Article
DOI: https://doi.org/10.22456/1982-2650.75277
Resumo: O artigo apresenta algumas das principais práticas elaboradas por um grupo de pesquisadores/as interessados/as em investigar certos fenômenos negligenciados pela chamada “ciência convencional” sem, contudo, abrir mão dos recursos e instrumentos inventados pela própria ciência. Caminhando por um escorregadio terreno responsável por dissolver uma série de dicotomia rigidamente constituídas e definidoras de uma certa tradição epistemológica ocidental, tal grupo de investigadores nos convida a pensar (e sentir) a respeito de outras formas de fazer ciência e perceber tudo aquilo que nos envolve e que, de diferentes maneiras, pode nos afetar. Trata-se, em suma, de um convite para pensar nossa saúde, nossos corpos e a nós mesmos com outros olhos, outras lentes.
Palavras-chave: Ciência/Religião, Saúde/Espiritualidade, Conscienciologia, Ectoplasma.
Abstract: The article presents some of the main practices developed by a group of researchers interested in investigating certain phenomena neglected by the so-called “conventional science” without, however, giving up the resources and instruments invented by science itself. Walking through a slippery terrain responsible for dissolving a series of dichotomies rigidly constituted and defining a certain Western epistemological tradition, this group of researchers invites us to think (and feel) about other ways of doing science and perceiving everything that surround us and that, in different ways, can affect us. It is, in short, a invitation to think about our health, our bodies and ourselves with other eyes, other lenses.
Keywords: Science/Religion, Health/Spirituality, Conscientiology, Ectoplasm.
Introdução
Este artigo é fruto de uma pesquisa de doutorado realizada entre os anos de 2012 e 2015, cujo objetivo foi mapear as tensões, inovações e controvérsias surgidas, em diferentes contextos históricos e sociais, ao redor de uma série de práticas ditas científicas e, também, médico-terapêuticas, que centralizavam suas investigações na existência de fenômenos, substâncias e forças nem sempre visíveis aos olhos humanos, mas que de alguma maneira podiam ser percebidas ou sentidas através de nossos corpos. São práticas e experimentações que tencionam os limites convencionais estabelecidos, por exemplo, entre ciência e religião, mente e corpo, espírito e matéria, ao deslocarem seus olhares (e suas epistemologias) para as “margens” dos saberes sobre o homem, seus corpos e suas forças.
Nessa direção, as linhas que seguem pretendem apresentar o esforço de um grupo de pesquisadores brasileiros responsável por criar uma instituição interessada em investigar (ou “capturar”), a partir de instrumentos, recursos, tecnologias e metodologias científicas, uma certa “substância” pouco ou nada investigada pela chamada “ciência convencional” ou hegemônica. É com essa razão que em 14 de julho de 2013 surge a ECTOLAB: Associação Internacional de Pesquisa Laboratorial em Ectoplasmia e Paracirurgia. Localizada na cidade de Foz do Iguaçu, trata-se de uma instituição de pesquisa, sem fins lucrativos, formada por médicos, psicólogos, engenheiros, biólogos, neurocientistas preocupados em compreender, mensurar e identificar o “ectoplasma” e os efeitos que tal substância provoca nos organismos vivos e no ambiente. Tal “substância”, “fluido”, “energia”, “coisa”, “semi-material” ou “material-espiritual”, seria encontrada em todos os seres vivos e supostamente apresentaria propriedades terapêuticas1.
A ECTOLAB foi idealizada pelo médico Hernande Leite, natural de Aracaju, que estabeleceu sua carreira médica na cidade de São Paulo e há pouco mais de 10 anos mudou-se para Foz do Iguaçu no intuito de aprofundar suas pesquisas em torno do “parapsiquismo” e da “assistência multidimensional”. A escolha por essa cidade não se deve ao acaso. Alguns anos antes, precisamente em 1995, o médico Waldo Vieira escolhe Foz do Iguaçu para sediar o Centro de Altos Estudos da Conscienciologia (CEAEC), um ambiente destinado a congregar pessoas interessadas em conhecer e pesquisar assuntos ligados a “consciência” (self, ego, espírito, mente…), “experiências fora do corpo” (“projeção astral”), “bioenergias” (“fluido vital”, “prana”, “chi”…), “multidimensionalidade” (múltiplas dimensões, múltiplos corpos), “multiexistencialidade” (múltiplas vidas) e etc. Localizado em um bairro com extensa área verde e relativamente afastado da região central da cidade, o campus CEAEC dispõe de uma biblioteca com um grande e variado acervo, salas de estudos, de pesquisas, auditórios, refeitório, alojamento para visitantes e “laboratórios de autopesquisa” que consistem em pequenas salas isoladas onde o pesquisador poderá, no tempo em que ali permanecer, não só refletir, mas principalmente “autoexperimentar” os temas que lhe interessarem. Existem, por exemplo, laboratórios de “retrocognição” (onde o objetivo é “mergulhar” em suas vidas passadas), de “estado vibracional” (que visa conhecer e ampliar o domínio energético do próprio corpo), de “técnicas projetivas” (que visa favorecer a saída consciente do corpo físico), entre outros. A ideia básica é que o pesquisador não apenas conheça teoricamente os temas de seu interesse, mas que também possa vivenciá-los, experimentá-los, praticá-los em ambientes preparados para isso. É nesse contexto de pesquisas e interesses que Hernande, engajado nas atividades daquele grupo de pessoas, resolve aprofundar suas reflexões e experimentações em torno das ideias de saúde, cura, bem-estar e equilíbrio físico, mental, emocional e espiritual, e conceber a ECTOLAB, cujo foco será o entendimento do “ectoplasma” e seus possíveis usos terapêuticos e assistenciais2.
Dinâmica Interassistencial da Paracirurgia
Um grupo de pessoas trajando roupas brancas trabalha na preparação de um salão organizando a disposição de uma série de cadeiras de modo a formar algo semelhante a duas circunferências ou, mais exatamente, duas elipses concêntricas, cada uma composta de doze cadeiras. Ao redor dessa circunferência, alguns colchonetes são colocados para aqueles que preferem permanecer deitados durante a atividade que está prestes a se iniciar. Trata-se da Dinâmica Interassistencial da Paracirurgia promovida, semanalmente, pela ECTOLAB. Em média, cerca de 50 pessoas, entre voluntários dessa instituição e visitantes ocasionais, participam dessa atividade que ocorre sempre às sextas-feiras, a partir das 19 horas, em um salão localizado próximo à sede da instituição. Antes de acessarem o interior do salão os visitantes passam por uma rápida apresentação realizada por um dos integrantes da instituição, esclarecendo sobre o funcionamento da dinâmica. São oferecidos agasalhos e cobertores àqueles que se incomodam com a baixa temperatura do ambiente (em torno de 18°C), necessária, segundo afirmam, para estimular a produção das energias. Ao entrarem no frio e escuro salão (pois a pouca luminosidade também supostamente facilitaria essa produção) os visitantes poderão escolher entre sentar na segunda fileira de cadeiras ou deitar nos colchonetes. Em ambos os casos, seu papel consistirá em doar energias aos que ali se encontram de modo a auxiliar na sustentação do “campo energético” instaurado naquele ambiente.
