração média de duas horas e trinta e cinco minutos, nas quais dividiram- se os estudantes em dois grupos constituídos por 7 e 6 alunos da 11ª e 12 Classes, com idades compreendidas entre os 17 aos 18 anos, de cada escola respectivamente. Desses estudantes, 54,7% são do sexo feminino e 45,3% são do sexo masculino. Tendo em conta os objectivos da investigação e a necessidade de um maior alinhamento das características dos participantes, tais como o nível de formação, a faixa etária, o nível de compreensão e abordagem que interferem, radicalmente, na percepção do assunto, cada grupo representou um núcleo de aprendizagem, sendo que foi solicitado o consentimento dos participantes e a devida autorização de participação no estudo.
De recordar que, para além do moderador (o investigador), a organização contou com os participantes e dois gravadores dispostos em salas protegidas de ruídos e interrupções externas. Para subsidiar a análise das narrativas dos sujeitos pesquisados, utilizou-se a técnica de análise categorial temática, baseada nas orientações de Bardin (2009), que apela a construção de um referencial de codificação tendente à redução progressiva das unidades do texto. Os gestos e a postura dos interlocutores, enquanto aspectos constituintes da linguagem humana, contêm tanta informação, tanto quanto, os discursos, razão pela qual optamos pela estratégia face by face.
A aplicação da técnica de análise temática se deu por meio da organização dos dados por agrupamentos, que em seguida foram sistematizados em unidades de sentidos que culminaram com a elaboração das temáticas de agrupamentos, permitindo mapear os elementos semânticos que indicam convergência e consenso entre as falas dos entrevistados (Bardin, 2009).
ANÁLISE E DISCUSSÃO DOS RESULTADOS
Para apresentar os dados resultantes das entrevistas aos alunos, decidimos organizar em segmento de análise. Esta opção deve-se ao facto desta estrutura permitir uma leitura mais sintonizada com os objectivos definidos. Nesse sentido, a análise abarca três dimensões principais:
No que diz respeito às mudanças das práticas dos professores, questionámos os participantes do estudo sobre estratégias que indiciassem algum tipo de mudança na maneira de ensinar dos professores e se essas estratégias tinham permitido melhorar as suas aprendizagens. Os alunos foram unânimes ao considerar que alguns professores alteraram as suas práticas curriculares através da adopção de novos métodos de trabalho na sala de aulas, com reflexos na forma de abordar os conteúdos, na contextualização das matérias, no desenvolvimento do espírito investigativo dos alunos e, ainda, na reestruturação da própria sala de aulas. No entanto, os estudantes reconheceram que existem outros professores que não saíram das suas zonas de conforto, quer pelas suas constantes impontualidades, quer pelo distanciamento afectivo dos alunos, quer, ainda, pelas suas posturas autoritárias.
Na generalidade, podemos afirmar que os alunos consideram que as novas estratégias adoptadas por alguns professores contribuíram para melhorar a aprendizagem nas suas aulas, o que se tornou claro pelas declarações que a seguir se transcrevem:
(…) alguns professores apresentaram estratégias que mudaram a nossa formação. (…) Agora explicam muito bem e de maneira mais simples, que nós entendemos. (ABA1)
(…) alguns professores apresentaram estratégias que mudaram a nossa formação. (…) Agora explicam muito bem e de maneira mais simples, que nós entendemos. (ABA1)
Alguns mudaram, outros não. (ABA3)
(…) Os professores inovaram sim, implementaram novas coisas, algumas estratégias, pese embora não todos(…). Eles saíram da sua zona de conforto, dando a matéria e explicando de uma maneira muito simples, buscando exemplos próximos, reais e isto ajudou-nos muito. Foram mais humanistas na sua actuação como professores e mandam trabalhos investigativos para defender. (ABA5)
Para dizer que os professores melhoraram bastante; (…) destaco os professores de Língua Portuguesa, Biologia e Geologia, que utilizando trabalhos investigativos em grupo começamos a aprender melhor. (ABA2)
(…) Houve mudança de estratégia sim, alguns professores mudaram por acaso; Por exemplo a professora de Economia, antes ditava muito a matéria, depois trazia os materiais para acompanharmos… ABE2.
