Artigos

Recepción: 15 Noviembre 2021
Aprobación: 16 Diciembre 2021
Publicación: 15 Enero 2022
DOI: https://doi.org/https://orcid.org/0000-0002-4225-707X
Resumo: A transformação digital tem provocado alterações na organização, estrutura, funcionamento e cultura das organizações e nas suas relações internas e com os usuários de seus produtos e serviços. Com o surgimento da pandemia da COVID-19 esse fenómeno sofreu aceleração, como consequência do uso de tecnologias digitais, para facilitar as intervenções necessárias à sua prevenção, tratamento e controlo à escala global. No entanto, embora existam vários estudos que abordam a transformação digital, o seu entendimento e aplicação é vista de forma diferente por diversos actores. Com base numa breve revisão da literatura e com o objectivo promover a investigação e contribuir para acelerar a transformação digital em Angola, são discutidas as bases conceptuais para a sua implementação no ensino superior. Tendo em conta os dados obtidos que relatam diferenças entre países, contextos e instituições, são sugeridos alguns desafios e prioridades como ponto de partida para uma discussão e elaboração de uma estratégia de transformação digital no ensino superior em Angola. Conclui-se que as instituições de ensino superior devem ter um papel fundamental na preservação e acumulação do conhecimento existente sobre a transformação digital, na sua aplicação em todos os seus processos substantivos e na formação de novos profissionais adaptados a era digital em todas as áreas do conhecimento e não se limitarem apenas ao uso da tecnologia aplicada aos métodos de aprendizagem.
Palavras-chave: transformação digital, digitalização, ensino superior, tecnologia digital, gestão estratégica.
Resumen: La transformación digital ha provocado cambios en la organización, estructura, funcionamiento y cultura de las organizaciones y en sus relaciones internas y con los usuarios de sus productos y servicios. Con el surgimiento de la pandemia COVID-19, este fenómeno se aceleró como consecuencia del uso de tecnologías digitales para facilitar las intervenciones necesarias para su prevención, tratamiento y control a escala global. Sin embargo, aunque existen varios estudios que abordan la transformación digital, su comprensión y aplicación es vista de manera diferente por diferentes actores. A partir de una breve revisión de la literatura y con el objetivo de promover la investigación y contribuir a acelerar la transformación digital en Angola, se discuten las bases conceptuales para su implementación en la educación superior. Teniendo en cuenta los datos obtenidos que reportan diferencias entre países, contextos e instituciones, se sugieren algunos desafíos y prioridades como punto de partida para una discusión y elaboración de una estrategia de transformación digital en la educación superior en Angola. Se concluye que las instituciones de educación superior deben tener un papel fundamental en la preservación y acumulación del conocimiento existente sobre la transformación digital, en su aplicación en todos sus procesos sustantivos y en la formación de nuevos profesionales adaptados a la era digital en todas las áreas del conocimiento y no se limita al uso de tecnología aplicada a los métodos de aprendizaje.
Palabras clave: transformación digital, digitalización, enseñanza superior, tecnología digital, gestión estratégica.
Abstract: The digital transformation has caused changes in the organization, structure, functioning and culture of organizations and in their internal relationships and with users of their products and services. With the emergence of the COVID-19 pandemic, this phenomenon accelerated as a result of the use of digital technologies to facilitate the interventions necessary for its prevention, treatment and control on a global scale. However, although there are several studies that address the digital transformation, its understanding and application is seen differently by different actors. Based on a brief literature review and with the aim of promoting research and contributing to accelerate the digital transformation in Angola, the conceptual bases for its implementation in higher education are discussed. Taking into account the data obtained that report differences between countries, contexts and institutions, some challenges and priorities are suggested as a starting point for a discussion and elaboration of a strategy for digital transformation in higher education in Angola. It is concluded that higher education institutions must have a fundamental role in the preservation and accumulation of existing knowledge on digital transformation, in its application in all its substantive processes and in the training of new professionals adapted to the digital age in all areas of the knowledge and not limited to the use of technology applied to learning methods.
