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Cultura científica? Utopias e descasos nas IES em Angola
¿Cultura científica? Utopías y desajustes en las IES de Angola Scientific
¿culture? Utopias and mismatches in Angola's HEI
Revista angolana de ciências, vol. 4, núm. 1, 2022
Universidade Rainha Njinga a Mbande

Artigos


Recepción: 15 Diciembre 2021

Aprobación: 14 Febrero 2022

Publicación: 16 Marzo 2022

Resumo: As Instituições de Ensino Superior (IES) têm procurado desenvolver mecanismos que reduzam o fosso entre a ciência e o cidadão, para proporcionar conhecimento que permite melhorar o exercício de cidadania da população. Assim, pretende-se analisar as actividades de divulgação científica levadas a cabo pelas IES em Angola. Por isso, se questiona, existem actividades que se consubstanciam em evidências de divulgação científica nas IES? Através de uma entrevista aplicada a 10 responsáveis de diferentes IES, utilizando a técnica de análise temática proposta por Bardin (2011). A análise revelou que a actividade de divulgação científica é quase inexistente nas IES; os participantes apontam como pontos de estrangulamento: falta de infraestruturas apropriadas; falta de condições financeiras; escassez de produção científica e falta de cultura organizacional e científica. Almeja-se que esta investigação abra um debate nacional sobre o papel das IES na promoção da cultura científica em Angola, com vista a promover uma cidadania activa e participativa e permitir que os decisores políticos tomem decisões baseadas em evidências científicas.

Palavras-chave: divulgação, ciência, cultura científica, Instituição.

Resumen: Las Instituciones de Educación Superior (IES) han buscado desarrollar mecanismos que reduzcan la brecha entre la ciencia y el ciudadano, con el fin de proporcionar conocimientos que permitan mejorar el ejercicio de la ciudadanía de la población. Así, se pretende analizar las actividades de divulgación científica realizadas por las IES en Angola. Por lo tanto, se cuestiona, ¿existen actividades que se plasmen en pruebas de divulgación científica en las IES? A través de una entrevista aplicada a 10 responsables de diferentes IES, utilizando la técnica de análisis temático propuesta por Bardin (2011). El análisis reveló que la actividad de divulgación científica es casi inexistente en las IES; los participantes señalan como cuellos de botella: la falta de infraestructuras adecuadas; la falta de condiciones financieras; la escasez de producción científica y la falta de cultura organizativa y científica. Se espera que esta investigación abra un debate nacional sobre el papel de las IES en la promoción de la cultura científica en Angola, con el fin de promover una ciudadanía activa y participativa y permitir a los responsables políticos tomar decisiones basadas en la evidencia científica.

Palabras clave: difusión, ciencia, cultura científica, institución.

Abstract: Higher Education Institutions have sought to develop mechanisms that reduce the gap between science and the citizen, in order to provide knowledge that allows improving the exercise of citizenship of the population. Thus, it is intended to analyze the activities of scientific dissemination carried out by Higher Education Institutions in Angola. Therefore, it is questioned, are there activities that are embodied in evidence of scientific dissemination in Higher Education Institutions? Through an interview applied to 10 people in charge of different HEIs, using the thematic analysis technique proposed by Bardin (2011). The analysis revealed that the activity of scientific dissemination is almost non-existent in those institutions; participants point out as bottlenecks: lack of appropriate infrastructures; lack of financial conditions; scarcity of scientific production and lack of organizational and scientific culture. It is hoped that this research will open a national debate on the role of Higher Education Institutions in the promotion of scientific culture in Angola, in order to promote an active and participatory citizenship and allow policy-makers to make decisions based on scientific evidence.

Keywords: dissemination, science, scientific culture, Institutions.

Introdução

O interesse pela comunicação da ciência tem aumentado em diferentes contextos. Uma área científica que tem sido dominada por estudos sobre a Europa e a América do Norte, uma obra editada recentemente por Gascoign, Schiele, Leach, Riedlinger, Lewestein, Massarani e Broks (2020) aborda a comunicação da ciência numa perspectiva global e tenta compreender a multiplicidade de diferentes contextos.

Sendo assim, a Jamaica, apesar do seu subdesenvolvimento é um país que tem tradição em comunicação de ciência - herança colonial, embora o país actualmente não preste atenção às políticas de desenvolvimento de Ciência e Tecnologia. (Oliphant, et al., 2020) O estudo de Massari e Morreira (2020) desenvolvido no Brasil defende acções colectivas dos cientistas, professores, comunicadores, jornalistas, especialistas em museus e estudantes, para uma comunicação efectiva e exortam também a criação de políticas públicas exequíveis para se alcançar os desafios que se impõe na actualidade.

Cortassa e Rosen (2020) afirmam que a América Latina em geral antes do século XXI não estava muito interessada na temática da comunicação da ciência, com excepção da Argentina, onde o governo já desenvolvia acções voltadas a promoção da cultura científica. Já a Rússia, apesar da sua hegemonia científica mundial através do lançamento do SPUTINIK, criou o seu primeiro centro de ciência apenas em 2005 o que pode ser considerado a primeira institucionalização da comunicação de ciência no país (Borissova & Malkov, 2020). Em contraste, a Singapura conseguiu o seu primeiro centro de ciência em 1997, permitindo uma divulgação científica mais interactiva. (Souza, Zhao, Mani, Toh, & Lin, 2020) Na China, apesar do regime governamental vigente, o governo Chinês teve um papel fundamental na criação de políticas e princípios que orientam a comunicação de ciência e hoje é visível o impacto destas políticas naquela sociedade. (Lin & Honglin, 2020)

No Gana, diferentes actores estão a trabalhar em colaboração para aumentar a audiência, com vista a desenvolver a cultura científica no país; o Gana é um dos pioneiros a estudar a comunicação de ciência, bem como pioneira na criação de uma associação de ciência em África. (Tagoe & Tagoe, 2020) Na Nigéria a pluralidade de religiões constitui empecilhos na aceitação das ideias científicas, ao mesmo tempo que não existem políticas efectivas para uma comunicação sistemática de ciência. (Falade, Batta, & Onifade, 2020) Por outro lado, a experiência de comunicação de ciência no Uganda revela que para além dos comunicadores convencionais, pode-se envolver líderes religiosos para sensibilização dos crentes na aceitação das ideias científicas, principalmente em contextos onde a religião predomina. (Lukanda, 2020)

Teise e Weigold (2014) recorrendo a Nelkin (1995) argumentam sobre os benefícios da comunicação de ciência; na visão deles, aumenta a capacidade do público para avaliar as políticas públicas de ciência e desenvolver a capacidade do público para fazer escolhas pessoais e mais racionais. Os autores acreditam que um público educado cientificamente pode ser determinante na escolha de uma ciência responsável da irresponsável e na identificação de actividades de cientistas das dos pseudo-cientistas. A comunicação da ciência pode influenciar também na criação de atitudes favoráveis à ciência e permitir que os financiadores estejam mais motivados em apoiar a actividade desta natureza. (Treise & Weigold, 2014) Embora os comunicadores de ciência tenham motivações diferentes em função dos contextos culturais em que se encontram, o propósito da comunicação focaliza-se sempre na promoção da cultura científica. (Bultitude, 2012) Esta actividade pode igualmente encorajar jovens que jamais seguiriam uma carreira científica, a mudar de ideia a favor da ciência. (Treise & Weigold, 2014) Entretanto, a comunicação da ciência é moldada pelas políticas públicas, cultura e realidades socioeconómico, (Joubert & Mkansi, 2020) e de modo geral é definida como o encontro entre o escopo da produção científica e o público. (Weingart & Guenther, 2016)

Ora, a respeito da comunicação da ciência, as Instituições de Ensino Superior não devem ser forçadas pelas políticas nacionais de divulgação científica, porque as tarefas a que são sujeitas, já constam na missão das próprias universidades, na qual primam no Ensino, Investigação e Extensão; a indissociabilidade dos três pilares relança a necessidade das instituições divulgarem o que produzem, como forma de materializarem o terceiro pilar do ensino superior. (Fraga, 2019) A extensão universitária está intrinsecamente ligada à divulgação e actualmente as universidades possuem diferentes formas para a prossecução deste pilar. Apesar das IES serem aquelas que mais produzem e disseminam a ciência na sociedade, em África ainda temos uma lacuna longe de ser suprida, daí a questão que se coloca nesta investigação: existem actividades que se consubstanciam em evidências de divulgação científica nas Instituições de Ensino Superior em Angola?