(…) Por exemplo o professor de História nos dá já matéria resumida e nos ajuda muito, uma vez que já não nos cansamos muito e não tiramos mais muitas negativas. (ABE1)
Alguns sim e outros não… os que mudaram só mostram quando estamos a defender, fazer circunferência na sala… (ABE3)
É difícil falar todos, por exemplo nós temos professores muito autoritários e que faltam muito e a nossa relação não é muito favorável... (ABE4)
Sim. Por exemplo há professores que agora nos fornecem materiais para ir ler bem em casa e na turma é só discutir. (ALO1)
Sim. Por exemplo, a professora de Biologia, ditava, ditava e ditava, agora passou a pedir para tirarmos cópia e na turma cada um lê parágrafo por parágrafo para explicar. (ALO2)
Sim. Alguns como o professor de Sociologia, faz uma separação há uma aula é mesmo só para ditar, outra é só explicar”; Isso nos ajuda muito. (ALO5)
Sim, por exemplo a professora de Química dava muita matéria, só DITAVA NAO EXPLICATIVA. (...) Agora dita um pouco e explica mais. (ALO3)
(…) Sim contribui para nós não termos muita matéria e podemos estudar sem problemas. (ALO4)
A partir das posições apresentadas pelos alunos depreende-se que, ao longo do ano lectivo, muitos professores adoptaram novas práticas, assumindo uma postura mais pró-activa em termos curriculares. Outro grupo de professores mantém uma postura mais passiva e não permite uma participação mais activa dos alunos. Assim, na linha do que nos apresenta Fulan (1993), a introdução de mudanças nas práticas e o recurso a novas abordagens e metodologias de ensino, traduzidas em actividades e estratégias didácticas, fazem parte dos processos de inovação e contribuem para a melhoria das aprendizagens.
2) Formas de organização e gestão curricular
Esta categoria de análise compreende as posições assumidas pelos alunos relativamente à sua participação na escolha das actividades, à organização da sala de aulas, à contextualização curricular e à avaliação das aprendizagens.
As opiniões dos alunos acerca da sua participação na escolha das actividades a realizar na sala de aulas revelam perspectivas diferentes, que oscilam entre duas posições: os que consideram que poucos professores são mais flexíveis e permitem a participação na escolha de uma ou outra actividade por parte dos alunos; os que não recorrem a essa possibilidade. As opiniões dos estudantes, que transcrevemos a seguir, corroboram a primeira destas posições:
Em algumas disciplinas, sim. Por exemplo Inglês e Física, que sempre que dá uma nova matéria alguém deve ir explicar da forma que entender e com meios que entender. (ABA1)
(…) Não concordo totalmente com os colegas, eu destaco a professora de Biologia que não tem sido tão imperativa, ela procura ouvir os alunos. Há conteúdos que ela dá na sala de aula e pede para os alunos investigarem mais e na turma qual é o melhor conteúdo. Por outro lado, ela apresenta o programa e procura saber a melhor ordem sequencial para nós aprendermos melhor. Isso nos ajuda bastante. (ABA2)
Depende, isso varia de professor para professor. Há professores que nós temos devido o tempo está com aquilo na cabeça de que deve terminar de dar a matéria. (ABE5)
Uns sim e outros não. (ABA4)
(…) Há professores que não têm pressa de dar matérias, enquanto aluno não aprender, não tem pressa. Há professores, entenderam como não, não querem saber. Há outros professores, pedem as nossas opiniões e isso é bom ajuda muito. (…) uma vez a professora de Empreededorismo nos pediu sugestão sobre um jogo que devíamos fazer e até nós ganhamos, só ela que lembro. (ABE1)
Têm participado poucas vezes, por exemplo alguns professores nos pedem opinião sobre a forma de tratar os conteúdos na sala de aula. (ABE3)
Só tem um professor que um dia nos perguntou como é que devia passar os conteúdos. (ALO5)
(…) Eu acho que os nossos professores são daqueles professores que elaboram as aulas, mas duante a aula as conversas surgem (...) (ABE2)