Keywords: digital transformation, digitization, University education, digital technology, strategic management.
INTRODUÇÃO
As pessoas e as instituições têm sido fortemente pressionadas pelas mudanças no ambiente organizacional, pelas alterações tecnológicas e pelas exigências dos parceiros internos e externos, obrigando-os a ter respostas mais eficientes e eficazes que satisfaçam os utentes dos seus serviços (Mergel, Edelmann & Haug, 2019).
A necessidade dessa mudança parece ter sido acelerada pelo surgimento da pandemia da COVID-19, assumindo uma perspectiva mais global. Contudo, a expressão “transformação digital”, apontada como a solução para induzir mudanças fundamentais, de forma inovadora, usando tecnologia digital, tem criado modismos e jargões que geram alguma confusão nos domínios académicos e científicos, principalmente no que diz respeito a sua teoria, conceito e métricas.
Gong & Ribiere (2021), apesar do número crescente de publicações, ao investigarem artigos publicados de 2000 a 2019 usando transformação digital como palavra-chave e expressão no título, verificaram que apenas 37% dos 354 artigos elegíveis apresentavam conceitos que se propuseram analisar, encontrado inúmeras variações. A transformação digital não diz respeito apenas a tecnologia, mas também a um conjunto de renovações e mudanças estratégicas que recriam e geram valor a diferentes níveis das organizações, redes de negócios, indústria ou sociedade. O Ensino Superior não está apartado disso pelo seu papel na preservação, geração e aplicação de conhecimento.
A pandemia da COVID-19 acelerou a necessidade de transformação digital exigindo respostas mais ágeis e mais dinâmicas de muitas entidades em todo o mundo. Nos últimos anos, com ênfase para as últimas décadas e o surgimento da sociedade digital, têm sido publicados muitos trabalhos sobre transformação digital. Ela está disponível em várias fontes bibliográficas, muitas delas com critérios enviesados sobre a sua base conceptual, que tem merecido mais recentemente uma análise mais criteriosa por parte de muitos investigadores.
Nesta ordem, pode-se questionar que entendimentos existem sobre a transformação digital. Para o efeito, fez-se uma revisão sobre os seus aspectos conceptuais, usos e aplicações que possam servir de base para a elaboração de uma agenda de desenvolvimento das instituições de ensino superior.
Pretende-se induzir a compreensão das diferentes abordagens à volta do conceito sobre transformação digital e, consequentemente, estimular e incentivar a investigação científica, de modo a contribuir para acelerar a sua implementação em Angola.
MATERIAL E MÉTODOS
Foi feita uma busca de publicações sobre a matéria dos últimos cinco anos usando como palavras-chave “transformação digital” e “ensino superior” no título e resumo em língua inglesa na plataforma da ScienceDirect e no Google Académico, para referências em língua portuguesa. Seleccionaram-se artigos por relevância que abordavam a fundamentação teórica e as bases conceptuais da transformação digital, suas características, seu uso e aplicações em contextos do ensino superior.
Na presente revisão apresentam-se a evolução e o conceito de transformação digital, bem como as suas características, vantagens e desvantagens; as implicações da transformação digital para os países e para as instituições do ensino superior; e propostas sobre os desafios e prioridades da transformação digital nas instituições de ensino superior em Angola.
TRANSFORMAÇÃO DIGITAL
A primeira aparição da expressão transformação digital foi atribuída ao ano 2000 (Pacheco, dos Santos & Wahrhaftig, 2020; Gong & Ribiere, 2021). Foi adoptada pelo sector privado, no início deste século, associada ao uso da tecnologia para obter vantagens competitivas na “era da internet” em que os serviços e produtos são entregues por via de uma conexão à uma rede informática (Mergel, Edelmann & Haug, 2019; Pacheco, dos Santos & Wahrhaftig, 2020). A transformação dos serviços on-line visa a personalização e automação, por intermédio da padronização de informações.
