Artigo Original

TEMPO E ANTROPOLOGIA DO CRISTIANISMO: TEMPORALIDADE PROFÉTICA E A PRESENÇA PÚBLICA DO PENTECOSTALISMO NO BRASIL CONTEMPORÂNEO

TIEMPO Y ANTROPOLOGÍA DEL CRISTIANISMO: TEMPORALIDAD PROFÉTICA Y PRESENCIA PÚBLICA DEL PENTECOSTALISMO EN EL BRASIL CONTEMPORÁNEO

TIME AND ANTHROPOLOGY OF CHRISTIANITY: PROPHETIC TEMPORALITY AND THE PUBLIC PRESENCE OF PENTECOSTALISM IN CONTEMPORARY BRAZIL

Cleonardo Mauricio *
Universidade Federal de Pernambuco, Brasil

TEMPO E ANTROPOLOGIA DO CRISTIANISMO: TEMPORALIDADE PROFÉTICA E A PRESENÇA PÚBLICA DO PENTECOSTALISMO NO BRASIL CONTEMPORÂNEO

Ciencias Sociales y Religión/Ciências Sociais e Religião, Campinas, vol. 24, pp. 1-28, 2022

Universidade Estadual de Campinas, Brazil

Recepção: 26 Setembro 2022

Aprovação: 08 Dezembro 2022

Resumo: Este artigo aborda, a partir da Antropologia do Cristianismo, como a relação dos pentecostais com o tempo pode inspirar sua forma de presença na esfera pública brasileira. Através do processo de conversão, os fiéis apreendem modos específicos de estruturar o tempo, dentre eles, a temporalidade profética, foco deste artigo. Esse enquadramento temporal gera sensibilidades disciplinadas que excedem a vida dos fiéis, estimulando o modo de incidência pública do pentecostalismo como instituição. Para dar conta do que quero mostrar, trarei dados referentes a dois eventos liderados por Silas Malafaia, um dos principais líderes evangélicos do Brasil. Irei me deter principalmente no Ato Profético em favor do Brasil, acontecido em 2016 no contexto do afastamento da presidente Dilma Rousseff, e no culto em que Malafaia recebe em sua igreja o então recém-eleito presidente, Jair Bolsonaro. O contexto das profecias declaradas por Malafaia em ambos os eventos será o principal alvo do estudo.

Palavras-chave: Temporalidade, antropologia do Cristianismo, pentecostalismo, profecia, Brasil.

Resumen: Este artículo aborda, desde la Antropología del Cristianismo, cómo la relación de los pentecostales con el tiempo puede inspirar su forma de presencia en la esfera pública brasileña. A través del proceso de conversión, los fieles aprehenden formas específicas de estructurar el tiempo, entre ellas, la temporalidad profética, tema central de este artículo. Este encuadramiento temporal genera sensibilidades disciplinadas que exceden la vida de los fieles, estimulando el modo de incidencia pública del pentecostalismo como institución. Para dar cuenta de lo que quiero mostrar, aportaré datos relativos a dos eventos dirigidos por Silas Malafaia, uno de los principales líderes evangélicos de Brasil. Me detendré principalmente en el Acto Profético a favor de Brasil, que tuvo lugar en 2016 en el contexto de la destitución de la presidenta Dilma Rousseff, y en el culto en el que Malafaia recibe en su iglesia al entonces recién elegido presidente, Jair Bolsonaro. El contexto de las profecías declaradas por Malafaia en ambos acontecimientos será el objetivo principal del estudio.

Palabras clave: Temporalidad, antropología del Cristianismo, pentecostalismo, profecía, Brasil.

Abstract: This paper discusses, from the Anthropology of Christianity, how the relationship of Pentecostals with time can inspire their form of presence in the Brazilian public sphere. Through the conversion process, the faithful learn specific ways of structuring time, among them, the prophetic temporality, the focus of this article. This temporal framework generates disciplined sensitivities that exceed the lives of the faithful, stimulating the mode of Pentecostalism public incidence as an institution. To give an account of what I want to show, I will bring data referring to two events led by Silas Malafaia, one of the main evangelical leaders in Brazil. I will focus mainly on the Prophetic Act in favor of Brazil, which took place in 2016 in the context of the impeachment of President Dilma Rousseff, and on the service which Malafaia receives in his church the then newly elected president Jair Bolsonaro. The context of the prophecies declared by Malafaia in both events will be the main target of the study.

Keywords: Temporality, anthropology of Christianity, pentecostalism, prophecy, Brazil.

Introdução

Como a relação do pentecostalismo com a noção de tempo pode nos ajudar a entender sua forma de presença na cena pública brasileira contemporânea? Tem sido ponto pacífico entender a forma de presença do pentecostalismo no cenário público brasileiro como uma ocupação no campo da política partidária, a partir, principalmente, da bem sucedida estratégia de eleição de representantes evangélicos1 para as casas legislativas (Freston, 2001; Lacerda, 2017; Machado & Burity 2014). E isso contraposto às formas de presença católica e afro-brasileira pelas vias da sociedade civil e da cultura, respectivamente (Burity, 2018). Não obstante, os modos de atuação dos evangélicos pentecostais têm ido além do já bem documentado exercício dos integrantes das bancadas evangélicas nas instâncias legislativas. Já foi dito que, mais do que uma defesa de pautas morais, vê-se agora o desejo dos evangélicos de inscrever essa moralidade na ordem legal do país (Almeida, 2018). Essa aspiração tem tomado a forma de um ativismo contra os movimentos sociais por direitos sexuais e reprodutivos (Machado, 2012; Almeida, 2018). Ao invés de defenderem-se do avanço de pautas progressistas, os evangélicos, na atuação hegemônica de seus líderes carismáticos, dos conglomerados formados por igrejas-empresas, sem esquecer também dos seus representantes na política, desejam agora expandir seu modo de vida, atribuindo um ethos evangélico à identidade nacional. Em uma entrevista concedida ao Jornal Nacional da TV Globo – principal noticiário televisivo do Brasil –, durante a Marcha Para Jesus de 2013, um evento que se tornou, além de outras coisas, uma forma de se desfilar o poderio evangélico no Brasil sob forma da exposição de seu contingente,2 o pastor Silas Malafaia3 reconhece que os evangélicos desejam “influenciar a nação”.4 Isso significaria, que, além de assumir o papel de protagonistas quando se fala em decidir os rumos políticos do país, os evangélicos estariam reivindicando sua inscrição no imaginário da nação5 com a distinção que lhes consideram devida. Tratase não somente de pleitear uma menção dentre as “imagens nacionais espectrais” (Anderson, 2008: 35), mas de superar a conaturalidade entre o catolicismo e a identidade nacional brasileira, resumida na expressão “cultura católico-brasileira” cunhada por Pierre Sanchis (1994: 17). O cidadão brasileiro ideal seria, desta forma, envolvido pela expansão de um sistema moral constituído nas fileiras das igrejas evangélicas.

