Artigo Original

UM PROFETA EMISSÁRIO NA REPRESENTAÇÃO POLÍTICA: NOTAS SOBRE A TRAJETÓRIA DO CABO DACIOLO

UN PROFETA EMISARIO EN LA REPRESENTACIÓN POLÍTICA: NOTAS SOBRE LA TRAYECTORIA DEL CABO DACIOLO

AN EMISSARY PROPHET IN POLITICAL REPRESENTATION: NOTES ON THE TRAJECTORY OF CORPORAL DACIOLO

Nelson Lellis *
Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro, Brasil
Sílvia Fernandes
Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro - Brasil, Brasil

UM PROFETA EMISSÁRIO NA REPRESENTAÇÃO POLÍTICA: NOTAS SOBRE A TRAJETÓRIA DO CABO DACIOLO

Ciencias Sociales y Religión/Ciências Sociais e Religião, Campinas, vol. 24, pp. 1-35, 2022

Universidade Estadual de Campinas, Brazil

Recepção: 23 Agosto 2021

Aprovação: 21 Julho 2022

Resumo: Este artigo analisa a trajetória do cabo Daciolo (2011-2018) surgido na esfera pública a partir do movimento SOS Bombeiros (2011), cujo objetivo foi a luta por reajuste salarial e melhorias nas condições de trabalho. A performance carismática de Daciolo, que buscava legitimar as ações do movimento através de sua percepção religiosa, auxiliou sua projeção para a política até tornar-se deputado federal pelo PSOL-RJ e, posteriormente, candidato à presidência da república (2018). À luz da sociologia compreensiva weberiana, este político é aqui associado ao profeta emissário, uma vez que acredita falar em nome de uma divindade. Argumentamos que Daciolo traz para a arena política a narrativa evangélica desinstitucionalizada, acionando seus símbolos e valores e os ressignificando a partir da prática política numa perspectiva redencionista.

Palavras-chave: Cabo Daciolo, profeta, religião, representação política.

Resumen: Este artículo analiza la trayectoria del cabo Daciolo (2011-2018) surgido en la esfera pública a partir del movimiento SOS Bombeiros (2011), cuyo objetivo era la lucha por el reajuste salarial y las mejoras en las condiciones de trabajo. La actuación carismática de Daciolo, que buscaba legitimar las acciones del movimiento a través de su percepción religiosa, ayudó a su proyección en la política hasta convertirse en diputado federal por el PSOL-RJ y, posteriormente, en candidato a la presidencia de la república (2018). A la luz de la sociología integral weberiana, este político se asocia aquí con el profeta emisario, ya que cree hablar en nombre de una divinidad. Argumentamos que Daciolo lleva a la arena política la narrativa evangélica desinstitucionalizada, activando sus símbolos y valores y resignificándolos desde la práctica política en una perspectiva redentora.

Palabras clave: Cabo Daciolo, profeta, religión, representación política.

Abstract: This article analyzes the trajectory of Corporal Daciolo (2011-2018) who emerged in the public sphere from the SOS Firemen movement (2011), which aim was to fight for salary adjustment, as well as improvements in working conditions. Daciolo’s charismatic performance, which sought to legitimize the movement’s actions through his religious perception, has helped his projection into politics until he became a federal deputy for the PSOL-RJ and, later, a candidate for the presidential election of 2018. In the light of the comprehensive Weberian sociology, this politician is associated with the emissary prophet, since he believes he speaks in the name of a deity. We argue that Daciolo brings to the political arena a deinstitutionalized evangelical narrative, triggering its symbols and values, and resignifying them from political practice in a redemptionist perspective.

Keywords: Corporal Daciolo, prophet, teligion, political Representation.

Introdução

A temática “religião e política” no Brasil ganhou novas roupagens nas eleições presidenciais em 2018, uma vez que o número crescente de candidaturas de religiosos com uso de títulos eclesiásticos e afins, bem como de expressões confessionais com o intuito de legitimarem suas próprias candidaturas, tem sido considerável (Alvarenga & Leão, 2021).1 Além disso, ocorreu ainda a intensificação de apoios de instituições religiosas a candidatos que se comprometem com pautas conservadoras e de discursos políticos que se pretendem legitimar por símbolos e elementos tidos como sagrados. (Lellis & Ribeiro, 2019).

Este cenário pleno de novos atores, em geral oriundos de denominações evangélicas, tem mobilizado há décadas um conjunto de pesquisadores (Burity, 2020a; Pierucci, 2004; Novaes, 2005; Oro, 2006; Fernandes, 2022; Prandi & Santos, 2017; Vital da Cunha, Lopes & Lui, 2017; Lellis & Ribeiro, 2019) que visam compreender e analisar as tendências e dinâmicas do campo em questão. Acrescente-se ainda a discussão acerca do ativismo religioso (Burity, 2020b), da moralização da política brasileira (Lellis, 2018) e da liberdade religiosa no contexto político (Fonseca, 2020), expressões de diferentes segmentos religiosos na esfera pública (Heinen & Rodrigues, 2020). O que tem sido apontado é que, ao contrário do que defendiam autores como Casanova (1994), não se pode falar de uma “desprivatização” da religião, pois enquanto instituição presente na vida pública, ganha força e novas características na sua relação com a política. E nesse jogo de interesses e confitos, instituições e personagens religiosos adquirem força política por também estarem atentos, em certo nível, às demandas da sociedade.

O fato é que há algumas décadas o campo político brasileiro tem apresentado idiossincrasias trazendo tanto sujeitos como, por exemplo, o palhaço Tiririca, eleito com 1.348.295 votos nas eleições de 2010 (cumprindo na 56ª Legislatura seu terceiro mandato consecutivo como deputado federal), quanto candidatos sem tradição na esfera política, em geral, provenientes do campo empresarial como, por exemplo, João Dória (governo de São Paulo) e Romeu Zema (governo de Minas Gerais), eleitos em 2018. Essa dinâmica, embora não seja nova, parece intensificar-se nas eleições mais recentes. Nota-se, assim, que figuras políticas não convencionais irrompem na cena política brasileira e desafiam as ciências sociais a compreendê-las a partir dos múltiplos fatores que as produzem.

Cabo Daciolo, objeto de análise neste artigo, apresenta-se como um desses inusitados sujeitos. Além de possuir um perfil bastante peculiar, que tem estimulado a produção de memes e polêmicas entre internautas, os modos de articulação entre religião e política produzidos por ele permitem complexificar o debate sobre evangélicos e política no país. Isso ocorre porque Daciolo não pertence a denominações evangélicas, ainda que sua trajetória tenha sido marcada inicialmente pelo pertencimento à Assembleia de Deus (AD). Para ele, a instituição religiosa serve apenas para dividir pessoas, além de não responder às demandas da sociedade – como se verá em suas declarações.

Expressando o pluralismo religioso das famílias brasileiras, Daciolo possui ainda a experiência religiosa familiar dividida entre catolicismo e espiritismo. Ele traz a narrativa evangélica desinstitucionalizada para a arena política, acionando seus símbolos e valores e os ressignificando a partir da prática política numa perspectiva redencionista; em outras palavras, conduzindo sua imagem como aquele que fala em nome de sua divindade e apresentando-se como o escolhido para trazer, pela esfera política, prosperidade e redenção à nação. Poderíamos interpretá-lo como um profeta exemplar, “que marca o caminho de salvação por via de uma vida exemplar (...) contemplativa e apático-extática” (Weber, 2010: 29). Todavia, o profeta emissário, ao contrário, é aquele que “dirige suas exigências ao mundo em nome de um deus. Obviamente trata-se de exigências éticas que têm (...) um caráter ascético ativo” (Ibid.: 29). Além disso, as profecias emissárias, conclui Weber (2010: 29), “foram inseridas justamente por motivos cívicos”. Isso ajuda a entender a relação entre política e religião na figura do cabo Daciolo.

A partir da análise de seus discursos no plenário, disponíveis na página eletrônica da Câmara dos Deputados,2 observou-se que cabo Daciolo, enquanto deputado federal, utilizou expressões religiosas com o intuito de legitimar sua função e posicionamentos durante a 55ª Legislatura. Nossa hipótese é que Daciolo, diante de sua trajetória, não utilizaria a religião apenas com interesses proselitistas. Além disso, outros discursos e ações políticas, como Projetos de Leis (PL’s), indicam que o político encontra-se próximo ao tema do Direito dos Trabalhadores. Para sistematizar tais discursos, utilizamos como ferramenta metodológica de interpretação a análise do discurso (Charaudeau, 2017). Charaudeau entende que a identidade do político é construída em torno da prática política (posição do ator no processo comunicativo/interativo) e do conceito político (que constitui o posicionamento ideológico do sujeito do discurso, ou seja, como pensa, o que fala, no que crê).