Do ponto de vista do conceito, a transformação digital é vista como uma forma de reconstruir modelos de negócios para atender as necessidades dos clientes fazendo uso das novas tecnologias (Mergel, Edelmann & Haug, 2019) ou como
“Um processo que visa melhorar uma entidade, desencadeando mudanças significativas em suas propriedades por meio de combinações de tecnologias de informação, computação, comunicação e conectividade” (Vial, 2019 p.118).
No sector público, a transformação digital está associada ao governo electrónico (e- governo), onde o foco muda dos negócios à oferta de serviços aos cidadãos. Uma definição ampla refere-se a oferta de informações governamentais aos cidadãos por via da internet e das tecnologias de informação e comunicação (TIC), enquanto outra mais restrita limita-a à oferta de serviços. Outras definições destacam o engajamento e envolvimento com os cidadãos através das TIC (Mergel, Edelmann & Haug, 2019).
Nesta última opção os cidadãos têm um papel mais activo e participativo na vida governativa, criando novas correntes de influência no aprimoramento e na oferta de serviços públicos. Os cidadãos podem tornar-se co-produtores e não apenas consumidores personalizados de produtos.
Trata-se de um processo mais profundo, caracterizado por um estado de hiper- conectividade e colaboração entre os consumidores e as organizações em toda a gama de actividades da cadeia de valores que os torna co-participantes, co- projectistas, co-criadores, co-produtores, co-promotores, co-distribuidores e co- financiadores de produtos e serviços (Mergel, Edelmann & Haug, 2019;Vial, 2019;Pacheco, dos Santos & Wahrhaftig, 2020). Este nível da abordagem da transformação digital pode evoluir para a um patamar mais elevado de sustentabilidade e apropriação colectiva de resultados (Pacheco, dos Santos & Wahrhaftig, 2020).
Frequentemente, são confundidos os termos digitization (transição dos serviços analógicos para os digitais), digitalization (foco potencial nas alterações dos processos) e transformação digital (ênfase nas alterações na cultura, na organização e relações institucionais) (Mergel, Edelmann & Haug, 2019; Brooks & McCormack, 2020;Gong & Ribiere, 2021;Verhoef et al., 2021).
Pacheco, dos Santos & Wahrhaftig (2020) falam em digitalização, engajamento digital e transformação digital, referindo-se aos mesmos termos, de tradução literal difícil para a língua portuguesa, que também são considerados, por estes e outros autores, como estágios, fases ou etapas de agregação de valor ao fenómeno em causa.
A transformação digital não tem uma definição muito clara na literatura. É necessário considerar a transformação digital como uma abordagem organizacional abrangente (Mergel, Edelmann & Haug, 2019). Não obstante, também pode ser considerada um processo de mudanças que envolve o uso de tecnologias digitais (Gong & Ribiere, 2021).
Gong & Ribiere (2021) analisaram vários artigos da literatura procurando identificar uma definição unificada da transformação digital. Estes autores propõem a transformação digital como sendo
“Um processo de mudança fundamental, possibilitado pelo uso inovador de tecnologias digitais acompanhadas da alavancagem estratégica de recursos e capacidades essenciais, com o objetivo de melhorar radicalmente uma entidade [organização, rede de negócios, indústria ou sociedade] e redefinir sua proposta de valor para seus parceiros internos e externos” (p.12).
