Artigo Original
ENTRE SETAS E DEMÔNIOS: PENTECOSTALIDADE PERFORMÁTICA GUERREIRA EM UM TERRITÓRIO DE FAVELA
ENTRE FECHAS Y DEMONIOS: PENTECOSTALIDAD GUERRERA PERFORMATIVA EN UN TERRITORIO DE FAVELAS
BETWEEN ARROWS AND DEMONS: WARRIOR PERFORMATIVE PENTECOSTALITY IN A FAVELA TERRITORY
ENTRE SETAS E DEMÔNIOS: PENTECOSTALIDADE PERFORMÁTICA GUERREIRA EM UM TERRITÓRIO DE FAVELA
Ciencias Sociales y Religión/Ciências Sociais e Religião, Campinas, vol. 24, pp. 1-37, 2022
Universidade Estadual de Campinas, Brazil
Recepção: 15 Setembro 2022
Aprovação: 18 Novembro 2022
Resumo: O trabalho aborda as relações entre pentecostais e narcotraficantes em uma favela situada em Campos dos Goytacazes, no norte do estado do Rio de Janeiro, Brasil. Marcada pela violência cotidiana, pelo encarceramento de moradores e pela insegurança alimentar, no território, o domínio da facção narcotraficante Terceiro Comando Puro (TCP) impede a existência de outras expressões religiosas, sobretudo a umbanda. As igrejas pentecostais ocupam pequenos espaços, com cerimônias ruidosas, de linguagem beligerante e de significativa exaltação corporal e emocional. No trabalho, argumentamos que as denominações pentecostais da favela compõem uma face de uma religiosidade, na qual destacam-se a performance guerreira e o senso de sobrenatural que se imiscui no cotidiano, conformando uma possibilidade de tornar habitável o cotidiano da exceção constante. Como aporte teórico, apresentamos à discussão as possibilidades analíticas da antropologia do cristianismo, vertente de estudos que, em sentido amplo, preocupa-se em compreender as distintas noções entre transcendente e imanente.
Palavras-chave: Pentecostalismo, narcotráfico, favelas, imanência, transcendência.
Resumen: El documento aborda la relación entre pentecostales y narcotraficantes en una favela situada en Campos dos Goytacazes, en el norte del estado de Río de Janeiro, Brasil. Marcado por la violencia cotidiana, el encarcelamiento de los residentes y la inseguridad alimentaria, en el territorio el dominio de la facción del narcotráfico Terceiro Comando Puro (TCP) impide la existencia de otras expresiones religiosas, especialmente la umbanda. Las iglesias pentecostales ocupan espacios reducidos, con ceremonias ruidosas, lenguaje beligerante y una importante exaltación corporal y emocional. En este trabajo argumentamos que las denominaciones pentecostales en la favela componen un rostro de una religiosidad en la que se destacan la performance guerrera y el sentido de lo sobrenatural que se inmiscuye en la vida cotidiana, conformando una posibilidad de hacer habitable el cotidiano de la excepción constante. Como contribución teórica, presentamos a la discusión las posibilidades analíticas de la antropología del cristianismo, una vertiente de estudios que, en sentido amplio, se ocupa de comprender las nociones distintas entre lo trascendente y lo inmanente.
Palabras clave: Pentecostalismo, narcotráfico, barrios marginales, inmanencia, trascendencia.
Abstract: The work addresses the relationship between Pentecostals and drug traffickers in a favela located in Campos dos Goytacazes, in the north of Rio de Janeiro, Brazil. Marked by daily violence, the incarceration of residents and food insecurity in the territory, the domination of the drugtrafficking faction Terceiro Comando Puro (TCP) prevents the existence of other religious expressions, especially Umbanda. Pentecostal churches occupy small spaces, with noisy ceremonies, with belligerent language and significant bodily and emotional exaltation. In the work, we argue that the Pentecostal denominations of the favela compose a face of a religiosity, in which the warlike spirit stands out, and the sense of the supernatural that interferes in daily life. As a theoretical contribution, we present to the discussion, the analytical possibilities of the anthropology of Christianity, a branch of studies, which in a broad sense, is concerned with understanding the different notions between transcendent and immanent.
Keywords: Pentecostalism, drug trafficking, dlums, immanence, transcendence.
Introdução
Existe vida, ainda que marcada pelas batidas do sofrimento, mas também pelas pequenas alegrias do cotidiano. A vida, mesmo que envenenada, encontra seu pulsar. (Das, 2015, tradução nossa)
A umidade persistente do chão acimentado dos estreitos becos da Corredor das Cores revela as constantes enchentes que acometem a favela localizada à margem direita do rio Paraíba do Sul, em Campos dos Goytacazes, na região norte do estado do Rio de Janeiro, Brasil. Pequena, a localidade ocupa apenas alguns quarteirões.1 Contudo, suas fronteiras são bem delimitadas: barricadas de madeiras e pedras guardadas por jovens, alguns imberbes, definem os limites. São “os meninos”, integrantes da facção narcotraficante Terceiro Comando Puro (TCP), que, pelo poder das armas, domina a região. Adentrando o território, é possível observar nos muros das casas e nos becos, as grandes letras que compõem uma frase repetida em diversos outros pontos: “Jesus é o dono do lugar”, o lema do Terceiro Comando. Para os moradores da Corredor das Cores, o significado do emblema é evidente: naquela favela, o poder é dividido. Jesus e os meninos do TCP são os donos do lugar. Neste texto, abordamos as relações entre pentecostais e narcotraficantes na Corredor das Cores. Marcada pela violência cotidiana (Das, 2020), pelo encarceramento e pela insegurança alimentar, no território, o domínio da facção narcotraficante (TCP) impede a existência de outras expressões religiosas, sobretudo a umbanda (Prandi, 1990, 1998), cujos marcadores em algumas situações são considerados ligados à facção Comando Vermelho (CV). As igrejas ocupam pequenos espaços autônomos com cerimônias ruidosas, com performances (Turner, 2005) guerreiras e de significativa exaltação corporal e emocional (Pereira, 2021).
Desta maneira, argumentamos que as denominações pentecostais da favela estudada compõem uma face de uma religiosidade encantada (Weber, 2004), no qual a experiência pentecostal influencia e é influenciada pelas dinâmicas do narcotráfico. Nesse jogo (Wittgenstein, 1989) entram em perspectiva relações entre imanência e transcendência pentecostais, as quais se configuram em um ethos de destacada performance guerreira. Assim, em um exercício figurativo (Reinhardt, 2016), é possível conceber uma dimensão na favela invisível ao primeiro olhar. Uma dimensão marcada pelo sobrenatural pentecostal e, por isso, habitada por anjos guerreiros, astutos demônios e traiçoeiras setas, o que radicaliza a imprevisibilidade do cotidiano (Das, 2020).
Como estratégia de escrita, o texto foi escrito em quatro mãos. Os dados etnográficos foram colhidos por uma das pesquisadoras e as análises empreendidas por ambas as autoras. O trabalho, por sua vez, está dividido em quatro itens. No primeiro, a favela é apresentada a partir do domínio da facção narcotraficante Terceiro Comando Puro (TCP) e da relação com as manifestações pentecostais, que naquela localidade assumem contornos específicos formando pequenas igrejas com conhecidos rituais extáticos de maravilhamento ao Espírito Santo. No segundo item, são apresentadas as lideranças religiosas que ao manejarem as expressões do sobrenatural pentecostal, exercem papéis políticos e de negociação ante o TCP e aos demais moradores. No terceiro item são abordadas as distintas dimensões e sentidos da guerra expressos por traficantes e pentecostais. A intenção é destacar que além das redes de solidariedade observadas pela literatura brasileira e de demais países da América Latina sobre as vivências pentecostais em contextos populares, os conflitos e as disputas também compõem o enredo das relações travadas. No quarto item, é realizada uma reflexão mais detida sobre as cerimônias de uma das igrejas da favela, a Águas Divinas, destacando o caráter emocional, sinestésico e de performance (Turner, 2005) guerreira dos rituais, compreendidos aqui como lócus importantes de investigação por hiperbolizar as relações sociais mais amplas (Peirano, 2003). Destacamos, ainda, que os dados da observação participante foram obtidos entre os anos de 2018 e 2022, em especial na igreja Caminho das Águas. O artigo ora apresentado é uma adaptação da tese de doutorado “Guerreiros de Cristo, bailarino de Jeová”, defendida em 2021 pelo Programa de Pós-graduação em Ciências Sociais da Universidade Federal de Juiz de Fora (Pereira, 2021). Os nomes dos interlocutores apresentados no texto são fictícios; a maioria deles, escolhidos pelos próprios. Uma possibilidade de revelar um mínimo da subjetividade dos coautores abordados neste trabalho
A Corredor das Cores e o cotidiano bélico
Situada à margem do Rio Paraíba do Sul, em Campos dos Goytacazes, a Corredor das Cores se estabeleceu ainda na década de 1970, quando após a falência das usinas de álcool, que formavam a maior atividade econômica da região, os antigos operários passaram a ocupar as áreas ribeirinhas, mais baratas por estarem suscetíveis às enchentes (Pessanha, 2001). Entre os anos da pesquisa, 2018 a 2021, a Corredor das Cores compunha o conjunto da Lapa (Ribeiro, 2020), um conglomerado de favelas, cujas fronteiras eram demarcadas pelas barricadas erguidas por integrantes de facções narcotraficantes.