Dentro deste campo de atuação, há ainda outra característica que o torna peculiar: sua postura como “profeta emissário”, ou seja, que fala em nome de Deus (Weber, 2010: 36). Esta característica o acompanha desde sua luta por direitos da classe militar (bombeiros e policiais militares) em 2011, como se verá na segunda seção deste artigo. Por outro lado, é Bourdieu quem nos ajuda a interpretá-lo à luz da relação entre poder político e poder religioso, observando de que maneira Daciolo busca legitimar o campo religioso na ordem política e como sua própria “ideologia religiosa produz uma forma elementar da experiência da necessidade lógica (...) pela unificação de universos separados” (Bourdieu, 1974: 71).

A trajetória do cabo Daciolo é aqui delimitada em quatro momentos: a) suas disposições militar e pentecostal; b) enquanto líder do movimento SOS Bombeiros, em defesa por melhorias salariais e de condições de trabalho; c) enquanto membro do Partido Socialismo e Liberdade (PSOL/ RJ) e sua tensa relação; e d) enquanto deputado federal inclinado ao tema Direito dos Trabalhadores. Este texto objetiva, portanto, analisar a trajetória e os discursos do cabo Daciolo considerando a perspectiva weberiana para responder às enunciações proféticas/carismáticas do ator em tela, e bourdieusiana, no que consiste às tensões entre os diferentes campos de atuação.

O material empírico analisado para este artigo é constituído por: entrevista semiestruturada com cabo Daciolo, realizada no dia 03 de setembro de 2019, na cidade do Rio de Janeiro; entrevista com o então presidente do PSOL Chico Alencar, realizada por telefone, no dia 08 de setembro do mesmo ano; análise de conteúdo referente aos discursos de Daciolo como líder e militante do SOS Bombeiros, bem como parte dos 223 discursos realizados no plenário da Câmara dos Deputados entre os anos de 2015 a 2018.

Cabo Daciolo: militarismo e pentecostalismo em foco

Benevenuto Daciolo Fonseca dos Santos, mais conhecido como cabo Daciolo, é filho de um coronel aviador da Força Aérea Brasileira e foi criado na Vila Militar da Ilha do Governador, Zona Norte do Rio de Janeiro.3 Como filho de oficial, cresceu com “tudo do bom e do melhor”. Daciolo compara sua posição de privilégio com o serviço de praças e soldados, indivíduos responsáveis pela manutenção e limpeza do local. Segundo seu relato, após concluir o Ensino Médio, ele foi morar nos Estados Unidos para estudar inglês, mas seu interesse era ser guarda-vidas e, em 1998, aos 22 anos, ingressou no Corpo de Bombeiros. Naquele momento, percebeu a diferença entre si próprio e aqueles que se encontravam em nível inferior na hierarquia militar da corporação, os chamados “praças”:

[...] eu não sabia o que era ser um soldado, não sabia o que era ser um praça. E quando eu entro na corporação, eu vejo como tratavam os praças. Eu comecei a lutar pelo direito dos praças.

Daciolo, portanto, interpretará o “direito dos praças”, quando não exercido, como algo a ser defendido. Ele atribuirá esse envolvimento de lutas pela classe militar aos exemplos de sua família:

É interessante que eu já vivia esse cenário de caridade, de ajudar o próximo, de viver né... A base da minha família é católica e espírita, mas uma família de muito amor. De muito amor. De muitos irmãos e de muito amor.

Sua relação com o pentecostalismo se iniciou em 1997, quando, a convite de sua mãe, Neuza Aparecida Daciolo dos Santos, assistiu a um culto na Assembleia de Deus (AD), em Santa Cruz das Palmeiras, interior de São Paulo. Ele achava que os rituais de “falar em línguas”, “falar em mistério”, “sapatear”, eram uma grande “loucura”.4 Até que, ao final do culto religioso, um missionário5 itinerante iniciou o período de “revelações”, em que apontava para pessoas e discorria sobre eventos particulares de suas vidas. Dirigindo-se a Daciolo, o pastor “revelou”: “Essa mulher casada [com] que[m] você está saindo vai te trazer morte. (...) Você é um ministro de Deus, mas não sabe ainda. (...) Deus tem um propósito na sua vida”. Nesta época, apenas um irmão, que morava nos EUA, tinha conhecimento da relação de Daciolo com a “mulher casada”. Após o culto, Daciolo disse ter saído correndo da igreja para evitar contato com o missionário. “Eu era mulherengo e gostava de uma cerveja, de uma caipirinha; e para quem quer buscar espiritualidade, precisa deixar essas coisas”. O cabo relata que no ano de 2004, após consumir cerveja com amigos, sentiu-se mal, vindo a sofrer por um mês com disenteria. Sua atribuição de significado a esse episódio expressa que a enfermidade teria sido ocasionada por uma ação do demônio, por ele considerado como “inimigo”. Em sua função como guarda-vidas na praia, lembrou-se das palavras do missionário na cidade de Santa Cruz das Palmeiras e, retirando-se para um local reservado, fez a seguinte oração: “Deus, se o Senhor existe mesmo, se o Senhor tem um propósito na minha vida, me cura, me tira os desejos da carne, me dá uma família”. No dia seguinte, creditou a Deus a cura da disenteria.

Após a experiência de conversão, passou a frequentar a igreja Assembleia de Deus “Emanuel, Deus é conosco” e foi ordenado líder religioso através do pastor Renato, a quem descreve da seguinte maneira:

Esse homem me ensinou a ler Bíblia, a buscar o Senhor, jejuar. [...] Ali eu aprendi que no oculto, no escondido, Deus revela. E revela mesmo. E aí eu aprendi também, na íntegra, que a letra mata, mas o Espírito vivifica.

Embora os rituais e performances religiosos (leitura da Bíblia, orar, jejuar) que pratica tenham sido aprendidos na AD, o cabo acredita que sua percepção sobre o papel da igreja não seria própria a nenhuma igreja: “Eu falo ‘a igreja’ no entendimento que [...] Ele é o criador do céu e da terra e que não habita em templo feito por mão de homens”. E define: “Nosso corpo é templo do Espírito Santo de Deus”. Traz como conceito central de religião a Epístola de Tiago, capítulo 1:27. Em suas palavras:

Esqueçam religião, porque a Palavra de Deus diz que a única religião [...] pura e imaculada é cuidar dos órfãos e das viúvas nas suas dificuldades e não se corromper com esse mundo.6

Associando a figura do profeta ao contexto atual, algumas de suas características seguiriam rigorosamente: o desligamento do espaço de culto circunscrito a templos e afins (embora pregue em igrejas e congressos quando convidado – trazendo, por vezes, profecias que geram certo desconforto em determinadas lideranças de eventos, como no caso do Congresso Gideões Missionários da Última Hora);7 a sua não submissão à liderança religiosa (“tensão com o sacerdote”; Bourdieu, 1974: 79), pois deve sentir-se à vontade, livre para lançar juízos divinos a quem quer que seja; o ser de autonomia; o que acredita ouvir a voz de Deus e receber revelações especiais. Em outras palavras: Daciolo não obedece a normas e hierarquias institucionais da religião, pois, à luz da tipologia weberiana, é um profeta que se diferencia do sacerdote e sua inspiração é recebida diretamente da divindade. O profeta se distingue do sacerdote exatamente por reivindicar para si uma autoridade adquirida em razão de uma revelação pessoal ou carisma. E Daciolo descreve a relação com Deus como aquele que se crê intermediador da vontade divina.

E quanto à figura sacerdotal, Daciolo a entende como uma classe ligada ao poder e concomitantemente à corrupção política e religiosa. Em sua visão, o sacerdote é visto como “falso profeta”. Em nossa entrevista, elencou nomes de pastores das cúpulas das igrejas evangélicas no Brasil, tais como: Silas Malafaia, Edir Macedo, R.R. Soares, Marco Feliciano, Valdemiro Santiago, Manoel Ferreira, Abner Ferreira, além dos próprios membros do grupo Gideões que mantém ligação com a maçonaria. E continua:

Depois que eu visualizei o que as lideranças da igreja (sic) fazendo, eu observei que eles são primos de Anás e de Caifás, são fariseus, saduceus, são os mesmos (...). Eu vejo isso: a decepção está nos falsos profetas, dos homens que vivem sem Deus, que estão dentro das igrejas comercializando a Palavra. Pedem muito dízimo, muita oferta, mas não ajudam a ninguém. Entendeu?