Ao referirmo-nos as características da transformação digital, identificam-se várias relacionadas com mudanças na entrega de serviços, na cultura organizacional e na relação com os cidadãos ou clientes tendo como resultado a criação ou a agregação de valor (Mergel, Edelmann & Haug, 2019). Na visão de Vial (2019) a transformação digital ocorre quando estão associadas três características fundamentais:
Por outro lado, Gong & Ribiere (2021) destacam outras cinco características que podem ser identificadas na transformação digital e dizem respeito a:
Vial (2019), entretanto, elaborou oito blocos que descrevem o esquema conceitual da transformação digital, designadamente:
Como ganhos e vantagens, a transformação digital permite obter novas saídas (quantidades), resultados (efeitos de uma acção, consequências de uma implementação ou mudança – simplicidade, acessibilidade) e impactos (efeitos de longo prazo). As saídas podem ser novos serviços, produtos, processos e competências ou habilidades; os resultados podem ser melhorias no serviço, nos processos, nas relações, nas políticas e no ambiente digital; os impactos referem-se ao valor agregado, a mudança organizacional, a sociedade digital e aos princípios democráticos (Mergel, Edelmann & Haug, 2019).
Por outro lado, a transformação digital é um processo que cria rupturas e perturbações indutoras de alterações estratégicas nas organizações que procuram desenvolver ou criar novas propostas de valor e obter vantagens competitivas (Vial, 2019;Verhoef et al., 2021). O conceito de transformação digital encerra em si vantagens associadas à mudança induzida pelo uso das tecnologias, mas podem trazer impactos negativos sobre a segurança e privacidade das pessoas e organizações.
As rupturas organizacionais podem gerar crises que colocam a liderança e o envolvimento das pessoas em dificuldades para superar a crise gerada pela tecnologia, sobretudo na perspectiva social (exclusão social, desemprego). Como factores indutores da transformação digital no sector da administração pública são indicadas razões externas (pressão ambiental, mudanças tecnológicas) e razões internas (gestão, burocracia, arquivos físicos). Na opinião da maioria dos gestores públicos, a pressão externa tem sido mais forte do que as pressões internas, na maioria dos casos (Mergel, Edelmann & Haug, 2019).
Nas organizações, o ambiente interno tende a ser conservador e essa condicionante á geralmente determinada pelas pessoas. As barreiras organizacionais que mais se opõem a transformação digital são a inércia e a resistência. Entretanto, em todas as situações, na implementação da transformação digital são indispensáveis a criação de estruturas de gestão de tecnologia e a existência de um director digital. Ele deve garantir que as tecnologias digitais sejam usadas de modo consistente sem perturbar a cultura organizacional induzindo a mudanças favoráveis a aceitação dos colaboradores internos (Vial, 2019).
Finalmente, deve-se considerar que a sugestão de incluir a transformação digital no plano estratégico das organizações assume um papel importante na prevenção das crises dela decorrentes. A par do desenvolvimento e da aplicação da tecnologia, Vial (2019) propõe uma agenda científica baseada no estudo da contribuição das capacidades dinâmicas como base teórica para estudar a transformação digital e a integração da ética nas estratégias de investigação sobre essa matéria. Essa perspectiva da teoria das organizações, tenta explicar as respostas estratégicas às exigências de um ambiente em mudança e competitivo através da renovação, integração e reconfiguração de seus recursos e capacidades (Zapata Rotundo & Mirabal Martinez, 2018).
A ideia consiste em explicar os mecanismos que permitem que as diversas entidades se engajem na transformação digital para possibilitar a sua renovação estratégica. Além das transformações no ambiente interno, também é importante ter em conta o surgimento e a constituição de ecossistemas e plataformas de transformação digital (Vial, 2019).
A relevância estratégica da ética na transformação digital está relaciona com o seu impacto ao nível organizacional e sobre os indivíduos, a sociedade e o ambiente. Podem-se discutir aspectos relacionados com a migração para o “emprego digital” ou as consequências das rupturas e alterações na estrutura e funcionamento de uma entidade. O momento da introdução de inovações digitais também é responsável pela disposição do público em adoptar essa tecnologia, tendo em atenção os seus aspectos técnicos e financeiros. Ela pode ser uma fonte de exclusão, desigualdade social, de oportunidades e até mesmo de desajuste ecológico, principalmente em países menos desenvolvidos (Pacheco, dos Santos & Wahrhaftig, 2020;Shackleton & Mann, 2021).