Métodos e Materiais

Construção da entrevista – baseou-se no modelo de entrevista que pareceu-nos adequado ao que pretendíamos aplicar para a investigação. Depois de analisarmos o modelo da entrevista, mantivemos algumas questões que estão relacionadas com o objectivo e questão da investigação. Retiramos aquelas que estão deslocadas e acrescentamos outras do interesse da investigação, com realce, as questões que nos permitiram caracterizar os participantes. Em seguida, construímos uma ficha síntese que nos permitiu determinar os objectivos de cada questão, isto é, para que no momento da entrevista e da análise não nos perdêssemos com informações supérfluas ou transversais ao objectivo pretendido. Entretanto, utilizamos uma entrevista semi-estruturada com um guião flexível de questões que nos permitiu ao longo da entrevista reforçar as questões onde fosse necessário fazê-lo.

Aplicação de entrevistas - uma parte significativa das entrevistas ocorreu via telemóvel, nos meses de Abril e Maio de 2021.

Análise de entrevistas – ora, a literatura recomenda o registo integral da fala dos participantes, embora esta posição não seja consensual, porque encontramos em Flick (2013), Gil (2008) e outros que defendem a extração de conteúdos essenciais, ao invés da transcrição integral das entrevistas. Mas Bardin (2011, 89) aconselha que “seja qual for o caso, devem ser registadas e integralmente transcritas (incluindo hesitações, risos, silêncios, bem como estímulos do entrevistador)”. Considerando esta advertência, optamos em seguir a estratégia de Bardin (2013) e depois de analisarmos as diferentes técnicas, percebemos que a investigação adequava-se com a análise temática, porque o objetivo e a questão proposta inicialmente exigiram-nos a utilização da referida técnica.

Como refere Bardin (2011, p. 96) a análise temática permite que o texto principal seja fraccionado em subtemas; assim, construímos uma grelha de análise onde colocamos os principais temas em análise. Fizemos em primeira instância a pré-análise do material (entrevistas transcritas) - nos concentramos na preparação das condições para dar início à análise do material. De acordo com Vilelas (2017) tivemos de rever as questões de investigação e os objectivos previamente formulados para ver se estavam em conformidade com o material e os principais temas selecionados para a grelha de análise.

Exploração do material - a actividade principal foi transformar os dados brutos do corpus constituído através da codificação com vista a alcançar a ideia principal do texto. (Vilelas, 2017) No final desta fase, criamos as categorias e as respectivas características associadas. (Vilelas, 2017) Para terminar esta fase e com base os subsídios de Wilkinson e Birmingham (2003) visto que análise teve temas/domínios definidos, nos concentramos na extração das ideias “características associados ao tema central”. (Bardin, 2011, p.96) Assim, fomos extraindo significados associados com cada tema que responde a uma categoria selecionada. Este procedimento efetivou-se em cada entrevista até terminarmos o universo do corpus. Entretanto, os resultados da análise não são todos apresentados neste texto, pelo que decidimos apresentar apenas alguns resultados, tendo em conta a limitação de espaço que se impõe neste sítio.

Participantes: Quanto aos dados obtidos das IES, selecionamos 10 responsáveis com diferentes cargos de chefia a quem aplicamos 10 entrevistas para recolher informação sobre a situação das IES em divulgar a ciência. As IES foram selecionadas com base as regiões académicas do país, envolvendo participantes da Região Académica 1; Região Académica 4; Região Académica 5; e Região Académica 6. Dos Participantes encontram-se Directores Gerais, Chefes de Departamentos, Chefes de Gabinetes, Coordenadores de cursos, Assessores de Diretores ou Decanos entre outros cargos de chefia. Os graus académicos variam entre Doutores, Mestres e Licenciados. As especializações compõem-se de Ciências Socais, Agricultura e Ciências Veterinárias, Medicina e Ciências da Saúde, Ciências da Natureza, Engenharia e Tecnologia e Humanidades e Artes. O principal critério de inclusão dos participantes é exercer ou exerceu um cargo de chefia nos últimos dois anos; e de acordo com o objectivo da investigação ficaram excluídos todos os que não ocupam ou ocuparam um cargo de chefia nos últimos dois anos. Quanto às áreas de formação dos participantes procuramos incluir todas as áreas científicas conforme a classificação do Manual Frascati (2015) da OCDE.

Resultados e discussão

Cultura científica

Nesta categoria procura-se compreender as percepções dos participantes sobre cultura científica. As declarações prestadas neste domínio, deixam-nos a impressão de que a temática não é desconhecida pelos actores universitários, pelo que definiram a cultura científica em diferentes vertentes, ou seja, quer a nível de produção de uma cultura própria da ciência e quer a nível da difusão e do consumo da mesma. Assim, podemos dividir as principais ideias dos participantes em duas categorias fundamentais:

a) - as ideias que expressam a cultura científica como conjunto de procedimentos, atitudes e hábitos que um individuo possui com relação à ciência; b) – e as ideias que expressam a relação que a ciência mantém com a sociedade. Entretanto, a primeira categoria apresenta os seguintes resultados:

A “Cultura científica referencia [...] um modo típico de pensar e agir da ciência perante a realidade.” (Entrevista A) Ora, quando o participante refere um modo típico de pensar e agir, está aludir-nos para o proceder peculiar da ciência, ou seja, “uma componente de cultura entre outras, bastante diversificadas como as culturas artística, literária, filosófica, jurídica, política, religiosa (...) quer como uma componente da cultura com especificidades bastantes próprias no panorama social actual” (Costa, Conceição, & Ávlia, 2015, p. 63). Esta declaração se conjugada com outras, ilustra uma imagem do que se pretende dizer:

“Cultura cientifica, estamos a falar da [...] maneira de agir, de actuar, de proceder cientificamente, ou seja, fundamentalmente [...] docentes universitários, quais são os seus hábitos do ponto de vista da cientificidade. Se participam em conferências se são preletores, [...] isso tudo é que gira em torno do conceito”. (Entrevista B)

Como lemos na declaração, os hábitos, do ponto de vista de cientificidade, aqui estamos diante do proceder próprio da ciência. Embora o objectivo do presente tema seja verificar o conceito de cultura científica na perspetiva da relação da ciência e dos cientistas com sociedade, porém, o que temos nestas declarações não se parta do conceito de cultura científica. Tal como defende Vogt (2007) a cultura científica envolve vários conceitos em si, quer do ponto de vista do desenvolvimento científico que implica a ideia de produção, quer a nível da difusão. Esta ideia de Vogt (2007) pode ser conjugada com a declaração da Entrevista I: “cultura científica, eu diria que não é só a prática de fazer ciência, mas também de consumir ciência”.

Por outro lado, os participantes apresentaram indicadores que atestam para o conhecimento sobre a cultura científica, não apenas no sentido de produção, mas também de difusão do conhecimento científico na sociedade. Tal como o Entrevistado F defende: “cultura científica tem a ver com a produção, [...] partilha e a difusão do conhecimento científico [...]. Não necessariamente na perspectiva da investigação, mas do conhecimento geral da literacia científica da população”. Ora, vê-se nesta declaração a ideia de literacia científica, o que convém realçar é o conhecimento que os participantes apresentam sobre a cultura científica.