Consequentemente, através de referências do texto sagrado – como “Anás e Caifás” (membros da classe sacerdotal que, nas narrativas evangélicas, participam do julgamento de Jesus), “fariseus” e “saduceus” (conhecidos por sua fama de hipocrisia religiosa e colocarem Jesus à prova) –, Daciolo tomou a “liderança da igreja” por semelhança desses. A classificação dada por ele a estes líderes é de “falsos profetas”. Tornase importante destacar que, à luz da sociologia weberiana, o poder dominante só pode ser reivindicado pelo profeta verdadeiro. É o que, aparentemente, Daciolo decide fazer: distanciar-se dos demais. Assim ele descreve sua ação enquanto profeta: “[...] sou impulsionado pelo Espírito Santo de Deus e o que Ele coloca no meu coração eu vou lá e faço. É assim que funciona. A mensagem chega, você vai lá e entrega”. Desse modo, ele, o profeta, e não a instituição, é o intermediário entre Deus e o mundo que recebe a mensagem (vontade) sagrada e a transmite.

É com essa convicção, de ser um porta-voz do divino, e tendo já esse histórico religioso e militar, que Daciolo aparecerá na cena pública em 2011. Como líder do movimento SOS Bombeiros, luta pelos direitos de seus pares e dirige-se a personalidades políticas com sentenças proféticas, além de ressignificar narrativas e personagens bíblicos a fim de legitimar suas ações e discursos.

Cabo Daciolo e o movimento SOS Bombeiros

Nesta seção, veremos como Daciolo surge na esfera pública e como se apresenta aos seus interlocutores a partir de 2011 fazendo com que ganhasse, inclusive, notoriedade para as eleições de 2014 na disputa por vaga na Câmara dos Deputados. Em entrevista, Daciolo descreve como ocorreu o processo que o levou a assumir a liderança do movimento SOS Bombeiros, que visava lutar por direitos e melhorias na corporação:

(...) teve uma reunião para tratar desse assunto e eles me chamaram pra ir e nós fomos. E automaticamente eles me pediram que: “Daciolo, pô, fica conosco aqui, pô. Vai em nosso nome, esteja com a gente, com todos nós”. E eu falei pra eles: “Olha, meu irmão, eu até fico se pudermos convidar um amigo a se fazer presente”. E eles perguntaram quem era esse amigo, e eu falei que era Jesus Cristo. E eles falaram: “Meu irmão, tá convidado. Convida aí, Daciolo”. E aí, desde então, nós ficamos dentro desse movimento.

Para os membros do movimento, Daciolo falaria em nome deles; para Daciolo, sua participação tinha a finalidade de falar “em nome de Jesus”. Antes de posicionar-se como um profeta emissário, levando a “mensagem de Deus” – como descreve – ao governador do estado do Rio de Janeiro, Sérgio Cabral, ele relata que sua atividade no movimento foi “evangelizar”: “Nós ganhávamos almas, pregávamos pra todos. Eu visualizei momentos (...) de mais de 100 militares levantando a mão pra Jesus de uma vez só”.

Segundo Daciolo, há um importante movimento, juntamente com o SOS Bombeiros, que se inicia com uma mensagem divina recebida por ele e dirigida ao governador Sérgio Cabral, que terá seu ápice em sua vitória para deputado federal:

E o movimento começa com uma mensagem divina pra ser entregue a ele [Cabral]. Eu tinha um entendimento que eu ia estar com ele e iria pregar Jesus pra ele. (...) Um dia (...) o Espírito Santo de Deus falou pra mim, no meu coração, que ia me colocar diante do governador. Eu, um cabo do Corpo de Bombeiro, achei que fosse até coisa da minha cabeça. Eu falei assim: “não pode ser”. Mas eu tomei posse disso. E passaram-se dois anos dessa conversa com o Espírito Santo... eu estava diante do governador e levando uma mensagem pra ele que Deus tinha colocado no meu coração. Deus havia colocado no meu coração que ia me colocar diante do governador e que tinha algo pra tratar com ele. E aí começa aquele movimento. (...) E lá eu falei pra ele: “Olha, governador, eu tô (sic) há 2 anos pedindo 5 minutos com o senhor só pra entregar algo de Deus pro senhor. E o senhor me perseguiu, me prendeu, me expulsou...” E eu entreguei uma mensagem no livro de Daniel, capítulo 4... um rei chamado Nabucodonosor, que em determinado momento achou que era o próprio Deus. Deus coloca o homem na cadeira, mas Deus tira também. E falei que Deus tinha um propósito na vida dele e entreguei uma Bíblia pra ele, grande, vermelha, grossa e botei que Jesus é o caminho, a verdade e a vida, só através dele que ele ia ter vitória. Então, aquilo se cumpre, aquilo acontece.

O pano de fundo de todo esse embate com o governo do estado do Rio de Janeiro foi o quadro salarial da classe profssional,8 que culminou na greve dos bombeiros (com a adesão da Polícia Militar), liderada por Daciolo. Na noite de 3 de junho de 2011, mais de 400 manifestantes invadiram o Quartel Central do Corpo de Bombeiros na cidade do Rio de Janeiro, tombando o portão principal e impedindo a saída dos veículos para atendimento de ocorrências, durante aproximadamente 13 horas, período que durou a ocupação com a presença de mulheres e crianças – o que fez com que o governador Sérgio Cabral os chamasse de “vândalos e irresponsáveis”. Diante disso, Cabral entendeu que a motivação não era apenas a questão salarial; atinava-se ali também para certo ordenamento político. Assim, 439 bombeiros foram presos por ordem do Governo do Estado. Ao final do mesmo mês, sob críticas da população, o governador em questão sancionou projetos que garantiam a antecipação do reajuste salarial para 5,58%, bem como o uso de 30% do Fundo Especial do Corpo de Bombeiros (Funesbom) para gratificações.

Em setembro de 2011, em um discurso feito em frente ao Palácio Guanabara, discurso esse que contou com a presença de vários militares da corporação dos bombeiros, cabo Daciolo, uniformizado tal qual seus ouvintes, ratificou sua postura de liderança política/militar e religiosa na manifestação:

Nós não queremos gratificação, nós queremos salário digno. (...) Olha aqui ó, quem vai nos dar a vitória é o nosso senhor Jesus Cristo. O poder do homem é limitado. Quero deixar um recado aqui. (...) O recado é para o nosso governador: governador, quem colocou o senhor no poder (...) o senhor está no poder hoje (...) porque Deus autorizou que o senhor estivesse aí. Mas o mesmo Deus que coloca no poder, Deus tira. Eu vou lembrar a mensagem. A mensagem é: Daniel, capítulo de número 5, versículo de 18 a 22. Nabucodonosor... Houve um momento em que ele achou que ele era o próprio Deus, aí o nosso Deus que sabe de todas as coisas, que tá vendo todas as coisas (...) e ele mostrou pro homem que ele está no poder só porque Deus o colocou. Venho pedir agora aqui pra todos os bombeiros que juntos oremos pelo nosso governador pra que ele possa aceitar Jesus na sua vida e que ele possa refletir nas suas promessas e que ele possa tratar o servidor e a população carioca fluminense com dignidade. As promessas que foram feitas em 2006, que ele venha conversar conosco, não que ele nos ignore. E que nós estamos aqui embaixo com uma direção, a direção de Jesus Cristo. Militares, senhores, quem é o nosso líder? (militares em uníssono:) “Jesus”. Quem é o nosso líder? (idem) “Jesus”. Toda a honra e toda a glória seja dada a quem? (idem) “Jesus”. Oremos, senhores, todos juntos... (idem) “Senhor Jesus...”9

Essa consagração do papel de um emissário divino é construída por uma hierarquização da fala: primeiro Jesus, depois o profeta e, por último, o grupo mobilizado que reconhece sua linguagem e seus símbolos. Dito de outro modo, Daciolo atesta possuir a competência de transitar por aquele mundo interpretando o papel de um líder de movimento legitimado pela sacralização de si mesmo e do discurso que o compõe no julgamento contra o governador do Rio de Janeiro ao reinterpretar e ressignificar o texto bíblico. O cabo, portanto, faz do discurso religioso uma ferramenta de denúncia e combate na esfera do político, uma vez que, na perspectiva de Bourdieu (1974), os profetas emergem em situações de crise, nas quais a ordem estabelecida estaria sob ameaça.

Essa confluência entre pentecostais e militarismo já fora discutido entre Mafra e Paula (2002), bem como a literatura especializada já abordou a postura ética, profssional e moral de militares (Albernaz, 2010). E pela ótica, sobretudo, pentecostal, o dualismo entre o bem e o mal parece dividir o mundo em dois polos. A opressão sobre o corpo do pobre fez com que o movimento popular pentecostal se tornasse uma força em que o oprimido se identificasse nessa luta como o bem diante do inimigo (Mafra & Paula, 2002). Portanto, Deus lutaria pela causa dos pobres e injustiçados. Daciolo é aquele que se entendeu como ferramenta para trazer a justiça divina a partir da esfera política.