Criada em 2006, a dinâmica inicialmente apresentava um formato de curso intensivo cujo intuito era promover o desenvolvimento “parapsíquico” (ou extrassensorial) de seus alunos. O foco, portanto, era assistir os próprios participantes da dinâmica por meio de técnicas e atividades que estimulassem o aperfeiçoamento de seu parapsiquismo e ampliassem o domínio sobre seus corpos (físico, psíquico, energético e mental). Com o tempo, no entanto, através da análise das percepções dos participantes sobre o ambiente, da qual falaremos adiante, chegou-se à conclusão de que a maior parte das assistências eram feitas não aos participantes da dinâmica, e sim àqueles que já se foram ou, mais exatamente, às “consciências extrafísicas” enfermas que eram atraídas para aquele ambiente. Trata-se de pessoas que apesar de terem passado pela morte física, carregam para a dimensão extrafísica (ou espiritual) as enfermidades desenvolvidas durante o “período intrafisico”, ou seja, enquanto ainda estavam vivas nesse plano material. Isso ocorre porque, de acordo com a cosmovisão nativa, todas as doenças (físicas e/ou mentais) se originam no “corpo psíquico” (ou “psicossoma”) para posteriormente se manifestarem no corpo físico (ou “soma”). Se tais doenças ou enfermidades não forem devidamente tratadas durante a vida, essa “consciência intrafísica” (ou ser “encarnado”), ao morrer e perder o corpo físico, tornando-se, portanto, “consciência extrafísica”, terá grandes chances de manter consigo o sofrimento vivido no plano intrafísico (ou material) o que dará origem às chamadas “parapatologias” (sensações de dores físicas provocadas, por exemplo, por uma doença grave ou mesmo pela perda de um membro físico) ou “parapsicoses” (transtornos mentais como, por exemplo, a sensação de que ainda se está “vivo” e envolvido em determinada situação de sofrimento vivenciado no plano intrafísico). Assim, a dinâmica deixou de enfatizar o desenvolvimento parapsíquico dos alunos e passou a reforçar e aperfeiçoar o seu caráter assistencial e terapêutico, especialmente aos seres que já deixaram o plano material, por meio da chamada técnica da “paracirurgia”.
Sob o comando de um dos “energizadores” (voluntários mais experientes, responsáveis por doar suas energias de maneira mais ostensiva), a dinâmica se inicia com um trabalho de “mobilização energética”, primeiramente através de uma técnica chamada “estado vibracional”3, em seguida, por meio da exteriorização das energias para todo o ambiente e, finalmente, pela assimilação dessas energias de modo a instaurar um “campo energético” que assegure a plena realização dessa atividade assistencial. De todos os personagens que compõem a cena “intrafísica” (e não nos esqueçamos dos seres extrafísicos que estão o tempo todo presente assistindo ou sendo assistidos), os protagonistas são aqueles que se dirigem, um após o outro, a cada nove minutos, para o centro da circunferência (enquanto todos os demais permanecem sentados e em silêncio), no intuito de que as consciências extrafísicas se “acoplem” (numa espécie de transe ou “descoincidência dos corpos”, mas sem perder a lucidez) e utilizem o corpo psíquico e enérgico daquela pessoa como uma espécie de “molde energético” para a realização da paracirurgia. O procedimento se dá, portanto, em um nível puramente energético ou espiritual. Com o amparo de uma equipe extrafísica de médicos (ou melhor, de “paramédicos”) e outros especialistas ligados à ECTOLAB, durante o período do chamado “acoplamento”, a consciência intrafísica saudável doará suas energias para a consciência extrafísica enferma que terá o seu próprio corpo “espiritual” (psíquico e energético) restaurado, reenergizado e desbloqueado (sobretudo nas regiões ou nos “chacras” que se encontravam enfermos, paralisados, bloqueados). Tais energias utilizadas em benefício de outros seres nada mais são do que o próprio “ectoplasma” em sua forma mais sutil, invisível aos olhos humanos, mas de alguma maneira percebido ou sentido pelos que ali se encontram.
A assistência oferecida na dinâmica, no entanto, não se resume aos que já morreram ou perderam seu “soma”. Os “vivos” também podem ser assistidos através das mesmas energias e das mesmas técnicas acrescidas de algumas pequenas diferenças.
Nesse caso, os assistidos não são levados ao salão onde ocorre a dinâmica, mas, ao contrário, devem permanecer em suas casas pois serão auxiliados à distância pelas equipes intrafísica e extrafísica da ECTOLAB. Na realidade, parte da equipe extrafísica se dirigirá ao local onde se encontra a pessoa que solicitou a assistência e realizará o atendimento energético em domicílio utilizando o ectoplasma doado, naquele exato momento, pelos participantes da dinâmica. Comparando o ambiente da dinâmica ao de um hospital, Djalma Fonseca, na ocasião um dos coordenadores da ECTOLAB, esclarece que:
em casa a pessoa estará mais isolada e mais defendida. A dinâmica é como se fosse o “front” da batalha. Não faz sentido uma pessoa já debilitada energeticamente estar nesse ambiente. Por incrível que pareça, hospital não é lugar de pessoa convalescente. Hoje em dia, faz-se a intervenção e volta pra casa porque a própria casa é o melhor lugar para recuperar a pessoa doente.
Os voluntários que participam da dinâmica devem, portanto, ir até o salão unicamente com a intenção de doar e assistir, e não de ser assistido, o que torna aquele ambiente, nas palavras de Djalma, “um campo de energia otimizado”. Tal campo servirá de matéria-prima para a equipe extrafísica realizar as paracirurgias, nos “vivos” ou nos “mortos”, atuando energeticamente em seus corpos energéticos e/ou espirituais. No transcorrer da dinâmica, entre um e outro “acoplamento”, é dado um intervalo de um minuto para que todos os presentes anotem, em pranchetas dadas na entrada do salão, as percepções (ou, mais exatamente, “parapercepções”) que tiveram durante aqueles nove minutos em que determinada pessoa permaneceu sentada no centro da circunferência. No momento em que alguém está no centro, os voluntários responsáveis diretamente pela “energização” podem, se sentirem necessidade, caminhar em sua direção para energizá-la (algo semelhante a um passe mediúnico, mas com as mãos paradas em determinados pontos do corpo, normalmente em locais que correspondem aos chacras). Após a passagem da última pessoa pelo centro da circunferência, um dos voluntários comanda o trabalho de “desassimilação energética”, semelhante ao realizado no início da atividade, realizando uma espécie de “limpeza fluídica” das possíveis “energias maléficas” que tenham sido trazidas e permaneceram contaminando o ambiente.
Durante a dinâmica espera-se que o participante, seja ele um voluntário experiente ou um visitante ocasional, mantenha uma postura de “passividade alerta”, estando sempre atento a tudo o que acontece no campo e em si mesmo. Nas duas horas em que permanece sentado (ou deitado no colchonete), e principalmente no momento em que se dirige ao centro da circunferência para realizar o “acoplamento” com uma “consciência extrafísica”, ele deve evitar realizar quaisquer movimentos corporais e procurar manter o silêncio e a concentração, focando seu pensamento na “equipe extrafísica” ou no conjunto de “amparadores” que assiste aquele ambiente, aquelas pessoas. O fundamental, afirma Djalma Fonseca, é estar conectado: “é sentir a equipe extrafísica, sentir o campo, relaxar e deixar a coisa acontecer... Milhões de coisas estão acontecendo ao nosso redor, e você sente... sente arrepios, tem insights, ideias, emoções... Então você deve anotar tudo o que percebeu, por mais absurdo que possa parecer”. Não tente controlar o ambiente; “o mais importante é a sua sensação no corpo; essa é a sua principal ‘máquina’. Você pega mais informações através das sensações do que através das máquinas, aparelhos e instrumentos”, acrescenta Waldo Vieira.