Mais podemos encontrar na Entrevista C ao definir cultura científica como “conjunto de conhecimentos, saberes [...] e [...] prática [...] de literacia científica, ou seja, a pessoa estar [...] sensível a conhecimento científico, [...] investigação científica, a divulgação científica e até ao próprio consumo de material de conhecimento ligado a ciência”. Esta definição traz a imagem do que se pretende verificar na questão colocada sobre a compreensão da temática pelos responsáveis das IES. Quando se invoca a literacia científica, aliás, os participantes vão além, ao referirem sobre a sensibilidade do conhecimento científico, não somente no que respeita a produção, mas também ao consumo. Entretanto, vemos o conceito de cultura científica a abandonar o alcance da mera produção para uma relação mais vertical entre ciência e a sociedade. Finalmente, encontramos na Entrevista J a menção quer dos fazedores de ciência quer dos consumidores; este posicionamento reforça o conceito da cultura científica que estabelece a relação da ciência com a sociedade, conforme dito: “a cultura científica constitui um conjunto de elementos que estão relacionados à capacidade dos investigadores ou docentes universitários em [...] transmitir o seu conhecimento [...] a nível [...] das comunidades”. Ora, este pensamento não deve ser compreendido no sentido de ensinar ciência à comunidade, mas sim, como define Vogt (2007) é “cultura voltada para a socialização da ciência”, dito de outra forma:

A cultura científica é um capital que nos permite não apenas ler mas usufruir do mundo, não apenas conhecer mas manipular as ideias produzidas pela ciência, perceber as potencialidades e os riscos e as limitações da ciência, relacionar e integrar os conhecimentos da ciência com outros saberes e culturas numa visão coerente e enriquecedora do mundo, e encarar a ciência sem a mínima atitude de servidão ou sequer de reverência, mas apenas com curiosidade, emoção e sentido de responsabilidade (Granado & Malheiros, 2015, p. 19).

Comunicar resultados ao público Leigo

A segunda questão colocada aos participantes, pretende perceber até que ponto os responsáveis levam a ciência ao público leigo, às sociedades de comércio, indústrias e/ou decisores políticos e de modo particular, se já utilizaram a mídia para alcançar o referido público. No entanto, a maioria dos entrevistados não comunica ciência tal como podemos ver nas seguintes declarações:

“Já pensamos particularmente [...] na rádio, [...] programas direcionados exactamente aos pequenos produtores já pensamos mas nunca foi materializado”. (Entrevista G)“Pessoalmente nunca o fiz, mas sabemos que muitos investigadores têm, por exemplo, colunas de opiniões em jornais, revistas destinadas a população geral”. (Entrevista F)

“Não, eu pessoalmente não, a minha audiência é mesmo académica até ao momento tem sido a academia.

Portanto o meu mundo de publicações até agora tem sido mesmo a academia”. (Entrevista A)

“Infelizmente não, [...]. O que nós temos estado a fazer é comunicar os resultados, divulgar os resultados em fóruns estritamente científicos [...], quando há um simpósio [...], colóquio [...], conferência”. (Entrevista C)

As declarações indicam que a maioria nunca fez alguma comunicação de resultados da ciência ao público não cientista, entendemos ainda que o contexto angolano precisa de estudos alargados desta natureza para termos conclusões robustas, mas os indicadores preliminares e as justificações evocadas podem levar-nos a inferir que o problema é generalizado. Por outro lado, quando contemplamos as características dos participantes, vemos alguns com mais de três décadas de experiência profissional – docência, mas não encontramos indicadores que alinham para a comunicação da ciência. A literatura tem apelado aos líderes das comunidades científicas sobre a necessidades de comunicar frequente e efectivamente a ciência produzida nas universidades, utilizando os diferentes canais, meios e formatos à disposição das instituições. (Yuan, Besley, & Dudo, 2019) No caso em análise e se considerarmos que os entrevistados pertencem em diferentes IES, a realidade sobre o proceder dos cientistas parece harmonizar-se. A questão que se coloca é, quais são as dificuldades que enfrentam os cientistas para não divulgarem a ciência à sociedade?

Dificuldades para comunicar resultados de investigação

Levanta-se esta questão para perceber as dificuldades encontradas pelos cientistas em publicar resultados ao público leigo, de forma particular utilizando a mídia. As justificativas apresentadas são diversas, das várias encontradas, agrupamo-las em três categorias para evitar a dispersão de ideias e acautelar incompreensões da análise.

1 Razões pessoais

Uma das várias razões pessoais que se destaca é a falta de preparação, ou seja, não há formação, ainda que seja capacitação de curta duração com vista a preparar o cientista para lidar com um público extra-académico. Repare-se que as declarações dos participantes contêm detalhes/informações que indicam que eles têm consciência das exigências e rigor que a actividade de divulgação de ciência impõe:

“Nunca me preparei para tal, [...] preciso preparar-me bem, no sentido de adoptar uma linguagem que seja adequada à transmissão da informação, do conhecimento que pretendo partilhar. [...] Uma linguagem que ao mesmo tempo não esvazia ou não empobreça a qualidade do conteúdo que pretendo partilhar”. “Não tenho [...] experiência, [...] gostaria de aprender a dialogar com o mundo extra-académico através da mídia, pois é”. (Entrevista A) Neste sentido, as dificuldades apresentadas apontam para a necessidade de formação para potenciar os professores e demais responsáveis universitários de competências de base/necessárias para divulgar ciência. A actividade de divulgar a ciência não é uma actividade arbitrária, ela carece de planificação, estruturação e capacidade para a sua materialização. A literatura recomenda aos pesquisadores para aprenderem as normas de base de uma comunicação saudável. Conforme Reis (2018, p. 34-35) é necessário que os cientistas/pesquisadores se empenhem “no sentido de bem escrever para o grande público. Seria até aconselhável que as universidades inserissem em seus currículos cursos destinados a esse fim, estabelecendo mesmo “oficinas” em que eles pudessem trabalhar ao lado de escritores e jornalistas”. Yuan, Besley e Dudo (2019) defende que deve haver formação de curta duração sobre como os pesquisadores podem comunicar ciência e esta preparação pode ser feita através de seminários, workshops ou cursos de curta duração em Universidades parceiras. Neste sentido, a arte de bem escrever proporciona uma comunicação fluída que irá beneficiar “o grande público, que cada vez mais se interessa pelos resultados da ciência e precisa conhecê-los para participar ativa e democraticamente dos processos decisórios que envolvem aplicações da ciência e da tecnologia”. (Reis, 2018, p. 64)

Outra dificuldade identificada na análise temática é a fraca capacidade da escrita científica. Para os leitores de outros contextos (fora de Angola) podem não compreender a abordagem esmiuçada neste sítio, mas devemos dizer-lhes que existem em Angola vários professores universitários que nunca publicaram um artigo científico. O leitor pode perguntar como é possível? Aliás, como diz Carvalho (2012) aqueles que tentam implementar a cultura da escrita científica nas Instituições públicas são combatidos a todo custo. Este cenário ainda é uma realidade no contexto angolano. Vejamos as declarações da Entrevista D, quando questionado sobre as dificuldades que lhe impede de comunicar resultados: “falta de [...] habilidades, não tenho como fazer [...] uma [...] boa investigação e poder publicar os resultados. Dificuldades [...] em escrever um texto científico”. Uma análise de lógica discursiva nos levaria a concluir, se não pode produzir conhecimento por incapacidade técnica e metodológica é obvio que não pode comunicar, aliás, como se diz, “ninguém dá o que não tem”. Tal como reforça a Entrevista J, “nós também, temos dificuldades de produção científica, temos que ser honestos, um ou outro professor é que tem um artigo publicado”. Dito de forma diferente, como havemos de divulgar, o que havemos de divulgar se não temos produzido e os que produzem não o fazem de forma sistemática, mas sim, extemporaneamente?

