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LÁ, NA VILA SENHOR DOS PASSOS, TOCA UMBANDA: UM OLHAR DE PERTO E DE DENTRO
THERE, IN VILA SENHOR DOS PASSOS, UMBANDA PLAYS: A CLOSE AND INSIDE LOOK
LÁ, NA VILA SENHOR DOS PASSOS, TOCA UMBANDA: UM OLHAR DE PERTO E DE DENTRO
Ciencias Sociales y Religión / Ciências Sociais e Religião, vol. 19, núm. 26, pp. 133-153, 2017
Universidade Estadual de Campinas
Resumo: Esse artigo trata de uma pesquisa qualitativa, na qual se utilizou, como recursos metodológicos, a observação direta, a pesquisa de campo e a realização de duas entrevistas com o principal representante da Casa de Caridade Pai Jacob do Oriente. Esse terreiro de umbanda foi escolhido propositalmente por fazer parte da realidade cotidiana de uma vila localizada na região Lagoinha, um dos bairros mais antigos da cidade de Belo Horizonte. O olhar da pesquisa projetou-se, principalmente para esse templo de umbanda, levando em consideração suas relações no espaço (e com o espaço) em que ele se situa, a partir de um olhar de perto e de dentro.
Palavras-chave: Umbanda, Periferia, Vila, Olhar de perto e de dentro.
Abstract: This article is a qualitative research, which was used as methodological resources, direct observation, field research and conducting two interviews with the principal representative of the House of Charity Father Jacob the East. This Umbanda yard was purposely chosen to be part of the everyday reality of a village in Lagoinha region, one of the oldest neighborhoods in the city of Belo Horizonte. The research was designed to look, especially for this temple of Umbanda, taking into account their relations in space (and space) in which it is located, from a close look and inside.
Keywords: Umbanda, Periphery, Village, Look closely and inside.
1. INTRODUÇÃO
Esse artigo se desenvolveu a partir de uma pesquisa empírica feita no centro de umbanda Casa de Caridade Pai Jacob do Oriente, situado na periferia, especificamente no número 99, da rua Fagundes Varela, bairro Lagoinha. Esse terreiro se encontra exatamente entre essa rua e o início de um dos becos da Vila Senhor dos Passos, cujo espaço físico se configura como um lugar de moradia e de religiosidade, constituído gradativamente.
A maioria das construções de terreiros/tendas/centros de umbanda, diferentemente das Igrejas/religiões que possuem seus templos no centro de uma região, representando o poder civil e religioso, não são tão visíveis como, muitas vezes, se espera dos templos religiosos. Suas arquiteturas, em grande maioria, são modestas e muitas delas não possuem nem placas que informem sobre sua existência.
Sobre a construção dos templos de umbanda, Fernando Brumana e Elza Martínez (1991) nos informam que, dificilmente, o edifício de um terreiro é construído especificamente para esse fim religioso. Segundo eles, normalmente o que há é uma adaptação feita dentro do próprio espaço de moradia de seus líderes, não existindo especificamente uma limitação entre o espaço sagrado e profano.
Embora em número muito menor, podem ser encontrados alguns terreiros/ templos/centros criados, única e especificamente, para a atuação dos cultos de umbanda, no entanto, a grande maioria dos cultos é praticada em locais improvisados. De fato, em estudos anteriores foi possível constatar que muitos terreiros da região metropolitana de Belo Horizonte são projetados da forma citada por Brumana e Martínez (1991).
Com relação a essa organização espacial/social, Muniz Sodré (2002) ao se referir aos cultos afro-brasileiros, nos diz sobre um espaço plástico, que se refaz simbolicamente, podendo estabelecer rituais em qualquer lugar que se sacraliza pela presença de representações mítico-religiosas. Ou seja, em qualquer ambiente considerado profano, pode-se manifestar o sagrado umbandista.
Pensando nessa relativa plasticidade espacial da umbanda e levando em consideração os termos pedaço, trajeto, mancha, circuito, rede (entre outras categorias que se fizerem eventualmente presentes nas observações empíricas), o objetivo desse trabalho foi desenvolver um estudo prático analisando a relação existente entre a Casa de Caridade Pai Jacob do Oriente e sua influência no espaço interno e no espaço externo, sobretudo em seu entorno (Vila Senhor dos Passos-Lagoinha). Com base nesse objetivo desenvolveu-se a seguinte problemática: a partir de um olhar de dentro e de perto, como são as relações existentes na Casa de Caridade Pai Jacob do Oriente?
A metodologia qualitativa e descritiva utilizada para o desenvolvimento desse artigo se deu a partir da pesquisa de campo e de observação direta, com durabilidade de aproximadamente três meses (entre meados de novembro de 2015 até final de janeiro de 2016). Neste tempo, estão incluídas visitas ao local, entre uma e duas vezes por semana (fora do horário e dentro do horário das sessões de umbanda). Utilizei também de um ‘diário descritivo’ além de duas entrevistas, de aproximadamente 50 minutos cada uma, feitas com o líder religioso da casa, Pai Ricardo (uma entrevista sem gravação de áudio e uma entrevista com gravação de áudio).
A casa de Caridade Pai Jacob do Oriente foi propositalmente escolhida por fazer parte da realidade cotidiana de uma vila dentro de uma das regiões já existente desde a formação da cidade capital (Lagoinha), Belo Horizonte. Essa condição situacional, espacial e simbólica desse terreiro possibilitou encontrar sustentação teórica de ideias de alguns autores, principalmente Michel Agier (2001), J. Van Velsen (2010), Fredrik Barth (2000) e José Guilherme Magnani (2002), entre outros.
Inspirando-se nas inquietações de Agier (2011) para além da discussão de uma antropologia urbana, esse pesquisador perfaz uma interação crítica com diferentes teorias e metodologias de autores que realizaram pesquisas pioneiras nos estudos urbanos, em especial com os pensadores da Escola de Chicago e com os africanistas da Escola de Manchester.
Agier (2011) propõe uma intermediação do fazer antropológico a partir de suas noções de região, da noção de situação e da noção de rede, objetivando entender a cidade a partir do olhar dos citadinos (citadinos esses que vivem, sentem e fazem a cidade; realizando uma antropologia urbana capaz de englobar as dinâmicas e processos socioculturais de novos contextos urbanos). Pensando nessa intermediação e nessa objetivação é que se escolheu a Vila Senhor dos Passos.