Tem-se início, então, ao debate em torno das percepções anotadas durante a dinâmica. Esse talvez seja, especialmente para os visitantes e “marinheiros de primeira viagem”, o ponto alto de toda a atividade. As inúmeras coincidências entre as percepções é algo realmente impressionante. Cenas de acidentes, desastres, cirurgias, órgãos ou partes do corpo humano, procedimentos clínicos, pessoas com transtornos mentais, muitas vezes descritos com riqueza de detalhes (contendo datas, endereços, nomes, características físicas...) chamam a atenção, sobretudo quando essas descrições são percebidas e anotadas, ao mesmo tempo, por várias pessoas, localizadas em pontos distantes do salão. Mesmo que as percepções sejam coincidentes, o modo como cada um percebe o ambiente pode variar. Assim, enquanto a maioria das pessoas visualiza imagens ou flashs de uma cena acontecendo, outros percebem recortes ou fragmentos (uma espécie de fotografia) daquela situação, ou apenas “ouvem” alguém descrevendo uma cena ou uma determinada enfermidade, ou ainda, sentem repercussões físicas em seu próprio corpo indicando em qual região ou órgão a paracirurgia foi realizada. Por exemplo, se a pessoa assistida (seja ela “viva” ou “morta”) está com um problema hepático, provavelmente o doador de energias (ou ectoplasma) sentirá alguma repercussão em seu fígado, demonstrando haver alguma relação de correspondência entre os órgãos físicos e extrafísicos4. Essas percepções serão coletadas e arquivadas para serem posteriormente analisadas pelos pesquisadores da ECTOLAB.
Na primeira dinâmica que participei fui convidado a sentar na posição de doador ficando na segunda fileira de cadeiras, precisamente na cadeira mais afastada para que pudesse ter uma melhor visão de conjunto. Apesar do silêncio, da monotonia e da escuridão que tendem a nos provocar certo estado de sonolência permaneci o tempo todo observando a cena e realizando algumas pequenas anotações em meu caderno de campo. Procurei manter certo distanciamento em relação ao que ali acontecia, sem deixar me envolver e sem saber direito, na realidade, o que estava acontecendo. Até que num determinado momento da dinâmica uma imagem curiosa me veio à mente. Comecei a visualizar a cena de um acidente de carro, um capotamento que deixou o motorista gravemente ferido, especialmente na região da cabeça. Em seguida, vi esse mesmo motorista deitado sobre o que parecia ser uma maca de um hospital e cercado por uma equipe médica que realizava um procedimento cirúrgico justamente em sua cabeça. A cena desapareceu e eu voltei novamente minha atenção para a pessoa que se encontrava naquele momento sentado na poltrona situada no centro da circunferência. Comecei, então, a sentir um desconforto a altura do meu estômago, com uma sensação semelhante à vontade de vomitar e um desejo incontrolável de bocejar e tossir. Senti meus olhos lacrimejarem, meus ouvidos e meu nariz coçarem, como se algo quisesse sair de dentro de mim. A sensação, no entanto, diminuiu, a pessoa se levantou e fiz as anotações que acabei de descrever. Alguns instantes se passaram e vi uma outra cena, um flash, na realidade, de uma cirurgia de estômago. Não consegui identificar a pessoa que sofreu a cirurgia, nem o local, apenas visualizei rapidamente o procedimento cirúrgico e logo a imagem desapareceu de minha mente. Passaram-se mais alguns minutos e comecei a visualizar a cena de um naufrágio, com vários botes salva-vidas socorrendo as vítimas de um navio que acabara de afundar. A dinâmica finalmente se encerra, as luzes se acendem e se inicia o debate em torno das percepções dos que ali se encontram. Além de mim, outras três pessoas anotaram em suas pranchetas, durante a dinâmica, situações envolvendo acidente de carro e cirurgia na cabeça. Duas pessoas relataram uma cena de naufrágio e outras seis disseram ter visualizado uma cirurgia estomacal. Tais relatos são recolhidos pelos monitores para serem analisados pela equipe da ECTOLAB, e cotejados com os pedidos de paracirurgia realizados durante aquela semana. Vale ressaltar que as pessoas que participam das dinâmicas, e fazem os registros de suas percepções, não têm acesso prévio aos pedidos.
A semelhança de tais percepções é algo que impressiona, especialmente pela frequência com que isso ocorre. Todas as sextas-feiras os relatos coincidentes se repetem, mesmo que o público varie. E mesmo tentando me manter distante e “desconectado”, o fato é que de alguma maneira eu fui “capturado” e acabei caindo na teia (ou no emaranhado) de seres e energias que compõem aquele ambiente. Em resumo, eu fui afetado pelas mesmas forças que afetavam (e ainda afetam) “meus” nativos (cf. Favret-Saada, 1977; 2005). No jargão antropológico, a observação participante se tornou uma “participação observante”. De maneira semelhante a Jeanne Favret-Saada, o processo de “ser afetado” me transformou não em um feiticeiro, como no caso dela, mas sim em um “ectoplasta” ou doador de ectoplasma5. Guardemos, no entanto, esse ponto (ou esse processo de “captura”), pois em breve voltaremos a ele.
Seguindo adiante, na pesquisa sobre essas percepções ocorre, primeiramente, a compilação de todos os pedidos de paracirurgia realizados na última semana através do site da ECTOLAB. Nessa catalogação uma série de dados serão analisados, comparados e separados por motivações (dos pedidos) e especialidades médicas (incluindo não só áreas tradicionais da medicina como, por exemplo, oncologia, mas também transtornos psíquicos, parapsíquicos ou extrafísicos como o chamado “assédio extrafísico” ou “obsessão”). O pesquisador cotejará os pedidos com as percepções anotadas durante a dinâmica, aproximando o que se entende como dados “objetivos” e separando das variáveis “subjetivas”. Assim, quanto mais informações e contextualizações a percepção oferecer, mais objetivo será o dado apresentado. Dizer que uma “consciência extrafísica” foi assistida é uma informação subjetiva que se tornará objetiva quando sabemos, por exemplo, através da percepção de uma ou mais pessoas, que essa “consciência extrafísica” era uma mulher, loira, de 35 anos, chamada Helena, que morreu em um acidente automobilístico. Um dado também poderá se tornar objetivo a partir do somatório de diferentes percepções a princípio subjetivas. Como exemplo temos o caso das pessoas que visualizaram o naufrágio, onde duas delas perceberam botes salva-vidas e outra teve, ao mesmo tempo e sem ter acesso às informações das demais pessoas, a sensação de afogamento. Tais percepções, somadas, podem compor um dado objetivo. Doenças físicas, de maneira geral, são sempre tratadas como informações objetivas. E a ideia dos pesquisadores é estabelecer, a partir desses casos, um padrão de marcação ou definição sobre o que é um dado subjetivo e o que é um dado objetivo. Tais dados serão aproximados e formarão uma planilha, uma lista, com todas essas percepções visando encontrar as coincidências.
Na palavra dos pesquisadores, os dados objetivos podem, portanto, ser “coincidentes” quando há uma comparação intersubjetiva, ou seja, entre percepções de um mesmo “campo de energias” e, posteriormente, “confirmados”, quando cotejados com os pedidos de paracirurgia e/ou com outras informações advindas, por exemplo, de noticiários da última semana e da semana seguinte, jornais, revistas, internet, relatos posteriores das pessoas que se submeteram à paracirurgia, e informações fornecidas pelos próprios participantes no debate realizado após a dinâmica.