Como se pode notar há duas instituições que moldam a atuação do cabo Daciolo: a religiosa e a militar. Com efeito, ambas se amalgamam aos diferentes lugares de discurso, para além da igreja ou do quartel adentrando na esfera pública de forma a mobilizar diversos atores em diferentes ambientes. A ação de Daciolo vai consistir, portanto, em reinterpretar o cenário, “introduzindo na mensagem as expectativas dos receptores” (Bourdieu, 1974: 94). Entendemos haver intenções que, através da leitura bourdieusiana, surgem no campo como demonstração de forças externas:

  1. 1. a) Daciolo utiliza elementos do campo religioso “diante das demandas” apresentadas por seus pares do Corpo de Bombeiros;
  2. 2. b) Daciolo demonstra a concorrência entre profeta e um corpo institucional, representado pelo governo do estado do Rio de Janeiro e lideranças de igrejas evangélicas, e;
  3. 3. c) as tendências internas entre campo político e campo religioso no que se refere a uma espécie – e aqui nos valemos da aplicação do termo não apenas, e exclusivamente na Igreja, mas no espectro das instituições – de “administração dos bens de salvação” (Bourdieu, 1974: 95).

A construção desse tipo profético pentecostal e autônomo, mas ainda assim demonstrando um ethos fortemente ligado à tradição pentecostal, enfatiza a caracterização de personagens bíblicos (como os profetas Daniel, Isaías, Jeremias) interpretados pelo pentecostalismo enquanto tipo ideal. Neste aspecto, o conceito de profeta em Weber é, como dissemos, apropriado para compreender o político em questão, uma vez que “o profeta é o portador de um carisma puramente pessoal, o qual, em virtude de sua missão, anuncia uma doutrina religiosa ou um mandado divino” (Weber, 1998: 303). Para Weber, o decisivo não é saber se os seguidores estão mais vinculados à pessoa do profeta ou à doutrina que ele prega, mas sim compreender as configurações dessa “vocação pessoal”.

Para Daciolo, a espiritualidade não pode ser localizada ou restringida a um ambiente religioso. É possível afirmar que ele manifesta oposição quanto à teoria de que religião pertence à esfera privada. Embora parte significativa da literatura tenha trabalhado a teoria da secularização como algo que exclui totalmente o outro lado, o do movimento religioso, é importante notar como ambos podem coexistir (Hervieu-Léger, 2008; Montero, 2012, 2016). Nos estudos de Hervieu-Léger (2008), por exemplo, não se pode afirmar uma exclusão da religião, mas sim, uma mudança de status do lugar da religião e do religioso na sociedade. Ao avançar na cena pública, a compreensão do cabo, por exemplo, é de que “não existe política sem Deus”, como afirmou em nossa entrevista. O seu lugar de vivenciar a fé, enquanto político profssional, é como profeta. Essa postura manifesta o que observou Gehlen (1988), isto é, após a saída de uma instituição, pode-se levar consigo determinados conteúdos (programas de comportamento) para vivenciá-los em outra esfera da vida e de maneira ressignificada. Assim, a política passa a ser o ofício por meio do qual Daciolo pretende legitimar sua teodiceia e exercer sua dominação carismática. É nesse setor que também demonstrará seu desconforto mediante os estatutos partidários e buscará desenvolver sua autonomia a fim de distanciar-se daqueles a quem classifica como “falsos profetas”.

Cabo Daciolo: a tensa relação com o PSOL e com o campo político

O “profeta” em questão, enquanto sujeito que busca demonstrar sua autonomia a fim de estabelecer distância do mundo e íntima relação com sua divindade – que o convoca a uma missão –, não está preocupado com os estatutos partidários, uma vez que estes poderiam impedir seu discurso crítico e suas denúncias contra tudo e todos interpretados por ele como alvos de sentenças sagradas.

É importante sublinhar que à época das manifestações de 2011, os interlocutores de Daciolo não se opuseram ao seu discurso religioso. O cabo demonstrou o mesmo tom ao iniciar sua trajetória política: “Só não chegarei ao Palácio Guanabara se não for obediente a Deus, que já traçou meus caminhos. Tenho que ser fiel a Ele e tudo vou conquistar” (O Dia, 2014). Nas eleições de 2014, Daciolo fora eleito no estado do Rio de Janeiro como deputado federal pelo PSOL com 49.831 votos – quando a previsão do partido era de 12 mil.10 A plateia mudou. Sua modulação discursiva pentecostal – adquirida na Assembleia de Deus –, unida à maneira militar, tornou-se seu modo peculiar de construir seu discurso religioso ancorado em conotações políticas.

Nosso estudo demonstrou que, no período compreendido entre 2015 e 2018, Daciolo realizou 223 discursos no plenário da Câmara. Nesses discursos, a Bíblia e as citações de seus livros foram frequentes, bem como expressões que unem lógicas presentes nos campos militar e religioso: “Juntos somos fortes. Nenhum passo daremos atrás. E Deus está no controle”. Tendo assumido a representação de “profeta de Deus” no Congresso, Daciolo deixou sua marca como o deputado que subiu à tribuna com a Bíblia proferindo discursos por vezes intercalados com línguas estranhas,11 como o uso das expressões “Shanarae manra” e “Nara manara shanarae!”, utilizadas no plenário12 – expressões essas que ele entendia, antes de sua conversão, como “uma grande loucura”, conforme já informado neste artigo.

Os discursos religiosos no ambiente político têm gerado, em diferentes áreas, inúmeros debates em relação ao lugar da religião frente ao Estado laico, de suas possibilidades e limites na participação na esfera pública, do decoro diante da pluralidade de confssões (religiosas ou não) etc. (Burity, 1997; Giumbelli, 2002; Leite, 2014; Silveira & Júnior, 2015; Montero, 2016). Dentre todas as participações de Daciolo nesse contexto, a que mais causou controvérsia ocorreu à época em que esteve filiado ao PSOL.

Em 2015, Daciolo apresentou a PEC 12/2015, conhecida como a “PEC dos Apóstolos”, onde se propunha uma emenda constitucional no art. 1º, parágrafo único da Constituição Federal de 1988, em que se afirma: “Todo o poder emana do povo”. A emenda aventava: “Todo o poder emana de Deus”. O deputado federal questionou retoricamente: “Que mal há expressar explicitamente na Carta Magna que todo o poder emana de Deus? E que bem há nessa afirmação?”... e respondeu a esta última: “Todos” (Sardinha, 2015). A “PEC dos Apóstolos” provocou desconforto no PSOL, o que ocasionou sua exclusão pelo diretório do partido por 53 votos a 1.13

Chico Alencar, líder do partido na Câmara à época, em entrevista para esta pesquisa, afirmou que Daciolo tinha dificuldades em obedecer às normas do partido, explicando também a razão de sua saída:

Daciolo entrou por ser um grande líder de um movimento social muito expressivo dos bombeiros. Conversamos bastante sobre a questão de não colocar nas reuniões do partido qualquer manifestação ritual, religiosa, que ele gosta muito de fazer. (...) Como ele não consegue não ser um líder religioso e defender que tem que ser... colocar até na Constituição aquele Deus em quem ele acredita (...) acabou tendo essa inviabilização dele dentro do PSOL.

Ao falar da atuação do Daciolo no PSOL, Alencar destaca sua autonomia e confirma os ritos religiosos que o cabo defendia praticar:

Atuação do Daciolo era uma atuação meio autônoma... ele não sentava perto da bancada, tinha o seu caminho próprio. Nas reuniões da bancada, ele sempre colocava a sua singularidade, falava de visões, do monte que ele frequentava, que todos nós iríamos ainda encontrar o Deus vivo. Foi criando uma situação muito incômoda, né? Porque se você vai nessa direção, você se torna um líder político sectário, defensor de uma seita e não de um programa de um partido laico, como o PSOL. (...) Faltava racionalidade, porque quando você vem com argumento da visão, da revelação, do que Deus disse pra você em particular, das certezas absolutas, como ele manifestava (...) Ele era muito assertivo, muito peremptório. E é claro que esse tipo de compreensão, de concepção, meio mágica, meio mítica, dogmática, é... tira a racionalidade que é necessária num bom debate político.

“Tinha o seu caminho próprio”; “visões”; “monte”; “revelação de Deus [...] em particular”... As realizações da profecia operam em conjunto com os costumes ritualísticos (Weber, 2019). O distanciamento partidário confere a não aceitação do estatuto, da submissão à “instituição”. Para o profeta, só é ético seguir a orientação divina. No entendimento de Alencar, o cabo não defendia o programa político do partido, mas demonstrou ser um “político sectário, defensor de uma seita” (mesmo não fazendo parte de uma). Em outras palavras, não estaria qualificado para o papel político.