Pensando também na visão de que o espaço na periferia é o lugar ‘do menos’, ‘do excluído’, levo em consideração a afirmação de Barth (2000, p. 108) de que “qualquer lugar pode servir como provocação para desafiar e criticar a teoria antropológica”. O referido autor reforça que é preciso ousar entender o significado das diferenciadas vivências das diferentes pessoas. O que importa são as interpretações e as significações somente entendidas quando relacionadas "ao contexto, à práxis e à intenção comunicativa". (BARTH, 2000, p. 131). O autor completa ainda dizendo: “devemos tentar olhar para nosso objeto de estudos sem que nossa visão seja excessivamente determinada pelas convenções antropológicas herdadas.” (BARTH, 2000, p. 108).
Segundo Barth (2000, p. 120), “A antropologia é notoriamente frágil em termos metodológicos quando se depara com a tarefa de abstrair modelos válidos de fenômenos complexos caracterizados por esse tipo de variabilidade local.”.
Outra contribuição importante foi de Van Velsen (2010), ao discutir, com clareza, sobre as dificuldades dos pesquisadores ficarem muito tempo nos locais das pesquisas de campo, propondo que a pesquisa seja mais intensa numa menor unidade de análise. Então, neste estudo, a unidade de pesquisa é a Casa de Caridade Pai Jacob do Oriente. O referido autor defende, também, o que chamou de análise situacional suscetível de fornecer melhores oportunidades para a integração do acidental do excepcional com o geral, ou seja, uma série de acontecimentos inter-relacionados capaz de mostrar como os indivíduos agem diante das escolhas com as quais são defrontados.
Van Velsen (2010) denominou uma maneira de apresentar as informações etnográficas e a forma de lidar com elas de “análise situacional”. “Ao usar esse método, o etnógrafo não somente apresenta ao leitor abstração e conclusões do seu material de campo, mas também fornece parte considerável desse material.” (VAN VELSEN, 2010, p. 437).
Para a elaboração teórica e prática dessa pesquisa é inegável também a patente contribuição de Magnani (2002). Ele nos convida para uma perspectiva do olhar de perto e de dentro, bem como, à utilização de análises de categorias, tais como pedaço, mancha, trajeto e circuito (muitas vezes interações dos espaços não físicos, mas relativos), para que assim, finalmente, o olhar de perto e de dentro (recorte de pesquisa) possa sinalizar um olhar distanciado (modelos mais gerais de análise).
É importante esclarecer que as ideias e “dizeres” das entrevistas aparecerão ao longo desse artigo de forma intercaladas. Optou-se por fazer assim devido ao fato de que há assuntos/acontecimentos que se apresentaram comuns tanto nas duas entrevistas como nas observações de campo.
Destarte, cabe destacar as palavras de Gilberto Velho (1987, p. 130) ao afirmar: “Estou consciente de que se trata, no entanto, de uma interpretação e que, por mais que tenha procurado reunir dados “verdadeiros” e “objetivos” sobre a vida daquele universo, a minha subjetividade está presente em todo o trabalho.”.
2. BREVE PANORAMA HISTÓRICO DA VILA SENHOR DOS PASSOS
A cidade de Belo Horizonte foi idealizada pela crença republicana da ordem e do progresso Vale destacar que esse dístico “Ordem e progresso” apresenta-se muito mais como simbólico do que concreto. A Avenida do Contorno, conhecida na época como avenida 17 de dezembro, surgia a partir da mudança do espaço do antigo Arraial Curral Del Rey.
Inicialmente, a avenida marcava o crescimento de Belo horizonte no sentido norte-sul e do centro para a periferia. Contudo, o processo de sua ocupação se deu da periferia para o centro, havendo então uma inversão populacional de fora para dentro. Ou seja, a zonas suburbanas, como a região do bairro Lagoinha, transformaram-se em áreas de ocupação e residências de trabalhadores, migrantes de Minas Gerais e de outros estados, imigrantes estrangeiros, boêmios, marginalizados, desempregados e sem moradias. (BARROS, 2001).
Van Criekingen (2006) afirma que os bairros mais antigos de Belo Horizonte se afundam na degradação e no empobrecimento, abrigando pessoas de menor mobilidade social. Em se tratando de “abandono” e segregacionismo administrativo, o bairro Lagoinha abriga “[...] uma das favelas mais antigas de Belo Horizonte, a Pedreira Prado Lopes, grande responsável pela situação de violência engendrada no bairro, por conta do tráfico de drogas.” (FREIRE, 2011, p. 120).
Gonzaga (1999), por sua vez, diz que as favelas na cidade surgiram devido à dificuldade governamental/administrativa em sedentarizar a população que se formava na capital. Na região do bairro Lagoinha, além da favela Pedreira Padro Lopes, também surgia, por volta de 1920 e no limite norte da região (próximo à Praça 15 de Junho) entre as ruas Além Paraíba, Alexandre Stockler, Turvo, Fagundes Varela e Pedro Lessa, a ocupação da Vila Senhor dos Passos.
Ao pensarmos na Vila Senhor dos Passos o curioso é que visualmente no mapa de BH ela se situa quase no espaço central da cidade belorizontina. Contudo, seja espacialmente em relação ao centro de Belo Horizonte, seja como espaço marginalizado, a Vila Senhor dos Passos encontra-se na periferia.
Segundo Santos (2006), a Vila Senhor dos Passos ocupa, atualmente, uma área de 121.948 m2, com aproximadamente 1060 domicílios, além de uma média de 3.138 moradores. Inicialmente conhecida como ‘Buraco Quente’, a vila está diretamente relacionada com a história do bairro Lagoinha - História de lutas, lembranças, esquecimentos, passagens e memórias as mais complexas possíveis. Sabe-se que:
A Vila Senhor dos Passos passou a ter esse nome na década de 80, com a construção da Capela Nosso Senhor dos Passos, pertencente à Paróquia Nossa Senhora da Conceição, na Lagoinha. “Segundo moradores mais antigos, a vila chamava-se “Buraco Quente”, devido às brigas frequentes entre mulheres ciumentas.”. (FAVELA É ISSO AÍ, 2004, s.p).
A localidade onde se situa a Vila era uma fazenda, de propriedade da família Mata Machado. Um dos membros dessa família doou a área para que a Igreja pudesse repassá-la às famílias pobres. Documentos mencionam que os primeiros moradores ali se estabeleceram em meados do ano de 1914. A vila começou com duas pequenas casas e se expandiu gradualmente até chegar aos dias atuais com cerca de 1060 domicílios, sendo que 73% não possuem título de propriedade. (FAVELA É ISSO AÍ, 2004).