Como dissemos, o cotejamento e a análise dos pedidos e percepções formarão planilhas que, ao final do processo, resultarão em gráficos com as doenças percebidas, com as coincidências e também com a comparação entre a produção de ectoplasma (percebida através de uma série de sensações das quais falaremos a seguir) em cada “campo energético” e as percepções daquele mesmo campo. No decorrer das pesquisas, analisando as estatísticas foi constatada uma coincidência entre o aumento das “parapercepções” e o aumento dos relatos relacionados às sensações de ectoplasmia. A hipótese dos pesquisadores é que a ectoplasmia (o ato de produzir ectoplasma) deixaria a dinâmica e o seu campo energético mais denso, tornando o ambiente mais “físico” e “visível”, o que de alguma forma auxiliaria nas percepções dos fenômenos extrafísicos ocorridos naquele momento.
Apesar de todo o trabalho analítico e estatístico, os pesquisadores são unânimes em dizer que o objetivo central de todas atividades desenvolvidas pela ECTOLAB, em especial da dinâmica, é a assistência. Nesse sentido, as pesquisas visam, sobretudo qualificar esse trabalho assistencial procurando compreender melhor as capacidades parapsíquicas de seus participantes (especialmente a clarividência e a clariaudiência) e o ectoplasma porque estes são, segundo afirmam, respectivamente o “instrumento de trabalho” e a “matéria-prima” da técnica da paracirurgia.
Ectoplasma: a matéria-prima da paracirurgia
Dentre as sensações relatadas pelos ectoplastas ao longo da dinâmica, as mais comuns são: sensação de bolo e coceira na garganta, tosse, engasgo, bocejo, contração abdominal, lacrimejamento, sensação de corrimento nasal, vontade de espirrar, zumbidos e coceira nos ouvidos. Nota-se que todas as sensações descritas remetem à ideia de que algo precisa sair, ou melhor, que alguma coisa “vaza” de seus corpos de uma maneira incontrolável. Tais sintomas, na visão dos pesquisadores da ECTOLAB, são fortes indícios de que o campo energético criado na dinâmica estimula a produção de fenômenos relacionados à presença (mesmo que invisível) do ectoplasma naquele ambiente.
Com o passar do tempo, ao analisar as percepções relatadas durante a dinâmica, supostamente indicativas do fenômeno da ectoplasmia, os pesquisadores formularam uma hipótese sobre a existência de diferentes tipos de ectoplasma voltados, justamente, para a utilização em diferentes “especialidades paracirúrgicas”. A análise dos registros elaborados pelos participantes mais assíduos permitiu perceber que certas pessoas têm mais facilidade em doar energias a partir de determinadas regiões do corpo, tornando-se uma espécie de “especialista” nos tratamentos ligados a essas regiões. Uma pessoa que, por exemplo, no exato momento em que participa das dinâmicas ou de algum trabalho que envolva a doação de energias, sente constantemente uma pressão ou algum tipo de desconforto na região da cabeça e que, além disso, visualiza com frequência cenas relacionadas a cirurgias ou tratamentos no cérebro, tem grandes chances de ser um “neuroectoplasta”. Trata-se do tipo mais nobre de ectoplasma, o “neuroectoplasma”, fruto, afirmam os conscienciólogos, de um rapport, uma sintonia, com aquela parte específica do corpo, de um autodomínio energético e de um know-how adquirido provavelmente em existências anteriores. Tal conexão pode ocorrer não apenas com partes ou órgãos do corpo humano, mas também com determinados fenômenos, situações, grupos, assuntos, acontecimentos e outros seres humanos e não-humanos. Plantas e animais também podem ser assistidos e eu mesmo pude “perceber”, em uma das dinâmicas que participei, a assistência realizada a um cachorro (aparentando ser da raça labrador) e que também foi “percebida” por outros participantes daquela mesma sessão. Não são raras as percepções e, também, os pedidos de paracirurgia direcionados a animais de estimação, e os pesquisadores da ECTOLAB receberam o relato escrito por uma pessoa que solicitou a assistência espiritual para o seu cachorro que, na ocasião, apresentava uma grave enfermidade no olho, correndo o risco inclusive de ficar cego, e que, após a realização da paracirurgia, ficou curado.
Não só o tipo de ectoplasma pode variar de doador para doador, mas também a qualidade e a quantidade das energias doadas, fato que exige do ectoplasta que participa ativamente da dinâmica o desenvolvimento de um “condicionamento energético”, obtido graças à manutenção do chamado “equilíbrio holossomático”. Trata-se do perfeito equilíbrio dos quatros corpos (físico, psíquico, energético e mental) ou veículos de manifestação de nossa consciência alcançado através de uma série de práticas de ordem física, energética, emocional e mental que favorecerão o desbloqueio e o domínio de nossas próprias energias a serem utilizadas com um propósito terapêutico e assistencial. No que diz respeito ao corpo físico ou soma, o ectoplasta deve estar em dia com o seu sono, manter uma alimentação balanceada (privilegiando os produtos naturais) e realizar atividade física e sexual de maneira regular e equilibrada. Para manter seu corpo energético equilibrado (ou “energossoma”), ele deve praticar a “mobilização de energias” e seguir corretamente as técnicas que levam ao “estado vibracional” e à “assimilação”, “desassimilação” e “exteriorização” de energias. Pois para fazer assistência, explica Hernande Leite, “a pessoa tem que se interagir com o outro, se envolver energeticamente com ele e saber se desassimilar dele no devido momento”. Com relação ao corpo psíquico (ou “psicossoma”), além da empatia e da afetividade, fundamentais para o desenvolvimento da “ectoplasmia assistencial”, o ectoplasta deve apresentar características emocionais que favoreçam a “soltura energética”, tais como a sociabilidade, a extroversão e a exposição. Uma pessoa extrovertida, sociável, destemida e não reprimida, que se expõe tranquilamente em público, tem mais facilidade em “soltar” e doar suas energias do que uma pessoa fechada, isolada em seu canto, com dificuldades de se relacionar com os outros. “Estar aberto” favorece a assistência, expande a conexão com a “consciência extrafísica” assistida tendo acesso aos seus pensamentos e sentimentos, às suas enfermidades e aos seus traumas, muitas vezes adquiridos em inúmeras existências pregressas. Finalmente, o ectoplasta deverá desenvolver seu corpo mental (ou “mentalsoma”), sobretudo por meio de uma permanente postura crítica e lógica, fazendo uso de seu discernimento para qualificar suas atitudes e pensamentos no intuito de tornar produtiva sua participação na dinâmica, na pesquisa (ou autopesquisa) e na assistência. A ideia é vivenciar e analisar a própria experiência tentando escapar de qualquer viés “místico” ou “religioso”.
O somatório de tais ações práticas introjetadas pelo ectoplasta afetaria quantitativa e qualitativamente a produção do ectoplasma porque tal substância, na medida em que é uma forma de energia, está intimamente conectada ao padrão de pensamentos e sentimentos de quem a produz. Pensamentos e sentimentos saudáveis e equilibrados produzem energias (ectoplasmas) saudáveis e equilibrados e, portanto, altamente benéficos às consciências (intra ou extrafísicas) que precisam de assistência terapêutica. Essa é a finalidade última, a utilização mais importante do ectoplasma, e será sempre em direção a esse fim que todas as pesquisas e atividades da ECTOLAB serão conduzidas.
Voltando às percepções e sensações ocorridas na dinâmica, os pesquisadores constataram através das anotações dos participantes que a maior parte dessas experiências acontece no início da atividade, durante os primeiros “acoplamentos” (ou “campos energéticos individuais”). Isso ocorre, esclarece Djalma, em função do já mencionado grau de “condicionamento energético” dos indivíduos.
Nesses anos de dinâmica percebemos uma alteração no comportamento das pessoas durante e após o campo. Antes o pessoal saia mais acabado da dinâmica; as percepções começavam a cair lá pelo quarto campo [acoplamento], agora começa a cair no sete, oito [no total de doze]. O pessoal não aguentava e ia pro colchonete. A gente tinha menos estofo energético. Hoje, com a regularidade e assiduidade das pessoas, o volume de percepções aumentou e eles também estão mais resistentes em termos energéticos.