Das razões pessoais, encontramos também outra que merece atenção, a falta de interesse tal como elenca a Entrevista F: “Falta de interesse meu, nunca tive uma actividade ligada ao jornalismo, à comunicação social, sempre funcionei dentro do circuito académico”. Esta afirmação, se vista de forma superficial, pode iludir-nos que aflora apenas a questão do interesse do pesquisador, mas quando lida no contexto global da grelha de análise temática, percebe-se que não é efectivamente a questão da falta de interesse, tal como o participante explicita. Observe que a declaração enfatiza igualmente a falta de ligação com a comunicação social, o que pode implicitamente sugerir que não tem qualquer experiência de divulgação à mídia e simultaneamente refere que sempre funcionou no círculo académico, ou seja, nunca experimentou uma actividade extra- académica de divulgação científica. É de assinalar que a actividade de divulgação não é uma actividade extra-académica, porque a Universidade possui três pilares, ensino, investigação e extensão, a actividade de comunicar ciência é própria do investigador. Esta afirmação pode encontrar argumento no Decreto Presidencial nº 121/20 sobre o Regulamento de Avaliação do Desempenho Docente do Subsistema de Ensino Superior no Artigo 34º sobre os Parâmetros de Avaliação de Desempenho do Docente do Ensino Superior, no ponto 3, alínea b) refere sobre as “iniciativas de divulgação científica nos meios de comunicação social.” E na alínea seguinte referencia a “interação com a comunidade consubstanciadas na realização de actividades de voluntariado, participação em actividades de interação social de diversa natureza”. Neste sentido, percebe-se que a prática de divulgação é um dever de qualquer pesquisador, mas para que tal se efective é necessário que haja capacitação.

2 Razões Institucionais

Alguns participantes dizem que o principal obstáculo para comunicar a ciência ao público leigo, é a falta de apoio por parte das instituições a que pertencem. Este abandono, no ponto de vista de muitos participantes transformou-se numa cultura (o normal) seguida pela maioria das instituições. Este normal, associa-se a falta de políticas governamentais que permitem levar a cabo esta actividade, tal como na Entrevista C declara: “Falta algum incentivo quer da parte do Estado quer da parte até das próprias universidades. Não há ainda [...] cultura. Não há abertura [...] para os cientistas [...] comunicarem, exporem os seus produtos à sociedade”. A falta da abertura deve ser encarada como falta de iniciativas pelas instituições de tutelas. Tal como é reforçado por outro participante, “as pessoas não têm a cultura de que o conhecimento científico é importante para transformar a sociedade”. (Entrevista J) Nesta declaração, por pessoas subentende-se os responsáveis das IES que desconsideram/desvalorizam a ciência como elemento fundamental para transformar e resolver os problemas sociais, por isso, não colocam a divulgação da ciência no topo das prioridades. A mesma Entrevista J sublinhou que a falta de interesse pelos responsáveis das IES reflete-se na ausência de um gabinete que se encarrega a divulgar os resultados da instituição na mídia, tal como colocou, “nós precisamos de um Departamento [...] vinculados com a mídia”. Os participantes entendem que um gabinete reservado especificamente para este fim configura-se num vector impulsionador para a realização de actividade de género.

3 Dificuldades de acesso à mídia

Outra dificuldade apontada é o aceso à mídia. Os participantes dizem que é difícil ter acesso a mídia, embora todos eles mostram que nunca fizeram contactos com qualquer órgão de comunicação para o efeito. Isto pode levar-nos a questionar a culpa projectada à mídia, de que ela é inacessível e que não existem tempo de antena reservado. Porque quando lemos justificações como estas: “É preciso se calhar a mídia por si só criar espaços nas suas grelhas”, (Entrevista B) ou ainda, “é necessário a reserva de um tempo de antena”. (Entrevista F)

Primeiro, a análise mostrou que o foco dos pesquisadores quando se fala da mídia, a consciência volta-se principalmente para à rádio. Não encontramos uma razão específica que justificasse esta tendência, embora um só participante, talvez pela natureza das investigações que realiza, alegou que a rádio é o órgão mais adequado, porque permite alcançar o público alvo – pequenos agricultores, que vivem nas zonas rurais e que têm apenas a rádio para ouvir a informação. “Já pensamos particularmente [...] na rádio, [...] programas direcionados exactamente aos pequenos produtores, já pensamos, mas nunca foi materializado”. (Entrevista E)

Reitera-se que é necessário que os pesquisadores experientes e as IES corram à mídia, contactem a mídia, batam às portas com vista a avaliar as possibilidades existentes para divulgar principalmente as pesquisas aplicadas e de interesse da sociedade. A exemplo do que fazem as empresas comercias, sempre preocupadas em trabalhar com a mídia para divulgar as suas marcas, as IES actualmente têm responsabilidades acrescidas neste sentido. Por outro lado, tal como escreve Reis (2018) a nível de veículos de comunicação, se quisermos olhar para hierarquias de comunicação efectiva, o jornal e o livro são os mais adequados meios para popularizr a ciência, enquanto a rádio que é priviligiada pelos participantes é o pior5 meio para divulgar ciência. A Televisão é um poderoso meio, mas muito caro e segundo estudos citados por Reis (2018) a televisão alcança grande público, mas não é um meio tão adequado. Portanto, Yuan, Besley e Dudo (2019) alertam para a necessidade de procurar outros meios e canais no processo de divulgação científica e não simplesmente pensar na mídia tradicional.

Portanto os pesquisadores e as IES em geral não podem esperar que as iniciativas de divulgação científica apareçam somente da parte da mídia que já vive em constantes tensões financeiras e de gestão sobre as diferentes matérias e muitos dos orgãos ainda presos nas velhas práticas de comunicação, é necessário que se não espere pela letargia da mídia, mas deve ser responsabilidade da comunidade científica proucurar espaços para comunicação. (Bandeira, 2015)

Relevância de comunicar os resultados ao público leigo

A cultura científica parece-nos mais importante ainda quando pensamos nos países em via de desenvolvimento, num contexto da luta global contra as alterações climáticas, preservação do ambiente, mudanças energéticas e a rápida expansão de infecções virais (Summ & Volpers, 2015) torna-se necessário empoderar os cidadãos de conhecimentos de base para compreender e participar activamente nestas lutas.

Quanto à análise, os indicadores temáticos apontaram para várias ideias sobre a relevância da divulgação científica e preferimos agrupá-las em três categorias: a) Formação da consciência cívica; b) - Resolução de problemas sociais; c) - Tomada de decisões políticas

1 Formação da consciência cívica

Refere-se a consciencialização do cidadão através da incorporação/assimilação dos princípios fundamentais da ciência que permitirá a participação activa do cidadão na vida social. Como lemos:

“A cultura científica para a população [...] tem [...] interesses [...], na formação da consciência do homem e na transformação da sua postura, do seu posicionamento enquanto membro activo da sociedade, no plano dos valores, no plano axiológico. Portanto nas suas práticas sociais, nos seus comportamentos, [...] e na capacidade de compreender o mundo no geral”. (Entrevista F)