Segundo Favela é isso aí (2004), nos anos 50, a vila não possuía rede de abastecimento de água. Sendo as condições de vida na vila muito precárias, os moradores utilizavam poços para conseguir água. A estrutura local era insuficiente, as ruas eram esburacadas e de terra, os caminhos feitos por trilhas, becos estreitos e o esgoto corria a céu aberto.
Por volta de 1960, chafarizes foram construídos em alguns pontos da vila e os moradores acordavam cedo para buscar água e enfrentavam filas enormes. A energia elétrica era comumente obtida através de ligações clandestinas: os “gatos”. Com relação às mudanças na estrutura,
As primeiras melhorias surgiram em 1956, através da Associação Sociedade Pró-Melhoramento, presidida por Chico Nascimento (Francisco Faria do Nascimento), um dos pioneiros do movimento comunitário em Belo Horizonte. Fundou também a União de Defesa Coletiva, na Pedreira Prado Lopes, e tornou-se presidente da União dos Trabalhadores Favelados de Belo Horizonte. Estas entidades trabalharam ativamente até 1964. Com o golpe militar, Francisco foi preso e o movimento existente, desarticulado. (FAVELA É ISSO AÍ, 2004, s.p)
Na década de 70, foi iniciado o abastecimento de água na Vila e também houve a expansão da rede elétrica. Contudo, somente no final dos anos 80 e início dos anos 90, alguns líderes comunitários da antiga Associação União Prado Lopes, criaram o atual Movimento dos Moradores da Vila Senhor dos Passos, sem vínculos com a Pedreira. O movimento ainda não tem sede própria na vila e esses dirigentes buscam melhoramentos na comunidade em parcerias com órgãos públicos e outras entidades.
Santos (2006) alerta que apenas nessa década e nos últimos anos foi iniciado o serviço de esgoto e saneamento no local e atualmente os serviços de infraestrutura foram expandidos a quase toda a população. A Vila já foi alvo do Programa Alvorada, desenvolvido pela URBEL e pela AVSI - Associação de Voluntários para o Serviço Internacional e tem em desenvolvimento o Programa Habitar Brasil - BID, em parceria com a Prefeitura Municipal de Belo Horizonte, que propõe: a remoção de 60 famílias, a construção de alguns blocos de edifícios na remoção de famílias em áreas de risco, as contenções de encostas e consolidações geológicas, a construção de uma creche (UMEI) e um centro comunitário (CRAS- BH cidadania), bem como a drenagem das águas da chuva e a construção de duas praças. Hoje os moradores reclamam do transporte público que não percorre a vila, trafegando apenas no seu entorno.
Os moradores de dentro da vila possuem fortes laços comunitários entre si, considerando a vila como um bom lugar para se viver, apesar de reclamarem da falta de um centro cultural na Vila Senhor dos Passos. Os mesmos reconhecem que estão próximos ao centro da cidade, com acesso aos serviços públicos nas áreas de educação e saúde. (FAVELA É ISSO AÍ, 2004).
Magnani (1998, 2002) apresenta duas vertentes em sua abordagem sobre a cidade. Na primeira vertente tem-se continuidades de fatores desordenados e caos urbanos. Na segunda vertente, apontam-se as rupturas, saltos tecnológicos, tornando obsoletas as estruturas urbanas, sociabilidades e comunicações. Ou seja, numa primeira abordagem “Uma, fruto do capitalismo selvagem; a outra, mais identificada com o capitalismo selvagem.” (MAGNANI, 2002). Ambas as abordagens trazem como resultado algo em comum: deteriorização de espaços, segregação, confinamentos, redes sociais restritas e violências.
Mas será que as pesquisas necessariamente devem apresentar sempre o olhar do macro, do distante? Isso é tudo? O leque de experiências urbanas termina sempre e apenas nesse olhar de longe e de fora? Foram questionamentos como esses levantados por Magnani (2002) que instigaram como um desafio para desenvolver essa pesquisa.
Segundo Barth (2000) existe uma disfunção entre significados pretendidos e as consequências; muitas vezes as intenções são diferentes dos resultados. Por isso é preciso tentar construir uma antropologia coerente, capaz de abordar temas e questões que aumente nossa capacidade de lidar com macro-fenômenos sem desrespeitar interpretações e realidades das próprias pessoas envolvidas. “nossos esforços no sentido de reconstruir teorias devem ser incessantes e devem buscar abrangência e consistência.” (BARTH, 2010, p. 139).
Para Van Velsen (2010, p. 455), “A diferença, como já indiquei, parece estar, antes no fato de que as descrições estruturais não nos fornecem uma série de eventos inter-relacionados que mostram como, em uma estrutura específica, indivíduos lidam com as escolhas com as quais são confrontados.” A análise situacional dá maior importância à integração do material de caso a fim de facilitar a descrição dos processos sociais. (VAN VELSEN, 2010).
Por isso, o direcionamento desse artigo não foi em direção ao fluxo internacional. O direcionamento, como nos propõe Barth (2000), Van Velsen (2010) e Magnani (2002), foi delimitar o campo de dinâmicas urbanas em que se façam presentes os atores sociais. Em especial os atores em suas relações de rede, deslocamentos, conflitos, etc.
Sabe-se que, no entorno da região Lagoinha, existe um mosaico de expressões religiosas e como não poderia ser diferente, sabe-se também o que, por ali, na entrada da Vila Senhor dos Passos toca-se umbanda. Para tanto buscou-se atores reais em situações e relações reais. Então:
A Casa de Caridade Pai Jacob do oriente se dá no ano de 1966. Em 65 quando meus pais chegaram pra cá, aqui era uma vila muito desabitada mato, brejo ao lado da Pedreira que antes não se chamava pedreira Padre Lopes, era apenas pedreira, porque tirava as pedras para construir a cidade, para dar andamento na cidade. [...]. Os dois se encontraram no Rio de Janeiro, casaram-se e vieram para cá. E chegando aqui, eles deram continuidade de suas vidas espirituais no terreiro de uma senhora, havia aqui um terreiro bem lá pra cima do outro lado da mata que tinha aqui, e que era o terreiro da Dona Maria Concórdia [...]. Logo no começo de 66 mais ou menos, o mentor espiritual do meu Pai que era Pai Jacob do Oriente, pediu para o meu pai que abrisse a própria casa dele. Meu pai começou a tocar o próprio terreiro dentro do cômodo onde eles dormiam, ele e minha mãe, e ai começou a Casa Pai Jacob do Oriente, amarrando uma cama na parede, sem telhado, que a gente, né, eles eram muito carentes, vamos dizer assim, financeiramente, mas muito rico de axé e o terreiro sempre foi cheio. [...] a partir daí, teve aquilo de montar tudo em volta do terreiro e o terreiro começou a ser fonte de tudo, fonte de remédio, fonte de ajuda espiritual, fonte de ajuda psicológica, meus pais se formaram líderes comunitários e a coisa foi crescendo a partir da Casa Pai Jacob do Oriente. (Pai Ricardo - entrevista, 28.01.16).