Sendo assim, para explicar como a relação dos evangélicos com o tempo ajuda a compreender sua forma de presença na esfera pública brasileira, é preciso dizer antes de tudo como entendo esta presença: ela se caracteriza pela busca de protagonismo na sociedade, na política, na cultura, bem como nos ideais de nação e cidadania. Este artigo pretende, então, mostrar que o desejo de exercer protagonismo na sociedade brasileira é informado pela relação dos evangélicos, sobretudo dos pentecostais, com uma noção específica de temporalidade resultante de seus processos de organização do sensível: a temporalidade profética. Não se trata de construir aqui uma relação causal determinista. Os pentecostais não assumem a busca pelo protagonismo por conta exclusivamente do repertório de subjetividades aprendido no tempo da profecia. O crescimento vertiginoso de fiéis desde a década de 1980 (quando o Censo demográfico foi instituído), a aquisição de conglomerados de comunicação e o aumento de seus representantes nas casas legislativas, obviamente conferiram poder aos evangélicos, corroborando para a forma como eu entendo que eles têm se colocado na esfera pública. Mas quais sensibilidades, disposições incorporadas e tecnologias do sujeito alimentam essa forma de presença? É o que irei discutir.

Esta discussão está baseada no repertório teórico oferecido pela Antropologia do Cristianismo (Robbins, 2014; Aidjar, 2009; Garriot & O’Neill, 2008; Bialecki, Haynes & Robbins, 2008; Cannell, 2006). Tratase de uma agenda teórico-metodológica que busca dar conta das diferentes expressões do cristianismo, levando a sério as rupturas e mudanças culturais promovidas por essas expressões nas culturas locais. O processo de conversão, portanto, é um dos temas fundantes da Antropologia do Cristianismo (Campos & Reesink, 2014; Mauricio Junior, 2014; Roberts, 2012; Engelke, 2004; Coleman, 2003), e o seu sinal mais importante tem sido a forma como produz rupturas com o passado (Meyer, 1998; Robbins, 2007). O tema se expande e passa a tratar de como as comunidades religiosas constroem diversas formas de se relacionar com o tempo a partir do processo de conversão, como veremos em detalhes mais adiante. Neste trabalho falarei especificamente sobre como os pentecostais constroem o tempo profético e sobre as subjetividades engendradas nos fiéis a partir desse enquadramento temporal.

O tempo da profecia aqui, é importante dizer, não é o mesmo dos milenaristas ou dispensacionalistas (Bialecki, 2009; Engelke & Robbins, 2010; Guyer, 2007; Harding, 2000; Marshall, 2009; Robbins, 2004). O tempo profético dispensacionalista ensina a ler grandes eventos como sinais da intervenção divina na história a caminho do apocalipse: uma escatologia que envolve os fiéis diretamente apenas no sentido de que é preciso evangelizar o mundo inteiro para que os sinais dessa concretização da história sob o ponto de vista milenarista continuem a se desenrolar (Harding, 2000). Assim, como diz Guyer (2007), os milenaristas esvaziam tanto o passado quanto o futuro próximos, colocando-se temporalmente no futuro distante. Há uma diferença importante, nesse sentido, com relação ao tempo profético dos pentecostais da teologia da prosperidade (Haynes, 2020; Daswani, 2019; Coleman, 2011), foco deste trabalho: a intervenção divina os envolve diretamente, sem limitá-los ao papel de intérpretes da história, mas convocando-os a fazerem história (Coleman, 2011) como protagonistas de uma intervenção divina que acontece iminente e imediatamente (Haynes, 2020). Essa intervenção divina ocorre em diferentes escalas (Coleman, 2011), tanto no cotidiano, no ordinário, nas atividades comezinhas, em eventos de ruptura na desenrolar da vida privada, como também, e este é o meu objeto aqui, ao nível da esfera pública, da macro-história e, por conseguinte, da política.

Para dar conta do meu objetivo, farei primeiro uma revisão de como o tema do tempo e das temporalidades tem sido tratado na Antropologia do Cristianismo. Em seguida, falarei especificamente da temporalidade profética. As subjetividades e sensibilidades disciplinadas geradas ao se compartilhar deste enquadramento temporal serão o destaque neste trabalho. Os dados que analiso para embasar meu argumento são provenientes de dois eventos liderados pelo pastor Silas Malafaia. São eles: o Ato Profético em favor do Brasil e o culto realizado na Igreja Assembleia de Deus Vitória em Cristo, a igreja presidida pelo próprio Malafaia, para receber o então recém-eleito presidente, o ex-deputado pelo Rio de Janeiro, Jair Bolsonaro, cuja campanha foi intensamente apoiada por líderes evangélicos. No primeiro, realizei trabalho de campo com observação participante. O segundo, acompanhei a partir do vídeo disponibilizado pelo canal do Youtube da igreja, intitulado Oração profética pela vida do presidente.6 As profecias declaradas por Malafaia em ambos os eventos serão o principal alvo de análise. Depois de minhas considerações finais, pretendo deixar claro como a relação entre temporalidade profética e busca pelo protagonismo na cena pública brasileira estão ligados quando se trata do pentecostalismo.

Tempo e Antropologia do Cristianismo: ruptura versus continuidade

Uma das linhas de investigação mais produtivas da antropologia do cristianismo tem explorado como a conversão a diferentes vertentes cristãs, principalmente ao pentecostalismo dentre outras versões carismáticas, estrutura o tempo.7 Como ponto de partida, as pesquisas destacam que a conversão promoveria uma “ruptura radical e absoluta” (Harris, 2007) ou uma “ruptura completa com o passado” (Meyer, 1998). Dessa forma, as descontinuidades geradas pelo pentecostalismo em relação à cultura e sociedade mais amplas, e no caso mais específico aqui abordado, em relação à forma de se experimentar o tempo, tornaram-se o principal foco de estudo para esta nova subdisciplina e sua agenda teórico-metodológica.