As opiniões dos que inserem na segunda posição, isto é, dos que consideram que muitos professores ainda estão presos ao cumprimento escrupuloso dos programas e assumem uma postura impositiva, que exclui a participação dos alunos da escolha de quaisquer actividades, assumindo unilateralmente o monopólio de toda a organização dos processos de ensino-aprendizagem. Trata- se de uma situação preocupante se tivermos em conta o que Morgado (2004, p. 49) refere a esse respeito, ao sublinhar que se os professores se limitarem “a implementar aquilo que outros decidiram e organizaram”, em vez de, colectivamente, encontrarem as melhores formas de gerir o currículo, acabarão, inevitavelmente, por ficar reféns do currículo nacional:
A minha resposta é não (os alunos não participam na escolha das actividades). (ABA3)
(…) Não, os nossos professores são muito imperativos. Nunca vêm para turma para pedir uma sugestão, nós não sugerimos actividade nenhuma. (ABA5)
Não. Eles implementam e seguimos só os passos. (ALO2) Eu acho que isso é algo já planificado. (ALO1)
(…) Não, os professores já vêm preparados para nos dar tudo. (ALO3) Também não, eles fazem tudo. (ALO4)
É só mesmo seguir o que eles já preparam para nós na turma. (ABE4)
Relativamente à organização da sala de aulas, procurámos saber junto dos entrevistados se os professores têm organizado a sala de aulas da mesma forma ou se, sempre que se justifica, mudam a disposição da sala. No que diz respeito a essa organização, constatamos que as opiniões dos alunos se dividem entre os que consideram que o número de professores que faz essas mudanças ainda é irrisório e os que assumem uma posição divergente daquela. No entanto, a maior parte afirma que muitos professores mantêm a organização da sala da mesma forma, pois dificilmente saem da sua zona de conforto curricular. Essa postura encontra-se desalinhada com a posição que nos apresenta Masetto (2004), quando sublinha que, do ponto de vista metodológico, inovar significa (re)estruturar actividades de ensino que requeiram o envolvimento activo do aluno no seu planeamento e realização. Daí a necessidade de sensibilizar e formar os professores de modo a tomarem consciência da necessidade de encontrarem outras possibilidades de organizar e gerir o ensino.
O primeiro grupo de estudantes considera que, via de regra, as turmas têm beneficiado de alguma reorganização, sobretudo em momentos de defesa dos trabalhos, ainda que não aconteça sempre:
Os professores mantêm a turma do mesmo jeito. Já em dias de defesa, alguns professores pedem para organizar a nossa turma em forma de conferência. (ABA4)
(…) Nunca saiem da zona de conforto, estão sempre na posição original. Claro com excepção, nas defesas, mas no dia de aulas voltamos ao original. (ABA5)
Sim (…) há professores que dizem hoje ainda cada um senta onde quiser. (ABE1)
(…) Nós só mudamos a sala quando vamos defender, onde colocamos o professor no meio. (ABE4)
Quando há trabalhos em grupo, é onde eu vejo mudança na sala. (ABE3)
(…) Alguns alteram sim, sempre que possível. Quando um professor chega na sala e diz, menino organizam-se hoje vamos sentar de forma aleatória. (ABE2)
(…) Normalmente nas defesas, os professores é que mudam a turma como se fosse o debate. (ALO1)
Organizam da mesma maneira, só nas defesas é que fazemos contrário. (ALO2)
Só nas defesas! (ALO5)
O segundo grupo considera que muitos professores nunca alteram a forma de organização da sala de aula. Essa realidade descrita pode confirmar-se através das palavras dos próprios alunos, que a seguir se transcrevem:
Os professores são de rotina. Organizam da mesma maneira durante as aulas. (ABA1)
(…) A rotina é original, não há mudanças. (ABA3) (…) A rotina é mesmo a mesma. ABA4
Em aulas normais, raramente, não muda nada. (ALO3)
(…) Assim como estamos é conforme já temos estado. (ALO4)
(…) Depende muito da ideologia. Há professores só gostam que os alunos sentam em ordem da mesma maneira. (ABE5)
Relativamente à segunda questão, sobre contextualização curricular, apesar de existir alguma restrição, os alunos são peremptórios ao afirmar que muitos professores têm recorrido a exemplos reais, do seu dia-a-dia, para lhes fazer compreender melhor os conteúdos das aulas e permitir que os mesmos sejam debatidos na turma. Segundo Masetto (2004), tais práticas visam aproximar os conteúdos curriculares das questões da vida prática dos alunos e das suas comunidades, tornando os processos de ensino-aprendizagem mais significativos e de melhor qualidade.