Voltei, muitas vezes, na casa de umbanda (tanto em dias de sessões/giras como fora delas incluindo os dias 11, 25 de novembro de 2015, dia 28 e 31 de dezembro de 2015 e os dias 13, 14, 16, 20 e 27 de janeiro de 2016), essas visitas, além de proporcionar-me uma participação mais efetiva para um melhor entendimento do funcionamento da casa, possibilitou-me a elaboração de um diário de observação, bem como as duas entrevistas feitas ao zelador do terreiro, Pai Ricardo. Como afirma
Magnani (2002, p. 17): “É nesse plano que entra a perspectiva de perto e de dentro, capaz de apreender os padrões de comportamento [...] de atores sociais cuja vida cotidiana transcorre na paisagem da cidade e depende de seus equipamentos.”
3. AS PRIMEIRAS APROXIMAÇÕES: O ESTAR PERTO
Agier (2011) chama a atenção para uma sequência de operações indutivas e mostra que os conhecimentos retirados dessas operações serão inquestionavelmente parciais, conseguindo abranger a totalidade apenas por análises metonímicas e metafóricas. Ou seja:
A coexistência de uma prática de pesquisa microssocial e pessoal, por um lado e, por outro, de um quadro de questionamento (ou mesmo de um objeto) inacessível empiricamente apesar da sua aparência de realidade que se impõe colocam o problema das noções intermediárias que permitem fazer a passagem de uma à outra. (AGIER, 2011, p. 60).
No dia 11 de novembro de 2015, fiz minha primeira tentativa na busca de aproximação com a Casa de Caridade Pai Jacob do Oriente na Vila Senhor dos Passos. Contudo, ao chegar lá havia um papel pregado na porta de ferro pintada de azul, escrito: “Hoje não teremos reunião.” Assim, ainda que não percebesse, mesmo sem o contato inicial planejado/esperado, a pesquisa se iniciava.
Como atesta Magnani (2002, p. 18) o olhar não poderia ser apenas o:
[...] de passagem [...], mas a partir dos arranjos dos próprios atores sociais [...], estabelecer encontros e trocas nas mais diferentes esferas- religiosidade- de, trabalho, lazer, participação política ou associativa, etc.” Postulo partir dos atores sociais em seus múltiplos, diferentes e criativos arranjos coletivos: seu comportamento, na paisagem da cidade, não é errático mas apresenta padrões.
No dia 14 de dezembro, fui até o terreiro e encontrei Pai Ricardo conversando do lado de fora com um rapaz. Pedi licença e informei a ele quem eu era e o que pretendia fazer uma pesquisa para a criação de um artigo do doutorado do curso de Ciências Sociais. Fui atenciosamente recebido por ele que imediatamente se prontificou a me ajudar e estaria a minha disposição. Tive a percepção que Pai Ricardo é uma pessoa extremamente carismática, jovial (aproximadamente 45 anos) e de uma liderança patente.
Visando entender a categoria de pertencimento, categoria essa intitulada por Magnani (2002) de pedaço, perguntei ao pai-de-santo como funcionava a casa hoje, durante a semana:
Hoje nós temos sessões abertas para o público nas segundas e quartas-feiras a partir das 7 e meia, 8 horas da noite, as quintas-feiras nós temos, a gente chama uma reunião de “aspirar”, não é para quem aspira entrar no terreiro não, é para quem quer entender da religiosidade e da umbanda como toca aqui na Casa Pai Jacob do Oriente [...]. E as sextas-feiras reunião só para médium. Durante o dia, porta aberta o dia inteiro para o que der e o que vier, com atendimento, com uma ajuda. Assistências sociais que a casa tem: capoeira, bordado, costura, né, cesta básica, alimentação, tudo. (Pai Ricardo - entrevista 28.01.16).
O termo pedaço expõe quem é ou não daquele pedaço. O pedaço: “é uma experiência concreta e compartilhada [...] essa modalidade particular de encontro, troca e sociabilidade supõe a presença de elementos mínimos estruturantes que a torna reconhecível em outros contextos.” (MAGNANI, 2002, p. 19).
No dia 25 de novembro, fui até o centro de umbanda e cheguei por volta das 19 horas e 30 minutos. Ao chegar, estacionei meu carro na rua Fagundes Varela, mais próximo da rua Turvo, não muito próximo do terreiro.
A escolha em estacionar o carro um pouco mais distante se deu por dois motivos, primeiro, havia vários carros mais próximos do terreiro, e, segundo, por receio do entorno do lugar. Mal sabia que, ao descer do carro e caminhar em direção à Casa de Caridade Pai Jacob do Oriente, eu já era observado.
Esse percurso, antes de chegar ao terreiro de umbanda, me fez lembrar do termo trajetos apontado por Magnani (2002, p.23) ao afirmar que:
Os trajetos levam de um ponto a outro por meio dos pórticos. Trata-se de espaços, marcos e vazios na paisagem urbana que configura passagens [...] apresentam a maldição dos vazios fronteiriços. Terra de ninguém [...] lugar do perigo preferido por figuras liminares [...] muitas vezes lugares sombrios que é preciso cruzar rapidamente, sem olhar para os lados...
Um dos “sentinelas da boca”1 me estendeu sua mão e me cumprimentou. Minha reação foi corresponder, estendi-lhe minha mão e ao que respondi, ele me perguntou se eu tinha R$ 2,00 para comprar cigarros. Disse que outro dia daria, pois sempre estava por lá, e iria ao centro do Pai Ricardo - esse foi o código para não ser mais incomodado.