Na sociologia bourdieusiana, a religião é compreendida como um campo marcado por tensões e busca de legitimação. Weber também assim a entendia, de modo que cada agente religioso, dotado de carisma e que busca legitimar-se a partir dele, está exposto também ao processo de racionalização que conduz à burocratização desse mesmo carisma. Assim, o profeta seria dotado de uma espécie de carisma racionalizante (Mariz, 2007), sendo importante estar atento às condições históricas que produzem esses personagens e os conteúdos de suas mensagens.

Em Bourdieu (1974), percebemos que o profeta é aquele que procura localizar a tensão dos campos na revolução simbólica, isto é:

enquanto a crise não tiver encontrado seu profeta, os esquemas com os quais se pensa o mundo invertido continuam sendo o produto do mundo a ser derrubado. O profeta é quem pode contribuir para realizar a coincidência da revolução consigo própria, operando a revolução simbólica que a revolução política quer (Bourdieu, 1974: 77-78, grifo nosso).

E como Daciolo operará seu discurso para fazer valer sua interpretação simbólica e religiosa no campo político? Esvaziando de institucionalidade os símbolos religiosos e os conceitos de sua fé e sacralizando a política com tons imagéticos e pentecostais. Nossa interpretação é que ele procura transferir para a esfera pública uma teodiceia baseada em sua tradição pentecostal, mas que ganha, ao longo do tempo, elementos que reforçam sua identidade como o único “oráculo político”. Essa atuação difere das intenções de poder que envolvem diretamente o protagonismo das igrejas/instituições. Expressões como “a Bíblia não fala de religião”, “não estou aqui para pregar religião”, “Jesus não é religião” e “a verdadeira religião é cuidar de órfãos e viúvas”, evidenciam como opera o discurso religioso no campo do poder político: não classificando os símbolos religiosos como tais e ressignificando a ação política através da legitimação religiosa.

Essa configuração da narrativa moldada por Daciolo parece facilitar o uso da Bíblia em sua trajetória política sem causar maiores confitos, além de favorecer a construção de seu ethos como protagonista. Desse modo, nosso sujeito significa a Bíblia como um livro que não discute religião em seu conteúdo: “Eu sou cristão, eu acredito em Jesus Cristo e quero que alguém me mostre, na Bíblia, onde se fala sobre religião” (grifo nosso).14 Igualmente, o uso do nome de “Deus”: “Quando eu falo de Deus, não estou falando de religião”.15 E aqui, aparece outro aspecto dessa narrativa, que é a perspectiva com a qual Daciolo trabalha para conceituar religião. Retoricamente, formula um diálogo com um interlocutor imaginário: “‘Daciolo, qual é a sua religião?’ Eu não tenho religião. (...) O que eu prego é amar ao próximo, é tratar as pessoas da maneira que eu gostaria de ser tratado” (grifo nosso).16 Assim, Daciolo parece pretender realizar uma amálgama entre a crença religiosa desvinculada e o estatuto político, em que ambos poderiam ser inscritos em uma única realidade. Declara ainda: “Eu sou a favor do Estado laico, sou contra a religião” (grifo nosso).17 Religião é conceituada como um exercício que se assemelha às políticas públicas:

Eu não estou aqui para fazer pregação, mas para dizer que a única religião que o Senhor considera pura e imaculada é o cuidado com os órfãos e com as viúvas em suas dificuldades, sem se deixar corromper por este mundo. No mais, é o homem comercializando a palavra de Deus (grifo nosso).18

Ações que se distanciem do cuidado com os “órfãos” e “viúvas” são interpretadas como comercialização da palavra de Deus, isto é, ocorreria o uso da pregação para manipulação, transações comerciais em espaços sagrados. Embora Daciolo tenha desconsiderado a “pregação”, em outros momentos enfatiza em tom religioso: “Eu prego civismo, patriotismo, nacionalismo, e luto pela soberania da minha Nação”.19 Ainda assim, como veremos na próxima seção, a atuação de Daciolo enquanto deputado federal durante a 55ª Legislatura demonstrou certa coerência em relação à sua trajetória ao aproximar-se do tema Direito dos Trabalhadores – trabalhadores que serão classificados por ele como “órfãos”, “viúvas”, “oprimidos”. Estaria essa proximidade relacionada com a visão popular pentecostal inclinada a pobres e oprimidos, tal como informado anteriormente?

Cabo Daciolo e o Direito dos Trabalhadores

De que maneira Daciolo conduz sua história de sujeito militante na esfera política? Que postura assume quando o assunto é o direito dos trabalhadores? Distancia-se ou reforça sua defesa aos trabalhadores, tal como defendia seus pares no movimento SOS Bombeiros? Quem são os trabalhadores no discurso político de Daciolo e como o conteúdo religioso, em diálogo com as demandas sociais, o ajuda na interpretação desse grupo?

Para tentar responder às questões sobrescritas, agrupamos categorias codificadas através do software Atlas.ti de acordo com os termos mais presentes nos discursos do cabo Daciolo, bem como nas próprias categorias anunciadas em sua campanha. A codificação é um método que permite organizar/agrupar dados codificados em categorias ou “famílias”, pois compartilham alguma característica que, considerando a análise do discurso, chamaremos de macrotemas (Charaudeau, 2017: 188). Desta forma, os principais macrotemas que serão apresentados são: a) Direitos dos Trabalhadores; b) Educação; c) Religião; d) Saúde; e) Segurança Pública. Todos, em sua maioria, alinhados com as próprias definições do cabo Daciolo em nossa entrevista: “Na política, a todo o momento, tem os pilares do discurso, e os pilares do discurso do político são: saúde, educação, transporte e segurança pública”.

Dividimos os discursos do cabo Daciolo referentes ao seu primeiro ano de mandato em dois momentos. Enquanto a Tabela 1 registra o período em que esteve filiado ao PSOL, a Tabela 2 contabiliza seus discursos em época que esteve “sem partido”. Acerca do número de citações de cada uma das categorias elencadas nas tabelas, é importante registrar que em apenas um discurso mais de uma categoria pode se fazer presente. Feita essa observação, vejamos as tabelas.

Tabela 1
Discursos de Cabo Daciolo pelo PSOL (2015)20
Discursos de Cabo Daciolo pelo PSOL (2015)20
Tabela 2
Discursos de Cabo Daciolo sem partido (2015)
Discursos de Cabo Daciolo sem partido (2015)

Como se vê, dois macrotemas se destacam nos 39 discursos do deputado Daciolo no período em que esteve filiado ao PSOL: Direitos dos Trabalhadores e Religião. Há um distanciamento considerável diante dos demais. Fato que se repete no período em que esteve sem partido, após sua exoneração do PSOL.

Sublinhamos essas informações acima, pois a partir da Tabela 1 começa a ser desenhada a principal característica de Daciolo no que se refere à sua atuação enquanto deputado: a defesa dos direitos dos trabalhadores. Os “trabalhadores” serão classificados, conforme veremos à frente, como “órfãos e viúvas” – que devem, na visão de Daciolo, ser assistidos pelo Estado em todos os seus direitos.

A filiação do cabo ao PSOL mostrou a que veio: defender e lutar por grupos desfavorecidos economicamente e criticar elites e demais responsáveis pela miséria desses grupos. E sua justificativa sempre partiu da esfera religiosa, sendo seus discursos e ações legitimadas através de sua leitura confessional do mundo e de si próprio, que levava a certa autonomia e distanciamento do estatuto do PSOL e de seus pares principal razão apontada por Chico Alencar para que o partido rompesse com Daciolo.

Na tabela abaixo, o ano de 2015 encerra com mais 51 participações no Plenário da Câmara, todas estas feitas sem filiação partidária.

O total de citações durante o ano de 2015: a) Direitos dos Trabalhadores: 55 discursos; b) Educação: 12 discursos; c) Saúde: 5 discursos; d) Religião: 53 discursos; e) Segurança Pública: 6 discursos.