Os objectos da transformação digital nos sectores industrial e comercial são os processos, os produtos, os serviços, as relações, a tecnologia e os modelos de negócio. Os processos e as relações também têm sido mais sujeitos a mudanças. Os modos de transformação digital na função pública incluem a digitalização de documentos, processos, relações e serviços, o uso de novas tecnologias e o desenvolvimento de novas competências. Podem incluir o uso de grandes bases ou volumes de dados, abordagens orientadas por dados e esquemas centrados no usuário.
A tecnologia digital tem um papel fundamental na indução das mudanças demandadas pelas diversas entidades. A sua natureza inclui as mídias sociais, os telemóveis, as tecnologias analíticas (grandes dados, inteligência artificial, algoritmos de aprendizagem profunda, aprendizagem de máquina), a computação em nuvem, a internet das coisas, os sistemas ciberfísicos, as plataformas, as cadeias de bloco, a impressão 3D, os dispositivos de vestuário, a realidade virtual aumentada, os drones, a robótica, e as mais variadas combinações entre elas (Vial, 2019;Gong & Ribiere, 2021;Verhoef et al., 2021). As competências necessárias para a transformação digital estão relacionadas com essa tecnologia e os seus impactos e aplicações foram descritos por Sousa & Rocha (2019). Além disso, também são indispensáveis estruturas organizacionais apropriadas, estratégias de crescimento digital e métricas adequadas (Verhoef et al., 2021).
Os diferentes estágios de desenvolvimento dos vários países do mundo e a lacuna tecnológica existente entre produtores e consumidores aponta para a necessidade da criação de um ambiente colaborativo para possibilitar a grande expansão e partilha das vantagens da transformação digital pelo mundo. Essa necessidade assumiu um carácter urgente com a instalação da pandemia da COVID-19, principalmente no domínio da disponibilidade, partilha e acesso as informações e no desenvolvimento de plataformas logísticas de gestão de materiais, equipamentos, meios de diagnóstico e outros recursos indispensáveis ao seu controlo.
Na elaboração de planos estratégicos de transformação digital é importante ter em conta os seu actores internos e, no caso das instituições de ensino superior, os docentes e os estudantes, valorizando os aspectos cognitivos, comportamentais e afectivos (Alhubaishy & Aljuhani, 2021). Essa condicionante também pode ser aplicada ao pessoal administrativo. Por outro lado, as taxas de renovação de pessoal, embora contrastem com a afirmação de uma cultura organizacional e com o acúmulo de experiências, são importantes para acelerar mudanças internas nos processos e procedimentos das instituições.
A Associação das Universidades da Commonwealth (ACU) demonstra em seus dados a existências de grandes lacunas, evidenciadas pela pandemia da COVID-19, na preparação e migração do ensino tradicional para o ensino apoiado por plataformas e recursos digitais entre países com diferentes níveis socioeconómicos, sendo maiores as dificuldades para os países de baixa e média renda. Enquanto os países de alta e renda media superior adoptaram integralmente o ensino online, nos outros ainda persiste o ensino presencial, existindo ainda em maior proporção nos países de baixa renda (Shackleton & Mann, 2021).
Com base nos dados do seu relatório, propôs recomendações aos ministros de Educação da Commonwealth, antes na Sessão Extraordinária da UNESCO, no Encontro sobre Educação Global de 2020, que orientam entre outras medidas,
Entretanto, é reconhecido que as universidades não se adaptaram com a mesma rapidez as demandas dos vários parceiros. Ainda existem grandes lacunas sobre como integrar no currículo as práticas que se vão disseminando no mundo empresarial e industrial e vencer a inércia e a baixa capacidade de resposta das instituições de ensino superior (Jackson, 2019). Isto é agravado pelas barreiras internas existentes nas instituições de ensino superior (Brooks & McCormack, 2020).