Talvez interessa-nos destacar algumas ideias tais como a “formação da consciência; transformação da postura; transformação do posicionamento do homem; capacidade de compreender o mundo”. Estes pressupostos enumerados pelo participante advêm da promoção da cultura científica e contribuem na formação da consciência cívica do cidadão e da consciência social em geral. Como asseguram Vogt, Cerqueira e Kanashiro (2008, p. 2) pretende-se contudo que “a formação do cidadão no sentido em que ele possa ter opiniões e uma visão crítica de todo o processo envolvido na produção do conhecimento científico”. Ao mesmo tempo que esta formação contribui para a formação da consciência cívica e social, aumenta a literacia científica, permitindo que os cidadãos participem activamente nos processos de construção do conhecimento através de actividades de envolvimento público da ciência como palestras, workshops e outras. Se por um lado, a divulgação da ciência traz estes benefícios, por outro lado é responsabilidade ou dever dos actores da ciência divulgar os resultados produzidos à sociedade, tal como diz a Entrevista A, “Trata-se de uma questão de responsabilidade social”. Entende-se responsabilidade social, pelo facto das IES existirem para transformar a realidade social onde elas estão implantadas, bem como promover uma consciência cívica que permite os cidadãos participar de modo consciente nos processos de tomada de decisões política e sociais. É ainda questão de responsabilidade social:

“no sentido de que é uma maneira para o académico contribuir mais direta e conscientemente no progresso das comunidades. Em termos de criação de consciência da realidade. É uma questão de justiça social, é justo ajudar o país a crescer, partilhando conhecimento”. (Entrevista A)

2 Resolução de problemas sociais

Quando se refere a resolução dos problemas sociais, os participantes estão a dizer que um alto nível de cultura científica na sociedade pode ajudar a resolver vários problemas sociais sem resistência da sociedade, porque, parte-se do princípio que a compreensão da ciência pelos cidadãos permite o seu usufruto de forma mais racional. Neste sentido, os participantes acreditam que a pertinência em divulgar os resultados consubstancia-se em: “um dos pilares do ensino superior é divulgar os resultados cientifico para resolver os problemas das comunidades. O fim da ciência é o bem-estar (...) do homem”. (Entrevista D) Se este afirma que a ciência deve promover o bem-estar da sociedade, a Entrevista G diz: “a investigação pode melhorar [...] actividade de qualquer grupo, neste caso, actividades pecuárias e eles podem melhorar e aumentar a produtividade e mitigar alguns prejuízos que possam ter introdução de novas técnicas e novos procedimentos para a produção”. No entanto, a última declaração serve de exemplo em como a divulgação da ciência é relevante à sociedade e pode de certa forma resolver os problemas sociais, económicos, políticos, ambientais e outros. “Porque [...] os decisores políticos, com base nos resultados da investigação podem trabalhar, tendo em conta esse pressuposto, parece que a sociedade poderá estar alinhada ou desenvolver programas ou desenvolver projectos com base numa evidência”. (Entrevista J)

3 Tomada de decisões políticas

Compreendemos que este elemento é de realce se considerarmos que os países em via de desenvolvimento, particularmente os africanos em que se enquadra Angola, muitas vezes as decisões tomadas para a formulação de políticas públicas não são baseadas em evidências científicas, pelo que, em parte, tem causado frustração na concretização de diversos programas governamentais. Tal como refere o Entrevistado J deve-se “tomar decisões com base nas evidências científicas”. Neste âmbito, se “divulgarmos o conhecimento científico, que ajuda a resolver determinados problemas do próprio governo. (...) é muito importante, é uma mais-valia”. (Entrevistado E) Para tal, as IES devem preparar-se e organizar-se com vista a desenvolver uma das suas actividades fundamentais que é a de estender a ciência à sociedade e mais especificamente ajudar as empresas, as sociedades de comércio e os decisores políticos a tomar decisões que minimizem os riscos e tragam mais benefícios à sociedade.

Gabinetes de promoção da cultura científica nas IES

Oliveira (2015) assinala que os gabinetes de comunicação das IES são os principais responsáveis da divulgação científica dos resultados da investigação, promovem a imagem e asseguram a legitimidade e credibilidade da instituição. Estes gabinetes não precisam de estar presos aos órgãos de comunicação tradicional, eles podem exercer as suas actividades através de publicação de notas de imprensa, vídeos, blogs, conferências exposições e outros meios relacionados. (Shipman, 2014)

Ora, as entrevistas revelaram a inexistência destes gabinetes, o que existe são gabinetes ou Direções Científicas que se ocupam essencialmente na produção e publicação de resultados científicos no contexto académico. Tal como lemos, “Gabinete de comunicação e imagem, mas não é especializado nesta tarefa de divulgar os resultados dos trabalhos científicos à mídia, digamos que ela ocupa-se no que concerne à imagem e à publicidade da universidade”. (Entrevista A) Outro participante disse que existe sim um gabinete que deveria ocupar-se nesta tarefa, mas que infelizmente não o faz, “no ponto de vista estatutário há aí um gabinete, [...] departamento que se chama [...] comunicação e imagem [...] mas do ponto de vista [...] da funcionalidade [...] não é operacional, estás a ver?” (Entrevista B) A Entrevista I argumenta que “temos um departamento de investigação científica e publicações, mas que não [...] sai da instituição para a mídia para publicar resultados”.

De modo geral, o que os participantes estão a dizer é que existem gabinetes/departamentos ou direções que se ocupam na produção científica, que traçam os planos e incentivam a produção científica nas IES. Se triangularmos as declarações anteriores, com as questões posteriores veremos que as actividades realizadas por estes gabinetes/departamentos circunscrevem-se na instituição, o pode sugerir a inacção da actividade de divulgação científica.

No contexto angolano, as actividades científicas das IES são coordenadas e executadas pelo gabinete/departamento científico dirigido por uma direcção científica. “O que temos é uma área científica, que se responsabiliza na projecção dos quadros que queiram superar-se e [...] realiza eventos científicos.” (Entrevista E) “Quem cuida disto, sempre foi a área científica [...], não temos um gabinete específico que cuida da divulgação dos resultados”. Um gabinete em si não, ou seja, específico para esse fim”. (Entrevista C) Portanto, entendemos segundo as declarações dos participantes que existem os gabinetes científicos, embora as entrevistas não apresentam concordância a nível das atribuições das responsabilidades dos respectivos gabinetes, mas percebe-se que os gabinetes existem, embora não promovem a cultura científica. Oliveira (2015, p. 2015) chama estes gabinetes, gabinetes de comunicação e imagem, estes não orientam nem coordenam a investigação científica da instituição, mas sim, actuam como “gatekeepers da informação que sai das universidades, detendo uma influência considerável sobre a forma como é promovida a comunicação de ciência nas instituições.”

Atualmente estes gabinetes são de capital importância na medida em que procura atrair pesquisadores de outras instituições, estudantes internacionais e sobretudo obter financiamentos por parte das empresas privadas e garantir a reputação da instituição. Pelo que as IES em Angola deveriam rever o modus operandi dos departamentos científicos, se possível anexar gabinetes de comunicação e imagem que trabalhará em promover a cultura científica.

Público-alvo das atividades científicas das IES

Tal como apontam Burns, Connor e Stocklmayer (2003, p. 184) o público-leigo na comunicação científica é heterogêneo e podem ser:

  • Cientistas: na indústria, na comunidade académica e governamental;

  • Mediadores: comunicadores (incluindo os comunicadores de ciência, jornalistas e outros actores da mídia), educadores e formadores de opiniões;

  • Pecisores políticos: políticos governamentais, instituições académicas e científicas;

  • Público geral: alunos, trabalhadores de serviços de filantrópico

Neste sentido, o quadro abaixo apresenta a síntese das declarações dos entrevistados sobre o público-alvo a que são dirigidas as comunicações; entende-se por comunicações científicas: conferências, palestras, debates, mesas redondas ou workshops que visam apresentar resultados científicos em pares ou ainda ao público leigo.