Entretanto, alguns ainda continuam “fechados” nos muros intransponíveis do conhecimento, tornando o processo desfasado da realidade. Considerando a importância da contextualização no processo de desenvolvimento do currículo, é necessário sensibilizar os professores de modo que tomem consciência da necessidade de sintonizarem, constantemente, os conteúdos a trabalhar nas aulas com os conhecimentos e com a vida prática do aluno, podendo, inclusive, utilizar recursos já conhecidos como meios de ensino, nos casos em que isso seja necessário e possível.
Alguns sim, outros não. Por exemplo em Psicologia o professor tem buscado práticas diárias, exemplificando para nós podermos discutir e entender melhor. (ABA4)
Destaco o professor de Geologia e Química. Eles buscam exemplos práticos para nós podermos entender melhor. (ABA2)
Devo dizer que os professores são todos diferentes e nessa diferença podemos dizer que alguns sim e outros não. Aqui sublinho o professor de Empreendedorismo, Inglês, Física e Química, porque são professores que (silêncio), não se preocupam ir distante, eles viajam no mundo dos alunos tornando os conteúdos mais acessíveis. O professor tem buscado exemplos reais de casa para nós debatermos. (ABA5)
Sim, alguns buscam e nós aprendemos melhor, outros são mais complexos quando ensinam. (ABA1)
(…) Eu acredito que todos, principalmente o Professor de Filosofia e
Empreededorismo, eles tiram exemplos da vida real. (ABE1)
Sim, alguns têm feito isso. Por exemplo, Biologia, Psicologia dão coisas que nós conhecemos. (ALO2)
Nem sempre. (ALO1)
Devido a má qualidade do nosso ensino não conseguimos ver na prática (…) acho que os professores não conseguem, mas podem. (ABA3)
Quanto ao modo como, normalmente, os professores avaliam as aprendizagens, os entrevistados consideram que, por norma, os professores recorrem à apresentação e defesa de trabalhos ou temas propostos, às presenças, ao seu comportamento, pontualidade, tarefas e avaliações escritas. De realçar que, para além das possibilidades referidas, os professores não recorrem a outras. Essa perspectiva é reforçada por Masetto (2004), quando defende que a outra dimensão passível de inovação é o tratamento dado à avaliação, numa perspectiva de avaliação contínua e diversificada e mais como instrumento de feedbackdo que como “instrumento” de medida, o que motivará o aluno a aprender. No fundo, uma avaliação que se assuma como um meio de melhorar as aprendizagens, contribuindo assim para o desenvolvimento integral dos alunos, e não como um instrumento gerador de punições.
As afirmações dos alunos a esse respeito são sintomáticas e reflectem o que, de facto, se passa em muitas salas de aulas:
Os professores avaliam sim, mas tem aqueles que avaliam mais quando temos defesa. (ABA1)
(…) Para além das defesas, nós somos avaliados pela presença, intervenção nas aulas (…). O Professor de Inglês considera ainda a postura dos alunos e a forma como ele interage com os seus colegas e com os professores. (ABA5)
Os professores avaliam (…) nas presenças, na escrita e nas defesas. (ABA4)
Aposta-se mais na avaliação quantitativa e menos na qualitativa. (ABA3)
(…) O professor de Língua Portuguesa faz diferente, pergunta aos alunos
sobre a tarefa. (ABA2)
Cadernos, presenças, assiduidade. (ABE1) Comportamento, oral, escrita. (ABE2) Tudo que os colegas disseram. (ABE3) Concordo. (ABE4)
(...) É mesmo isso. (ABE5)
Avaliam de várias formas, comportamento é uma delas. (ALO1) Pontualidade. (ALO5)
Pontualidade nem sempre. Fora destas formas, o nosso professor de Física avalia na rua. (ALO2)
(…) As tarefas, os cadernos. (ALO3)
Fora destas formas, já não nos avaliam mais de outra forma (…). (ALO4) Para além dessas formas, não nos avaliam mais de outra forma (…).
(ABA1,2,3, 4, 5)
3) Materiais curriculares utilizados nas aulas
Esta categoria de análise compreende as posições assumidas pelos alunos relativamente às seguintes temáticas: meios de ensino mais utilizados pelos professores e permissão para a utilização de novas ferramentas tecnológicas por parte dos alunos.