A ruptura com o passado gerado pela conversão adquire, então, peso de estatuto e torna-se o fenômeno por excelência da antropologia do cristianismo, fomentando, para além das pesquisas, uma crítica direcionada à própria antropologia. Apontada como ciência da continuidade por Joel Robbins (2003, 2007, 2014), um dos ícones dessa agenda, a antropologia seria incapaz de dar conta do rompimento com as religiões tradicionais e autóctones gerado pela conversão ao cristianismo. Para Robbins (2007), haveria questões mormente culturais que tornaram as descontinuidades invisíveis aos olhos dos pesquisadores: o cristianismo apresenta-se ao pesquisador como semelhante demais para se constituir como objeto de estudo e diferente demais (por conta do conservadorismo de seus adeptos) para se dar conta dele com o ferramental antropológico tradicional. E assim, na esteira dessa crítica, um grande volume de pesquisas, principalmente no continente africano (van de Kamp, 2011; van Dijk, 1998; Engelke, 2007), Sudeste Asiático (Keane, 2007) e Oceania (Robbins, 2004), mostraram como a conversão demanda um rompimento com a família estendida não convertida, ou com as regras de parentesco em geral, proíbe o contato com curandeiros e demais representantes das religiões tradicionais, guiando, por fim, os convertidos à modernidade em contraposição ao atraso (assim proclamado pelas igrejas pentecostais) das tradições locais. No Brasil, em um diálogo até então escasso com a antropologia do cristianismo, Mariz e Campos (2014) acrescentaram aos motivos culturais e teóricos apontados por Robbins, questões ideológicas que desviavam o olhar dos pesquisadores das descontinuidades engendradas pelo pentecostalismo no cenário religioso brasileiro. O apego ao paradigma do sincretismo e a afirmação de que o pentecostalismo não teria sucesso em efetuar amplas mudanças seria uma forma de indicar o sucesso da “cultura brasileira” em resistir à “colonização das consciências” (Mariz & Campos, 2014).

Tempo e Antropologia do Cristianismo: problematizando a ruptura

Posteriormente, as pesquisas que se debruçaram sobre a relação entre tempo e pentecostalismo, ao se diversificarem, caminharam na direção de problematizar e enriquecer o novo paradigma da ruptura. Mathew Engelke (2010), por exemplo, no contexto de sua pesquisa com as igrejas independentes no Zimbábue, mostra como ao invés de uma “ruptura completa” com a tradição, tem-se, na verdade, uma dinâmica envolvendo rupturas e realinhamentos. Por realinhamento, Engelke quer dizer a releitura (e a valorização) no discurso e prática pentecostais de alguns aspectos da tradição e do passado africanos. No que diz respeito às questões de gênero, especialmente, ele mostra como os apostólicos da igreja Masowe,8 no Zimbábue, ao mesmo tempo em que abraçam a modernidade quando apoiam o crescimento profssional da mulher, valorizando-a na esfera pública, mantêm características do patriarcalismo arraigado na tradição zimbabuana na medida em que ratificam sua subordinação na esfera doméstica. Os Masowe também incentivam o aprendizado e o uso do que chamam de “Xona profundo”, uma versão formal e “à moda antiga” do Xona9 cotidiano, por considerarem-no um sinal de espiritualidade virtuosa. Nesse caso, os apostólicos Masowe terminam por resgatar (via um sentimento nostálgico, Engelke, 2010: 186) um aspecto da socialização africana considerado espiritualmente perigoso ou atrasado para outras igrejas, sobretudo pentecostais. Em suma, há alguns aspectos do passado e da tradição africanos que os apostólicos querem não apenas preservar, mas reforçar na constituição da virtuosidade religiosa.

É importante dizer, antes de prosseguir, que o objetivo de Joel Robbins ao fazer a crítica da antropologia apontando-a como ciência da continuidade não era levá-la ao outro extremo, tornando-a monolítica na abordagem do tema da ruptura. Tratava-se, isto sim, de levar a sério como os povos convertidos experienciavam as descontinuidades em relação às suas tradições diante da conversão ao cristianismo. Em um artigo com John Bialecki e Naomi Haynes (2008), Robbins já enfatizava como os convertidos tinham de lidar inescapavelmente com as teorias nativas a respeito da vida em geral: modelos de troca baseados no parentesco ou a crença no poder de entidades espirituais pré-cristãs. Retratar a conversão significaria, assim, dar conta da tensão entre lógicas tornadas confitantes sob o signo da ruptura (Bialecki, Haynes & Robbins 2008).

Tempo e Antropologia do Cristianismo: tornando a relação complexa

Dessa forma, com o desenvolvimento das pesquisas, mais do que insistir na querela continuidade versus descontinuidade, passou-se a registrar como as comunidades religiosas construíam sua relação com o tempo a partir da conversão. James Bielo (2016), por exemplo, fala de um colapso da divisão estrita entre presente e passado efetuado pela replicação das histórias bíblicas. A replicação seria um tipo de prática ritual definida “pelo recorte de um aspecto particular, evento ou era do passado (real ou imaginado) e sua recontextualização no presente usando mídia material” (Bielo, 2016: 2). Bielo está se referindo a “mídias materiais” como o trecking realizado por grupos ligados à Igreja de Jesus Cristo dos Santos dos Últimos Dias, mais conhecida como Igreja dos Mórmons, que reproduz uma migração realizada por seus pioneiros, como também à construção de um parque contendo uma réplica em tamanho real da arca de Noé, onde atores realizam dramatizações dos acontecimentos descritos na Bíblia (Bielo, 2016).

É importante detalhar essa ligação peculiar dos pentecostais com a Bíblia, seus personagens e o modo de reviver suas narrativas. Citei alhures como os candidatos a líderes carismáticos fazem uso da mitopráxis dos dramas bíblicos para constituírem-se como pastores pentecostais ao criar um mito de si mesmos, revivendo mitos bíblicos (Mauricio Junior, 2021; Campos & Mauricio Junior, 2013). Notei, assim, que comungar das atitudes, condutas e afetos dos personagens míticos, compartilhar o mesmo foco, confiança, esperança e fé encontradas na Bíblia, eram os objetivos a serem perseguidos pelos candidatos à carreira de pastores pentecostais que acompanhei. Apenas dessa forma eles seriam reconhecidos como cheios do Espírito Santo e, por conseguinte, aptos à posição de pastor (Mauricio Junior, 2021). Na abordagem que lancei mão, mais um dos tópicos prolíficos da antropologia do cristianismo, o da linguagem, essas emoções, afetos e subjetividades seriam assumidos ao se enquadrar uma narrativa em um determinado repertório linguístico/semiótico (Harding, 2000; Bialecki, 2011; Keane, 2007; Reinhardt, 2016). Desta feita, meu objetivo é mostrar como essa mesma relação com a Bíblia tem a ver com o aprendizado e a performance de (em) uma nova temporalidade. E ambos os processos se constituem em modos performáticos de ação: uma linguagem que ao ser acionada e uma temporalidade que ao ser adentrada moldam, fazem e fazem fazer.