Quadro 1
Público-alvo da atividades científicas nas IES

Elaboração própria

Parece haver uma convergência no quadro no que respeita as actividades dirigidas ao público leigo e aos decisores políticos: quase não existem actividades científicas voltadas para este público. É no público académico que é dirigida a maioria das actividades das IES. No entanto ao formularmos esta questão de outro modo, para aferir se existiam actividades científicas que são feitas fora da instituição? A resposta à questão foi igualmente negativa, confirmando a tendência das declarações sintetizadas no quadro anterior. Tal como dizem os participantes: “Fora da escola? Não, não me lembro” (Entrevista J), outro diz: “Dificilmente a gente faz fora da instituição”. (Entrevista I) “Não, não, não, todos os eventos científicos até ao momento ocorreram dentro da instituição”. (Entrevista F)

Porém, encontramos duas falas que responderam positivamente as quais queremos analisar. “É... jornadas científicas? Fora... fora da instituição, já, já, já, realizamos uma fora da instituição, me lembro onde convidou-se por exemplo o director da agricultura, [...] aqui [...]. Lembro ainda da cooperativa Y, e cooperativa X, já participaram”. (Entrevista G) Quando analisamos esta declaração percebemos que eventualmente esta actividade tenha sido ocasionada, embora o participante não o diz explicitamente na análise temática da grelha, mas a sua observação na declaração “já (...) realizamos uma fora da instituição”, a expressão “uma” passa-nos a imagem que terá sido uma actividade insólita/ocasional e não uma integrada num plano de actividades sistemáticas. Por outro lado, antes de responder, o participante teve que refletir profundamente, ou seja, fazer uma retrospectiva, tal como vemos na fala, “fora... fora, fora da instituição..., já, já, já”, releva-nos a hesitação entre a incerteza e a veracidade do que pretende dizer. De modo geral, esta actividade mencionada pelo participante realizou-se numa Biblioteca e era dirigida essencialmente a um público académico, mas com presença extensiva para algumas entidades políticas e não governamentais como é ocaso do director provincial da agricultura e os coordenadores de duas cooperativas. Portanto, a actividade não foi dirigida aos decisores políticos nem aos responsáveis das cooperativas mencionadas, tanto mais que num evento semelhante, há predominância da linguagem técnico-científica, pelo facto de os investigadores apresentarem seus trabalhos à comunidade académica, neste caso, os coordenadores de cooperativas, facilmente perder-se-iam ao meio à linguagem utilizada pelos cientistas.

Dificuldades das IES para promover cultura científica

Coloca-se esta questão aos dirigentes das IES com intuito de apurar eventuais dificuldades que servem de empecilhos para divulgar a ciência. Neste sentido, a grelha de análise temática permitiu-nos apurar e criar diferentes características que se configuram em dificuldades que enfrentam as IES em Angola, para a análise, agregamo-las em 4 categorias para melhor elucidação, conforme a figura.


Ilustração 1
Dificuldades para não divulgar a ciência
Elaboração própria

1- Cultura organizacional

O entendimento dos participantes, a falta de cultura organizacional envolve aspetos ligados às infraestruturas e o apetrechamento das instituições, para os participantes. Não é possível imprimir as outras dimensões da cultura organizacional nas IES sem antes possuir estrutura física capaz de albergar e suportar os serviços que se exige naquelas instituições. Assim, os participantes apontam a falta de salas ou gabinetes com computadores e internet para professores, falta de bibliotecas com acervo de especialidade para consulta dos docentes. “Há Faculdades que não têm, não têm espaços próprios. As nossas faculdades todas não têm por exemplo salas ou gabinetes para professores, como nós vemos fora, por área de formação ou por áreas de interesse de investigação”. (Entrevista C) A fala deste participante encontra confirmação na investigação de Carvalho (2012, p.14) ao estudar a qualidade do ensino superior em Angola, aludindo que há “deficiente aposta em bibliotecas e laboratórios, havendo mesmo a assinalar a criação de faculdades sem haver a preocupação com a criação destas infraestruturas e sem a aquisição de meios de trabalho indispensáveis a docentes e estudantes”.

Ora, no entendimento dos participantes, os professores devem possuir salas ou gabinetes próprios onde devem acomodar-se para realizar trabalhos de investigação. Esta lacuna, supomos que pode ser uma das razões do individualismo invocado por outro participante: “Nós somos muito individualistas” (Entrevista A) ou seja, o professor vai à escola administra a aula e retira-se dela, porque não possue gabinete que lhe possa acolher para repouso ou para leituras individuais. Este comportamento individualista tem certa ligação com um fenómeno que outro participante chamou de “Poli-docência”. (Entrevista F) A Poli-docência quer dizer que o docente leciona em duas, três ou até mesmo em 4 instituições e não se identifica como titular ou efectivo em nenhuma delas. Valentim (2019) questionou este comportamento:

Quando eu estou a dar aulas em imensas universidades ou em imensos institutos, (...) com que instituição eu me identifico, se eu sou Professor na Católica, se sou Professor na Lusíada, se sou Professor na Agostinho Neto, se sou Professor na cochinchina, eu faço parte efectivamente de que Instituição? (Valentim, 2019, p. 179)

Este fenómeno da poli-docência em nada acresce no fomento da cultura organizacional das IES. Este fenómeno também foi mencionado pela Ministra do Ensino Superior quando falava sobre a qualidade de ensino superior ao Jornal de Angola. A ministra não fez apenas referência a turbo-docência, mas validou um conjunto de debilidades elencadas pelos participantes na presente investigação, a ministra diz: “a precariedade de muitas instalações, a escassez de equipamentos de laboratório, a turbo- docência, a qualidade questionável do ensino-aprendizagem (...) escassa relação entre a teoria e a prática, a incipiência da investigação científica e a existência de uma cultura do plágio”. (Jornal de Angola, 12-07-2021. Pp.1-2 )

Os professores estão mais preocupados com os seus rendimentos, o que lhes impulsiona a concentrar-se unicamente na actividade docente, em função dos vários compromissos com as diferentes instituições onde trabalham, não lhes resta tempo para actividades científicas. “Estamos muito concentrados na docência, é... as nossas universidades dedicam-se especialmente ao ensino e não à investigação. É é então, resta pouco tempo, pouca energia verdadeiramente”. (Entrevista A)

Se por um lado há ausência de estruturas para suportar a permanência e o trabalho dos docentes nas instituições, bem como o excesso de actividade docente, por outro lado, clama-se por uma gestão que seja transparente, democrática e competente para dar corpo às IES. No entendimento dos participantes, a cultura organizacional deve começar com o estabelecimento de critérios transparentes para eleger6 os responsáveis de cargos de chefia para adequar o contexto de mudança que o país vive e fazer das IES o baluarte da transparência e da democracia:

“Colocar pessoas certas nos lugares certos. Algumas pessoas que exercem cargos de direção em instituições, não têm, ou seja, não têm aquela cultura científica [...]. Há quem é Decano ou Diretor geral [...] tem muitas debilidades também em termos de investigação. As vezes é uma pessoa que não está formada, por exemplo, não tem competências para tal. As vezes essa pessoa foi nomeada por conveniência”. (Entrevista D)

A declaração ilustra a ideia de adequar as funções do responsável com a área de formação, para evitar colocar pessoas que não percebem as responsabilidades que vão orientar ou dirigir. Revela-nos igualmente a noção de favoritismo nos actos de nomeação nos cargos de chefia, o que é prejudicial à pluralidade e transversalidade disciplinar que as IES carregam. Ora, a abordagem da cultura organizacional atinge a gestão, muitos dos responsáveis nomeados pelas entidades superiores não possuem experiência de gestão, outros imprimem uma gestão autoritária onde as decisões importantes da instituição são decididas por um grupo da sua conveniência com vista a satisfazer o interesse do grupo, e em última instância o interesse pessoal. Por outro lado, a não prestação de contas pelos responsáveis das IES, talvez seja uma razão que levou também alguns participantes a referir várias vezes sobre o dinheiro, mas isso deve-se a gestão monopolizada na qual os participantes apontam a má gestão como um empecilho de base para promover a ciência, tal como finaliza este entrevistado:

“Primeiro, é uma questão de gestão, ya! e quando se fala de gestão fala-se de gestão democrática e participativa. Os gestores têm sido os próprios empecilhos, têm sido eles os não incentivadores, têm sido eles os dificultadores. Os gestores [...] não estão só para gerir dinheiro, estão a gerir tudo [...], gerir o processo de ensino e aprendizagem, [...] gerir investigação e [...] termina com a divulgação dos resultados”. (Entrevista B)

2- Condição financeira

Uma das dificuldades mais expressadas pelos participantes é a falta de financiamento da maioria das IES. Neste sentido é importante fazer menção particularizada das dificuldades das instituições privadas e públicas.