Dada a relevância de que se revestem os materiais curriculares no processo de desenvolvimento do currículo, interpelámos os alunos no sentido de averiguar quais os materiais curriculares mais utilizados pelos professores nas aulas e de saber se, eventualmente, lhes tem sido permitido utilizar as novas tecnologias na sala de aulas, para o enriquecimento das suas aprendizagens.
Relativamente à primeira questão, os alunos foram peremptórios ao afirmar que, salvo raríssimas excepções, alguns professores de quando em vez trazem cartazes, computadores, projectores e outros objectos:
(…) Mas, aqui destaco o professor de Física (…), que uma vez ou outra
traz certos objectos para explicar algumas leis da Física. (ABA5)
Talvez na disciplina de Empreendedorismo que o professor mostra cartaz. Dificilmente utilizamos o giz e o quadro. (ABE2)
Depende muito da disciplina, por exemplo a Professora de Biologia vem já com seus materiais como cartaz, esqueleto. (ALO4)
A professora de Empreendedorismo às vezes traz projector na sala e agente acompanha. (ALO5)
Por norma, os professores utilizam sempre os mesmos meios de ensino, havendo mesmo quem considere que “caíram na rotina do quadro e do giz”. Tal prática é contrária aos postulados de Carbonell (2002), quando sublinha que uma das principais dimensões da inovação é a utilização de materiais e recursos alternativos (multimédia, fichas de trabalho e outros documentos), em substituição dos recursos usualmente empregues. Os depoimentos seguintes são suficientemente esclarecedores dessa realidade:
(…) Os professores utilizam sempre os mesmos meios. (ABA3)
(…) Os professores reiteram os mesmos meios, não alteram
absolutamente nada. (ABA5)
Não há mudança, usam sempre os mesmos meios. (ABA4) Caíram na rotina do quadro e do giz. (ABA2)
Não há novidade nos meios, utilizam os mesmos meios (Risos). (ABA1)
A menor parte muda. (ABE4)
O giz e o quadro aqui é mais frequente. (ABE2)
Os meios têm sido os mesmos de sempre (quadro, giz). (ABE5) Tudo mesmo. (ABE1)
O quadro, o giz e o apagador são os mais frequentes. (ALO2)
(…) Utilizam mesma coisa. (ABE3)
Muitos mesmo é só os meios (…) (quadro, giz). (ALO3)
Quadro e giz e mais nada. (ALO1)
As respostas dos alunos permitem verificar que, o número de professores que assume a responsabilidade de elaborar materiais curriculares é irrisório, fazendo um viés à responsabilidade que lhes é consignada pela alínea k), do Artigo 18º, do Decreto Presidencial n.º 160/18, de 3 de Julho. Por esta razão, a maior parte ou se limita a utilizar materiais já elaborados ou espera que a Direcção da escola disponibilize materiais para os alunos realizarem as actividades nas aulas.
Considerando a importância desses materiais no processo de desenvolvimento curricular e perante esta realidade, é necessário sensibilizar os professores de modo que tomem consciência da necessidade de elaborarem os seus próprios materiais curriculares. Na verdade, espera-se um papel mais activo e proactivo dos professores na modelação e operacionalização do currículo, sendo esta uma boa prática, um caminho propício ao desenvolvimento da sua autonomia e uma possibilidade de melhoria das suas competências profissionais e influir nos processos de ensino e aprendizagem.
Relativamente à última questão, que se refere à permissão dos professores para utilizarem novas ferramentas tecnológicas na sala de aulas, o que se pressupõe essencial para o enriquecimento das aprendizagens, os alunos foram peremptórios ao afirmar que, de um modo geral, os professores não permitem essa utilização, sobretudo por pressuporem que a sua utilização é uma forma de desviarem a sua atenção. Dito de outra forma, os professores, em vez de educarem os alunos para uma utilização responsável das novas tecnologias digitais, preferem proibir a sua utilização, colocando a escola na linha da exclusão, da tradição e da contramão do desenvolvimento (Julião, 2020b). Poucos são os que têm permitido o recurso a estas ferramentas e mesmo esses, por norma, reservam a sua utilização para os momentos de defesa de trabalhos. Os depoimentos seguintes são suficientemente esclarecedores dessa realidade:
(Risos)
(…) não, não permitem. (ABA1)
(…) Certos professores já não permitem. (ABA5)
Não permitem. (ABA2)
Não permitem, os professores só querem mesmo no papel (Risos). (ABA4)
Não permitem, pensam que vamos entrar no facebook. (ALO3)
(…) Quase todos preferem mesmo trabalhar com fascículo nada de
telefone. (ALO1)
Se por um lado, muitos professores são categóricos ao proibirem o recurso a essas ferramentas na sala de aulas, existe um grupo de alunos que considera que alguns professores permitem a sua utilização, apesar de a restringirem a algumas circunstâncias e com alguns condicionalismos.