Sendo assim, quando os pentecostais se envolvem com as escrituras de forma a “inserirem a si mesmos no texto” (Haynes, 2020: 59), eles trazem o passado bíblico para habitar um “presente expansivo”, onde as histórias da Bíblia são revividas constantemente (Haynes, 2020). Nesse processo, mais do que uma replicação nos moldes de Bielo, as figuras bíblicas, segundo Haynes, são efetivamente reencarnadas, fazendo com que passado e presente ocupem o mesmo espaço-tempo. É justamente esse espaço-tempo compartilhado pelos heróis da Bíblia e pelos fiéis contemporâneos que Haynes (2020) chama de “presente expansivo”. Expansivo também porque não só o passado, mas o futuro é trazido para perto a ponto de ser englobado no presente. E isso por conta da constante expectativa de se receber as bênçãos divinas, uma característica típica da teologia da prosperidade vigente na grande maioria das igrejas pentecostais. Essa condição de iminência e de imediatismo da benção aguardada não deixa de ter como paradigma as experiências dos personagens bíblicos. Rafael, um dos candidatos a líder carismático por mim acompanhado, colocava-se na mesma situação de Davi (o personagem bíblico rei de Israel), à espera de ser “ungido rei”, e contra os prognósticos dos seus contemporâneos de igreja, assim como também aconteceu com o mesmo Davi.10 A unção vem, na narrativa de Rafael, quando a igreja que há pouco fundara cresce em número de fiéis e em prestígio na cidade11 (Mauricio Junior, 2021). Simon Coleman (2018) mostra como essa constante busca pela bênção está longe de ser uma espera que joga os fiéis na passividade. Ao contrário, trata-se de uma postura ativa ao ponto de os crentes pentecostais colocarem-se constantemente em situações de risco, no sentido de fertarem, no limite, com a perda de plausibilidade de sua visão de mundo (Coleman, 2018). Não obstante, os crentes pentecostais constituem suas subjetividades na busca e não na evitação desses riscos (Mauricio Junior, 2019). E isso acontece porque, tanto os crentes ordinários quanto os candidatos a líderes carismáticos que acompanhei (Mauricio Junior, 2019, 2021), para serem considerados virtuosos, devem engajar-se em interações nas quais assumem o papel de emissores de uma mensagem (a ser entendida como) vinda do próprio Deus, o que eles chamam de “dar uma palavra” da parte de Deus (Mauricio Junior, 2019; Campos & Mauricio Junior, 2013; Coleman, 2006). Essa mensagem é chamada de “revelação”, “palavra de revelação”, “profecia” ou “palavra profética” e geralmente diz respeito às bênçãos aguardadas pelo fiel destinatário, muitas vezes em silêncio, mas que um irmão de fé vem “profetizar” ou “revelar” a benção a caminho. Na mesma mensagem, na maioria das vezes, o emissor mostra ser necessário tomar certas atitudes, assumir certos comportamentos ou estados afetivos para que a “benção” se concretize, ou nos termos usados pelos fiéis, ela seja “liberada”. Obviamente, o risco de o receptor da mensagem ignorar ou rejeitar aquela “palavra de revelação”, ou ainda, a profecia falhar, é uma possibilidade constante (ver Coleman, 2018; Mauricio Junior, 2019, 2021). Ainda que as interações carismáticas fracassadas sejam ressignificadas e apontadas como aprendizado proporcionado pelo Espírito Santo, há, mesmo assim, um retardo no caminho para a virtuosidade religiosa de quem falhou na profecia. Esse voto de desconfiança, no entanto, geralmente não marca os líderes carismáticos já consagrados.

Do tempo no singular às temporalidades e suas subjetividades

Mais um aspecto importante no que diz respeito à relação entre tempo e pentecostalismo é lembrada por Bruno Reinhardt (2017) quando ele des-essencializa a temporalidade pentecostal afirmando tratar-se, na verdade, de várias temporalidades. O que existe mesmo, aponta agora Simon Coleman (2011: 427), é “uma notável amplitude e experiência de temporalidades dentro de um espaço narrativo muito curto”. Coleman faz essa afirmação ao nos trazer um testemunho muito comum de ser ouvido pelos pesquisadores do pentecostalismo, no qual uma mulher, em um só arco narrativo, fala de sua conversão, da reconciliação com o pai através de uma “visão”12 fornecida por um pastor de sua igreja, bem como da cura de uma dor crônica nas costas. Aqui já fica claro que vivenciar essas várias temporalidades é uma disposição virtuosa a ser alcançada pelos fiéis pentecostais. Gosto especialmente do termo “espaço-tempo narrativo” apresentado por Reinhardt (2017) porque ele invoca bem o repertório de modos performáticos contido nessas temporalidades. Além de modos específicos de agência, como cita o próprio Reinhardt, há nessas temporalidades diferentes modos de causação, uma ideologia linguística/semiótica específica, um conjunto de disposições incorporadas, de sensibilidades disciplinadas, formando, por fim, um repertório de tecnologias do sujeito (Foucault, 1997; Faubion, 2001) que costura as subjetividades dos fiéis pentecostais.