As IES privadas, com a excepção da Universidade Católica de Angola (UCAN) que possui alguns protocolos com instituições internacionais que lhe permite adquirir algum fundo para projectos de investigação (embora insuficiente) e o Instituto Superior Politécnico de Tecnologias - ISPTEC financiado pela multinacional petrolífera angolana – Sonangol E.P, as demais sobrevivem exclusivamente da propina dos estudantes que é logicamente insuficiente para suportar os diferentes encargos das IES. Neste sentido:

“Se falarmos das privadas, aqui coloca-se um problema sério que tem a ver com financiamento, porque as privadas são exclusivamente financiadas pelas propinas dos estudantes. E nessa medida têm dificuldades em fazer funcionar unidades dedicadas à investigação e a extensão”. (Entrevista F). Tal como refere o entrevistado, “coloca-se um problema sério”, para além de não fazer funcionar as Unidades de Investigação e Extensão, em certas instituições não existem estes centros. Muitas IES em Angola dedicam-se exclusivamente à docência como se fosse uma escola do ensino geral. Tal como é dito na Entrevista C: “acreditas que há faculdades sem centros? [...] há faculdade sem centros”. Ora, sem financiamento, torna-se complicado para as IES privadas produzir e divulgar a ciência, muitas delas adquirem o material gastável no exterior do país, a manutenção dos equipamentos e laboratório é alto, a energia eléctrica que suporta as instituições em várias províncias é proveniente de geradores alimentados por combustíveis, o que aumenta mais as despesas correntes. Apesar das consequências da falta de financiamento, as instituições têm igualmente dificuldades em constituir um corpo docente próprio. A maioria das IES privadas em Angola não têm docentes próprios, depende de colaboradores que passam de instituição à instituição gerando a chamada poli-docência ou turbo-docência conforme abordado anteriormente. Como diz o Entrevistado F, se as instituições “não dispõem muitas vezes de docentes próprios”, como não terão dificuldades em desenvolver a actividade científica? Realçar que a falta de corpo docente próprio está intrinsecamente relacionada com a incapacidade financeira das IES privadas para pagar os professores a tempo integral, por essa razão, preferem colaboradores que ganham por hora de aula, reduzindo expressivamente as despesas com aquele pessoal.

“Se falarmos das privadas, aqui coloca-se um problema sério que tem a ver com financiamento, porque as privadas são exclusivamente financiadas pelas propinas dos estudantes. E nessa medida têm dificuldades em fazer funcionar unidades dedicadas à investigação e a extensão”. (Entrevista F).

Tal como refere o entrevistado, “coloca-se um problema sério”, para além de não fazer funcionar as Unidades de Investigação e Extensão, em certas instituições não existem estes centros. Muitas IES em Angola dedicam-se exclusivamente à docência como se fosse uma escola do ensino geral. Tal como é dito na Entrevista C: “acreditas que há faculdades sem centros? [...] há faculdade sem centros”. Ora, sem financiamento, torna-se complicado para as IES privadas produzir e divulgar a ciência, muitas delas adquirem o material gastável no exterior do país, a manutenção dos equipamentos e laboratório é alto, a energia eléctrica que suporta as instituições em várias províncias é proveniente de geradores alimentados por combustíveis, o que aumenta mais as despesas correntes. Apesar das consequências da falta de financiamento, as instituições têm igualmente dificuldades em constituir um corpo docente próprio. A maioria das IES privadas em Angola não têm docentes próprios, depende de colaboradores que passam de instituição à instituição gerando a chamada poli-docência ou turbo-docência conforme abordado anteriormente. Como diz o Entrevistado F, se as instituições “não dispõem muitas vezes de docentes próprios”, como não terão dificuldades em desenvolver a actividade científica? Realçar que a falta de corpo docente próprio está intrinsecamente relacionada com a incapacidade financeira das IES privadas para pagar os professores a tempo integral, por essa razão, preferem colaboradores que ganham por hora de aula, reduzindo expressivamente as despesas com aquele pessoal.

Nas IES públicas se não se faz ciência e a sua consequente divulgação, não é de todo por falta de financiamento, “falta de vontade e porque os mecanismos legais e o financiamento existem. (Entrevista F) A ministra do Ensino Superior Ciência, Tecnologia e Inovação, na mesma entrevista ao Jornal de Angola, voltou a fazer referência sobre a criação de condições financeira e referiu-se mesmo da criação de uma Agência de gestão financeira para investigação científica:

O FUNDECIT, recentemente aprovada pelo Executivo, terá como missão mobilizar recursos financeiros e proceder à sua gestão de acordo com as boas práticas de financiamento às actividades ligadas à ciência com transparência e competitividade. Felizmente, mesmo sem o FUNDECIT, o país já tem bons exemplos nesta matéria, através do Projecto de Desenvolvimento de Ciência e Tecnologia (PDCT) que tem financiamento do Banco Africano de Desenvolvimento (BAD). Através do PDCT foi lançado, em 2018, um edital para a submissão de projectos de investigação científica, prevendo-se o financiamento de 191 projectos. (Jornal de Angola, 12-07-2021. Pp.1-2 )

Ora, apesar da fala revelar que existe financiamento, e de diferentes projectos, temos de reconhecer que os financiamentos alocados à investigação naquelas instituições ainda é insignificante. Curiosamente, a mesma Ministra, numa entrevista em 2017 enquanto Reitora da Universidade Agostinho Neto deixou claro que não havia financiamento suficiente para investigação científica, tal como confirma o título da entrevista: “Magnífica Reitora da UAN. "Não podemos dizer que há financiamento para a Ciência, Tecnologia e Inovação em Angola.” Podemos ainda afirmar que a realidade financeira das IES não mudou e o país continua a lutar contra a recessão económica quejá dura há 8 anos consecutivos. Outra entrevista do Reitor da Universidade Katiava Buila volta a afirmar a mesma dificuldade:

O financiamento do ESCTI em Angola é insuficiente. Tem que ser feito um redimensionamento das necessidades efectivas do sector para corrigir os seus desajustes internos; o recrutamento de novos docentes, investigadores, técnicos e funcionários; a formação a todos os níveis, com destaque para a pós-graduada; a aquisição de equipamentos, meios e insumos para o ensino, para a investigação científica, para o desenvolvimento e para a inovação; a edificação de novas infraestruturas e adequação e recuperação das existentes; a mobilidade académica e a cooperação. (Ciencia.ao. Magnífico Reitor da UKB. O Financiamento do Ensino Superior, Ciência, Tecnologia e Inovação em Angola é Insuficiente “ 15-04-2018).

Pode-se admitir que existem pequenas acções de financiamento que vão sobressaindo, inclusive têm sido concedidas bolsas para investigadores ou para certos projetos investigativos que por vezes não aparecem pesquisadores com perfil desejado pela entidade promotora das bolsas, não nos referimos apenas ao concurso revelada pela entrevista da ministra, tem havido anúncios de projectos semelhantes em diferentes instituições internacionais.