Com o passar do tempo e com o maior comprometimento de seus participantes, a quantidade de percepções objetivas e coincidentes também aumentou. As percepções tornaram-se mais apuradas, apresentando conteúdos mais informativos e detalhados, o que contribui para o desenvolvimento das pesquisas. “Não é que a percepção tenha melhorado muito”, continua Djalma,
mas às vezes uma percepção que é um flash tem uma riqueza maior do que uma com um impacto muito grande e que pode não ser muito rica. Um flash pode ter uma acuidade muito exata... E aí você percebe que os detalhes podem ser mais importantes do que algo mais impactante como, por exemplo, uma materialização. Isso é coisa do século XIX.
O ideal mesmo, que vai desenvolver cientificamente a coisa, é o detalhe. O que faz diferença na ciência é o detalhe. A leitura do mundo vai melhorando quanto mais a gente aumenta a resolução dos detalhes. O parapsiquismo aumenta essa condição de entendimento do mundo. É importante você saber diferenciar um devaneio de uma percepção parapsíquica porque nesta última você não perde a lucidez, não perde a clareza. Mas uma percepção correta pode se transformar em um devaneio se você não se controlar, não fixar seu pensamento. Você pega um negócio, uma percepção, por um instante, mas se perde, se deixa levar. Você faz a leitura correta, mas depois embarca em um onirismo. O onirismo é a margem do processo parapsíquico. Você tem que trabalhar... O limiar do onirismo é o processo parapsíquico. Isso que é o discernimento: empurrar a fronteira do onirismo um pouquinho pra lá. Mas saber lidar com isso é um desafio. Tem que saber equilibrar pra não se perder. Tem que ter uma atenção dividida. Você consegue deixar aquilo e continuar com lucidez. Você deve estar com dois elementos funcionando. A atenção dividida com concentração profunda, sem perda de qualidade (grifos meus).
Dois pontos chamam a atenção nesse comentário. O primeiro refere-se à atenção concedida ao detalhe ou, mais exatamente, ao próprio fato de estar atento e fazer uma “leitura correta” do ambiente. A percepção parapsíquica possibilita esse “melhor entendimento do mundo” justamente porque permite ver aquilo que ninguém vê ou ver além do que normalmente se vê.
Ela possibilita, parafraseando Merleau-Ponty (1999), a constituição de novas regiões no mundo, revelando “aquilo que até então só se oferecera como horizonte indeterminado” (ibid., p. 59). Mas é preciso saber ver sem se perder, o que implica num processo de educação da atenção (cf. Ingold, 2000). Nisso consiste o segundo ponto. Devemos estar atentos, nos deixar levar (ou capturar) e nos afetar por tudo aquilo que nos envolve, mas com a habilidade para manter o controle, a lucidez e o discernimento de todo esse envolvimento. Em outras palavras, devemos seguir o fluxo de percepções e afecções com a “atenção dividida” - vale dizer, estar atento ao corpo e com o corpo (Csordas, 2008, p. 372) - e a concentração necessária para interromper o fluxo e estabiliza-lo no momento em que for preciso. De algum modo, é preciso “cortar a rede” (cf. Strathern, 2014). Afinal, o que está em jogo nesse processo é a sistematização de uma série de experiências visando, com isso, a produção de um conhecimento (que se propõe) científico (e não onírico) acerca da realidade. Está em jogo precisamente a definição do que é real e, por consequência, a sua distinção em relação ao que é tido como fantasia, devaneio, sonho ou imaginação. Mais do que simplesmente descartá-la ou escondê-la, o objetivo é estimular a imaginação de uma maneira equilibrada, consciente e atenta aos seus possíveis efeitos, sem abrir mão do rigor e do controle imprescindíveis, acredita-se, à boa prática científica.
Conforme já salientamos, o elemento fundamental que possibilita o aumento das percepções (ou parapercepções) do ambiente é o ectoplasma. Inspirados em Ingold (2011) diríamos que assim como a aranha depende de sua teia para perceber, capturar e se interagir com ambiente, o ectoplasta faz uso de seu ectoplasma (ou de suas energias) para perceber o ambiente e todos os seres e forças que o rodeiam. Entender como se estabelece essa relação entre (para)percepção e ectoplasma é um dos principais objetivos da ECTOLAB. A hipótese, já mencionada, é que a presença do ectoplasma faz com que o ambiente se torne mais “denso” e, portanto, mais passível de ser sentido, percebido e afetado por ele. Sim - alertam tais pesquisadores -, o ambiente nos afeta de diferentes maneiras e o ideal é justamente saber ser afetado de uma maneira positiva e saudável, ampliando e qualificando a conexão ou a atenção (pois estar atento é estar conectado) com tudo aquilo que nos envolve.
Quando o ectoplasma chega ao laboratório
No final do ano de 2013, a ECTOLAB inaugura o laboratório de pesquisas sobre o ectoplasma propondo investigar sua origem e composição, sua forma de manifestação e seus possíveis efeitos fisiológicos e ambientais. Coordenado por uma equipe voluntária de médicos, neurocientistas e engenheiros eletrônicos, o espaço foi construído ao redor de uma área verde (um pequeno bosque pois, tem-se a ideia de que as plantas estimulam a produção de energias), e projetado de acordo com os critérios exigidos pela ciência “convencional”, contando com uma “sala de controle” (onde ficam os “observadores”) e uma “sala de experimentos” (onde ficam os “observados” que, em alguns momentos, podem ser os próprios “observadores” na condição de “cobaia”), ambas preparadas com uma “tinta condutiva” que reduz a incidência de contaminação por ondas eletromagnéticas, blindando o ambiente interno. Além disso, foi instalada uma fonte de água corrente dentro da sala de experimentos no intuito de umidificar o ambiente (algo que supostamente também favorece a produção de ectoplasma) e funcionar como uma espécie de “aterramento energético” (visto que a água corrente auxilia na limpeza e circulação de energias). Nesta sala, o ectoplasta, objeto das investigações, deverá exteriorizar suas energias e permanecer sentado durante 30 minutos em uma confortável poltrona colocada sobre uma balança de alta precisão. Durante o experimento, além de ter sua massa corporal mensurada por essa balança, ele também terá suas atividades cerebral e cardíaca analisadas, respectivamente, através de um eletroencefalograma (EEG) e um eletrocardiograma (ECG), sua temperatura medida por um sensor colocado em seu pulso, e sua imagem registrada em três câmeras infravermelho e uma em alta definição. Outros sensores que detectam a temperatura e a umidade do ambiente, bem como as variações do campo eletromagnético durante o processo de exteriorização de energias também foram instalados na sala. Tais sensores, incluindo o EEG, o ECG e as câmeras, estarão conectados aos computadores localizados na sala de controle monitorada pelos pesquisadores que acompanharão o experimento. A ideia fundamental é tentar compreender melhor o ectoplasma procurando descobrir se essa substância produz alguma alteração ou “afeta” alguma dessas variáveis mensuradas e, em caso afirmativo, perceber se há alguma variação entre seus diferentes doadores. Tais experimentos são realizados uma vez por semana, às quartas-feiras, normalmente com um ectoplasta que participa regularmente da dinâmica, às sextas-feiras. Como já dissemos, ao final de cada dinâmica, um debate será realizado em torno das sensações e percepções anotadas por todos que ali se encontram. Tais percepções individuais serão registradas em planilhas e posteriormente analisadas pelos pesquisadores, que produzirão gráficos com medições da “performance” de cada participante. Aqueles que relatarem sensações associadas à “presença” e doação do ectoplasma (tais como coceira no ouvido, lacrimejamento, bocejo, tosse, bolo na garganta, entre outras já mencionadas) serão convidados a participar do experimento laboratorial.