Quero agora enfatizar algumas das subjetividades presentes neste repertório que são especialmente importantes para o meu argumento. Para mostrar a dimensão das experiências dos pentecostais com o presente expansivo, Haynes (2020), como vimos, mostrou como eles trazem os personagens bíblicos para habitarem consigo no presente. Ou seja, os fiéis inscrevem-se nestas histórias, tornando-as parte de suas vidas cotidianas e fazendo delas modelos afetivos a serem imitados e perseguidos (Mauricio Junior, 2021). De suma importância para o meu argumento é que, mais do que tornarem-se participantes das histórias bíblicas, os fiéis nelas se inserem como protagonistas. Quando o pastor Rafael, como contei acima, entra na história bíblica de Davi ao mesmo tempo que o traz para contracenar consigo no presente, ele protagoniza uma história de sucesso e de superação da desconfiança de seus pares (Mauricio Junior, 2021). Ao salientar como os pentecostais, além de “invocar a história” através da mimesis do passado bíblico, também buscam a “tentativa consciente de articular algo novo”, “um evento no sentido de Badiou”, Coleman fala de uma maneira de lidar com o tempo “fazendo história” (Coleman, 2011: 43). É muito importante para meu argumento, voltando a Coleman (2011), entender que a história é “feita” tanto ao nível da conversão pessoal (ver Campos & Mauricio Junior, 2012, 2013), como também no nível dos grandes acontecimentos da nação e do mundo. Robbins (2007) já havia citado como as rupturas se dão, ao mesmo tempo, nos patamares da conversão e da escatologia. Mas quero mostrar aqui como essas diferentes escalas do “fazer história” operam tanto nas subjetividades dos fiéis, quanto na esfera pública. E, para fazer história, é preciso fazê-la agora. Já falei da constante expectativa vivenciada pelos pentecostais de se receber as bênçãos divinas. Trata-se de uma condição de iminência e imediatismo alimentada pela teologia da prosperidade transformando o futuro em um “agora” para os pentecostais. Como disse Haynes (2020: 62), “o horizonte de expectativa na teologia da prosperidade abandona o ‘ainda não’ por um ‘agora’ a plenos pulmões”. Esse sentido de urgência faz também com que os pentecostais desenvolvam uma determinada postura: é preciso agir com o que chamam de “autoridade espiritual”. Ao orar, ou dar uma palavra da parte de Deus, não se suplica, declara-se, e com isso, a história pode ter seu curso radicalmente modificado. Assim, juntando essa temporalidade do eterno agora com o que acabei de citar, o senso de protagonismo e a necessidade de fazer história principalmente ao nível da esfera pública, temos o quadro linguístico-corporal-afetivo-ético que pretendo enfatizar a fim de contribuir para que se possa entender a forma de presença pública dos pentecostais na sociedade brasileira contemporânea.

Temporalidade Profética: o evento de Silas Malafaia em Brasília e o culto com Bolsonaro

Este espaço-tempo narrativo cujo quadro de sensibilidades disciplinadas se caracteriza por um senso de protagonismo, pelo desejo de fazer história tanto ao nível das subjetividades quanto no nível global, e pelo imediatismo e iminência no alcance das bênçãos, é posto em ação como modo performático em toda sua potencialidade no que chamo de temporalidade profética. A profecia, como disse anteriormente, se trata de uma mensagem enviada da parte do próprio Deus tendo o profeta como emissário. Acontece tanto na sociabilidade dos fiéis ordinários (Campos & Mauricio Junior, 2012; Coleman, 2006), quanto em eventos especiais, o que geralmente se dá através dos líderes carismáticos. É esta última modalidade que pretendo destacar, falando ainda mais especificamente do espaço-tempo narrativo engendrado pela performance da profecia, bem como das subjetividades produzidas nesse quadro temporal ritualisticamente marcado. Quando um líder carismático, no contexto brasileiro, adentra no espaço-tempo narrativo da profecia, geralmente afirma estar “liberando uma palavra “profética”. O verbo liberar denota aqui uma relação causal diferente da que estamos acostumados, uma vez que o evento já teria ocorrido em outro espaço-tempo, o celestial. Ou seja, a “benção” já foi “preparada” e precisa ser entregue. O papel do profeta é usar de sua “autoridade espiritual” para executar a liberação do que fora concedido por Deus. Liberar, então, nesse contexto, significa transferir o acontecimento do futuro, quando já é, para que passe a ser definitivamente no presente. O verbo declarar também é comum no enquadramento temporal da profecia e também marca a autoridade espiritual do profeta. Declara-se não com o intuito de aguardar a bênção em um tempo indeterminado, mas para que ela aconteça sem mais tardar, o que consiste em um dos principais indicativos das subjetividades firmadas na iminência e no imediatismo do eterno agora pentecostal. Contracenar a performance da profecia com os personagens e textos bíblicos criando, como vimos, o presente expansivo (Haynes, 2020) também é comum, e, na verdade, imprescindível para a validação da declaração. É o que veremos tanto no Ato Profético pelo Brasil quanto no culto em que Silas Malafaia recebeu o então recém-eleito presidente, Jair Bolsonaro. Em ambos os eventos, também mostrarei como o sentido de protagonismo permeia a movimentação pentecostal na esfera pública brasileira no cenário contemporâneo: infuenciar a nação através de uma postura alimentada pelas subjetividades da temporalidade profética.

O Ato Profético pelo Brasil aconteceu em Brasília, na Esplanada dos Ministérios, em Junho de 2016, pouco tempo depois das votações que aprovaram, primeiro na Câmara dos Deputados e depois no Senado, o prosseguimento do processo de impeachment da então presidente Dilma Rousseff. O Ato consistiu de um evento no qual, segundo o seu principal organizador, o pastor Silas Malafaia, líderes de várias denominações evangélicas iriam se reunir na capital do país para orar pela nação e profetizar dias melhores. Com o início da divulgação do evento em seus canais das redes sociais, Malafaia passou a receber mensagens de seus seguidores pedindo que o Ato fosse antecipado: era preciso que ele acontecesse antes da votação na Câmara, marcada para 17 de abril de 2016 e assim o povo pudesse pressionar nas ruas. No entanto, em vídeos compartilhados em seu canal no Youtube, Malafaia responde que não estava fazendo o evento para ser a favor ou contra o impeachment, apesar de, em suas próprias palavras, todos estarem “cansados de saber” que ele era a favor do impedimento da presidente. “Independente de haver ou não impeachment, nós temos que interceder pela nação”, disse ele. E continuou:

Eu não estou fazendo um ato político e o ato não é meu. É um ato da liderança evangélica do Brasil. É um ato no qual diferentes lideranças, de diferentes igrejas, estarão clamando em favor da nossa nação, governo caindo ou não. Nossa situação é uma situação tão grave que nós precisamos clamar pelo Brasil. E é profético. Estamos chamando para Brasília porque é o centro do poder. Temos que colocar o nosso pé lá. Vamos transformar o país com o poder da oração e do clamor do povo de Deus.