Andar pela Corredor das Cores remetia à “densidade” das favelas, metáfora descrita por Oosterbaan (2009). As casas, todas de alvenaria, eram geminadas. Encostadas umas às outras, as casas formavam becos estreitos, úmidos, nos quais a proximidade entre a vida na rua e a vida dentro das residências era evidente. No entanto, as paredes das residências e os muros da Corredor das Cores eram multicores. O azul, o amarelo e o vermelho conferiam um ar colorido.
A história da favela guarda um enredo que revela as disputas territoriais nos espaços urbanos brasileiros (Mesquita, 2013; Vital da Cunha, 2015; Machado, 2014Pereira, 2021). Em meados da década de 2010, a Corredor das Cores fora conquistada pelo Terceiro Comando Puro (TCP), em uma parceria temporária com o Amigos Dos Amigos (ADA). Vencedor do embate, o Bonde do Moço (BDM), integrante da Igreja Mundial, começou a expulsão dos terreiros de umbanda, estes ligados ao Comando Vermelho (CV). Sinais da época do Comando Vermelho estão na memória de alguns moradores. Uma delas, uma mulher de 28 anos de idade, diarista e mãe de cinco crianças, que pediu para não se identificar, revela: “O Comando era melhor para a gente. Dava cesta básica”. Ainda na memória de alguns moradores, o domínio do Comando Vermelho, além de promotor de ações assistenciais, era mais tolerante aos cultos de matriz africana. Uma gravura do símbolo do grupo São Jorge já estampou os muros onde hoje está localizado um desenho que remete à Igreja Mundial (Pereira, 2021).
Christina Vital da Cunha (2015: 315), em etnografia realizada nas favelas de Acari e Santa Marta na cidade do Rio de Janeiro, faz uma análise da relação entre traficantes e religião. A autora constatou que até os anos 2000, havia uma associação entre as facções traficantes e as religiões de matriz africana. Para Vital, até a década de 1990 havia a concepção do “traficante Rei”, que geria o território, no que denomina como “bandidos crias”, defensores do “pedaço” (Vital, 2015). Tais traficantes expressavam a religiosidade em seus corpos pelas tatuagens, nas construções de estátuas para Orixás e nas inscrições nos muros:
Os bandidos da década de 1980 e início de 1990 expressavam sua religiosidade em tatuagens, no comparecimento a rituais, na construção de altares e por meio de pinturas nos muros da favela de Acari. Cy de Almeida, traficante preso em 1989, tinha duas tatuagens no antebraço fotografiadas por jornalistas durante sua prisão: uma de São Jorge e outra de São Cosme e Damião. Na batida policial que fizeram em sua casa (...) também acharam símbolos religiosos. (Vital, 2015: 327)
Ainda de acordo com Vital, a década de 2000 coincide com o avanço evangélico nas periferias, tendo a representação dos “traficantes Rei” sido substituída por uma postura mais “pragmática” dos traficantes, menos ligados aos bairros de moradia. O período vai assistir à ascensão de símbolos religiosos ligados aos evangélicos nas periferias. Dessa forma, se até os anos 2000 havia uma evidente associação dos traficantes e as religiões de matriz africanas, a partir da primeira década do século XXI, uma nova relação entre tráfico e religião se apresenta a partir dos símbolos cristãos e da relação destes “novos” traficantes com os evangélicos.
Tais sinais, como abordado, também podem ser encontrados nos muros da Corredor das Cores. Atualmente, já sob o domínio do Terceiro Comando, a localidade conta com cinco igrejas pentecostais. Todas pequenas, formadas por poucos integrantes e cujos rituais, sempre ruidosos, são marcados pelas cerimônias observadas por Clara Mafra (1999), naquilo que ela denominou como comunidades morais (Mafra, 1999; Pereira, 2019). Tais comunidades foram destacadas por Mafra. A própria autora, em artigo de 2012, percebe uma relação de proporcionalidade. Quanto mais pobre a região, mais pentecostal e menos católica. Tal associação também foi analisada por Julieta Capdevielle (2012), em pesquisa em pequenas igrejas pentecostais em territórios de pobreza na região de Córdoba, Argentina. Capdevielle (2012) percebeu que as redes pentecostais possibilitam conexões de ajuda entre seus integrantes, mas que entre os extremamente pobres tais associações encontram limites, operando apenas em uma dimensão moral e teológica:
Sin embargo, este capital posee, a nuestro entender, el límite que provee la visión institucional de la Iglesia frente a la problemática de la pobreza. Reducir este fenómeno social a una cuestión moral naturaliza y, en alguna medida, justifica la existencia de la misma, olvidando la génesis social de su producción. Este hecho impide el cuestionamiento al status quo y, con ello, la puesta en marcha de una estrategia colectiva para demandar determinados derechos. (Capdevielle, 2012: 20)
Nesse esteio, sobre a ritualística de tais igrejas pentecostais em territórios de pobreza extrema (Capdevielle, 2012), Mafra (1999) argumenta que nas comunidades morais um marcador seriam as cerimônias de “maravilhamento e êxtase pelo espírito” (Mafra, 1999: 35). Consideramos que em tais comunidades esse maravilhamento pelo espírito tenha relação com os opostos emocionais que ditam os termos do ritual. Afição (Das, 2015), que leva ao êxtase. Dor, que leva ao gozo. Tristeza, que leva à euforia (Pereira, 2019).
Deus e o diabo na terra do TCP
Em uma das igrejas pesquisadas, a Águas Divinas, observamos alguns rituais, sobre os quais citamos um deles. Naquela igreja, os cultos de sexta-feira eram os mais povoados. Reuniam não apenas os integrantes oficiais, mas também muitos “visitantes”, ou seja, os frequentadores ocasionais. Algumas vezes, era sugerida aos integrantes alguma preparação para a cerimônia de sexta-feira, entre elas, a prática do jejum. Nas cerimônias de batalha espiritual, o embate se fazia logo no início, quando o dirigente litúrgico conclamava ao combate. Em 19 de agosto de 2018, foi presenciado um dos cultos mais intensos de batalha espiritual da Águas Divinas. Na ocasião, a oração inicial do pastor- presidente da igreja, Jerônimo, um homem de 40 anos e orador enérgico, que além de dirigente litúrgico, atuava como pedreiro, começou com as seguintes palavras: “Nós sabemos que o inimigo não dorme. O mistério dele é roubar, matar e destruir. Hoje, toda seta lançada será perdida”.
Em muitos momentos, Jerônimo começava a pronunciar símbolos utilizados pela umbanda, associando-os à “maldição”: “Toda macumbaria, toda maldição, farofa, exu, tranca-rua, champagne”. Nesse sentido, Alejandro Frigerio (1999) reconhece que embora em disputa simbólica, a umbanda e as religiões pentecostais compartilham em suas teologias a solução para problemas terrenos e cotidianos:
Dentro del pentecostalismo, la oferta de compensadores específicos cumple un papel probablemente tan importante como en la Umbanda y el Batuque. Aunque su centralidad variará según la denominación que se considere, diversos autores coinciden en señalar que a partir de los años 50 en Brasil – algo más tarde en Argentina – la oferta de por lo menos un compensador (la cura divina) se populariza. Según Mariano, “a énfase teológica no dom de cura divina foi crucial para a expansão do neopentecostalismo no pais a partir dos anos 50” (1995: 23). Con la creciente popularidad del neopentecostalismo, crece no sólo la oferta y variedad de compensadores específicos posibles sino también su centralidad en el mensaje pentecostal (Oro, 1992). La teología neopentecostal muestra un claro énfasis en mejorar la vida en este mundo. (Frigerio, 1999: 67)
Além das alusões aos marcadores da umbanda, Jerônimo evocava outras referências: “Vai cair por terra os maus pensamentos, o adultério, a cobiça” (pastor Jerônimo. comunicação pessoal, 19 de agosto de 2018). Durante sua ministração, o tom da fala do pastor se ampliava, tornando-se cada vez mais ruidoso. A certa altura, notou-se o tom choroso e aos gritos, ao mesmo tempo em que as palavras em português se misturavam à glossolalia. Junto à oração do pastor, as preces dos demais participantes também se fizeram ouvir. Logo, a primeira música foi executada:
Entra debaixo do milagre / Que a glória de Deus vai passar / Entra debaixo do milagre / Que o senhor vai operar / Quem está debaixo do milagre, a morte não pode lhe deter / Na casa da viúva de Nami / Ele fez o milagre acontecer / Ele parou o enterro no meio da rua / Ele fez aquele moço reviver / Entra debaixo do milagre, que a benção você vai receber / Quem está debaixo do milagre, vitória vai receber / De uma rajada de glória / Que o milagre vai acontecer / Entra debaixo do milagre, Deus hoje tem benção para você / Entra debaixo do milagre que o senhor vai operar (Guerreiro, S/D)
A música tinha um andamento ligeiro e foi seguida por palmas e orações exaltadas. A próxima música foi a “clássica” “Divisa de Fogo”, presente em praticamente todas as cerimônias de batalha espiritual das igrejas frequentadas ao longo das investigações acadêmicas das pesquisadoras:
Divisa de fogo, varão de guerra / Ele desceu na Terra / Ele chegou para guerrear / Foi no quartel general, de Jeová / Você tem que aprender, você tem que adorar / E uma bola de fogo aqui descerá / Se você tem olhos ungidos, pode contemplar / Mas desceu um Varão Resplandecente lá da glória / Glorificado, esse é o Deus que da vitória / Olho de fogo, sapato de fogo, olha o renovo / Mas desceu o Miguel, Arcanjo de guerra lá do céu (Fogo no Pé, 2016)
Talvez uma das razões para o sucesso de “Divisa de Fogo” nos cultos seja seu vigor melódico. Composta por uma introdução e poucos acordes de harmonização, há também a preocupação com as rimas. Além disso, junto com a repetição, forma-se um padrão rítmico binário formado por 18 compassos. Por sua estrutura harmônica, é possível uma comparação com o ritmo trance. A canção é um clássico “corinho de fogo”. Tal categoria se refiere a uma vertente musical bastante específica e muito executada em comunidades morais localizadas nas favelas, como a igreja da Corredor das Cores.