A apresentação de Daciolo em seu primeiro discurso (Tabela 1) revela características importantes para a análise de seu exercício parlamentar como um profeta-emissário-político:

Eu queria deixar claro a todos os Parlamentares que aqui está um servo do Deus vivo. Eu estou aqui para a honra e a glória do Senhor Jesus Cristo. Quero dizer que sou do PSOL, sou militar e sou cristão. E, para poder falar de representante do povo, eu preciso começar o meu discurso, falando de trabalhador (informação verbal, grifos nossos).21

Militarismo e cristianismo pentecostal servem como o tempero para a postura física objetiva e para a tonalidade rígida da voz de Daciolo. São aspectos desse temperamento que nos ajudam a entender sua performance, composta por ações como: bater no púlpito, direcionar o dedo ou a fala a alguém presente, ficar na ponta do pé, discursar ofegantemente, falar em línguas estranhas. “Aqui está um servo do Deus vivo” é a circunstância histórica onde o deputado une os elementos anteriores para construção de seu discurso e, consequentemente, criar um acontecimento. Qual acontecimento? Ora, o ethos político deve “[...] mergulhar nos imaginários populares mais amplamente partilhados” (Charaudeau, 2017: 87). Por isso, uma narrativa que facilite moldá-lo como efígie de um legítimo “representante do povo” seria o acontecimento. Para que isso ocorra, terá de reforçar a liberdade constitucional que tem para utilizar a Bíblia, trazer revelações divinas, profetizar e, por fim, ser protagonista de uma teodiceia que articula teologia e tradição cristã pentecostal com teorias da conspiração.

Para melhor compreensão de sua narrativa, construída com a ajuda de seus discursos que relacionam religião e política, veremos qual o principal assunto presente em sua trajetória enquanto deputado federal. Nos 5 primeiros discursos proferidos em 2016, Daciolo permaneceu sem filiação partidária, resultado de seu distanciamento quanto aos estatutos partidários e sua busca de autonomia enquanto figura profética. Direitos dos Trabalhadores e Religião aparecem como os temas mais citados ao longo do ano de 2016: 27 e 31, respectivamente. Vejamos:

Tabela 3
Discursos de Cabo Daciolo (Sem Partido/Avante) (2016)
Discursos de Cabo Daciolo (Sem Partido/Avante) (2016)

Ao contrário do ano anterior (cf. Tabelas 1 e 2), a Religião assume a maioria dos discursos em 2016. O mesmo ocorre em 2017. Foram 32 discursos voltados para o macrotema Religião e 29 que envolveram Direitos dos Trabalhadores. A razão do macrotema Religião ter obtido maior presença em seus discursos se deve à sua postura, como profeta emissário, em relação à legitimação de outros macrotemas pelo viés da plataforma confessional.

Tabela 4
Discursos de Cabo Daciolo pelo Avante (2017)
Discursos de Cabo Daciolo pelo Avante (2017)

Em 2018, foram 17 discursos pelo AVANTE e 13 como deputado filiado ao PATRIOTA, totalizando 30 participações na tribuna do plenário da Câmara. O último discurso ocorreu em 11 de julho. No ano da campanha ao cargo de executivo do país (que será discutido no próximo capítulo), o macrotema dos Direitos dos Trabalhadores ultrapassa, em pouco, a Religião: 20 e 17, respectivamente.

Tabela 5
Discursos de Cabo Daciolo pelo Avante/Patriota (2018)
Discursos de Cabo Daciolo pelo Avante/Patriota (2018)

No cômputo geral, os temas surgiram 133 vezes quanto ao macrotema da Religião; 124 acerca dos Direitos dos Trabalhadores; 30 voltados para a Segurança Pública; 19 para a Educação; 13 sobre Saúde.

Além das características elencadas nesse artigo, Daciolo condiciona o discurso e o exercício de “representante do povo” à sua dedicação aos trabalhadores. Retomemos o seguinte trecho de um de seus discursos:

Quero dizer que sou do PSOL, sou militar e sou cristão. E, para poder falar de [como] representante do povo, eu preciso começar o meu discurso, falando de trabalhador.22

Neste discurso, o “trabalhador” envolve “aqueles que estão entregando cafezinho” na Câmara, “aqueles que estão fazendo a limpeza da Casa”, “secretários parlamentares” que, diga-se de passagem, “não são sequer regidos por uma CLT [Consolidação das Leis do Trabalho] pela Lei nº 8.112”. E continua: “(...) quero dizer aos trabalhadores da Casa que hoje os senhores têm um defensor”. Em outro momento, “[v]ou permanecer lutando pelos trabalhadores. Lutar por direitos não é crime”.23

Outras classes são destacadas no mesmo discurso: “trabalhador da defesa nacional”, “trabalhador da segurança pública nacional”, “trabalhador da saúde”, “trabalhador da educação”, dentre outros autônomos como motoristas de aplicativo e taxistas. Quem sobressai em seus discursos são os “trabalhadores da segurança pública”. No entanto, é preciso observar se o deputado em questão elabora seus PL’s em consonância com seus discursos. Afinal, as prédicas buscam alcançar sua concretude na política a partir da legislação.

Tabela 6
Projetos de lei de Cabo Daciolo (ano de referência: 2015)
Projetos de lei de Cabo Daciolo (ano de referência: 2015)

Segue descrição dos outros assuntos que foram contemplados: anistia (PL’s 617/2015, 3695/2015, 3391/2015 e 177/2015); regulamento de câmbio de importação (PL 416/2015); Programa “Minha Casa, Minha Vida” para militares (PL’s 3214/2015 e 3167/2015); crime de enriquecimento ilícito (PL 315/2015); Estatuto da Criança e do Adolescente (PL’s 2233/2015 e 2227/2015); criação do Programa de Financiamento Habitacional para os Militares da Defesa Nacional e Agentes de Segurança Pública (PL 1656/2015); e o já citado PL 2234/2015, que tipifica como estelionato promessas de candidatos não cumpridas na esfera do Poder Público quando eleitos. Ao todo, 28 PL’s no ano de 2015 (sendo que o PL 3293/2015 aparece em Educação e Direito dos Trabalhadores). Destaque para os Direitos dos Trabalhadores.

Tabela 7
Projetos de lei de Cabo Daciolo (ano de referência: 2016)
Projetos de lei de Cabo Daciolo (ano de referência: 2016)

Em 2016 foram catorze PL’s (sendo que o 4888/2016 aparece em Direito dos Trabalhadores e Outros Temas). Não ocorreram citações religiosas. Outros temas citados discutem: nova eleição majoritária em caso de votos brancos e nulos ultrapassarem 50% do eleitorado local (PL 6361/2016); votação em cédulas (PL 5500/2016); inclusão de “assédio moral” no Código Penal (PL 4384/16); alteração da Lei nº 7524, de 17 de junho de 1986, e o Decreto-Lei nº 1.001, de 21 de outubro de 1969 (Código Penal Militar), “para permitir a livre manifestação de opinião e pensamento ao militar ativo e inativo” (PL 4383/16); e, por fim, proibição de monumentos estrangeiros no Brasil (PL 4888/2016).

Entendemos que um adendo se faz necessário. Sobre esse último PL, é interessante apresentar alguns fatos protagonizados por cabo Daciolo que se relacionam com o objetivo do projeto. Em junho de 2018 foi gravado um vídeo que passou a circular apenas em setembro do mesmo ano. O vídeo mostra Daciolo frente a uma réplica da “Estátua da Liberdade”, utilizada como símbolo das lojas Havan. No registro, ele afirma que as estátuas seriam derrubadas por serem o símbolo dos EUA, país que em sua visão “explora o Brasil” e “toma suas riquezas”. Daciolo aproveita ainda para anunciar: “Eu quero profetizar: serei o próximo presidente da república”. Mais recentemente, em 24 de maio de 2021, após a emissão de alerta sobre rajadas de vento de mais de 80km/h no Litoral emitido pela Marinha do Brasil, uma estátua da Havan desabou em Capão da Canoa, no Rio Grande do Sul. Com a notícia, o vídeo em que cabo “profetiza” sobre a queda do monumento retornou às mídias, sendo divulgado também pelo próprio cabo em seu perfil no Facebook.24

Tabela 8
Projetos de lei de Cabo Caciolo (ano de referência: 2017)
Projetos de lei de Cabo Caciolo (ano de referência: 2017)

Foram doze PL’s em 2017. Pela primeira vez, surge um PL com assunto específico sobre Religião. Trata-se de alterar e acrescentar dispositivos à Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996, Lei de Diretrizes e Bases da Educação, para incluir o “Estudo da Bíblia Sagrada” como disciplina obrigatória no currículo do ensino fundamental e médio do Brasil (PL 9164/2017). Segundo Daciolo, em sua rede social:

Foram os princípios éticos da Escritura Sagrada que forjaram as bases da civilização ocidental e os pilares que moldam os seus valores cívicos, sociais, morais e espirituais. Conhecê-la é condição indispensável para a construção de uma sociedade saudável. (grifo nosso)25

E continua:

Não pregamos religião. (...) A Bíblia Sagrada é um dos livros mais antigos do mundo e, sem sombra de dúvidas, é o mais conhecido e adquirido até hoje na história da humanidade. Mas não pertence a nenhuma religião. (grifos nossos)

Mais uma vez Daciolo retira a classificação religiosa tanto de seus discursos quanto da Bíblia, a fim de obter mais aceitação na esfera pública. Outros assuntos são contemplados, como: instituir fundo parlamentar eleitoral (PL’s 8322/2017, 7399/2017); anistia de militares (PL 8004/17); e responsabilização administrativa e civil de pessoas jurídicas pela prática de atos contra a administração pública (PL 8103/17).