Ao ouvir Malafaia dizer que não estaria promovendo um evento político, a reação imediata do pesquisador é apontar a hipocrisia dessa fala. Primeiro, tratava-se de um evento realizado na esplanada dos ministérios por um pastor que atacava diuturnamente o governo Dilma, sendo considerado também um dos maiores opositores dos movimentos sociais por direitos sexuais e reprodutivos (ver Campos, Gusmão & Mauricio Junior, 2015), contra os quais usava alcunhas como “lixo moral”. Além disso, havia o timing perfeito para pedir “a pacificação e a prosperidade da nação”: com o relatório do impeachment já aprovado nas duas casas legislativas, Dilma Rousseff estava afastada temporariamente do cargo, o que aconteceria de forma definitiva dali a dois meses. Neste ínterim, a bancada evangélica foi recebida com entusiasmo pelo agora presidente interino Michel Temer, um dos principais artífices políticos do afastamento de Rousseff. Diante disso tudo, o evento continha obviamente um cunho político. No entanto, se ao fazer esta afirmação, “o evento não é político, é profético”, Malafaia gera o estarrecimento e a incompreensão por parte do pesquisador, ele é imediatamente compreendido pelos fiéis. Ao falar do tom profético do evento, Malafaia está, antes de tudo, antecipando como vai se dar sua liturgia. Quem for evangélico, especialmente pentecostal, entende que serão promovidas orações em tons de declaração sobre o futuro do país ao longo do evento. Não se trata de negar as consequências políticas do Ato. A questão, enfm, é que apesar de o político e o profético consistirem de diferentes temporalidades, eles não são mutuamente excludentes. Haverá, não obstante, ocasiões em que um ou outro será enfatizado. E, neste dia, a temporalidade profética seria o centro das atenções dos presentes, prevalecendo em relação ao tempo da política. A possibilidade, e mais do que isso, a virtude de sair de um enquadramento temporal, o da política (ou outras temporalidades tidas como seculares), e imediatamente adentrar em outro, o profético (ou outras temporalidades pentecostais), e vice-versa, não é algo raro como também é incentivado tanto no nível institucional quanto na vida dos fiéis (ver Mauricio Junior, 2019).

É para o tempo da política, no entanto, que os pesquisadores têm direcionado seu olhar quando se trata dos pentecostais: sua movimentação nas campanhas a fim de colocar representantes no legislativo, o crescimento da bancada evangélica a cada legislatura e sua atuação no avanço de pautas moralizantes. No tempo da política, neste caso, age-se exatamente como Jane Guyer (2007) disse não acontecer com os evangélicos fundamentalistas americanos, com base no “futuro próximo”, uma vez que os fundamentalistas viveriam centrados no futuro distante, no apocalipse. O futuro próximo diria respeito, assim, ao planejamento e à deliberação (reasoning). Enfm, seria o tempo da projeção ao invés da profecia (Guyer, 2007). Ou seja, uma ação a partir da racionalidade dos acordos, dos lobbies, da pressão sobre os representantes das casas legislativas, da negociação de apoio aos cargos do executivo municipal, estadual e federal em troca de benefícios e de mais poder, sobretudo daquilo que comumente se entende por uma razão tida como secular. Enfatizo o “tido como secular” porque a causalidade temporal que se entende como seguindo uma lógica racional, com um ato no presente gerando consequências no futuro, é, de fato, subvertida na temporalidade profética. No entanto, como mostra a própria Guyer, não haveria diferença entre a temporalidade profética dos fundamentalistas e a temporalidade neoliberal no que diz respeito ao esvaziamento do futuro próximo. Esta última também se moveria no presente baseando-se em algo já definido no futuro pela ação de uma entidade superior, qual seja, neste caso, a mão invisível do mercado. Como lembra Latour (2002), criamos nossos híbridos enquanto acusamos apenas os outros de fazê-lo.

Antes de mostrar a importância de mais algumas questões que se deram no evento propriamente dito, quero apresentar mais uma característica importante da resposta de Malafaia à reivindicação de seus seguidores pela antecipação do Ato. Quando ele diz “temos que colocar o nosso pé lá”, Malafaia está fazendo referência ao texto bíblico do livro de Josué, capítulo 1, versículo 3: “todo lugar em que puserem a planta do pé eu darei a vocês, como prometi a Moisés”. Sendo assim, o pastor se insere no texto trazendo para o presente expansivo (Haynes, 2020) o personagem Josué, o qual originalmente recebeu essa promessa de Deus. Depois de anos no deserto buscando a terra prometida e com a morte do líder Moisés que os tinha livrado da escravidão no Egito, muitas dúvidas alcançaram o povo que peregrinava agora sob a liderança de Josué. A promessa é renovada para o novo líder: ele herdaria todo chão no qual pisasse. Malafaia quer, dessa forma, operar com a mitopráxis do drama bíblico (Mauricio Junior, 2021) “pisando” em Brasília para tornar a sede dos três poderes brasileiros sua herança também.

Continuando com o Ato propriamente dito, o evento teve sua liturgia caracterizada por falas e orações de líderes de diversas igrejas do Brasil intercaladas com a apresentação de cantores gospel. Dentre as falas, destaquei as seguintes:

  1. - “Profetizamos que a crise vai virar milagre. Estamos semeando com oração e cremos que a resposta virá dos céus” (Pr. Flamarion, Igreja do Evangelho Quadrangular);

  2. - “Deus está usando a vassoura do Espírito Santo e está varrendo a nação. O segundo semestre não vai ser de crise, porque quem governa é Deus e não o homem” (Apóstolo César Augusto, Igreja Fonte da Vida).

Nota-se de imediato que o conteúdo da profecia é político, corroborando para o amalgamento do que entendemos muitas vezes por esferas separadas. Mas quero chamar atenção para o já presente desejo de intervenção na história (“a crise vai virar milagre” ou “o segundo semestre não vai ser de crise”) e para a compreensão por parte dos presentes de que cabe a eles executarem essa intervenção em nome de Deus. É perceptível também o sentido do protagonismo evangélico no desenrolar dos eventos críticos que definem os rumos da política brasileira. Seria, portanto, a partir da oração profética destes líderes evangélicos que a estabilização na tensão política pela qual passava a sociedade brasileira é alcançada e até mesmo a crise, dirimida. O sentido de protagonismo dos evangélicos fica ainda mais evidente logo antes de Malafaia liberar sua “palavra profética” (o que veremos em detalhes mais adiante). Ele diz:

No dia 06 de junho de 2013 nós fzemos um ato aqui [em Brasília]. Ao orarmos em concordância, uma semana depois, sem que ninguém soubesse como, [sem que] nenhum analista político, [ou] nenhum partido político [previsse], começou um movimento do povo nas ruas... Queriam tirar poder do Ministério Público. Já tava tudo armado no Congresso Nacional pra tirar poder de investigação [do Ministério Público]. A igreja fez um clamor aqui em Brasília [e] uma semana depois virou tudo. Ah, meu irmão, nós não estamos aqui à toa.