Historicamente, antes de serem de “fogo”, os corinhos eram apenas corinhos, categorias musicais conhecidas no universo protestante e pentecostal. No Brasil, a liturgia cantada surgiu a partir da chegada das primeiras expressões protestantes. Quanto aos pentecostais, já na segunda década de 1900, surgia a Harpa Cristã, uma compilação de hinos religiosos da Assembleia de Deus. Com a maioria das músicas traduzidas do inglês, os hinos da Harpa apresentavam melodias relativamente complexas e arranjos sugeridos com instrumentos de sopro e órgão. Os coros também faziam parte do hinário. De acordo com Lima (1990), mesmo na Harpa Cristã, o corinho já demonstrava ser uma simplificação dos coros mais populares usados pela igreja (Lima, 1990: 54). Os primeiros corinhos evangélicos teriam como características as melodias simples e intuitivas, a linguagem coloquial e o conteúdo emocional; a preocupação com o ritmo, tornando-o mais próximo da música popular (Lima, 1990: 54). Com a difusão das Assembleias de Deus, também ocorreu a difusão dos corinhos e demais músicas. Especificamente sobre os “corinhos de fogo”, um elemento que pode ter contribuído ao seu desenvolvimento é a utilização do pandeiro (Lopes, 2016). Presente na maioria das igrejas pentecostais, mesmo as mais simples, o pandeiro se estabelece como um diferenciador do gênero.
Foi percebido que em algumas igrejas que o pandeiro é o único instrumento musical existente. Além da inserção do pandeiro e da difusão dos coros e hinos da Harpa Cristã, os “corinhos de fogo” são frutos do desenvolvimento do mercado gospel, que ganha relevo no Brasil a partir da década de 1960 (Baggio, 2005; Cunha, 1995). Gospel, nos Estados Unidos, está relacionado à música produzida pelos negros daquele país. O estilo musical, surgido no seio das igrejas protestantes, diversificou-se em vários gêneros musicais, entre os quais o blues e o jazz. No Brasil, gospel está relacionado à música com mensagens religiosas evangélicas.
De acordo com Magali do Nascimento Cunha (1995: 123), o gospel brasileiro se refiere à inserção de ritmos mais seculares às clássicas músicas protestantes. Assim, diversificado e popular, o mercado gospel brasileiro atualmente frutifica, tanto nas rádios quanto nas gravadoras evangélicas. O pesquisador Waldney Costa (2020) destaca, contudo, que a composição em compassos duplos não era uma especificidade do hinário da Harpa Cristã. Assim, melodicamente, os “corinhos de fogo” se desenvolveram posteriormente. Para Costa, por sua composição melódica, os “corinhos de fogo”, como conhecidos atualmente, remeteriam aos andamentos de pontos de umbanda, relacionados a Orixás guerreiros, entre os quais Iansã e Ogum (Maggie, 2001).
Como destacado anteriormente, não é intenção comparar a ritualística da Águas Divinas com os rituais umbandistas. Das considerações de Costa (2020), gostaria de pontuar, porém, a alusão a uma conotação bélica que se faz não apenas pelas letras, mas também na melodia dos corinhos. Para Gilbert Rouget (1980: 150), os significantes musicais têm uma dimensão denotativa e afetivo-emotiva, que remeteriam a estados emocionais como a alegria, a tristeza, a raiva.
Todas essas dimensões, que, para Rouget (1980), são construídas culturalmente, podem possibilitar o estado de transe (Aubrée, 1994). Assim, acreditamos que, como a maioria dos corinhos de fogo, a música “Divisa de Fogo”, com suas repetições harmônicas, conduzam a uma dimensão afetiva que remete a um caráter beligerante conhecido e reconhecido. Assim, voltando ao culto de sexta-feira da igreja Águas Divinas, em um movimento ascendente, outros corinhos foram executados. Um deles, também em compassos binários, tinha a seguinte letra:
Varão de guerra acabou de chegar / Varão de guerra está neste lugar / Com vestes na mão para te trocar / E azeite da glória para renovar / A sua bênção acabou de chegar / Ataviado daqui sairá / Azeite puro para renovar com vestes de guerra / Ele é Jeová / A sua bênção acabou de chegar / Ataviado daqui sairá / Azeite puro para renovar com vestes de guerra / Ele é Jeová / Vem! / Vem conhecer Jesus! / Ele vai te abençoar! / Ele vai te restaurar! / Ele vai te abençoar! / Ele vai te restaurar! / Essa é a noite da tua vitória / Vem descendo agora o anjo lá da glória / Se você orou e Deus te prometeu / Abre a tua boca agora e glorifica a Deus / Essa é a noite da tua vitória / Vem descendo agora o anjo lá da glória / Se você orou e Deus te prometeu /Abre a tua boca agora e glorifica a Deus / Jesus, Cavaleiro do Céu / Nunca perde a peleja no campo de batalha / Jesus, Cavaleiro do Céu / Nunca perde a peleja no campo de batalha / Ele venceu a serpente perigosa / E as nações viram Seu grande poder / Toda glória a Jesus, o Nazareno (Ednaldo do Rio, S/D)
Após a execução de “Divisa de Fogo” e de “Cavaleiro de Fogo”, o momento de avivamento chegou à exaltação coletiva ascendente. As orações e clamores eram gritados. Percebeu-se que os corinhos de fogo atuavam como “formas sensoriais” (Meyer, 2015), estimulando o momento extático. Nas performances corporais, as pessoas suspiravam, tremiam. Alguns balançavam os braços. O pastor Jerônimo também os levantava e subia. Havia uma certa regularidade nas performances. A exaltação corporal gerada pelo contato com o Espírito Santo diferenciava-se de pessoa para pessoa. Uma das integrantes, Clara, sempre balançava os braços nos avivamentos. Outra integrante girava, como uma dança circular individual. O pastor sempre levantava e subia os seus braços.
Com o término das músicas, era chegado o momento de “entregar o mistério”, quando as “revelações” eram verbalizadas. Durante o tempo de observação na Águas Divinas, “entregar da profecia” pareceu um momento de tensão. Da parte da pesquisadora autora, havia o temor especialmente de sua simpatia à umbanda fosse “revelada”. Sabia que a simpatia à religião considerada o inimigo a ser abatido (Reinhardt, 2016), colocaria por baixo todas as relações de confança conquistadas. Em uma das cerimônias assistida, logo no início da pesquisa, a uma das integrantes profetas, o Espírito Santo havia revelado que “alguém aqui nessa igreja estava mexendo com macumba”. Ao abordar o assunto, sobre o temor pelas profecias, os jovens recém-conversos da Escola Bíblica Dominical (EBD) também confessaram o medo de que fossem expostos eventuais “pecados”. Também foi notado que o dom da profecia é visto com certa desconfança por alguns integrantes. Existe a acusação de profecia camarebe, que, segundo um dos integrantes da igreja, o obreiro Tiago-um jovem de 28 anos e que trabalha em uma das oficinas do TCP- refere-se à revelação “que é feita pela carne, não com o espírito”. Ainda segundo o religioso: “Às vezes, o diabo usa a pessoa. Tem que ter discernimento, conhecimento. Porque satanás pode falar uma revelação e a pessoa achar que é de Deus” (Tiago, comunicação pessoal, agosto de 2018).
A frase de Tiago mais uma vez demonstrou que o sobrenatural é uma categoria em disputa na igreja. Se as ações entre Deus e o diabo podem ser confundidas, a legitimidade daqueles que manejam as referências sobrenaturais também se coloca em tensão, revelando um problema político e que alude, também, às hierarquias sociais. Lauren, vizinha de uma das pastoras da igreja, e que eventualmente participava dos cultos da Águas Divinas, confessou que não acredita que todas as revelações tenham origem divina: “Eu só acredito quando a pessoa fala uma coisa que só eu e Deus sabemos. Aquilo que está no coração da gente” (Lauren, comunicação pessoal, setembro de 2018).