Antes de iniciar o experimento, o ectoplasta deverá assinar um termo de concordância com a pesquisa e responder um breve questionário sobre seus dados fisiológicos e psicológicos (relacionados, por exemplo, a quaisquer problemas de saúde física e/ou psíquica que o sujeito apresente ou tenha apresentado em algum momento de sua vida), e também com perguntas ligadas à sua dimensão parapsíquica e energética (“Você já identificou sinais energéticos parapsíquicos pessoais associados à liberação de ectoplasmia? Quais?”; Você já identificou sinais energéticos parapsíquicos pessoais associados à conexão com amparadores [espirituais]? Quais?”; “Você já identificou algum outro sinal ou sinais energéticos parapsíquicos pessoais que considera importantes? Quais?”). Outras informações adicionais sobre o atual estado do ectoplasta também são solicitadas, tais como: “Você dormiu por quantas horas de ontem para hoje?”; “Sente-se descansado?”; Sente-se bem de saúde?”; “Você ingeriu bebida alcóolica ontem?”; Você tomou algum medicamento hoje ou ontem?”. “Você comeu alguma coisa antes de vir ao laboratório?”; “Na sua opinião aconteceu alguma intercorrência que pode afetar seu desempenho energético no experimento?”.
Respondido o questionário, o ectoplasta seguirá sozinho para a sala de experimentos onde terá sua “performance” avaliada. A sala é fria, silenciosa e totalmente escura. Mantendo uma postura relaxada, e com a poltrona recostada, o ectoplasta deverá permanecer imóvel (pois o EEG é extremamente sensível a qualquer movimento), de olhos fechados e com a respiração tranquila. Nos primeiros cinco minutos ele deverá apenas relaxar, sem realizar qualquer exercício ou “manobra energética”. Trata-se, de acordo com o protocolo elaborado pelos pesquisadores, do “registro basal das variáveis fisiológicas e ambientais”. Após essa etapa preliminar temse início, então, ao experimento propriamente dito. Nesse momento, que durará 20 minutos, o ectoplasta deverá voluntariamente exteriorizar suas energias de uma maneira intensa, com a finalidade de liberar ectoplasma, e ficar atento aos sinais energéticos (ou “sinaléticas”) que indiquem a liberação de ectoplasma ou alguma “manifestação parapsíquica” (uma clarividência, por exemplo). A cada sensação que indique a liberação intensa do ectoplasma o sujeito deverá registrar essa percepção pressionando uma única vez um botão localizado sob sua mão direita. Caso o ectoplasta tenha alguma percepção parapsíquica (visualizando, por exemplo, a presença de alguma entidade espiritual ou “consciência extrafísica”), ele deverá pressionar o mesmo botão duas vezes seguidas. Tais marcações, no entanto, deverão ser feitas apenas ao final de cada sensação ou percepção justamente para que os pesquisadores possam ter um controle das variáveis analisadas durante essas ocorrências. A ideia é saber se no momento preciso de intensificação da exteriorização do ectoplasma (ou de uma percepção parapsíquica) ocorre alguma alteração significativa no corpo e, em especial, no cérebro do ectoplasta. Trata-se de uma metodologia análoga ao chamado exame do “potencial evocado”, bastante comum em procedimentos médicos e neurológicos, onde certos aparelhos (eletrodos) conectados ao corpo do paciente provocam determinados estímulos (que podem ser visuais, auditivos, motores, cognitivos etc.) que produzem uma resposta cerebral específica. Essa resposta será captada, traduzida em gráficos e posteriormente analisada e comparada pelos pesquisadores. Porém, no caso em questão, o estímulo não será provocado por um fator externo, e sim pelo próprio corpo do “paciente” responsável pela produção e exteriorização do ectoplasma. Passados esses 20 minutos, o ectoplasta deverá novamente relaxar seu corpo durante cinco minutos, mantendo ainda seus olhos fechados, seu corpo imóvel e sua respiração tranquila, sem executar qualquer “manobra energética” que acarrete, por exemplo, em uma nova exteriorização de ectoplasma. Finalmente, encerrado o experimento, ele deverá responder as seguintes questões: “Com referência às marcações de ectoplasmia, que sensações você percebeu? Faça um breve relato das marcações que lembrar”; “Com referência às marcações de parapsiquismo, que sensações você percebeu? Faça um breve relato das marcações que lembrar”; “Você gostaria de comentar algo sobre o experimento? Alguma outra percepção interessante? Alguma ideia ou sugestão?”.
Para coletar tais marcações e variações os pesquisadores da ECTOLAB desenvolveram - através de um aplicativo chamado LabVIEW, também muito utilizado nas pesquisas científicas acadêmicas - um ambiente de análise gráfica responsável por registrar todas as informações em questão (i.e., temperatura, umidade, massa corporal, ondas cerebrais, atividade cardíaca). Trata-se da primeira pesquisa realizada no laboratório e que, durante o período em que permaneci acompanhando suas atividades, ainda estava sendo devidamente estruturada ou protocolada. Nesse período, até então, nenhuma variação significativa havia sido percebida pelos pesquisadores.
Acompanhei de perto os experimentos realizados com cinco sujeitos, incluindo eu mesmo que, após os meus relatos sobre as percepções que apresentei durante as dinâmicas, fui alçado à condição de ectoplasta. E logo de início pude constatar que uma das maiores dificuldades em “trazer” o ectoplasma para laboratório consiste justamente em controlar quem o produz. Por exemplo, todas as vezes que um dos ectoplastas analisados marcava (pressionando o botão uma ou duas vezes) a percepção de ectoplasmia ou de algum outro fenômeno parapsíquico o gráfico relacionado ao EEG (acoplado em sua cabeça) variava consideravelmente, o que em princípio indicaria uma possível correlação entre aquela percepção e a atividade cerebral, se não fosse pelo fato dele se mexer na poltrona toda a vez que percebia algo (daí a importância da imobilidade durante todo o experimento). Assim, perde-se a capacidade de registrar o fenômeno isoladamente. O próprio ectoplasta relatou ter bocejado muitas vezes o que também atrapalha a medição sem “ruídos”, mesmo sendo esse (o bocejo) um dos sinais (ou sintomas) típicos da produção de ectoplasma. Outra ectoplasta afirmou ter perdido a lucidez e, portanto, o domínio sobre o próprio corpo, durante o experimento, entrando numa espécie de “túnel”, com várias visões distintas, mas sem apresentar qualquer lembrança dessas percepções após retornar à consciência. Tal relato, afirmam os pesquisadores, aponta para a dificuldade em produzir e registrar um fenômeno dessa natureza (fluida, instável e subjetiva) em um ambiente laboratorial. São experiências extremamente subjetivas que exigem um grau de concentração e relaxamento muitas vezes difícil de ser alcançado, afirma Eduardo Azevedo, engenheiro biomédico, neurocientista e coordenador técnico do laboratório de ectoplasmia da ECTOLAB.
São muitas variáveis. É como você ter um experimento, uma medição, e o seu aparelho uma hora está bom, outra hora ruim. Como você vai fazer um experimento assim? E nós somos os aparelhos que uma hora estão “assim”, outra hora “assado”. Essa é a grande dificuldade de fazer experimento com subjetividade.
Tal instabilidade dificulta a análise do experimento porque atrelada à dimensão energética (objeto da investigação) existem outras variáveis de ordem física, mental, emocional e ambiental que são, na visão dos pesquisadores, inseparáveis e afetam diretamente a produção do ectoplasma.