Tabela 9
Projetos de lei de Cabo Daciolo (ano de referência: 2018)
Projetos de lei de Cabo Daciolo (ano de referência: 2018)

No último ano de seu mandato, Daciolo foi autor de sete PL’s. Saúde e Segurança Pública são contempladas em um só projeto: PL 10778/2018. Quanto ao PL 10452/2018, trata-se de anistia das multas e sanções aplicadas aos caminhoneiros e pessoas jurídicas de direito privado que participaram do movimento reivindicatório dos caminhoneiros iniciado em maio de 2018. Interpretamos o projeto dentro do macrotema dos Direitos dos Trabalhadores, uma vez que o deputado em questão defendeu o direito à manifestação dos caminhoneiros. A criação de um PL para anistiar as multas representa 9 dos 20 discursos sobre os Direitos dos Trabalhadores em 2018. Quanto à Religião, dois PL’s onde busca alterar o art. 3º da Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional, para proibir a disseminação da “ideologia de gênero” nas escolas do Brasil (PL 10577/2018), e instituir a Semana Nacional de Adoração a Deus, a ser celebrada anualmente de 1 a 7 janeiro (PL 10395/2018 – PL também presente em seu Plano de Governo nas eleições de 2018). Outros temas: isenção de pedágios para policiais federais, rodoviários, ferroviários, dentre outros (PL 9833/2018); estabelecer normas para as eleições no que se refere à divulgação de pesquisas eleitorais por quaisquer meios de comunicação (PL 11183/2018) – Daciolo criticou institutos de pesquisa de opinião pública que não inseriram seu nome na lista de pré-candidatos à sucessão presidencial; acrescer o art. 33-A à Lei nº 8.906, de 4 de julho de 1994, que dispõe sobre o Estatuto da Advocacia e a Ordem dos Advogados do Brasil e revogar os incisos V e VI do art. 28 do mesmo diploma legal, para permitir que o militar advogue (PL 10102/2018).

De todos os PL’s e PEC’s (2015-2018), nenhum foi aprovado, exceto uma emenda, o PL 177/2015, que concede anistia aos policiais e bombeiros militares punidos por participação em greves. Seu insucesso acentua a ideia de perseguição em seu discurso, o fazendo reagir com tons de ameaça religiosa.

Os PL’s que contemplaram os Direitos dos Trabalhadores tiveram grande destaque, totalizando dezessete, enquanto a área da Segurança Pública teve sete; da Educação, seis; da Saúde, cinco; da Religião, três. Percebe-se na trajetória política de Daciolo que ele só utiliza expressões confessionais em documentos quando se trata, especificamente, de introduzir algum tipo de dogma religioso. A hipótese é que o uso específico dos vocábulos religiosos ocorre em documentações particulares para a área, que envolve “ensino religioso”, “ideologia de gênero”, “adoração a Deus”. Paralelamente, a crença surge no plenário da Câmara como forma de manter a conexão com o público cristão, a quem costuma se dirigir.

O caso da mencionada PEC 12/2015 (“PEC dos Apóstolos”) explica outra fase do uso do vocábulo religioso em documentos. Segundo a ementa, o projeto “altera a redação do parágrafo único do art. 1º da Constituição Federal, para declarar que todo o poder emana de Deus”. A primeira vez que Daciolo citou a expressão “todo o poder emana de Deus” foi em razão de suas constantes críticas às votações que são colocadas em pauta no Congresso e que não beneficiam o povo: “O que se vota na Casa são medidas provisórias, que travam a pauta, travam tudo, enquanto o povo está sofrendo” (grifo nosso). E continua:

(...) o que é votado no Congresso é medida provisória [...] que tranca a pauta, e nada mais é votado. Eu venho aqui falar à Nação e ao povo que nós temos as iniciativas populares. A iniciativa popular é uma grande arma para nosso sucesso. E temos a PEC nº 5, de 2015, que coloca iniciativa popular no mesmo peso de medida provisória.26

Neste mesmo discurso, Educação, Direitos dos Trabalhadores e Segurança Pública são citados. E termina: “Venho dizer ao povo brasileiro que acredite, pois nós temos um Deus, que é o Deus das causas impossíveis! O homem e as autoridades não determinam nada!” Daciolo se dirige ao povo brasileiro para afirmar que: a) o Congresso não prioriza pautas que beneficiem o povo; e b) que o Deus do povo é quem determinará, acima do Congresso, o que deverá ocorrer.

Para Charaudeau (2017: 52), há um “contrato de comunicação” em que o indivíduo toma a linguagem ou os símbolos que lhe constituem para se dirigir ao grupo que igualmente os aceita. O profeta Daciolo, que outrora falava apenas como cabo do CBMERJ e líder do movimento SOS Bombeiros, agora ocupa outro lugar de enunciação, o Legislativo. Não se pode afirmar que Daciolo desconsidera o valor da Câmara no processo democrático e representativo, e sim, que o profeta-emissário-político inicia um processo de distanciamento dos demais parlamentares, onde seria uma espécie de intermediador entre a vontade de Deus e o “povo que sofre”.

O que nos parece claro até aqui é que este profeta tem os trabalhadores também classificados como “escravos” e “oprimidos” em seus discursos como público-alvo. Por outro lado, os “senhores” e “opressores” agem a mando das “potestades espirituais”, enquanto o próprio Daciolo se apresenta como profeta libertador. Toda essa teodiceia parece ser criada para articular exclusividade do personagem carismático.

Considerações finais

As questões levantadas no início do texto versaram sobre a representação do cabo Daciolo como o profeta de matriz pentecostal. Embora não esteja filiado a nenhuma denominação religiosa, a imagem acerca do profeta do passado, que se ergue na sociedade para propagar a mensagem divina em prol de oprimidos e emitindo juízos contra supostos opressores, é a imagem do profeta (re)construída por Daciolo. Numa época em que tanto se discute o tema da moralidade na política, a representação deste “profeta” talvez procure remontar um ethos específico, de certa forma, aguardado por parte dos brasileiros.

Daciolo parece uniformizar os contextos na medida em que, para ele, cada contexto faz parte de uma mesma realidade na qual ele opera independentemente de seu auditório ou interlocutores. A reinterpretação do cabo Daciolo acerca de textos bíblicos é acionada em situações nas quais ele busca a legitimação do campo religioso pela política. Até aqui não tem sido possível dissociar o ethos do profeta pentecostal militarizado de suas orações públicas como deputado federal e como candidato à presidência da república. Para ele, não há como separar tais esferas.

O debate sobre religião e política a partir do agente analisado pode ser ampliado conjugando-se a perspectiva weberiana – em que buscamos entender a enunciação profética27 de Daciolo – e bourdieusiana, no que consiste às tensões entre os campos. Daciolo dispensa os rótulos institucionais religiosos e avança na construção de narrativas que se pretendem autônomas em termos institucionais religioso e político, mas à medida em que aciona a crença na revelação divina para sua missão na esfera pública, está implicado pela tradição religiosa em que foi socializado. As noções de carisma e revelação demandam naturalmente dominação, conforme a teoria weberiana, e funcionam como objetos de legitimação do profeta, que deve não apenas possuir a validação ou reconhecimento da comunidade como realizar milagres.

Cabe destacar que a expulsão de cabo Daciolo do PSOL parece traduzir a indisposição de nosso sujeito para a rotinização do carisma, que ele segue alimentando por meio de suas narrativas públicas, sem deixar-se enquadrar nos protocolos exigidos para o agente político. Essa atitude confirma a dimensão racionalizante do tipo “especialista do carisma”, sendo este o profeta emissário (Mariz, 2007).

Ressalte-se ainda que a narrativa religiosa do cabo Daciolo não contempla apenas críticas aos sistemas capitalista, político, social, mas inclui o próprio segmento evangélico. Para isso, o cabo se coloca em uma condição superior aos demais colegas parlamentares, sejam esses religiosos ou não. Como político, Daciolo acredita ter autoridade “legal” e legitimidade do depositário do poder público para dar diretivas, e estas, para ele, têm fundamento na “constituição” religiosa que interpreta “racionalmente” (Weber, 2010: 39). Em Weber (2010: 38), “a racionalização do comportamento de vida (...) pode manifestar-se em formas muito diversas”, e Daciolo parece consolidar-se como uma produtiva tipificação do profeta emissário que vê o mundo como um campo de missão a ser colonizado e ordenado. Além disso, é curioso o fato de que, construindo uma trajetória em constante tensão com líderes evangélicos e parlamentares do mesmo segmento, Daciolo seja aquele que se identifica substancialmente com o tema Direitos dos Trabalhadores. Esse dado sugere haver algum tipo de afinidade entre o evangelismo pentecostal e o ethos pentecostal desinstitucionalizado de Daciolo, expressando, portanto, a singularidade deste controverso ator dos campos político e religioso brasileiro.