Interessada nas tensões sobre a autenticidade e a origem das profecias, outras conversas foram feitas com alguns moradores da favela e frequentadores da Águas Divinas, mas que não eram oficialmente integrantes. Valentina, que costumava fazer as unhas de clientes numa cadeira colocada na porta de sua casa, localizada ao lado da igreja, confimou que considerava duas integrantes da Águas Divinas a pastora Ana e a fel Clara eram grandes profetisas e que, muitas vezes, ela própria comparecia à igreja Águas Divinas para ouvir não apenas as profecias das duas religiosas, mas também para receber suas bênçãos.
As relações entre vizinhos foram tema de algumas revelações. Numa das ocasiões, uma das pregadoras visitantes no momento do avivamento proferiu palavras como: “Hoje, vamos descobrir quem é nosso amigo de verdade. Jesus vai revelar o falso amigo que quer ver o nosso mal. Que a seta de satanás se revele. Que a capa no inimigo se revele na boca de quem fala de você”.
Assim, como destacado no primeiro capítulo, se o fundo de crença dos grupos populares comporta as acusações de olho grande, como argumentado por Cláudia Fonseca (2004), na Águas Divinas o olho grande e as invejas recebiam sua “versão” pentecostal composta em letra e ritmo de “corinho de fogo”. Se os corinhos são expressões da teologia da batalha espiritual, é necessário mencionar que tal teologia ganhou força no Brasil principalmente nas igrejas neopentecostais, em especial a Igreja Universal do Reino de Deus (IURD), na qual as sessões de exorcismo são dramatizadas e as entidades das religiões afro são explicitamente “demonizadas”. Observemos o que afirma o sociólogo Ricardo Mariano (2003), ao estabelecer uma diferenciação entre as igrejas neopentecostais – que, segundo seus critérios, comportaria a IURD – e as igrejas pentecostais de primeira e segunda ondas, que, pelas análises de Mariano (2003), abarcariam a Águas Divinas:
Comparadas com as denominações das vertentes pentecostais precedentes, as igrejas neopentecostais parecem ir um pouco mais longe na luta contra o mal. O fato é que elas hipertrofam a guerra contra o diabo no domínio pela humanidade. Para tanto, defiende que o que se passa no mundo material resulta da guerra das forças divina e demoníaca no mundo espiritual. Guerra que, segundo elas, não está circunscrita a Deus/anjos x diabo/demônios. Os seres humanos participam dessa guerra, mesmo que não tenham consciência disso. Mais do que isso: é dever primordial dos humanos engajar-se no combate das forças das trevas para realizar-se as obras divinas e desse modo reverter as forças do mal. (Mariano, 2003: 25)
Há algumas ponderações a se fazer na análise de Mariano. Primeiramente, para o autor, no ritual das igrejas neopentecostais, em especial a IURD, a batalha espiritual é hiperbolizada quando comparada às igrejas de estrutura congregacional, como é a Águas Divinas. Acreditase que a maior diferença entre a IURD e os rituais de batalha espiritual das igrejas analisadas é que há na Universal uma dramatização estruturada dos rituais de exorcismo. Nas comunidades morais como a Águas Divinas, mesmo nos cultos de libertação que tratam especificamente da batalha espiritual, o exorcismo é um evento raro. Uma das questões intrigantes nos cultos de batalha espiritual tanto da Águas Divinas quanto em outras igrejas de ritualística semelhante às quais observamos é que, embora a batalha se travasse explicitamente contra os demônios, nas cerimônias das igrejas o diabo nunca se manifestou verbalmente. Especialmente em denominações como a IURD, o diabo, geralmente travestido em entidades da umbanda e do candomblé, é “convidado” pelo dirigente litúrgico a se manifestar (Reinhardt, 2007; Almeida, 2009). Analisando os rituais da IURD, Ronaldo de Almeida (2009) destaca a “entrevista com o diabo” dessa denominação religiosa. Durante a entrevista com a entidade de posse do corpo: “Da mesma maneira como ocorre nos terreiros – onde há um estado de semiconsciência e é a entidade que fala –, no templo o endemoninhado perde a consciência, dando voz aos demônios” (Almeida, 2009: 88).
Em resumo, especialmente na IURD, há uma sistematização deliberada do exorcismo. Há uma liturgia centralizada no exorcismo. Pelo que foi observado, nas igrejas reteté como a Águas Divinas, o ritual de exorcismo é mais raro de ocorrer. Isso não quer dizer que as entidades das religiões afro sejam menos anatemizadas. Os rituais de batalha espiritual são dirigidos diretamente ao combate às “feitiçarias” e “macumbarias”. Termos como “feiticeira”, “pomba-gira”, “Exu” e “caboclo” são também utilizados. De qualquer forma, nomeados ou não, assim como na IURD, o “outro a ser predado no ascetismo ativo” (Reinhardt, 2007: 56) dos pentecostais da Águas Divinas também são as referências das religiões de matrizes africanas. Contudo, na teologia da última igreja, o diabo é polissêmico e tem sentidos mutáveis, podendo ser Exu, a pomba-gira ou mesmo os perigos dos vícios e da vida no tráfico. Enfatiza-se, no entanto, é que o culto de batalha espiritual no ritual reteté da Águas Divinas é mais sensorial e menos dependente do dirigente litúrgico. E destaca-se a fala ouvida em um dos cultos de sexta-feira: “Preste atenção no culto, porque você vai pegar seta”. Assim, mesmo que não seja convidado a se manifestar oralmente no campo de batalha dos cultos de sexta, o diabo está presente e sempre à espreita.
A atuação política dos pentecostais: a performance da batalha e da vida das igrejas ante ao cotidiano bélico
Após a descrição de um ritual de batalha espiritual, chegamos aqui a um argumento central: as facções narcotraficantes em seus domínios nos territórios ocupados utilizam-se de índices religiosos como marcadores de pertencimento e de distinção. Se para o Comando Vermelho tais marcadores aludiam aos Orixás guerreiros das religiões de matriz africana, principalmente Ogum (Prandi, 1998), para o Terceiro Comando Puro, tais alusões se relacionavam aos pentecostalismos.
Assim, se a tomada do território da Corredor das Cores pelo Terceiro Comando e a ascensão dos símbolos evangélicos é uma explicitação da derrota do inimigo, aquele ligado aos cultos afro-brasileiros, objetivamente a tomada da favela pelo TCP coincide com o avanço das igrejas evangélicas, dado que foi observado por Mesquita (2013):
Neste contexto, cabe problematizar as modalidades a que se refiere a inscrição das igrejas pentecostais no cotidiano das favelas, os líderes religiosos contam cada vez mais com recursos simbólicos, valores, categorias e rituais religiosos através dos quais tentam evitar o exercício de violência contra os demais moradores (Mesquita, 2013: 219).
Desta maneira, ao ponderar que as igrejas evangélicas e seus integrantes transitam na dinâmica política da favela, incluindo a dinâmica do tráfico, é preciso destacar que no cotidiano das relações de poder as igrejas pentecostais, como todas as outras instâncias, precisam negociar para sobreviver. Ali, devido ao domínio do TCP, outras denominações religiosas são impossibilitadas de existir. Pertencer a uma denominação pentecostal também é um exercício político. E nessa negociação é necessário marcar sua especificidade. Em outras palavras, naquele contexto tão influenciado pelas referências pentecostais, conhecer e manejar os códigos do pentecostalismo é exercitar uma possibilidade política. Na Corredor das Cores, crer é poder. O sobrenatural importa nas relações estabelecidas. Há, na Corredor das Cores, uma gramática sobrenatural pentecostal compartilhada no usual, inclusive pelos integrantes do TCP. A própria categoria, sobrenatural, é uma expressão corrente entre os moradores e religiosos. Aparece citada na pregação do pastor da Caminhos das Águas em um dos cultos: “Aqui é sobrenatural! Aqui é para quem tem olhos para enxergar. Você pode ver. É sobrenatural” (pastor Jerônimo, comunicação pessoal, 05 de agosto de 2018). Apresentamos uma música executada na igreja Águas Divinas que também aborda a dimensão sobrenatural:
O sobrenatural vai acontecer / É só acreditar que Deus tem poder / De fazer o impossível, é só você crer / Que o hoje o mudo vai aqui falar / O surdo vai ouvir o meu Deus bradar / Milagres só dependem de um pouco de fé / Um coração contrito põe meu Deus de pé (Silva, 2012)
Notamos, porém, que a partir da vivência na Águas Divinas, o sobrenatural refere-se à mediação do Espírito Santo. Este seria capaz de conceder dons, entre os quais, a revelação, a profecia, a glossolalia e os livramentos. Desta forma, sobrenatural seriam as manifestações que, mediadas pelo Espírito Santo, irrompem o andar usual da vida mesmo que fora dos templos.
Destacamos que a gramática do sobrenatural pentecostal na Corredor das Cores se estabelece a partir de dois eixos teológicos, quais sejam: a mediação com o Espírito Santo e a batalha espiritual. Sobre a mediação do Espírito Santo, em primeiro lugar, é o grande marcador axiomático do pentecostalismo. Reportado a todo momento – seja nas orações, nas pregações, ou nas conversas informais –, compreendemos que o Espírito Santo tinha um status primordial. A própria explicação bíblica sobre o Espírito Santo se relacionava com a narrativa de origem do pentecostalismo.