Finalmente, quando chegou minha vez de ser “cobaia” e passar pelo experimento, tive não só as sensações relacionadas à exteriorização de ectoplasma (especialmente “bolo na garganta” e coceira no ouvido), mas também a nítida percepção de uma assistência “extrafísica” a duas pessoas, uma criança enferma e uma mulher que aparentava possuir algum transtorno mental (no entanto não consegui identificar se tais pessoas eram “vivas” ou “mortas”). O mais interessante no caso dessa última percepção é que ela nos permite compreender um dos aspectos primordiais de todo o trabalho de pesquisa desenvolvido pela ECTOLAB, qual seja, a assistência terapêutica. Mesmo num ambiente que procura “mimetizar” um laboratório “convencional” de investigações científicas, a assistência se faz presente, sobretudo em função da dimensão extrafísica, energética ou espiritual que preenche aquele lugar, tornando-o propício, ao mesmo tempo, para a pesquisa sobre o ectoplasma (e o ectoplasta) e para a assistência terapêutica através das paracirurgias, sob o auxílio da “equipe extrafísica” que ali se encontra. Nota-se, nesse sentido, que não existe uma ambiguidade ou mesmo uma nítida separação entre “produzir ciência” e “fazer terapêutica”, ao contrário, apropria-se de uma linguagem científica com uma finalidade terapêutica. Como lembra Hernande Leite, o propósito do laboratório não é reproduzir os experimentos realizados no passado, cujo foco era, sobretudo, a comprovação dos chamados “fenômenos de materialização”. “O objetivo da ECTOLAB”, afirma Hernande, “é a paracirurgia e a matéria-prima dela é o ectoplasma, com finalidade terapêutica, identificando o melhor ambiente que é a câmara de ectoplasmia [ou sala de experimentos]. Esse é o ambiente mais favorável para condensar energias e fazer assistência”.
A ênfase, no entanto, no trabalho assistencial gera uma espécie de efeito colateral que de alguma maneira dificulta a atividade de pesquisa. Pois se o foco de todas as atividades é a assistência, independentemente do local em que ela ocorra, o ectoplasma mobilizado durante os experimentos laboratoriais será sempre direcionado (pelos amparadores extrafísicos e, também, pelo próprio ectoplasta) à assistência terapêutica e não à produção de um fenômeno que precisaria ser controlado, investigado e comprovado cientificamente. Dito de outra forma, se o conjunto de pensamentos, sentimentos e energias formado pelos membros (intrafísicos ou extrafísicos) que compõem a ECTOLAB está invariavelmente voltado para a assistência terapêutica, logo, todo o ectoplasma - fruto, justamente, dos pensamentos, dos sentimentos e das energias de quem o produz - será canalizado para a atividade assistencial, mesmo que isso de algum modo “sacrifique” a pesquisa científica laboratorial.
Assim, se para os pesquisadores da ECTOLAB não existe uma ambiguidade ou separação entre fazer ciência e terapêutica, existe, por outro lado, uma clara prevalência da segunda sobre a primeira, o que certamente afetará suas práticas e seus modos de engajamento com a ciência e o saber acadêmico. De fato, a ECTOLAB se apropria de um determinado modelo hegemônico de ciência (baseada nos experimentos e procedimentos laboratoriais) para em parte “descartá-lo” e produzir uma diferença. Tal como a ideia de mimese, no sentido dado por Michael Taussig (1993) pode nos sugerir, o que parece estar em jogo aqui é precisamente um criativo processo de “cópia e alteração” que rejeita, nas palavras desses pesquisadores, o “academicismo infrutífero”, “materialista”, “estreito”, “reduzido” e “limitado à dimensão intrafísica” ao mesmo tempo em que valoriza certa “estética” acadêmica ou científica percebida, por exemplo, através de seus laboratórios e protocolos de investigação, suas salas de aula, seu campus de estudos e pesquisas, suas bibliotecas, seus cursos, workshops, seminários e congressos. Todavia não há uma preocupação em receber a aceitação ou a legitimação da ciência acadêmica, tampouco em comprovar cientificamente os fenômenos experimentados. O interesse, afirma Eduardo Azevedo, “é estudar a ectoplasmia que nós já vivenciamos. Eu não tenho dúvida nenhuma. Acontece alguma coisa. Eu sinto6. A pergunta é: que coisa é essa? É isso que eu quero saber”.
Para saber que “coisa” é essa, e tentar controla-la e quantifica-la de alguma maneira, certos “mediadores” (cf. Latour, 2012) serão acionados. O eletroencefalograma (EEG), o eletrocardiograma (ECG), os sensores de temperatura e umidade, as câmeras de vídeo, a balança de alta precisão funcionam como aparelhos ou “armadilhas” (cf. Gell, 2001) que tentam “capturar” o ectoplasma. O problema é que não se sabe ao certo se ele pode ser capturado ou mensurado através dessas variáveis (temperatura, umidade, massa corporal, atividade cerebral e cardíaca...). A grande dificuldade reside, portanto, na capacidade de enquadrar essa substância a partir das tecnologias e dos instrumentos oferecidos pela ciência “convencional”. Tenta-se, por exemplo, utilizar o eletroencefalograma de maneira análoga ao modo como esse aparelho já é cientificamente utilizado para medir e obter informações a respeito do sono (em suas diferentes fases e variações). No entanto, apesar de podermos ler, capturar, traduzir e enquadrar o sono no modelo oferecido pela ciência, ainda não é possível fazer o mesmo com o ectoplasma. “Você não sabe muito bem o que fazer com os dados produzidos pelo EEG”, diz Eduardo. Disso resulta a necessidade de se inventar novos aparelhos e ferramentas para observar um fenômeno que, apesar de toda a dificuldade em captura-lo, jamais terá sua existência colocada em questão.
Uma coisa que poderíamos fazer um dia e iria lançar uma linha de pesquisa gigante são os transdutores de energia. Se você descobrir um transdutor, mesmo que fosse um bem simples, você iria conseguir fazer muita pesquisa. Hoje em dia você não tem um transdutor, então como é que você vai fazer ciência sem ter nada pra medir? Eu acho que a gente tem que chegar nisso. Porque se não chegar, vai ficar sempre nessa coisa. Você vai depender sempre do relato da pessoa e isso aí varia ao infinito. Isso é muito subjetivo. Então quando você tiver um sensor, na verdade um transdutor de bioenergia... É nisso que a gente quer chegar... (grifos meus).
O esforço, portanto, é no sentido de tentar superar ou controlar o caráter fundamentalmente subjetivo e pessoal dessas sensações e percepções, baseadas nos relatos de quem as sentiu e as percebeu, a partir de aparelhos, instrumentos e tecnologias que “objetifiquem” ou “materializem” essas experiências pessoais, “silenciando” os sujeitos para que seus corpos (especialmente seus cérebros) possam “falar”.
Assim, se as medições não informam, fazem-se novas. Se os aparelhos não servem, criam-se outros. Criam-se novos “mediadores”. “Mas o ectoplasma existe, porque eu, você, todos nós o experimentamos”, afirma Eduardo. O que (ainda) não existe são os instrumentos adequados que consigam identifica-lo com precisão. Ele parece escapar desses “aparelhos de captura”. Primeiro, porque, apesar de vivido, sentido e experimentado, não se conhece objetivamente o fenômeno. Segundo, por sua natureza fluida, imaterial (ou semimaterial), sutil, instável e escorregadia, o que dificulta o seu controle. E terceiro, pela própria dificuldade em “ler” o ectoplasma nos gráficos e dados produzidos no laboratório. As medições variaram? Se a resposta for positiva, o que provocou tal variação? Como descobrir o que fez variar? Como saber se é mesmo o ectoplasma se apenas podemos senti-lo, sem entendermos exatamente o que ele é, nem sequer onde ele está? “Estamos aqui dentro do laboratório e pode ser que o ectoplasma, as materializações, e tudo o mais, esteja acontecendo ali do lado de fora”, sugere Breno Pinheiro, um dos pesquisadores da ECTOLAB. O ectoplasma passa e os pesquisadores tentam seguir (mensurar, quantificar, codificar, congelar...) seus rastros. Ao que parece, o ectoplasma, assim como a vida, nunca se deixa controlar ou capturar.