Esse fato me mostrou duas perspectivas sobre o espaço externo, fora daquele terreiro de umbanda. A primeira era de que o pessoal do tráfico de drogas sabe perfeitamente o porquê de quem entra, de quem fica, de quem sai e de quem passa por ali na entrada da Vila; a outra era de que a Casa de Caridade Pai Jacob do Oriente é muito respeitada. Pois:
É, a casa empoderou, a gente tinha menos poder aquisitivo, a gente tinha, menos gente que sabia ler e escrever, então a casa está se organizando, a gente tá tendo condição de ensinar, a gente tava tendo dificuldade de aprender, agora estamos ensinando [risos leves].Vamos estar na faculdade! Olha pra você vê! Como é o trem! Então, a grande mudança que observo é esse salto, não sei se a religiosidade de umbanda em Belo Horizonte tem, mas pelo menos nesse trabalho que meu pai começou, que minha mãe deixou, esse trabalho encaminhado, e a gente tá tentando fazer essa manutenção disso, é um dos grandes saltos.[...]. (Pai Ricardo - entrevista, 28.01.16)
Dentro do centro observava tudo como se fosse a primeira vez2 que lá estivera. Conforme Gilberto Velho (1987, p. 126):
Assim volto ao problema apontado por Da Matta, para sugerir certas complicações. O que sempre vemos e encontramos pode ser familiar mas não é necessariamente conhecido e o que não vemos e encontramos pode ser exótico mas, até certo ponto, conhecido. No entanto, estamos sempre pressupondo familiaridades e exotismos como fontes de conhecimento ou desconhecimento, respectivamente.
Após as movimentações das pessoas que chegavam para serem atendidas e de médiuns para atendê-las e antes que a gira de umbanda começasse, a esposa de Pai Ricardo, mãe Sheila, pediu a palavra para dar alguns recados sobre as seguintes comemorações do mês de dezembro: de Iansã no dia 04 de dezembro, das Iabás no dia 08 de dezembro e no dia 13 de dezembro a casa faria a 1ª comemoração do dia de Oxalá.
Nesse dia, Pai Ricardo não estava presente e sua esposa acendeu velas no quartinho de exu e no Cruzeiro das almas, ambos na entrada do terreiro. Mãe Sheila iniciou as rezas e naquela noite houve gira de caboclo de Ogum.
Ao sair, perto da porta, conversei com o ogãn Nelson sobre minha intenção em fazer a pesquisa. Ele me informou que deveria conversar com o Pai Ricardo, mas, infelizmente, naquele dia, ele estava viajando. Do lado de fora eu via outros “soldados”, os do tráfico.
No dia 16 de dezembro, pude perceber melhor a realidade do espaço do terreiro. Nesse dia a casa estava mais cheia do que o habitual, era gira de exu. O número de pessoas dentro daquele espaço pequeno, incluindo os médiuns e a assistência é, sem sombra de dúvidas, um fenômeno de movimentos dos corpos e da interação que ali acontece, pois, a aparente confusão do local para olhos menos desavisados, cede lugar, quando bem observado, para uma harmonia extremamente organizada e o curioso é que tudo funciona perfeitamente bem. Ao perguntar sobre o espaço físico interno do terreiro, obtive a seguinte resposta:
Tem que apertar e cabe espírito ainda! Tem espírito e cabe todo mundo! [risos]. Tem que contrariar a lei da física, dois corpos ocupando o mesmo espaço na mesma hora [risos]. (Pai Ricardo - entrevista, 28.01.16).
Naquele dia 16, como eu não poderia ficar mais, “bati” em suas costas e perguntei se eu poderia ir embora. Ao que ele respondeu que após a gira de exu, teria a gira de caboclo de Ogum para descarregar, se eu pudesse esperar seria melhor, mas se eu precisasse ir embora que eu poderia ir. Eram 21 horas e 50 minutos, então na porta, aproximei-me do Ogãn Nelson e informei-lhe que realmente precisava ir embora. Fui embora, sem conseguir marcar a entrevista com Pai Ricardo e preocupado se não o havia desrespeitado.
No dia 28 de dezembro, voltei à casa de umbanda, no intuito de conversar melhor e marcar entrevista com Pai Ricardo. Cheguei por volta das 18 horas e 45 minutos, o centro estava com poucas pessoas. Perguntei a uma senhora se Pai Ricardo estava presente. A mesma me informou que ele ainda não havia chegado e que ela também estava esperando para conversar com ele.
Fiquei esperando, mas, infelizmente, quando Pai Ricardo chegou já estava quase no momento de começar a sessão de umbanda. O terreiro, que estava inicialmente vazio, lotou! Antes de começar o ritual, e após alguns recados, Pai Ricardo pediu ao público doações de frutas que seriam entregues no dia 01 de janeiro para asilos e hospitais em que todo ano uma equipe da casa se desdobrava para entregar balaios de frutas para esses locais.
Nesse dia, era gira de preto-velho. Iniciado o ritual, demorou um pouco até começarem os passes, primeiramente sendo atendidos as crianças e os idosos. Eu estava resolvido que ficaria até o final e esperaria para marcar um horário com Pai Ricardo. Depois que tomei o passe, esperei mais de uma hora e meia, “a gira parecia que não terminaria nunca”. E realmente não terminou cedo, pois após todos da assistência tomarem seus passes, Pai Ricardo começou a ‘desenvolver’ os médiuns novatos, dandolhes maior atenção.
Minha expectativa de conversar com Pai Ricardo esvaiu-se com o passar das horas. Já era quase 23 horas. Então, aproximei-me da porta, onde estava o ogãn Cleomar expliquei para ele minha intenção de ir embora e perguntei se seria desrespeitoso pegar contatos do Pai Ricardo com ele. Cleomar foi receptivo e pediu a um médium para pegar o contato com Pai Ricardo. Completou dizendo: “quando Pai Ricardo faz dessa forma, a reunião costuma acabar lá pra uma 1 hora da manhã!” Nesse ínterim, Pai Ricardo veio rapidamente até a mim, pediu ao rapaz para entregar seus contatos e me disse que depois conversaríamos.
No dia 13 de janeiro, voltei à Casa de Caridade Pai Jacob do oriente, deixei meu carro estacionado na rua Itapecerica por volta de 19 horas e 45 minutos. Na rua do centro, antes de chegar ao terreiro um dos rapazes, o “sentinela da boca”, que sempre fica nas pontas da rua, me avistou de longe e me cumprimentou. Acenei com a cabeça, respondendo ao cumprimento.
Nesse dia, ao chegar à Casa de Caridade Pai Jacob do Oriente, resolvi ficar um pouco do lado de fora, à entrada do beco, para observar melhor o externo do local. Na porta da Casa sempre fica o painho/padrinho Nelson (ogãn da casa) para auxiliar e manter limites entre o espaço de fora e o espaço de dentro. Observei que no beco entravam mais pessoas do que saiam - muitas delas chegando dos serviços. Também chegaram muitos médiuns de diferentes locais. Eles faziam suas saudações, muitos subiam, ao andar de cima, para trocarem de roupa.