No que se refere a acumulação e transferência do conhecimento para liderar a transformação digital ao nível da governação local, Pittaway & Montazemi (2020) propõem parcerias público-privadas com empresas e um engajamento com as universidades. No seu estudo, identificaram lacunas de conhecimento sobre como gerir a transformação digital em gestores públicos de 11 governos locais de uma mesma jurisdição do Canadá. Para estes autores, as universidades têm um papel destacado na co-criação de novos conhecimentos a partir da investigação e da prática de transferência através da educação.
Como exemplo dessa parceria, Conrad et al. (2020) propõem um curso de nove módulos para desenvolver um programa científico interdisciplinar para representantes de trabalhadores do sector industrial com vários temas adaptados para a transformação digital na indústria que culminam com um projecto e habilidades para participar na tomada de decisões, modelar e influenciar esses processos e a mudança. Os conhecimentos acumulados pelas universidades podem ser transferidos aos gestores do sector público para serem incorporados nos programas de formação.
A transformação digital é multidisciplinar por natureza (Verhoef et al., 2021). A medida em que as redes de relações entre indivíduos, organizações, serviços e produtos se vão tornando cada vez mais complexas com o fenómeno da transformação digital, o estudo, a compreensão e a explicação das suas implicações e do seu impacto também se fazem necessários. As universidades devem ser um elo de ligação importante na aceleração desse processo ligando os vários sectores sujeitos a transformação digital à cadeia de conhecimento mundial relacionado com o desenvolvimento tecnológico e à sua aplicação em diversos contextos geográficos e socioeconómicos.
Entretanto, muitas universidades estão mais atrasadas na transformação digital do que outros sectores por serem instituições tradicionalmente conservadoras, com falta de liderança efectiva para as mudanças culturais que se impõem, insuficiente grau de inovação e ausência de financiamento (Rodríguez-Abitia & Bribiesca-Correa, 2021).
Os autores acima citados, propõem um modelo de avaliação da transformação digital nas universidades partindo das suas características em outras organizações. Esse modelo, aplicado a 11 países, baseia-se numa matriz de interacções entre cinco dimensões organizacionais e três objectivos transformacionais, sobre as quais actuam também dois elementos transversais:
Concluíram em seu trabalho que comparativamente ao sector industrial, ao comércio e aos serviços, a educação apresentou pontuações mais baixas para criação de valor, para o benefício da tecnologia e para a agilidade estrutural, sendo esta última a maior dificuldade apresentada.
A reduzida agilidade estrutural pode estar relacionada com a estrutura hierárquica das instituições de ensino superior, com a estrutura da carreira docente, com a cadeia de mando e com a estrutura departamental. Departamentos transversais a vários cursos têm a possibilidade de desenvolver maior agilidade estrutural. As universidades também tiveram pontuações mais baixas para as dimensões organizacionais principalmente para a liderança e a cultura, provavelmente pelas mesmas razões da baixa classificação obtida para os objectivos transformacionais. Finalmente a inovação e a viabilidade financeira também foram menores para o sector do ensino superior (Rodríguez-Abitia & Bribiesca-Correa, 2021).
O uso de tecnologia baseada na aprendizagem de máquina mostrou-se eficiente para monitorar e avaliar de modo dinâmico parâmetros do plano estratégico de desenvolvimento de duas universidades na Indonésia e é proposta como um método para acompanhar e avaliar a transformação digital no ensino superior (Supriyono & Faisal, 2021). Também se defende o uso da aprendizagem baseada em projectos para cobrir as lacunas curriculares relacionadas com a formação de competências associadas a transformação digital, sobretudo nas áreas de engenharia (Jackson, 2019).