Alguns interlocutores foram questionados sobre o contato com o Espírito Santo. Nos relatos, alguns mencionaram sensações físicas como “calor” e “arrepio”. Outros, afirmaram emoções como “alegria”, “felicidade” e “poder”: “Você primeiro sente seu corpo queimando. O corpo todo é tomado. Parece que a gente sai da Terra. Depois vem uma alegria tão forte no coração. Mas tão forte. Quando fui batizado pelo fogo, tinha só 18 anos. Eu lembro que voltava à igreja todos os dias só para sentir aquela sensação de novo” (Paula, comunicação pessoal, outubro de 2018). Paula, filha do pastor Jerônimo, além do caráter sensorial e emocional, destaca o tempo para o processo de aprendizagem necessário ao reconhecimento dos sinais do Espírito Santo (Mafra, 1999; Ingold, 2002): “Eu sinto um arrepio. Começa no braço, depois no corpo todo. Até na cabeça. Depois vem aquela sensação de felicidade. E o falar em línguas? É como se a língua embolasse? (risos) Não. Você apenas fala, vai saindo. É assim com a revelação. Você percebe que o espírito falando com você, mas com o tempo, a gente aprende a reconhecer mais fácil” (Paula, integrante da Águas Divinas. Entrevista, outubro de 2019). Ana, pastora reconhecida por sua unção, recorre à qualidade inexprimível do contato do Espírito Santo para aqueles que não são por ele tocados. Destacando dessa forma um jogo comunicativo (Wittgenstein, 1989; Das, 1995), que, para ser acessível, exige aprendizado e experiência (Csordas, 1990; Favret-Saada, 2005):
Irmã, posso te falar várias coisas. Que mexe com o corpo da gente. Sobre como é falar em línguas. Mas não dá para explicar. Só quem vive e sente é que sabe. Você, por causa dos seus estudos, está frequentando a igreja. Pede para o Espírito Santo te encher (Ana, comunicação pessoal, setembro de 2018).
Contudo, como destaca Clara Mafra (1999: 99), “o Espírito Santo sopra onde quer”, não apenas do espaço dos templos. Durante as relações e atividades usuais, é possível que se manifeste, demonstrando como o sobrenatural mediado pelo Espírito Santo está imerso nas relações mais cotidianas. Ao conversar algo banal com uma prima da pastora Ana em sua casa, mas a conversa foi interrompida. A parente, Júlia, dissera ter tido uma revelação em que o Espírito Santo atestava a confabilidade da pessoa presente ali, no caso pesquisadora autora deste trabalho.
Depois dessa “briga de galos” (Geertz, 2008), percebemos que as portas da casa dos vizinhos foram abertas. Após a revelação, inclusive, a pesquisadora passou a ser chamada de “irmã” pelas interlocutoras. Narramos tal fato como uma demonstração de que a mediação cotidiana do Espírito Santo é capaz também de amalgamar e modular as relações sociais, mesmo entre aqueles que não são necessariamente tocados por ele, como era o caso uma das autoras do texto imersa naquele espaço. Dessa feita, assim como a mediação do Espírito Santo é um dos axiomas da teologia pentecostal, a batalha espiritual se estabelece como componente formativo.
Em um sentido religioso, o pentecostalismo como um todo prega um imaginário permeado por representações do mal, sendo seu combate a maior tarefa do crente. Assumindo uma religiosidade pela perspectiva da batalha espiritual, caberia ao fel lutar contra os demônios, que estariam presentes no cotidiano (Mariz, 1999; Mafra, 2012). Importante ressaltar é que o mal é “encarnado” no Brasil principalmente pelas expressões das religiões de matriz africana, mas também pelo catolicismo ou a maçonaria. Sobre essa questão, sublinha-se a fala de Mariz (1999), na qual destaca o protagonismo das camadas populares na atual configuração das tensões e disputas nas formações religiosas brasileiras:
Dessa forma, embora não seja novidade no Brasil, a atitude de confronto aberto adotado pelos féis, deve se reconhecer que é novo como sublinha Soares (1993) que esse enfrentamento se faça a partir das classes populares. O autor interpreta esse enfrentamento como uma forma contraditória/dialética de aliança interna: uma autovalorização e um auto reconhecimento em que elas veem a si mesmas como interlocutoras. (Mariz, 1999: 39)
A observação de Mariz traz interessantes possibilidades analíticas quando se observa as disputas religiosas em contextos marcados pelas relações de proximidade (Duarte, 1988), como no caso da Corredor da Cores. Importante destacar que mesmo que as expressões religiosas de matriz africanas estejam proibidas de serem expressas, o receio a supostas “macumbas” referenciais era constantemente aludido nos cultos. Durante o campo, não foi percebido que a acusação sobre a prática da “macumba” ou da “feitiçaria”. Algo como se as referências à umbanda recebessem “substância” nos rumores, mas não adquirissem sujeito. Contudo, as acusações sobre supostas invejas e olho grande, expressão êmica para se referir à inveja capaz de causar danos, entre vizinhos, eram constantes. Uma das pastoras e moradora da favela, conhecida como pastora Ana, explicou que tais sentimentos seriam estimulados por satanás, que se utilizaria daqueles mais vulneráveis a seus ataques:
Satanás recebe a autorização de Deus sim. Usa as pessoas. Por isso, a gente tem que estar em comunhão. Tem que estar ligado. Orando, jejuando. Tem que ficar ligado para não pegar seta. E tem uma coisa. Quando a gente desafa o inimigo, ele fica furioso, vem para cima de nós. Eu mesma aqui no projeto. Ele [o projeto] está crescendo. Mas você acha que o diabo está feliz com isso? Está furioso. Então ele usa as pessoas que ficam falando que eu vou tomar a favela toda, abrir outra igreja. Você não entende porque é inocente, mas satanás está investindo contra mim. (Ana, comunicação pessoal, 04 de setembro de 2018)
O relato da pastora Ana traz à baila a figura do diabo. Sobre a questão, seguindo o argumento de Mariz (1999), em primeiro lugar, para a teologia pentecostal, o diabo é o único elemento sobrenatural além de Deus, Jesus e o Espírito Santo. No entanto, ainda segundo a autora, mesmo com essa “redução” de expressões mágicas, o cotidiano pentecostal está inserido em uma percepção de caráter sobrenatural:
Para os pentecostais somente Deus (Pai, Filho, Espírito Santo) e o demônio podem agir neste mundo. Isto não significa que o sobrenatural esteja menos presente no cotidiano pentecostal. Para compensar, tanto Deus como o Diabo são bastante ativos. Ambos podem estar tão próximos das pessoas que por vezes tomam o seu corpo e agem em seu lugar. Tanto um fel pode receber o Espírito Santo como o pecador pode ser possuído pelo Diabo. Tanto é o Diabo que causa as doenças, conflitos, desemprego, alcoolismo, leva ao roubo ou a qualquer crime, como é Jesus e o Espírito Santo que cura, acalma, dá saúde, dá prosperidade material e liberta do vício do pecado. Nesta visão se nega, por um lado, a ação de outros seres espirituais, como se nega a responsabilidade humana e consequentemente as origens históricas do mal e do bem. (Mariz, 1999: 47)
Na verdade, Mariz (1999) vê nessa “redução” de elementos mágicos um fator etizante, pois o critério moral recebe mais importância do que a eficácia mágica:
O diabo tenha sido visto como um agente de desencantamento. Acredito que, ainda hoje, ele pode, em alguns contextos, desempenhar esse papel. Um desses contextos seria os das camadas populares brasileiras. A demonização desencanta o mundo, em primeiro lugar, por reduzir o universo sobrenatural praticamente a apenas Deus e o(s) diabo(s). A guerra contra o diabo contribui para o declínio da magia na medida em que questiona a eficiência mágica como o critério mais importante para a adoção de um ritual ou realização de um culto. Esse discurso religioso enfatiza não apenas o poder de Deus, mas a sua piedade e justiça. Apesar de todo poder que detém, o demônio deve ser rejeitado juntamente com seus milagres. O critério moral e ético é aí mais importante do que a eficácia mágica. Destacar os aspectos modernizantes e “ocidentalizantes” da teologia da guerra ou batalha espiritual não significa negar seus aspectos “encantado”, que são evidentes na concepção de mal como entidade e não como conceito abstrato. (Mariz, 1999: 4)
Dessa forma, como já analisado por Mariz (1999), nessa nova possibilidade de “encantamento” do mundo por meio da batalha espiritual, ser alvo de inveja e, indiretamente, das investidas diabólicas, representa também uma forma invertida de valorização ante aos vizinhos. Satanás só arremete contra aqueles com o poder de enfurecê-lo. Nesse ponto, retomamos Evans-Pritchard (2005), em sua análise sobre as acusações de bruxaria entre os Azande, as quais ocorrem porque as relações são também próximas, fomentando conflitos, alianças, afeições e ódio.