Mas será que Daciolo realiza rupturas fundamentais? Embora desvinculado institucionalmente, sua retórica é religiosa e carrega a tradição pentecostal em sua formulação. A complexidade de se estudar um sujeito com a história em curso sempre trará desafos. Por exemplo: quanto à disputa pelo poder Executivo em 2022, cabo Daciolo havia sido lançado como pré-candidato pelo Partido Brasil 35. Todavia, após o evento que envolveu a Polícia Federal e Ciro Gomes, em que não se confirmou irregularidades na obra do estádio Arena Castelão, no estado do Ceará, para a Copa do Mundo em 2014, Daciolo renunciou a sua candidatura, anunciando seu apoio ao candidato do PDT. Afirmou que sua decisão estava pautada em um “direcionamento do Espírito”. O fato gerou desconforto no Partido Brasil 35, impossibilitando de lançar o profeta-emissário-político como candidato pela sigla, inclusive, como governador do estado.

Essa decisão reafirma o quanto Daciolo busca não submeter-se totalmente aos estatutos partidários, em favor de uma “direção do Espírito”, como um profeta emissário. A história que envolve sua não candidatura para o pleito eleitoral de 2022 merece uma interpretação à parte. Porém, devido ao espaço desta conclusão e por entender ser esse esforço objeto de outra investigação, é importante sinalizar que essa é outra porta para se continuar pensando sobre a relação do profeta emissário na ampla esfera da política.

Portanto, tais surpresas, como essa proximidade com o candidato Ciro Gomes, não configuram descrédito em sua trajetória, nem mesmo caso fosse candidato a algum cargo público e obtivesse resultado abaixo do esperado nas eleições. Mais recentemente, Daciolo filiou-se ao PDT a fim de candidatar-se ao Governo do estado do Rio de Janeiro nas eleições de 2022. Sua iiação e movimento abrem possíveis novas questões para esse quadro hermenêutico. Questões essas que carecem maior atenção e acompanhamento para registro e interpretação no campo da sociologia política.

Entendemos, ainda assim, que esses novos cenários não nos permitem interpretá-lo como um completo “fracasso”, nem o perceber como um sujeito irrelevante no escopo da sociologia política que aqui exercitamos. Aliás, pela ótica da sociologia compreensiva, a sentença de sucesso ou fracasso é registrada pela convicção do sujeito pesquisado. Até porque, como o caso de Daciolo é um exemplo, o profeta-emissário-político é aquele que, independentemente do resultado, sempre terá o que proclamar.

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Notas

1 O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior – Brasil (CAPES). Agradecimento à CAPES pelo fomento de bolsa no Programa de Pós-Graduação em Sociologia Política na Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro.
2 Disponível em: <http://www2.camara.leg.br/deputados/pesquisa> (Acesso em: 01/05/2018). Lemos os discursos dos evangélicos no período de 2015-2017, sendo Daciolo incomparável no que diz respeito à frequência do uso de expressões religiosas.
3 A partir da presente seção, as citações anunciadas sobre cabo Daciolo e Chico Alencar foram, em sua maioria, retiradas das entrevistas realizadas durante período de pesquisa no Programa de Pós-Graduação em Sociologia Política (Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro – UENF; Lellis, 2021).
4 Para os pentecostais, os termos “falar em línguas” e “falar em mistério” são sinônimos numa reunião religiosa. Trata-se da glossolalia, um fenômeno que ocorre quando um fiel se expressa em “línguas estranhas” no momento de oração. Já o termo “sapatear” expressa, no imaginário pentecostal, o ato físico de bater um ou ambos os pés no chão como forma de combater o “diabo” – o que ajuda a criar um clima de efervescência provocando sensações extáticas entre os membros da comunidade reunida (Rolim, 1997).
5 Em entrevistas publicadas, depoimentos sobre este evento e em nossa própria entrevista, a figura deste missionário não é descrita com detalhes precisos por Daciolo. O cabo alega que à época não sabia reconhecer as diferenças entre líderes religiosos de suas funções nas reuniões.
6 Esta declaração esteve presente durante nossa entrevista e também pode ser encontrada em seu discurso na Câmara dos Deputados, como: em: 03/02/2016; sessão nº 001.2.55.O; fase: PE.
7 Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=q8Rstwq0lco&feature=youtu.be> (Acesso em: 10/02/2020).
8 Recorda-se que a greve não se estabeleceu apenas no estado do Rio de Janeiro. Outros estados foram motivados a aderirem ao movimento, como na Bahia. A prisão preventiva do cabo se deu justamente quando retornava daquele estado. Daciolo ficou detido por 17 dias com base no Código Penal Militar, art. 155: “incitar à desobediência, à indisciplina ou à prática de crime militar”.
9 Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=Jn3opAvY6y8> (Acesso em: 20/05/2018).
10 Ainda é nossa tarefa construir a tipologia dos eleitores do cabo Daciolo. Mesmo assim, os números do último censo (2010) apontaram uma “plateia” religiosa cristã no Brasil, com 86,8% de cristãos, sendo 64,6% de católicos e 22,2% de evangélicos (Lellis, 2017: 99). Este público reconhece os códigos linguísticos e morais adotados pelo deputado.
11 Nas palavras de Mariano, “o falar em línguas estranhas, a glossolalia, como evidência do batismo no Espírito Santo (...). Alguns antropólogos classificam tal experiência extática como transe de inspiração (...). Distinguem-na dos fenômenos extáticos da umbanda e do candomblé, os quais classificam como transes de possessão” (Mariano, 2005: 129).
12 Discurso realizado na Câmara dos Deputados em: 31/05/2017; sessão nº 140.3.55.O; fase: breves comunicações.
13 Este único voto foi dado pela ex-deputada estadual Janira Rocha, do PSOL/ RJ, que foi afastada posteriormente do partido por receber denúncias de prática de cotização em seu gabinete.
14 Discurso realizado na Câmara dos Deputados em: 08/07/2015; sessão nº 191.1.55.O; fase: PE.
15 Discurso realizado na Câmara dos Deputados em: 16/04/2016; sessão nº 088.2.55.O; fase: OD.
16 Discurso realizado na Câmara dos Deputados em: 08/07/2015; sessão nº 191.1.55.O; fase: PE.
17 Discurso realizado na Câmara dos Deputados em: 25/03/2015; sessão nº 048.1.55.O; fase: PE.
18 Discurso realizado na Câmara dos Deputados em: 31/10/2017; sessão nº 328.3.55.O; fase: OD.
19 Discurso realizado na Câmara dos Deputados em: 20/10/2016; sessão nº 266.2.55.O; fase: GE.
20 Todas as informações nas tabelas foram compiladas e sistematizadas a partir dos dados encontrados no portal eletrônico da Câmara dos Deputados. Disponível em: <https://www2.camara.leg.br/atividade-legislativa/discursos-e-notas-taquigraficas> (Acesso em: 10/09/2019).
21 Discurso realizado na Câmara dos Deputados em: 03/02/2015; sessão nº 001.1.55.O; fase: GE.
22 Discurso realizado na Câmara dos Deputados em3 de fevereiro de 2015; sessão nº 001.1.55.O; fase: GE.
23 Discurso realizado na Câmara dos Deputados em 21 de maio de 2015; sessão nº 120.1.55.O; fase: CP.
24 Disponível em: <https://www.facebook.com/depudadocabodaciolo/ posts/3074441016124656> (Acesso em: 25/05/2021).
25 Disponível em: <https://www.facebook.com/depudadocabodaciolo/> (Acesso em: 16/06/2020).
26 Discurso realizado na Câmara dos Deputados em 10 de março de 2015; sessão nº 026.1.55.O; fase: PE.
27 Em Weber, o profeta exprime um carisma puramente pessoal, diferentemente de um sacerdote que exerce seu ofício por fdelidade a uma determinada tradição sagrada.

Autor notes

* Doutor em Sociologia Política pela Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro (UENF). E-mail: nelsonlellis@gmail.com. ORCID iD: <https://orcid.org/0000-0002-3146-6087>.
Professora titular da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ). Doutora em Sociologia pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). E-mail: fernandes. silv@gmail.com. ORCID iD: <https://orcid.org/0000-0001-7951-7931>.
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