Uns sim, outros não. Por exemplo o professor de Inglês permite para a consulta do dicionário, de matemática para calculadora. Outros só querem mesmo papel. (ABA3)
Depende do professor. Antes do aluno fazer isso, acho que tem de pedir autorização. (ABE4)
Nas defesas eles permitem. (ABE1)
Os professores que não aceitam são aqueles que sabem que os alunos além de pesquisarem vão querer ver outras coisas. (ABE3)
Poucas vezes, alguns. (ABE2)
Os colegas já disseram, poucas vezes. (ABE5)
Alguns permitem, por exemplo Geologia e Biologia. (ALO2) Permitem, uns não. (ALO5)
Quase todos não permitem, só um ou dois. (ALO4)
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Na linha dos aportes vertidos ao longo do texto, queremos, nestas notas finais, em primeiro lugar reafirmar que, para que as escolas possam ser instituições inovadoras e promotoras de aprendizagens de boa qualidade é condição necessária transformar a sua estrutura e as formas de pensar, ser e estar dos seus principais agentes. O desafio de desenvolver práticas curriculares inovadoras exige previamente uma reprogramação de crenças por parte dos professores e de adopção de modelos pedagógicos mais alinhados aos tempos, desafios, contextos e sujeitos reais.
As margens de iniciativa e inovação existentes, nos contextos para a elaboração de projectos curriculares inovadores, sem prejuízo do cumprimento das directrizes nacionais, estão consagradas nos normativos vigentes e deduz-se que não têm sido aproveitadas criativa nem construtivamente pelos professores. Embora se reconheçam casos excepcionais de professores que, por iniciativa ou ousadia próprias, procuram utilizar novas abordagens relativamente às práticas de inovação curricular, contextualizando o currículo, reestruturando a sala de aulas, adoptando novas formas de avaliação e utilizando novos materiais curriculares, ainda assim, fica evidente uma distância relativamente considerável entre o desejável e o verificado, pois muitos professores encontram-se “encubados” nas suas zonas de conforto curricular, revelando uma postura de rendição mais ou menos cega às orientações do Ministério ou da Direcção da escola, condicionando um ensino que se efective na melhoria das aprendizagens. Sendo assim, é premente a necessidade de se sensibilizar e formar os professores com vista a tomada de consciência sobre a necessidade de os mesmos adoptarem outras possibilidades de pensar, organizar e gerir o ensino, desenvolvendo práticas curriculares inovadoras que provoquem os alunos a participar na construção da própria aprendizagem.
Por tudo o que ficou dito, fica evidente que existe um longo caminho a percorrer visando tornar a escola mais interessante, mais alegre, mais desafiante, moderna e inovadora e capaz de formar cidadãos à altura das dinâmicas actuais, locais e globais. Advogamos que o desenvolvimento de práticas curriculares inovadoras desejáveis depende, em última análise, da formação transversal e permanente dos professores e gestores escolares, da ousadia, da criatividade e proactividade e, ainda, do envolvimento activo e efectivo dos que sentem e fazem a escola, visando a melhoria dos processos de ensino e aprendizagem com poder de despertar e dar sentido à trajectória de vida dos alunos.
Para finalizar, fruto das narrativas dos sujeitos, o presente estudo permite aferir o desafio da inovação das práticas curriculares dos professores para a melhoria dos processos de ensino e aprendizagem, e fornece informações pertinentes sobre a dinâmica dos professores em sala de aulas, identificando soluções e locus de pesquisa para outras articulações futuras. Portanto, torna-se imprescindível ligar a escola ao mundo real (Julião, 2020a), transformando sua postura, quebrando paradigmas ultrapassados, saindo de um ambiente monótono para um ambiente rico, acolhedor, dinâmico e inovador com possibilidades de discussões e debates, no âmbito da construção activa e colectiva de um saber que inspira para a vida.
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