Na complexidade das relações estabelecidas na favela Corredor das Cores, a igreja Águas Divinas se estabelece a partir de alguns marcadores. É uma igreja antiga, a mais antiga delas, existindo anteriormente à tomada de poder pelo TCP, no que se diferencia da Barca de Jesus. Além disso, quando comparada às demais denominações evangélicas da favela, é relativamente estruturada – com móveis funcionais, embora simples. Chama atenção os equipamentos de som: uma guitarra, uma bateria, um violão e um pandeiro, o que, devido à importância dos sons nos cultos, adquire significativo valor. Nesse sentido, diferencia-se da Luz de Deus, onde só existia um violão e um pandeiro. Também é uma denominação que conta com uma hierarquia que ultrapassa a Corredor das Cores. Existe uma igreja sede, localizada em outra favela, e outra matriz, localizada numa comunidade relativamente distante da Corredor das Cores, onde a igreja é bastante respeitada. De acordo com o pastor Paulo, tal respeito se deve à sua longa história na localidade, demonstrando mais um valor ligado à autoridade, a longevidade.
O pastor conta que chegou à Corredor das Cores em 1992, na companhia da mulher, hoje pastora, e de dois filhos. Conta que viera do Cantagalo, no Rio de Janeiro. Chegara à cidade ainda integrante de uma igreja daquela região. “Foi um chamado de Deus. E também porque eu gosto de desafios, não gosto de hospital” (Pastor Paulo, entrevista, setembro de 2018). Destaca que começou a distribuir panfetos e a pregar “embaixo de uma árvore”:
Comecei a evangelizar e aí eu conheci o Totó (hoje integrante da igreja), que tinha uns 16 anos na época. Estava sentado no campo com uma arma na mão e ele me olhou. Olhei para ele. Fiquei com medo, mas já que estava no fogo... Falei com ele: “Vou te fazer duas perguntas: a primeira é sua idade e a segunda é se você conhece Jesus”. Naquela vez, não converti como gostaria. Mas depois, eu encontrei com ele e tive uma revelação. Falei assim: “Você vai ter um livramento. Essa semana vocês estão maquinando um assalto. Vai morrer todo mundo e só vai restar você”. Aí, foi dito e feito. O assalto foi até em Macaé (cidade vizinha a Campos). Então, Totó veio me ouvir e foi o primeiro a ser convertido (...). Eu lembro que peguei meu décimo terceiro. Trabalhava na Telerj, na época, aluguei a casa onde é a Corredor das Cores e os moradores começaram a chegar. (Pastor Paulo, entrevista, setembro de 2018)
O relato do pastor Paulo traz uma interessante amostra sobre a atuação política dos pentecostais. Além de atributos clássicos da política da vizinhança, como os interditos e as trocas, observa-se que a autoridade do pastor se estabeleceu, segundo suas palavras, pelo dom profético da revelação. Dessa forma, é uma autoridade que guarda analogia à ação dos profetas nuer, descritos por Evans-Pritchard (2005), em que, mesmo sob o domínio britânico que os levou à prisão, tais autoridades religiosas atuavam como mediadoras a partir do poder religioso.
Aunque parece que hay evidencia confiable de que los profetas anteriores no eran más que agentes rituales, algunos de los más recientes parecen haber empezado a resolver disputas, por lo menos en sus propios distritos. Sin embargo, su principal importancia política estaba en otra esfera. Por primera vez una sola persona simbolizaba, aunque en forma casi exclusivamente espiritual (Evans-Pritchard, 1976: 435).
Nessa esteira, percebe-se que em seu relato sobre a fundação da Águas Divinas, o pastor Paulo destaca um passado marcado pela violência e briga entre os traficantes e oposição à suposta paz existente hoje na Corredor das Cores: “Onde a igreja está hoje, era chamado de corredor da morte. Era onde eles matavam. Tinha o corredor ‘rasga cueca’, que era para levar ‘sarrafo’. O tribunal do tráfico ficava na praça. Hoje, se eu ver (sic), não deixo matar não” (Pastor Paulo, comunicação pessoal, setembro de 2018).
O sobrenatural pentecostal: as setas e as revelações
Durante as relações e atividades usuais, é possível que a profecia ou o “falar interior” do Espírito Santo (Mafra, 2011: 146) se manifeste demonstrando como as expressões pentecostais estão imersas nas relações mais cotidianas. É necessário ponderar, porém, que mesmo enredado no usual do cotidiano, o sobrenatural, principalmente na pessoa do Espírito Santo, preserva seu valor como transcendente (Robbins, 2011; Reinhardt, 2016).
Nesse sentido importante trazer à discussão as possibilidades analíticas da antropologia do cristianismo, vertente de estudos que, em sentido amplo, preocupa-se em compreender as distintas noções entre transcendente e imanente, evocando um dos temas fundantes do cristianismo: a relação entre as transcendências e o mundano (Robbins, 2011; Reinhardt, 2016; Cannel, 2006). De acordo com Robbins (2011), as postulações sobre imanência e transcendência advém da hipótese de Jasper, segundo o qual as revoluções da era axial possibilitaram transformações que resultaram em concepção tensionada e dicotômica sobre a realidade mundana e uma suposta ordem extramundana, um mundo mais elevado e moralmente superior. Argumenta Robbins (2011):
Para entender o que faz a hipótese da Era Axial interessante é preciso aceitar que a divisão marcada entre o transcendente e o mundano não se colocava nas culturas pré (ou não) axiais. Eisenstadt (1982: 296) reconhece que “a ordem transmundana, em todas as sociedades humanas foi percebida como algo diferente, geralmente mais alta e mais forte do que a ordem mundana”, mas argumenta que “no período das civilizações ‘pagãs’ da era pré-axial, este mundo mais elevado foi simbolicamente estruturado de acordo com princípios muito semelhantes aos do mundano ou do mundo inferior”. (Robbins, 2011:13)
Especificamente sobre o cristianismo, Robbins (2011) recorre a Mark Lilla (2007) ao argumentar que o pensamento cristão sobre a transcendência se complexifica a partir da concepção da trindade, visto que “Jesus, que foi uma vez totalmente imanente, mas já não é mais; e o Espírito Santo móvel” (Robbins, 2011:15). Argumenta o autor:
Os antropólogos não estão sozinhos ao apontarem a variedade de formas cristãs de se relacionar o transcendental com o mundano. O intelectual e teórico da história e da política Mark Lilla também refetiu muito sobre a natureza versátil do pensamento cristão sobre transcendência. Ele considera visível a complexidade das noções de transcendência cristã, especialmente nas “concepções cristãs da Trindade” (Lilla, 2007: 35). É por causa da Trindade – com Deus distante e totalmente outro; Jesus, que foi uma vez totalmente imanente, mas já não é mais; e o Espírito Santo móvel – que “foi provado ser possível, na história da teologia cristã, desenvolver imagens de Deus muito plausíveis – embora em última análise irreconciliáveis – que abranjam a sua. (Robbins, 2011:16)
Ao ampliar a discussão de Robbins sobre a pentecostalidade, tema desse artigo, o autor reitera a maleabilidade do espírito, destacando a suposta imponderabilidade teológica da concepção transcendental sobre o Espírito Santo. Transcendente como componente da trindade, mas imanente na fluidez de suas relações com os humanos, o Espírito Santo e a experiência pentecostal tensionariam e modificariam os termos da articulação entre transcendência e imanência cristã:
Quanto mais me concentro no pentecostalismo, portanto, maior a probabilidade de eu chegar a questões de algum interesse para as pessoas que pesquisam os cristãos em quase qualquer parte do planeta. E, finalmente, no que diz respeito ao tema da maleabilidade da relação transcendente / mundano pode-se argumentar que os pentecostais dão internamente uma ventilação maior a esse aspecto que outras formas de cristianismo. Como Massey (2006: 449) observou “o trinitarianismo (ou a doutrina da Santíssima Trindade) de muitas formas está no centro da teologia de pentecostais e carismáticos devido ao seu interesse específico na formulação e articulação de uma teologia do Espírito Santo”. Quando os pentecostais consideram que a ação terrestre regular do espírito afeta seu relacionamento com Deus, Jesus, outros seres humanos e eles próprios, eles enfrentam as tensões inerentes à abordagem cristã de imanência e transcendência muito diretamente. (Robbins, 2011: 16)
Assim, “soprando onde quer”, o espírito santo, argumentamos aqui, modula relações políticas do cotidiano (Das, 2020). Na Corredor das Cores, com o cotidiano marcado pela exceção constante, tal maleabilidade do espírito em sua conformação trinidal se imiscui nas relações usuais, assumindo uma expressão guerreira e encantada. Contudo, é importante colocarmos em perspectiva o próprio sentido de cotidiano, aqui amparados nas reflexões de Veena Das (2020). A autora indiana baseia-se em Wittgenstein (1989) ao compreender o cotidiano como o espaço temporal e material onde as relações sociais se forjam (Das, 2008). Para Das, a cotidianidade é instância onde as assimetrias das relações ganham plausibilidade (Ortega, 2008). Além disso, a concepção de cotidianidade se relaciona com a de comunidade. Diz a autora:
Vai se tornar claro que o sentido em uso, o termo comunidade não é como o de algo já dado ou primordial (daí o oposto de Estado). Antes, a comunidade se constitui mediante acordos, podendo também se desfazer pela recusa em se reconhecer algumas de suas partes (por exemplo, mulheres e minorias) como parte integral de si. Essa recusa pode tomar a forma de vozes não ouvidas ou pode se revelar por uma proliferação de palavras que afogam silêncios difíceis de suportar. Assim, enquanto a voz pode dar vida a palavras congeladas, feita plurais, ela pode ser letal, como no caso de palavras que futuam em torno de rumores aterrorizantes sem estarem atadas a uma assinatura. (Das, 2020: 32)
A citação de Das (2020) deixa antever a influência wittgenstiana. 2Comunidade é onde se estabelecem os jogos de linguagem que tornam inteligíveis e plausíveis as relações por meio de uma gramática social (Ortega, 2008). Ampliando a discussão proposta por Das, se o cotidiano é o palco para as comunidades formadas pelos jogos de linguagem, tal concepção sobre a cotidianidade guarda uma dupla dimensão. Uma delas é a dimensão do hábito. A segunda dimensão diz respeito à excepcionalidade e ao ceticismo. Assim, as formulações de Das (2020) se abrem para a análise de um cotidiano marcado pela incerteza da violência e da privação.