De modo geral, as instituições públicas e privadas ainda padecem de sérias dificuldades financeiras que lhes impede de materializar projectos ligados à ciência. Estas dificuldades são frequentemente encontradas na literatura, por exemplo a investigação de Llorente e Revuelta (2020) desenvolvida em mais de 4 países da europa encontrou a falta de recompensa ou reconhecimento que se consubstanciam na não inclusão da avaliação formal na carreira científica; insuficiência para acesso aos financiamentos governamentais; o mesmo na investigação de Ndlovu, Joubert e Boshoff (2016) realizado com docentes em Zimbabwe.

3- Escassez de produção científica

A análise das declarações dos entrevistados apresenta dois pressupostos para esta dificuldade. A) falta de tempo para realizar investigação em detrimento da poli-docência.

B) falta de competências investigativa por parte dos professores o que não lhes permite realizar uma investigação de base. Tal como lemos:

“Os professores [...] não conseguem realizar [...] uma investigação, os professores não dominam os meios tecnológicos. Há professores que até aqui não conseguem, nem criar um PowerPoint, não dominam o Excel. Os professores também não correspondem, os professores têm muitas debilidades na escrita cientiíica”. (Entrevista D)

Entende-se aqui não apenas a fraca qualidade dos eventuais trabalhos produzidos e que torna desconfortável divulgá-los, mas também, a falta de conhecimento básico para produzir trabalhos científicos, bem como a falta de motivação, ou seja, não há incentivo ou estímulo que lhes impulsiona/empele à produção científica. No entanto há “escassez de tais trabalhos científicos, não fazemos muitos trabalhos científicos. Então, quer dizer, não damos porquê não temos nada para dar”. (Entrevista A)

A falta de motivação também é enunciada nos estudos realizados com docentes universitários no Zimbabwe. (Ndlovu, Joubert, & Boshoff, 2016) Esta falta de motivação associa-se à falta de política das instituições. Tal como aponta Oliveira (2001), quando nas IES se regista a ausência de políticas adequadas de divulgação científica, pode deixar os profissionais confusos ou até mesmo sem saber o que fazer nesta área, paralisando assim, esta actividade que é de base em qualquer IES.

4- Falta de cultura científica

Os entrevistados concordam que há falta de cultura científica nas IES. Aqui, entende-se cultura científica como o hábito, a atitude, vontade de proceder em conformidade com a ciência. Não nos parece que seja por acaso, que a Entrevista E afirma que “a grande dificuldade é a falta de cultura científica”. Entendemos a expressão grande, no contexto da análise temática, como a principal dificuldade que há para divulgar ciência, ou mesmo, se as IES não têm a veia que corre a cultura científica, não haverá motivações para promover a ciência à sociedade. “Algumas pessoas que exercem cargos de direção em instituições, não têm, ou seja, não têm aquela cultura científica [...]. Há quem é Decano ou Diretor geral [...] tem muitas debilidades também em termos de investigação”. (Entrevista D)

Oliveira (2001) menciona na sua investigação que ainda que os pesquisadores tenham vontade de divulgar os resultados das suas investigações, mas se não encontrarem uma assessoria que lhes possa ajudar eles acabam por desmotivar-se. O autor diz que uma das dificuldades é a falta de cultura científica. Embora o estudo de Oliveira diz respeito ao Brasil, vemos aqui a mesma tendência para o contexto de Angola. Aqui reside o cerne da questão, entendemos que quem dirige uma IES quer seja Reitor, Director, Decano, Chefe de Departamento, Centro de Investigação ou outro cargo ligado a ciência, deve ser um homem de ciência e não outro que não jorra a ciência na veia. Como se costuma dizer, “a igreja reflete o seu pastor”. Também é responsabilidade das IES criar uma cultura científica na instituição para que os docentes saibam que divulgação científica é uma recompensa ao cidadão que financia a investigação; uma forma de elevar a democracia; informar a sociedade; promover a ciência, aumentar a cultura científica e promover as vocações científicas. Por outro lado, é uma estratégia pessoal ou forma de obter benefício profissional através de angariação de fundos; atrair colaborações científicas; para alcançar uma vasta audiência (Liorente & Revulta, 2020).

Conclusão

A investigação pretendia saber se existem indícios que se consubstanciam em ações que promovem cultura científica nas IES em Angola. Neste domínio, a investigação concluiu que a temática em si, “cultura científica” não é desconhecida pelos responsáveis das IES. Apesar da consciência das responsabilidades e da pertinência da actividade de divulgação científica pelas IES, quase ou nada se faz, e alguns responsáveis chegam a pensar que esta actividade é extra-curricular. As principais dificuldades que impedem os cientistas de comunicar os resultados de investigação à sociedade são: razões pessoais, razões Institucionais e dificuldades de acesso à imprensa. Quanto às razões pessoais, a investigação percebeu que a falta de interesse, motivação pessoal para o fazer, constitui uma dificuldade; a falta de formação, ainda que seja de curta duração com vista a adquirir competências que permitam o cientista fazer uma comunicação efetiva à sociedade, e por último, a fraca capacidade da escrita científica, ou seja, a falta de competências sólidas para escrever um texto científico aceitável. Razões institucionais, não dispõem de apoios por parte das instituições a que pertencem; a falta de política institucional e a falta de estruturas de apoio nas IES. Finalmente a investigação aponta a dificuldade de acesso à imprensa, visto que não existe uma relação sistematizada entre a imprensa e as IES para facilitar e promover cultura científica. Os resultados científicos de investigação produzidos nas universidades e centros de investigação não são tidos nem achados pela imprensa. Há pois, baixa cultura na exploração da mídia digital para promover a cultura científica.

A investigação concluiu que os responsáveis das IES têm consciência da importância e responsabilidade em promover a cultura científica à sociedade e apontam que quando se promove cultura científica há formação da consciência cívica – que se revela na transformação da postura e do posicionamento do cidadão através da incorporação de princípios fundamentais da ciência que permitem a participação ativa do cidadão na vida social. É também apontada a resolução de problemas sociais: acredita-se que a compreensão pública da ciência permite o usufruto mais racional dos benefícios que dela advêm e favorece a resolução de problemas sociais, económicos e políticos. No que diz respeito à tomada de decisões, os entrevistados consideram que a promoção da cultura científica permite que as sociedades de comércio, industriais e departamentos ministeriais em geral tomem decisões baseadas em evidências científicas no exercício das suas atribuições.

A investigação concluiu ainda que as IES em Angola enfrentam várias dificuldades como: falta de cultura organizacional, a maioria das IES não possui instalações propícias para o funcionamento do ensino superior, por conta disto, professores não têm salas/gabinetes pessoais que lhes possibilita exercer suas actividades lectivas. Verificou- se que a maioria dos responsáveis das IES pública em Angola são nomeados por conveniência política, isto permite que haja Reitores, Diretores ou Decanos cientificamente incompetentes para o exercício daquela função, imprimindo uma gestão autoritária e pessoal, ao invés de democrática e participativa. Sobre a condição financeira, as IES privadas dependem exclusivamente das propinas dos alunos, isto gera problemas de base naquelas instituições: falta de corpo docente próprio, funcionando com professores colaboradores que, na sua maioria, são efectivos nas instituições públicas; por outro lado, impossibilita-os de fazer funcionar Departamentos e Centros de investigação científica. Para as IES públicas, apesar dos apoios não serem suficientes, existem mecanismos legais de financiamento através do FUNDECIT.

Um terceiro problema é a escassez de produção científica, falta de tempo para realizar investigação em detrimento da poli-docência/turbo-docência; falta de competências investigativas na maioria dos docentes o que não lhes permite realizar uma investigação de base para consequente divulgação. Portanto, a investigação limitou-se em analisar a perspectiva dos responsáveis das instituições de ensino superior, por isso, entendemos que para futuras investigações sobre divulgação científica nas IES, poderão incluir um estudo quantitativo para analisar a perspectiva dos docentes, ou ainda, estudar a percepção da comunidade sobre o papel das IES.

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