Na porta, juntamente com o padrinho Nelson, estava o médium Ronaldo com uma camisa com o nome do quilombo Matição com o nome da Casa de Caridade Pai Jacob do Oriente. Ronaldo sempre se apresentou solícito, educado e disposto a ajudar a quem se aproximava da porta e das paredes da casa.
Já passava pouco mais das oito horas da noite e Pai Ricardo ainda não havia chegado. Então a mãe-de-santo, esposa de Pai Ricardo, aproximou-se da porta e disse que iria começar a reunião. Ela mostrou um quadro do orixá das matas que seria rifado para ajudar na comemoração dos 50 anos da Casa, informou, também, que no dia 20 de janeiro aconteceria a festa de Oxóssi (São Sebastião). A partir disso, iniciou-se a sessão como era habitual: reza de abertura, pontos cantados, defumação, pó branco (pemba), houve gira de caboclos de Oxóssi e passes.
Nesse dia, pude confirmar o que eu já observara antes, um rapaz, quase sempre, respeitosamente, chegava ao terreiro, era passado “na frente” para tomar o passe e saia. Como nesse dia o início do culto de umbanda atrasou, esse rapaz chegou, viu que estavam começando os rituais, saiu. Eu já sabia que ele voltaria mais tarde na hora dos passes. Na hora do passe, ele chegou com mais dois rapazes, eles tomaram os passes e saíram.
Desfrutando da possibilidade que a entrevista permite e da acessibilidade do entrevistado, perguntei sobre o rapaz que chegava, tomava o passe e saía e que eu já havia observado esse fato acontecer em algumas das sessões públicas de umbanda. Ele me informou solicito:
O que acontece!? A gente sabe, e a gente não pode ser demagogo, que não tem problema de droga em uma favela, tem! E são gente como nós, né. Ele chega, a gente já conhece as pessoas, ele chega quer tomar um passe. Diz: “ó pai, preciso tomar um passe! O bicho tá pegando! Preciso tirar um trem ruim de mim!” Eu sei que ele é do movimento, é de correria, eu sei que por mais respeito que ele tenha pelo terreiro, de alguma forma, ele é um risco, não dele para conosco, mas das pessoas que não gostam dele, é uma bala perdida, é uma briga, é um trem! Então a gente preserva o nosso, a gente não deixa de atender, passa na frente. Digo: “Ô velho, beleza!?” - “Beleza!” Mas ele sai pra correria. Eles já sabem, não vem armados, eles não vem com drogas, eles vem vestidos respeitosamente, vem limpos, não vem drogados! (Pai Ricardo- entrevista, 28.01.16).
Conforme descrito por Arantes (2000, p.118):
Cacos e restos delimitam domicílios onde a intimidade dos gestos e das ações levantam paredes invisíveis, mas presentes, e que, ao serem atravessadas pelo olhar do pesquisador, fazem no sentir se intruso, indiscreto, e perceber a força dos limites simbólicos desses casulos no espaço público.
Alguns acordos informais, visando constante controle, são feitos para a manutenção da ordem e da harmonia dentro e fora do terreiro. Nas palavras de Alba
Zaluar (1985, p.165), “Quando a violência é controlada, ela só atinge os que participam das rixas e não envolve terceiros ou inocentes, sem regras ou lógica.”
Ainda no dia 13, os passes continuaram, até que Pai Ricardo chegou. Ao passar perto de mim, ele disse: “Não vai embora sem conversar comigo não!”. Respondi: “tudo bem!” (aquele dia teria que ficar até o final), olhei no relógio, eram 21 horas e 25 minutos. Fui um dos últimos a tomar passe.
Ao voltar para os fundos do terreiro, que é próximo a porta de saída, fui conversar com o Ronaldo, o médium da blusa do quilombo Matição. Ele me disse que visitavam o quilombo com frequência e que constantemente levavam doações para lá. Me disse, também, que se eu fosse lá, ficaria “doido” com os ancestrais de mais de 100 anos que moram no Matição. Em entrevista perguntei a Pai Ricardo sobre o quilombo:
Há 4 anos, 4 anos e meio atrás, nós começamos com a história do Matição. Mas envolve uma história muito mais antiga do quilombo da Serra do Cipó, da Dona Mercês, quilombo do Açude [...]. Então, a gente já tinha uma história de capoeira, de ir visitar, de levar cesta, de Candombe [...]. E agora de uns 4 anos pra cá a gente continua junto do Matição, a gente tentou um projeto há uns 4 anos atrás pra melhorar as coisas e daí pra lá, a gente vem entrando junto com o Matição, de doação, em ajuda, em troca de relações, né. [...]. (Pai Ricardo- entrevista, 28.01.16).
O relato acima vinculando a Casa de umbanda com o quilombo do Matição se afina com o termo circuito apontados por Amaral (1996) e por Magnani (2002). Desse modo:
Mais do que um conjunto fechado, o circuito pode ser considerado um princípio de classificação. Nesse sentido, é possível distinguir um circuito principal que engloba outros [...], dependendo dos objetivos da pesquisa, delimitar e considerar apenas o circuito das casas africanizadas, ou estendê-lo para as demais, incluindo ou não os terreiros de ascendência angola e até os de umbanda; saindo do terreno propriamente religioso, o circuito pode abranger a capoeira, as escolas de samba, exposições de arte africana, restaurantes, e assim por diante. (MAGNANI, 2002, p. 24).
Nessa visita do dia 13, perguntei ao Ronaldo se as fotos de uma senzala eram do quilombo (essas fotos remetem a uma sessão de umbanda/gira de preto-velho e se encontram em um banner próximo do cruzeiro). Ele informou-me que não, que “aquela senzala era em uma fazenda perto de Mariana aonde a lama chegou perto!” (referindose ao acidente ambiental referente à Empresa Samarco ocorrido em Bento Rodrigues, em novembro de 2015). Até que o padrinho Nelson o chamou e a conversa foi encerrada.
Na entrevista Pai Ricardo me informou melhor sobre as fotos na senzala:
A gente teve numa fazenda escravagista, fazendo um trabalho de Macaia, que é um trabalho de estar no mato, de agradar os orixás e os guias. Engraçado foi na mesma época que a gente teve no quilombo no ano passado, em novembro. Então, na Macaia do ano passado, a gente tava tocando uma sessão dentro de uma senzala, mas uma senzala mesmo! [...]. (Pai Ricardo- entrevista, 28.01.16).