Em consonância, a partir da reflexão de Das (2020) argumentamos que na favela Corredor das Cores, a imprevisibilidade do cotidiano se acentua não apenas devido à ameaça constante da violência pelo domínio do TCP e pelas incursões policiais, mas também pela gramática do sobrenatural da pentecostalidade das várias igrejas que compõem a vida ordinária da favela.
Especificando a discussão sobre a relação entre o dinamismo da dimensão sobrenatural medida pelo Espírito Santo e o cotidiano da favela Corredor das Cores e da igreja Águas Divinas, apresentamos as categorias seta e revelação. Seta é uma espécie de um mau agouro lançado por demônios. É possível pegar seta nos momentos de distração ou quando não se está sob a proteção da nuvem, uma espécie de zona de influência do Espírito Santo. Algumas pessoas seriam mais suscetíveis às setas do que outras. O uso de drogas, de bebidas alcoólicas ou a audição de músicas do “mundo” podem tornar alguém vulnerável. Um dado de campo que gostaríamos de registar: uma das autoras deste texto, por estar grávida à época da pesquisa, foi impedida de participar de alguns rituais eclesiásticos e mesmo de circular em determinados espaços da favela. Segundo os moradores, o estado gestacional traria mais suscetibilidade às setas.
Quanto à revelação, trata-se de uma profecia, um dos dons do Espírito Santo. Aqueles agraciados pelo dom da profecia seriam capazes de dizer sobre o presente, o passado e o futuro (Pereira, 2019). Apresentamos, por ora, um relato: em um dos cultos de uma das igrejas pentecostais da Corredor das Cores, as Águas Divinas, um dos “meninos”, Charlinho, compareceu. No pequeno espaço da igreja, suas roupas, compostas pela camiseta regata e o chinelo, chamaram atenção. Durante o culto, o pastor, ao perceber o jovem e seus trajes, acrescentou a revelação em sua pregação:
Eu estou vendo vocês (apontando para Charlinho) com uma roupa de pastor. Você entrando nessa igreja com uma roupa de pastor. Por que não? Eu profetizo que um dia você vai pregar aqui nessa igreja com um terno bonito de pastor. (pastor Jerônimo, comunicação pessoal, 20 de setembro de 2019)
De fato, no culto seguinte, Charlinho compareceu de calça e blusa de mangas. Assim, a intenção ao relatar a revelação de Charlinho e as suscetibilidade às setas no estado gestacional foi sublinhar que viver no cotidiano da Corredor das Cores é viver vulnerável às setas, mesmo os que não são evangélicos. Também é viver sob a possibilidade de ser agraciado por uma revelação do pastor, quando o próprio Espírito Santo “manda dizer”3 uma boa nova. Como mencionado na gramática dos sentidos compartilhados da Corredor das Cores, tais manifestações do sobrenatural pentecostal são compreensíveis.
Contudo, ao trazer uma reflexão sobre as categorias seta e revelações do sobrenatural pentecostal, aduzimos que a teologia da batalha espiritual e a mediação do Espírito Santo nas relações de uma gramática sobrenatural trazem instabilidade ao cotidiano da Corredor das Cores. Algo como descrito por Veena Das (2020), em sua leitura da obra de Evans-Pritchard sobre o cotidiano dos Azande: “Nas interações em torno das acusações de bruxaria entre os Azande que interrompem o ordinário, mas ainda são parte do cotidiano” (Das, 2020: 29).
Assim, tal instabilidade cotidiana da Corredor das Cores não se estabelece apenas pela violência constante do TCP, ou as incursões policiais, mas também porque existe uma dimensão sobrenatural. Naquela localidade, as categorias sobrenaturais expressas nas profecias e nas batalhas das setas demoníacas podem irromper a previsibilidade do cotidiano, em algum sentido guardando alusões às interações dos Azande (Evans-Pritchard, 1976). Na Corredor das Cores, o TCP manda com suas armas, mas o Jesus pentecostal e o inefável Espírito Santo são os donos do lugar.
As cruzadas às bocas: “hoje atiro na cara de satanás”
Uma das expressões religiosas de pelo menos duas das igrejas residentes na Corredor das Cores era “cruzadas dominicais”, nas quais os integrantes visitam as bocas de fumo, os pontos de venda de drogas, e outros locais considerados interditados. O objetivo era “ganhar almas para Jesus”. Nestas ocasiões, os homens se reuniam e, após orações, partiam em direção aos pontos de venda de droga, onde oravam, abençoaram e convidavam os jovens para participar dos cultos. Silva Corrêa (2015), em sua etnografia na Cidade de Deus, favela do Rio de Janeiro, percebeu a realização de cruzadas semelhantes.4
Na Corredor das Cores, um dos líderes das incursões dominicais realizadas por uma denominação era o missionário Jorge. Com cerca de 40 anos, Jorge costumava pregar nos cultos da igreja a qual professava, a Águas Divinas. Em um dos cultos, se manifestou da seguinte forma:
Eu não tinha pena de nada. Se era para atirar, atirava. Deus me dava livramento e eu não entendia. Não entendia. Fui preso. Saí. Aprendi com a dor. Um dia, eu resolvi mudar. Deixei Deus falar (...). Deus foi mudando o meu coração (...), ninguém acreditou em mim. Hoje, só dou tiro na cara de satanás. (Jorge, comunicação pessoal, agosto de 2018)
O testemunho de Jorge suscita novamente a discussão sobre a relação entre o narcotráfico e a vida eclesiástica em pequenas igrejas pentecostais residentes na periferia.
Bruno Reinhardt (2016) analisa que o testemunho pentecostal guarda em si duas dimensões: a dimensão da ética parresiástica e a dimensão carismática. Baseando-se em Foucault, Reinhardt argumenta que parresia é a postura da sinceridade corajosa em dizer a verdade, independente da situação. Destaca Reinhardt:
(...) o ir ao mundo e divulgar as boas novas (evangelhos) do nascimento e ressurreição do Cristo, os apóstolos abraçaram a morte de forma voluntária, incorporando assim três elementos-chave da parresia: a enunciação pedagógica da verdade, o comprometimento e o risco. Não por acaso, o termo cristão “testemunho” é uma tradução do termo grego parrhesia, encontrado nas cartas paulinas. Nesses textos, no entanto, a sua dimensão valorativa clássica, associada à coragem e à franqueza, assume um forte teor evangelista, tendo sido acoplado a uma ética da convicção de ordem salvacionista. (Reinhardt, 2016: 47)
Quanto à dimensão carismática, para o autor, refere-se ao sentido testemunhal de continuidade temporal do contato divino no cotidiano, por meio dos prodígios e milagres. Nos dizeres de Reinhardt: “Encontrase aqui um dos cernes da teopolítica pentecostal: seu modo específico de articular transcendência e imanência através do Espírito Santo” (Reinhardt, 2016).
Contudo, para além da análise sobre as dimensões parresiásticas e carismáticas do testemunho cristão, destacamos nesse ponto sua dimensão teopolítica (Marshall, 2014; Reinhardt, 2016).5 Ser cristão, em qualquer contexto, tem implicância política. Dessa forma, ponderamos que na Corredor das Cores, o cristianismo pentecostal se estabelece nas relações de poder, a partir do sobrenatural de performance bélica relacionado com as disposições morais entre religião e tráfico.
Nesse sentido, Carly Machado (2014), analisa como a narrativa do sofrimento daqueles que tiveram envolvimento com o mundo do crime possui um aspecto moralizante. A autora destaca, a partir das obras de Das (2004) e Asad (1997), que tal narrativa foresce entre as denominações pentecostais e, em tais igrejas, o sofrimento do “ex-bandido” é um valor e fator de reprodução narrativa. O sofrimento deve ser hiperbolizado do mesmo modo que as narrativas sobre supostas “crueldades” praticadas na vida pregressa. Do mesmo modo, Birman e Machado (2012) destacam que a conversão do “ex-bandido” possibilita a transformação da força bélica em poder “moral” para “redirecionar seus atributos físicos para o sentido moral que, momentaneamente, deles se ausentou”.
É preciso, no entanto, ponderar que tal poder moral adquirido encontra similaridades com a vida no narcotráfico, como aduzidos por Karina Biondi (2018): os sentidos de hierarquia, justiça e responsabilidade fazem parte do repertório moral do narcotráfico, assim como o fazem no repertório moral da igreja (Vital da Cunha, 2015). Sublinhamos, dessa forma, a existência de uma gramática moral inteligível, também em suas diferenças e em suas similaridades, entre meninos do movimento e os convertidos, ao contexto local e sua linguagem de violência, perigos e riscos compartilhados.