Ele é puro “rizoma” (Deleuze & Guattari, 1995), puro fluxo, puro movimento. Se for capturado (pelos aparelhos inventados pela ciência convencional), ele provavelmente se transformará em outra “coisa”, deixando de ser ectoplasma. Ele “congela”, perde a vida. Vira talvez um “dado” ou mesmo um sintoma de alguma patologia já conhecida pela ciência. Sentir, entender e controlar, com uma finalidade terapêutica e assistencial, esse é o desafio de quem está à procura do ectoplasma.
Palavras finais
Ao longo da história, lembra Hernande Leite, outros pesquisadores ligados, inclusive, à ciência “convencional” estiveram interessados em fenômenos relacionados direta ou indiretamente ao ectoplasma. O problema, afirma ele, é que isso tende a gerar um enorme conflito para o pesquisador que pretende avançar seus estudos nesses temas, porque ou você muda de paradigma e quebra suas crenças, inclusive o próprio método de pesquisa - pois nem sempre dá pra encaixar a metodologia científica convencional pra estudar as coisas que a gente estuda -, ou você diz que aquilo não existe. E por isso também não há interesse econômico em realizar pesquisas nessa área. São “objetos” impossíveis de serem comercializados pelas indústrias farmacêuticas que atualmente dominam os grandes laboratórios e as principais pesquisas na área médica.
Tal crítica não recai, portanto, sobre os recursos e instrumentos que a ciência disponibiliza, mas sim sobre aqueles cientistas que realizam suas pesquisas e condicionam seu olhar ou a sua atenção dentro dos estreitos limites da realidade intrafísica, deixando de expandir sua percepção para outros mundos possíveis. Mas isso, acrescenta Kadydja Fonseca, psicóloga e pesquisadora da ECTOLAB,
não impede que a gente faça interface com a ciência convencional, mas dentro daquela condição das pessoas que estão abertas para produzir ciência. É importante fazer pesquisa séria, de fenômenos que ocorrem com todos nós, mas que são desconhecidos, e que ainda hoje são delimitados ao campo do misticismo, pois é a visão que se tem de tudo aquilo que não é físico (grifos meus).
Fazer pesquisa com pessoas que estejam abertas para produzir ciência, sem se limitar às fronteiras já estabelecidas. Pessoas como, por exemplo, a bióloga Rosana Silistino e o químico Ricchard Hallan, ambos pesquisadores da Universidade Estadual Paulista (UNESP) e que propuseram à ECTOLAB os seguintes experimentos: 1) observar os possíveis efeitos da exteriorização de ectoplasma sobre a germinação de sementes de cebola (allium cepa); 2) quantificar as possíveis variações na atividade celular (ou metabolismo) dos ectoplastas, através da análise de amostras de sangue coletadas antes e após o processo de energização das sementes. O objetivo da pesquisa era perceber se a exteriorização de energias sobre as sementes afetava de alguma maneira o seu crescimento. Duas sementes eram energizadas por diferentes ectoplastas, duas ficavam no “grupo de controle”, sem sofrerem energização, e outras duas eram tratadas com herbicida. Todas foram colocadas para germinar no mesmo horário e local, nas mesmas condições de temperatura e umidade. Ao mesmo tempo, era coletado o sangue dos ectoplastas para analisar, por meio de um espectrômetro de ressonância magnética nuclear pertencente ao Departamento de Biofísica Molecular da UNESP, quaisquer possíveis variações moleculares (ou metabólicas) no plasma sanguíneo, após a exteriorização do ectoplasma. Tais investigações se encontravam em andamento durante os meses em que permaneci realizando essa pesquisa de campo, mas as primeiras análises celulares de algumas sementes indicaram que aquelas que passaram pelo processo de energização apresentaram uma alteração no citoplasma das células, com um considerável aumento de vacúolos (estruturas celulares encontradas nos vegetais), não percebida nas sementes não energizadas.
Uma outra pesquisa realizada em parceria com a ECTOLAB foi proposta pelo médico e biólogo Ismael Pinheiro, e teve como objetivo aferir a “condutância elétrica” dos doadores de ectoplasma. Trata-se de um mecanismo denominado eletrossomatografia, responsável por calcular, através de uma descarga elétrica de baixíssima voltagem imperceptível aos nossos sentidos, a velocidade da circulação de correntes elétricas pelos interstícios celulares que constituem o corpo humano. Esse espaço intersticial corresponde a uma malha formada por proteínas e fibras de colágeno que possibilita a comunicação entre todas as células do organismo, estando diretamente relacionado ao metabolismo celular. Segundo Ismael, estudos das áreas biomédicas, realizados em diferentes universidades do mundo, sugerem que quanto maior é a velocidade dessa circulação elétrica no interior de um organismo, melhor será o seu estado de saúde. Por outro lado, a estagnação ou o bloqueio da circulação em determinados pontos dessa malha, configurando no chamado estado de “impedância elétrica”, indicaria a presença de alguma doença ou desequilíbrio naquela região do corpo (inclusive, lembra Ismael, tais pesquisas apontaram que muitos tumores começaram a se manifestar justamente na região dos interstícios celulares). As hipóteses desenvolvidas conjuntamente com os pesquisadores da ECTOLAB é que 1) o trabalho de mobilização e exteriorização de energias de algum modo estaria relacionado à estruturação dessa malha (extremamente maleável e flexível) e 2) o ectoplasma circularia por esses caminhos (ou essas linhas) que a constituem.
No decorrer da pesquisa, realizada com alguns ectoplastas e um grupo de controle (i.e., pessoas que não realizavam a mobilização de energias), verificou-se que o trabalho energético inibiu a produção de uma proteína denominada “claudina” - uma das principais responsáveis por realizar o processo de adesão celular, ou seja, de junção entre uma célula e outra - e estimulou a produção de colágenos aumentando, consequentemente, o espaço entre as células. Além disso, a mobilização de energias pelos ectoplastas aumentou a concentração de água e de eletrólitos em seus organismos o que favoreceu a condutância elétrica. A velocidade de circulação pelos interstícios celulares tornou-se maior o que supostamente indicaria que seus organismos ficaram “mais saudáveis”. De algum modo, a passagem das energias ou do ectoplasma pelas linhas que constituem essa malha conseguiu “desemaranhar” os pontos que impediam a circulação elétrica, deixando a própria malha mais homogênea ou equilibrada (o que também facilitaria a condutância). A hipótese dos pesquisadores é que esse espaço entre as células seria não só a região por onde circula o ectoplasma, mas também, e principalmente, o elemento que estabelece a fronteira, ou melhor, a conexão entre o corpo material e o corpo energético. “Falta agora entender os mecanismos de como isso acontece”, acrescenta Ismael. Faltam, portanto, instrumentos ou mediadores que consigam identificar (e experimentar) essa fronteira, estabelecer essa conexão, perceber, enfim, essas linhas que atravessam (e misturam) diferentes dimensões da vida e do ser.
Referências
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Notas