Nessa entrevista, foi possível perceber a consciência ética e ecológica do zelador e dos médiuns da casa. Aliás, consciência ecológica que eu já havia observado antes em outro trabalho de pesquisa. Sobre a Macaia, ele continuou:
Então, a manutenção tem sido um grande problema, né, e nós já tivemos um trabalho de conscientização da turma da conservação e da manutenção do ambiente sagrado que é a natureza, a mata, o rio, até a própria casa da gente como, quando o axé acontece hoje entre quatro paredes tem que ter manutenção e conservação desse lugar, além do lugar natural do orixá, o lugar, o médium, o corpo humano de certa graça, também, recebe a consagração do santo, né, a conservação do lugar do próprio corpo pra a execução do axé. [...]. (Pai Ricardo- entrevista, 28.01.16).
Naquele mesmo dia 13, Pai Ricardo parou os cantos por um instante e juntamente com sua esposa, reforçou o convite para a festa de Oxóssi, e, também, falou sobre doações de frutas pra festa e da ajuda da preparação do local. Ao finalizar o culto, após mais alguns pontos cantados e danças, todos começaram a cantar suavemente o ponto: “serena, serenou!” e enquanto jogavam água, lavando todo o terreiro... Após esperar em uma espécie de fila espontânea em que algumas pessoas conversavam brevemente com Pai Ricardo, chegou a minha vez, pegando na minha mão, ele me disse: “quando poderemos conversar!” Ao que eu respondi: “o tempo é seu!” Então marcamos para o outro dia, 14 de janeiro, quinta-feira após as 17 horas. Era a oportunidade de fazermos as entrevistas. Como já informado antes, fiz uma primeira entrevista com ele e marcamos outro dia para uma segunda entrevista, desta vez seria com gravação de áudio. Essa última entrevista aconteceu no dia 28 de janeiro.
4. OUTRAS APROXIMAÇÕES: O ESTAR DENTRO
No dia 14 de janeiro, cheguei à Casa de Caridade Pai Jacob, preocupado, eram 17 horas e 20 minutos, pensava estar atrasado. Fiquei sabendo depois que toda quintafeira é o dia da semana em que Pai Ricardo fica de 6 horas da manhã até o momento em que estiverem pessoas que precisem falar com ele, com necessidades as mais variadas possíveis, ou seja, muitas vezes, seu atendimento entra madrugada adentro. Na verdade, aquele ambiente não possui hora fixa e determinante, o curioso é que tudo funciona muito bem.
Havia lanches na mesa e um café. Ele me cumprimentou e ofereceu lanche e café, me pediu para que eu esperasse, me deixando à vontade. Percebi então que eu não estava atrasado e que deveria esperar, pois, existia uma ordem de chegada.
Pai Ricardo chamava um participante, descia, voltava, descia de novo e tornava a voltar. Esse dia foi fundamental para a pesquisa, pois pude observar a Casa para além das reuniões públicas de umbanda. O que vi foi uma liderança comunitária singular e percebi também que não era cobrado nada pelo atendimento prestado.
Também vi como as pessoas se relacionavam. Esse relacionamento envolvia pessoas que moravam na vila e pessoas que vinham de outras partes da cidade, causando uma atmosfera envolvente e familiar. Saiam uns, chegavam outros - em constantes movimentos. Ou seja, a casa é um ambiente onde as pessoas se sentem em um meio familiar - uns observavam os outros e todos, de um modo geral, participavam das conversas uns dos outros.
Moças e senhoras costuravam e faziam o contra-egun, braceletes e guias para a festa de Oxóssi que aconteceria no dia 20 de janeiro. Essas mulheres conversavam sobre os arquétipos dos orixás, sendo que, o tempo todo, falavam de suas vivências e experiências acontecidas dentro daquele terreiro. É importante, de fato, registrar o quanto as pessoas ali “respiravam” a umbanda e a viviam em toda sua intensidade naquele local. É realmente extraordinário o espaço comunitário que eles criaram.
Após as 18 horas, outras pessoas iam chegando e somando-se ao espaço. Vi pessoas que trabalharam o dia inteiro e conversavam sobre problemas no serviço e coisas do dia-a-dia.
Em uma das questões da entrevista perguntei sobre quantos médiuns há na casa? Quantos moram aqui na região, alguns moram aqui na vila?
Na casa tem em média uns 100 a 110 médiuns [confirmou com uma das filhas de santo]. Vamos por aí uns 20% de médiuns na corrente são da vila, mas o contingente da vila é muito grande, da comunidade diária da sessão é muito grande, não dá nem pra calcular porque o pessoal vem passa de dia, e a maioria vem depois, diz: “eu passo é de dia e deixei minha vela. Não tem como eu fazer de outro jeito!” O local aqui tem muita gente de Sabará, Betim, Santa Luzia, Contagem, Esmeralda. [...]. (Pai Ricardo- entrevista, 28.01.16).
A Casa de Caridade Pai Jacob do Oriente cria um ambiente tão singular que ultrapassa o termo “fora de casa” e “de dentro de casa”. Lá quem é de fora ao adentrar sente-se de dentro e quem é de dentro: é de dentro mesmo! Como afirma Magnani
(2002, p. 21) “Quando o espaço - ou um segmento dele assim demarcado torna-se ponto de referência para distinguir determinado grupo de frequentadores como pertencentes a uma rede de relações, recebia o nome de pedaço.”.
Ainda conforme Magnani (2002), essa ‘rede de relação’ constitui um elo intermediário entre o privado e o público sendo formado por dois elementos básicos, o primeiro de ordem espacial física e o segundo de relação social formando uma rede de relações para além do território físico. Pois bem, na casa de umbanda aqui pesquisada, é patente e transpira uma ‘rede de relações’.
Após atender uma jovem senhora, Pai Ricardo me chamou, levando-me para um dos últimos dos três cômodos existentes na parte de cima do terreiro, convidou-me para sentar. Sentei e pedi desculpas por incomodá-lo e relembrei a ele qual era meu objetivo em entrevistá-lo.