Desse modo, a conversão pentecostal inaugura uma nova posição existencial. O converso coloca-se do outro lado da batalha espiritual. Nessa batalha, assim como destacado por Jorge, o alvo a ser abatido é o próprio satanás. Nessa perspectiva, aos convertidos e, dessa forma, àqueles devidamente estabelecidos nos fronts da batalha espiritual, coloca-se, como já destacado, uma nova cartografia moral, com implicações na circulação no espaço da favela.
Clara Mafra (1998), que em sua tese de doutorado (Mafra, 1999) destacava a noção de perseguição como componente central na atuação dos evangélicos, ao analisar as diferenças de atuação entre católicos e pentecostais nas redes de solidariedade no Morro Santa Marta, na cidade do Rio de Janeiro, argumentou que a fuência dos grupos pentecostais entre os envolvidos no “movimento” se relaciona a um tipo de linguagem utilizada pelos religiosos. De acordo com a autora, a ação dos pentecostais se assemelharia, como tipo ideal, ao regime de ágape, o qual se caracteriza pela comunicação focada no presente e nos termos atualizados de cada relação.
Em consonância, de acordo com Mafra (1998), a atuação dos pentecostais seria pela busca de “uma utopia sem exterioridade”. Repetimos, aqui, uma frase bastante ouvida antes das incursões da igreja pelas vielas da favela: Vamos tomar a Corredor das Cores para Jesus. Desta forma, a utopia almejada pelos integrantes das cruzadas às bocas se conceberia pelo desejo de ampliação das fronteiras espirituais da igreja até que o espaço possa ser reconhecido em uma comunidade moral específica (Birman & Machado, 2012). Baseado numa projeção focada na realidade imediata em detrimento de concepções de exterioridade sobre justiça social, tal como os católicos das Comunidades Eclesiais de Base (Mariz, 1999; Mafra, 1998), os pentecostais oferecem possibilidades também imediatas de se lidar com o cotidiano da favela ao oferecer o projeto (Velho, 1994) da adesão religiosa.
Citamos o trabalho de Patrícia Birman e Carly Machado (2012), as quais, ao analisarem a atuação da igreja Assembleia de Deus dos Últimos Dias (IADUD), que na figura do pastor presidente, Marcos Pereira, percorre as favelas da região Oeste da cidade do Rio de Janeiro promovendo conversões entre traficantes, perceberam o projeto de construção de uma comunidade imaginada, utilizando os termos de Benedict Anderson (2008).6
Gostaríamos, por ora, de destacar uma questão das análises de Birman e Machado: a importância dos mediadores humanos na atuação do divino pentecostal. Argumentam elas:
Para alcançar sua finalidade missionária, os meios que emprega tampouco são humanos, ou melhor, são meios humanos revestidos de uma qualidade outra, aquela proveniente do poder divino. É preciso insistir neste aspecto: se a tradição protestante trouxe como um dos elementos fundamentais de ruptura com o universo católico o ataque às mediações santificadas, isto é, à chamada idolatria, o pentecostalismo que aqui analisamos não abandona nem a crítica à idolatria nem a prática da mediação com o mundo transcendente, mas as transforma (...). Esta comunidade virtual é construída como algo atemporal, no encontro entre tempos e espaços distintos, reunindo o vasto grupo que se identifica e é identificado pelo pertencimento ao Povo de Deus. (Birman, Machado, 2012: 63, grifos nossos)
Da análise de Birman e Machado, destacamos inicialmente o óbvio caráter bélico, dado que é identificado na IADUD e que é também perceptível nos discursos dos cruzados da Corredor das Cores: “Hoje atiro na cara de satanás” (Jorge). O Jesus pentecostal do missionário, antes de tudo, guerreiro, o varão de guerra, tantas vezes aclamado nas orações e que se insere na internalidade da lógica da violência vivenciada.
Palavras como “batalha”, “peleja”, “guerra”, “marchar” são comuns tanto em músicas quanto em diálogos travados nos rituais das igrejas e na vida cotidiana. Jeová, poderoso e belicoso, está sempre disposto a proteger seus féis. Ainda sobre a relação das igrejas pentecostais com o entorno, Simon Coleman (2018) traz importantes contribuições. O autor, ao refletir sobre ética e ação, destaca que as expressões pentecostais se estabelecem necessariamente em uma condição de abertura de suas fronteiras. A relação, sempre tensionada e dinâmica, com o contexto fora das comunidades pentecostais é um fator que a conforma, numa interação na qual as fronteiras são constantemente acionadas, num movimento de permanente construção:
Um ponto similar, e muitas vezes subestimado, é que as fronteiras através dos quais os Pentecostais atuam não estão simplesmente “por aí”, expressando de alguma maneira as diferenças essenciais entre as visões pentecostal e local sobre o mundo. Elas são constantemente construídas e reconstruídas pelos féis, embora muitos autores pareçam pensar que o principal motivo para examinar a atividade pentecostal é pela sua habilidade de converter não-cristãos às suas visões de mundo. Prefiro reforçar que é igualmente importante examinar outra dimensão da fronteira: as formas pelas quais o Pentecostalismo em si se reconstrói através da afirmação de sua necessidade de trabalhar nas fronteiras que envolvem tanto os féis quanto os não féis (...). Tais prestações de conta são certamente uma forma de auto-objetivação, e a audiência pode ser tanto o Eu como um suposto outro. (Coleman, 2018: 288)
Nesse sentido, as interações entre tráfico e evangélicos a um só tempo distanciam, afirmam e aproximam suas próprias fronteiras. Relacionar-se com o mundo, o local de todo o pecado, tem um sentido ontológico necessário, expressando um caráter político e de poder.
Dessa forma, as igrejas pentecostais devem sua reprodução às relações mais amplas, além-templo. Contudo, destacamos aqui, o caráter performático (Turner, 2005) da atuação guerreira pentecostal. Reiteramos que, naquele ambiente, marcado pela devastação (Das, 2020), morte em sua literalidade, a atuação pentecostal e sua performance da batalha espiritual e pelas almas dos moradores, é uma batalha pela vida.7 Embora suas linguagens se cruzem e, por vezes se encontrem, tráfico e o pentecostalismo das comunidades morais possuem gramáticas e expressões performáticas diversas. Ao performar a batalha, os pentecostais operam para tornar “habitável a devastação” da exceção constante da violência policial e dos traficantes. Reiteramos aqui que a instabilidade cotidiana da favela se conjuga, mas se mostram distintas quando se comparam a violência das armas e a batalha espiritual.
Considerações finais
Neste texto, argumentamos que a atuação dos pentecostais, ao ultrapassar os limites do templo em sua concepção de batalha espiritual, marca uma atuação política específica, ensejada pelo soprar do Espírito Santo. Num contexto como a favela Corredor das Cores, em suas relações hierárquicas e de proximidade, e sob o domínio do TCP, o qual impede a existência de outras manifestações além das igrejas pentecostais, a atuação dos religiosos é legitimada pela concepção pentecostal de sobrenatural, cujos termos são acessados nas relações cotidianas, tensionando as relações entre transcendência e imanência. Nesse sentido, as reflexões da antropologia do cristianismo, ao abordar a ação da maleabilidade do Espírito Santo no cotidiano, possibilitam um rico amparo analítico.
Assim sendo, a mediação exercida pelas igrejas pentecostais, em sentido inexoravelmente político, ocorre a partir do domínio do TCP. Se o sobrenatural é o discurso que gera uma possibilidade de autoridade nas relações de poder estabelecidas na favela, nas entrelinhas, é a política do tráfico e a lógica da violência sobre o território que modulam as interações. Se as igrejas produzem mediação política é porque seu discurso, inclusive o discurso sobre o sobrenatural, se acopla ao cotidiano imerso em constante conflito. Nesse cotidiano, imanência e transcendência se articulam em evidente dinamismo. A igreja e seus ungidos integrantes são agentes políticos, sua força se estabelece a partir das concepções sobre os prodígios do Espírito Santo e da batalha espiritual, concepções essas que encontram ecos e materialidade na vida cotidiana da favela.
Contudo, a atuação dos pentecostais e do tráfico devem ser concebidas de distintas formas. “Atirar na cara de satanás”, como declarou um dos interlocutores, deve ser analisado em seu sentido teológico e performático. Reiterando: “atirar na cara de satanás”, de modo algum, significa alvejar detratores humanos. São sentidos- do tráfico e da igreja- que trazem instabilidade ao cotidiano, mas que possuem dimensões diversas. Em sua performance de guerra, os pentecostais, ao final, reafirmam a vida, num contexto em que a morte parte do ordinário.
Desse modo, em sua performatividade guerreira, a pentecostalidade da Corredor das Cores atua no sentido de “habitar a devastação”, da violência cotidiana. Nessa política do sobrenatural, as tensões e alianças se estabelecem tanto na forma institucional, como no caso da igreja Águas Divinas, em seus avivados cultos e em sua possibilidade de adesão religiosa, quanto na atuação de atores políticos singulares no manejo do inefável Espírito Santo.
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