As tecnologias digitais oferecem mais informações, computação, comunicação e conectividade e permitem novas formas de colaboração entre redes de actores diversificados, cada vez mais dispersos. A transformação digital exige adaptação e pode provocar rupturas e perturbações quando não for adequadamente programada. É necessário preparar actores para essa mudança e aceitar o desafio de melhorar a qualidade dos produtos, dos serviços, das organizações, das redes de negócios, da indústria e da vida em sociedade. Para lidar com a transformação digital são impreteríveis os recursos digitais, uma estrutura organizacional adequada, uma estratégia de crescimento e métricas e metas de curto e longo prazos (Verhoef et al., 2021). O ensino superior e os líderes empresariais em matéria de transformação digital devem promover esforços conjuntos para uma mudança curricular compatível com a era digital criando oportunidades para aquisição, assimilação, transferência de conhecimento e agregação de valor (Jackson, 2019).
A transformação digital requer a formação de técnicos habilitados a utilizar novas tecnologias, com elevada capacidade analítica e de resolver problemas complexos (Vial. 2019). De igual modo, o fenómeno da transformação digital requer investigação científica. Deve ser incorporada às práticas e aos conteúdos de ensino em todas as áreas de conhecimento exigindo um acompanhamento constante e um domínio do seu “estado da arte” por parte dos docentes e investigadores dedicados ao assunto, bem como a criação de novo conhecimento, orientado sobretudo para os diversos contextos em que ela se aplica. A oferta de cursos sobre literacia digital pode melhorar o ambiente colaborativo e preparar melhor as universidades e parceiros para o fenómeno da transformação digital (Deja, Rak & Bell, 2021).
Nesta ordem, cabe as instituições de ensino superior, em colaboração com demais instituições governamentais e do sector produtivo de Angola e estrangeiras, liderar iniciativas conducentes ao desenvolvimento de uma agenda e uma estratégia integrada de transformação digital que traga vantagens competitivas ao seu ambiente económico e social em todas as áreas e domínios da sua intervenção e contribuir com esse envolvimento para a mudança do seu posicionamento no cenário regional e internacional. Com base na discussão à volta do conceito e teorização da transformação digital devem ser parte das prioridades e desafios da transformação digital em Angola, com incidência particular, nas instituições do ensino superior, os seguintes:
Integrar nos vários currículos a formação de competências relacionadas com a transformação digital nos mais variados domínios de actuação profissional.
Compreender as especificidades da transformação digital em Angola.
Compreender as diferenças e especificidades da transformação digital nos diferentes sectores.
Avaliar o grau de maturidade institucional para transformação digital e identificar elementos prioritários para evolução e melhoria do processo.
Considerar as actividades relevantes e os resultados esperados antes de implementar e iniciar projectos de transformação digital.
Medir as saídas, os resultados e impacto da transformação digital e garantir a sua comparabilidade.
Engajar e envolver o público e todos os parceiros interessados no processo de transformação digital como agentes activos capazes de agregar valor e melhorar o seu impacto e a própria tecnologia.
CONCLUSÕES
A transformação digital no ensino superior não deve acontecer apenas com a adopção de plataformas de aprendizagem, mas também com mudanças e adaptações ao conteúdo curricular, em resposta ao progresso observado nos outros sectores.
A transformação digital no ensino superior demanda a ocorrência de mudanças estruturais, organizacionais, na liderança, nos processos de inovação tecnológica e no apoio financeiro.
As instituições de ensino superior poderão ter avanços significativos em matéria da transformação digital se trabalharem de modo colaborativo e absorverem uma boa parte do conhecimento desenvolvido na indústria, no comércio e em outros serviços, colocando-se na liderança do conhecimento, nesse domínio particular.
A era digital é uma realidade que requer novas dinâmicas.
A melhoria da infraestrutura, das dinâmicas organizacionais, serviços e processos usando tecnologia digital vai tornar as instituições de ensino superior mais eficientes.
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Notas