Malafaia está afirmando que, por conta de um evento idêntico, organizado por este mesmo grupo de pastores também sob sua liderança (a “manifestação pacífica em Brasília”), os protestos de junho de 2013 teriam sido desencadeados, bem como também surgido as denúncias de corrupção que culminaram na votação pelo prosseguimento do impeachment. Se o evento de 2013 foi responsável por trazer a espada, as falas do Ato Profético mostravam que o objetivo desta vez era trazer paz e prosperidade, agora que um governo mais alinhado com as exigências dos evangélicos estava para assumir.

Como disse anteriormente, as temporalidades profética e política não são mutuamente excludentes. Mais do que isso, uma das disposições virtuosas exigidas na constituição ético-espiritual dos sujeitos pentecostais é a capacidade de reconhecer e alternar entre diferentes quadros temporais, seja executando a performance como falante (como condutor da performance), seja como ouvinte. Uma das principais características da temporalidade profética é que o executor da performance marca a entrada neste quadro temporal com a forma narrativa da oração. Ou seja, o profeta, em geral, “libera” a profecia enquanto ora, assim como fez Malafaia. Depois de todos os líderes presentes falarem, chega a vez dele, o anftrião, tomar a palavra. De início, o que Malafaia diz está mais perto da temporalidade da política quando, referindo-se às denúncias contra membros do Partido dos Trabalhadores (PT), afirma que “a corrupção não vai vencer no Brasil” e, ao gritar, arremata com “essa cambada de corrupto vai parar na cadeia”. O receio de que a aprovação definitiva do impeachment poderia gerar alguma reação dos adeptos dos partidos de esquerda e dos movimentos sociais parecia tomar conta de Malafaia. Assim, além de se manifestar com uma afirmação do tipo “esquerdopata não vai incendiar o Brasil”, arrazoa: todos estariam ali para declarar “esse país não vai falir, não vai quebrar”. E ainda provocou: “podem tirar o cavalinho da chuva que Deus vai trazer prosperidade à nossa nação”. Em seu preâmbulo, ainda dá tempo de Malafaia criticar o programa de transferência de renda criado nos governos do PT, o bolsa família, acusando-o de “não passar de compra de voto oficial”. Diz ele: “nenhuma nação se desenvolve e cresce com assistencialismo absurdo. Nenhuma nação do mundo pode depender e mamar nas tetas de governo”. Mas a despeito do conteúdo mais estritamente político de sua fala até aquele ponto, bastou Malafaia interromper aquele fluxo discursivo dizendo “agora nós vamos liberar uma palavra em concordância. Eu vou falar e vocês repetem”, para os presentes compreenderem que se dava início ao espaço-tempo narrativo da profecia: “Nosso Deus e nosso pai, aqui está a tua igreja”. Essa elocução, o levantar de suas mãos, a mudança de entonação e o retesar do corpo de Malafaia foram suficientes para os presentes responderem. Já de mãos dadas e olhos fechados, além de começarem a repetir a oração conduzida por Malafaia como solicitado, os fiéis produziram uma cacofonia de orações que se levantava como pano de fundo da voz amplificada do líder do evento. Essa atitude faz parte da performance profética dos ouvintes, porque, como disse Hirschkind (2021), há um modo correto de ouvir e participar da oração. Neste caso, o da oração em concordância, exige-se uma alternância entre ouvir a declaração principal com uma escuta atenta, repeti-la e elaborar suas próprias declarações proféticas.

Em outra ocasião, em um culto na Igreja Assembleia de Deus Vitória em Cristo, a igreja a qual preside, Malafaia recebeu o então recém-eleito presidente, Jair Bolsonaro. Diferentemente do Ato, Malafaia faz as declarações proféticas não mais no modo da concordância, ou seja, sem ser necessário que os presentes repitam o que ele diz. Isso gerou uma profusão ainda maior de codeclarações por parte do público presente. Ainda assim, da mesma forma que se deu no Ato Profético, o público vai percebendo quando Malafaia se aproxima do enquadramento da profecia. Dirigindo-se a Bolsonaro, ele afirma: “Eu tenho uma voz profética nessa nação. Eu vou liberar uma palavra profética pra você e seu governo”. E, logo em seguida, ao dizer “Como uma voz profética desta nação, eu declaro em nome de Jesus...”, de olhos fechados e mãos para o alto, a igreja imediatamente compreende que todos ali estão acessando a temporalidade profética.

E assim, no Ato, Malafaia profetiza:

Nós declaramos: todo espírito de corrupção, de engano, de mentira, de pornografia, de adultério, de tudo o que é lixo moral seja repreendido no Brasil. Nós declaramos uma nação próspera, cheia de paz... Nós declaramos que a nossa nação será gigante no mundo. As outras nações vão ficar admiradas com o que Deus vai fazer aqui. Nós declaramos [que] todo poder das trevas, principados e potestades estão repreendidos, neutralizados em nome de Jesus. Não vão prosperar na nossa nação. Nós declaramos uma igreja poderosa que vai fazer a diferença. Nós declaramos, oh Deus, dá (...) às autoridades constituídas (...) ferramentas que levem o Brasil a dias melhores (...).

Dois anos depois, no evento com Bolsonaro, ele diz, em oração, para o presidente eleito:

[E]u declaro em nome de jesus que Deus vai te dar sabedoria, graça e saúde para fazer a diferença nesta nação. Você vai marcar a história desse país. Vamos ter um novo paradigma nesta nação. Deus vai mudar a sorte deste povo. A miséria, a violência, o desemprego, a corrupção, a desgraça, em nome de Jesus, esses principados do inferno, saiam da nossa nação. Eu declaro um espírito de sabedoria, de inteligência sobre você pra governar este país.

Mais uma vez, vê-se como o senso de protagonismo, de fazer história e de imediatismo da benção fluem através das declarações no espaço-tempo narrativo da profecia. Vê-se também como, tanto o profeta quanto os participantes fazem uso das tecnologias de si a fim de que essas sensibilidades disciplinadas transformem suas vidas, mas também ocupem a esfera pública, transformando-a, como o pentecostalismo tem feito baseando-se nesse mesmo repertório linguístico-corporal-afetivo-ético como força motriz.

Considerações finais

As performances públicas dos líderes evangélicos, sobretudo pentecostais, sejam os políticos com cargos eletivos, sejam as personalidades conhecidas como pastores-presidentes das igrejas evangélicas, estão informadas por uma mudança de atitude que busca agora o exercício de um protagonismo na sociedade e política brasileiras. Antes, limitados a concorrerem ou a patrocinarem concorrentes a cargos públicos movidos por um interesse corporativista, baseados no slogan “irmão vota em irmão”, os evangélicos passaram a disputar – agora com peso decisivo – sentidos que extrapolam o espaço público institucional, como as noções de cidadania, nação, democracia e laicidade. Na esteira de sua crescente representação demográfica em relação ao restante da população, e após décadas adquirindo expertise na política partidária com a adoção da estratégia de apresentar “candidatos oficiais” (Freston, 2001; Lacerda, 2017), os evangélicos assumiram o desejo de “serem cabeça e não cauda”: o objetivo agora é influenciar a nação.

Essa busca por influência tem assumido a forma de um antagonismo direcionado aos movimentos sociais com pautas girando em torno, como diz Almeida (2018: 183), da regulamentação “dos comportamentos (sexuais e reprodutivos), dos corpos (transgênero e pesquisas genéticas) e dos vínculos primários (casamento e adoção gay)”. O que está em jogo, portanto, é a disputa pela moralidade pública. Ainda segundo Almeida (2018), no que diz respeito aos pentecostais, não se trata mais de um conservadorismo exclusivamente reativo, porque o que está em jogo não é mais somente a “proteção da moralidade deles, mas a luta para que ela seja inscrita na ordem legal do país” (Almeida, 2018: 184). Estamos, então, diante de um “conservadorismo ativo” (Ibidem), ou de um “ativismo conservador religioso”, como cunhou Machado (2012).

O que eu procurei mostrar neste artigo é que essa busca por protagonismo é alimentada pela temporalidade profética: um quadro de sensibilidades disciplinadas que leva os pentecostais a assumirem o protagonismo de suas vidas. E ao constituírem-se como sujeitos a partir dessas tecnologias, o repertório linguístico-corporal-afetivo-ético adquirido no exercício no espaço-tempo narrativo profético, além de transformar a vida do crente ordinário, pode servir como repertório para o pentecostalismo como instituição tornar-se convicto de que deve influenciar a nação. Se há autoridade espiritual para mudar a história, que ela seja exercida, então, para direcionar o país para o que entendem ser a vontade de Deus, agora.

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Notas

1 Neste artigo, uso “evangélicos” e “pentecostais” geralmente como termos intercambiáveis, uma vez que, no modo de atuação pública que estou analisando, o destaque é dos evangélicos pentecostais. Estou ciente, no entanto, que outras categorias de evangélicos estão subsumidas a essa categoria guarda-chuva. Não obstante, com o crescimento sem precedentes das igrejas pentecostais no Brasil, é possível perceber um movimento de ressignificação do termo evangélico no imaginário da nação. Antes, mais próxima de evocar as igrejas protestantes históricas ao ser mencionada em um passado não tão distante, esta classificação transformou-se atualmente em sinônimo de filiação a uma igreja pentecostal.
2 A marcha para Jesus acontece em quase todas as capitais brasileiras e tem as versões do Rio de Janeiro e São Paulo como as mais relevantes e de maior dimensão. Os eventos são organizados por diferentes igrejas nas diferentes cidades, e como é de costume entre os evangélicos, mesmo tendo um formato semelhante em quase todas as capitais nas quais é realizada, não há um órgão que centralize e dê um tom único à realização dos eventos. Em São Paulo, a Marcha é organizada pela igreja Renascer em Cristo, dos bispos Hernandes, enquanto no Rio de Janeiro é organizada pela igreja Assembleia de Deus Vitória em Cristo, do pastor Silas Malafaia.
3 Silas Malafaia é pastor pentecostal, presidente da Igreja Assembleia de Deus Vitória em Cristo (ADVEC). Ele tem se destacado por sua postura ferrenha contra os movimentos sociais por direitos sexuais e reprodutivos. Malafaia ficou nacionalmente conhecido com o crescimento de sua igreja e do conglomerado econômico que comanda, formado por editoras e programas de televisão. Sua presença na internet também é massiva. Também ficou conhecido por participar de sessões de comissões da câmara e do senado defendendo pautas conservadoras (ver Campos, Gusmão & Mauricio Junior, 2015) e mais recentemente por se um dos principais apoiadores do presidente Jair Bolsonaro.
4 Malafaia compara Marcha Para Jesus aos protestos pelo Brasil; Feliciano é ovacionado. Uol. Disponível em: <https://noticias.uol.com.br/cotidiano/ultimas-noticias/2013/06/29/malafaia-compara-marcha-para-jesus-aos-protestos-pelo-brasil-feliciano-e-ovacionado.htm> (Acessado em: 16/09/2022).
5 A ideia de nação aqui empreendida é derivada do conceito de “comunidade imaginada”, de Benedict Anderson (2008): “uma comunidade política imaginada - e imaginada como sendo intrinsecamente limitada e, ao mesmo tempo, soberana”. Mesmo com os membros de uma nação, por minúscula que seja, jamais tenham a oportunidade de se encontrar, mesmo assim, a nação é “imaginada”, diz ainda Anderson, porque permanece “uma imagem de comunhão entre eles”.
7 Outros assuntos muito abordados na antropologia do cristianismo são: ideologia semiótica, materialidade, individualização-modernização pós-conversão, pessoa cristã, economia.
8 No Zimbábue e em outros países africanos há uma divisão das igrejas que chamamos de evangélicas em igrejas de missão, igrejas independentes e igrejas pentecostais. Em seu artigo, Engelke (2010) critica o fato de Birgit Meyer praticamente retirar o potencial analítico de ruptura das igrejas independentes, caso da igreja Masowe, analisada por Engelke. Os Masowe, segundo o autor, assemelham-se muito às características das igrejas pentecostais. No entanto, rejeitam a teologia da prosperidade. “Apostólicos” é como os membros da igreja Masowe são comumente conhecidos.
9 Idioma pertencente à família bantu e falado em regiões do Zimbábue, Zâmbia e Moçambique.
10 No livro I Reis, na Bíblia, o profeta Samuel, sob as ordens de Deus, chega à casa de Jessé para escolher um rei dentre seus filhos. Jessé e seus irmão sequer cogitaram a possibilidade do ungido rei ser Davi, que permaneceu cuidando das ovelhas e não compareceu à audiência. Davi terminou por ser escolhido rei de Israel.
11 A igreja se localiza na cidade de Camaragibe, zona metropolitana de Recife, capital pernambucana.
12 A visão aqui se trata de uma antecipação de acontecimentos futuros através de um vislumbramento desses acontecimentos que pode se dar por sonho ou na vigília.

Autor notes

* Pesquisador de Pós-doutorado no Programa de Pós-graduação em Antropologia da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). E-mail: cleonardomj@gmail.com. ORCID iD: <https://orcid.org/0000-0002-5267-4395>.
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