Foi nesse momento, então, que Pai Ricardo me falou sobre a importância da Casa para a vila, que antes era chamada de “Buraco Quente” e passou a ser chamada de Vila Senhor dos Passos, após a igreja construir seu espaço dentro da vila. Atualmente, contudo, lá não se celebra missa. Hoje, quem toma conta da igreja são as irmãs franciscanas. Perguntei como o entrevistado via a relação da Casa de Caridade Pai Jacob com a Vila. Em seu dizer:
Como é que eu vejo, benéfica, porque eu tenho vários problemas de intolerância com meus irmãos comigo eu sou muito abençoado! Da vila pra dentro você não tem nenhuma igreja evangélica, não tem! Os evangélicos que tem na vila passam aqui me cumprimentam, leva flor do terreiro, leva comida do terreiro, os filhos deles vem aqui fazer pesquisas que as escolas tem pedido, eles vem fazer pesquisa aqui no terreiro. Entendeu. Aqui na vila eu tenho 6 a 7 terreiros e não tenho nenhuma igreja evangélica. (Pai Ricardo- entrevista, 28.01.16).
Se dentro da vila não existe nenhuma igreja evangélica, o mesmo não se dá na rua Fagundes Varela, que possui uma igreja do lado contrário à Casa de Caridade Pai Jacob do Oriente. Então, perguntei sobre a relação dessa igreja e se existia preconceitos e desrespeitos. No que ele afirmou:
Aquela igreja evangélica ela tem o trelelé dela pra lá e eu tenho o meu pra cá. É igual eu falei com você, eu nunca tive, isso não. Alguns filhos meus tiveram pra rua a fora, longe, de estar com guia, com contra-egun, né, mas eu falar o terreiro de cá e blábláblá, a gente sempre tem que se posicionar e saber como é que trabalha isso! Não adianta... se aparecer Digo: “Não, vem cá, vamos tomar um café!” Você pode até falar isso tudo que você tá pensando de mim, mas vai tomar um café primeiro [risos]. Ele não vai falar é nada! [risos]. Entendeu! (Pai Ricardo- entrevista, 28.01.16).
O que importa na análise situacional defendida por Van Velsen (2000, p. 467) é “a maneira como os indivíduos realmente lidam com seus relacionamentos estruturais e exploram o elemento de escolha entre normas alternativas, de acordo com as exigências de qualquer situação específica.” Naquele momento ao entrevistar Pai Ricardo procurava entender como o mesmo elaborava suas normas alternativas em dadas situações específicas.
Pai Ricardo me entregou um projeto/dossiê feito, por ele e pelo seu irmão, utilizando de informações de senhoras mais velhas da vila, no intuito, de resgatar e salvaguardar a memória da Casa de Caridade Pai Jacob do Oriente. Ele falou da história da Casa e como ela foi fundada, mostrou a importância do legado que seu pai e sua mãe (líderes comunitários) deixaram para ele, afirmando
Eu sou de muita sorte! Eles que fizeram o trem eu só estou puxando o carreiro, deixaram tudo amaciado, deixaram a máquina já engrenadinha, ‘azeitado’, deixaram tudo ‘azeitado’ para mim e aí meu pai faleceu em 77, minha mãe continuou com o terreiro, minha mãe faleceu em 2005, e eu estou continuando esse terreiro. (Pai Ricardo- entrevista, 14.01.16).
O entrevistado afirmou que sua mãe incorporava a pomba-gira Maria Bonita3 (na época essa entidade era muito procurada). Além disso, me falou das violências familiares que existiam na Vila, e que sua mãe já separou brigas de marido e mulher na vila. De acordo com ele, seus pais ajudaram muito à vila, por isso, ajudar na Vila era apenas dar continuidade ao que seus pais faziam e lhe ensinaram a fazer.
Toda hora! Ouvia-se: “Maria, meu marido!” não sei o quê... aí vinha: “Dona Maria, meu pai brigando com a minha mãe! não sei o que...!” aí minha mãe ia lá, quando via a briga apartava, e todo mundo fazia café. Fazia almoço pra ela sair dali, apartava as coisas, e até hoje é assim, às vezes nego chega aqui e fala: “ó pai, ó, lá em casa da desse jeito assim...” Eu chego e falo: “ôh, gente vim almoçar aí hoje!” Muitas vezes ouço: “Não, mas não sei o que você veio fazer o quê, eu estou quieta na minha razão!”. Digo: “Tá bom, mas me dá comida aí!” Acaba que a gente vai, não é... Não é metendo a colher de briga de marido e mulher! Né, mas a gente vai... Olha, no ano passado, no começo do ano passado, a gente foi sondado pelo Tribunal de Pequenas Causas, sabe, colocar uma jurisdição aqui no terreiro, para resolver pequenas conciliações, essas coisas, tal e tal, a gente estuda isso aí também! É desse jeito! (Pai Ricardo- entrevista, 28.01.16).
Ao reforçar o fato de que a vila já foi muito violenta, me falou: “depois, eu te levo na vila e te mostro. Depois você conversa com as pessoas mais velhas daqui, elas te explicaram melhor!”. E completou:
A partir daí, a gente foi tendo grandes evoluções. Isso aqui era uma favela muito perigosa, devo lhe contar. Essa favela foi moradia de cabelinho de fogo, Mané Cavalo, Beto Passarinho, Leta, sabe?! Muita gente periculosa! Muitos amigos morreram. Eu vi a polícia fazendo capturas, troca de tiro, aquela coisa toda e a gente conseguiu sobreviver como gente de bem no meio deles, né. Hoje graças a Deus, a vila já tá melhor estruturada, já não tem tantos barracos de zinco, já não tem mais tantas coisas, tudo de alvenaria, a própria prefeitura construiu alguns prédios, fizeram algumas melhorias, não tem mais esgoto a céu aberto. Também não tem mais as cachoeiras que tinham, né, as bicas, tinha muitas cachoeiras aqui, tinham as bicas. (Pai Ricardo- entrevista, 28.01.16)
Falou dos grandes bandidos que existiam na região e lembrou-se de personalidades que tomaram personagens literárias e do imaginário belorizontino4, afirmando que por ali, passavam Cintura Fina, Furacão, etc. Falou do grupo de marchinhas Leão da Lagoinha que saiu da Vila e que usavam do espaço do lado do terreiro para ensaiarem suas marchinhas.
Barth (2000) defende que é preciso ir além de valores encomendados e mapeados pela lógica generalizante. “Precisamos desenvolver outros modelos que permitam apreender de modo mais direto e preciso as características observadas, sem filtro que negue tudo aquilo aparentemente inadequado.” (BARTH, 2000, p.13).
Assim, carismático e bem disposto, Pai Ricardo, fez muitas parecerias. Arriscome a dizer que dentre suas habilidades, a capacidade de fazer parcerias e de flexibilizar situações, são seus dons raros, espontâneos e adquiridos. Perguntei se existia alguma coisa que a casa fazia para minimizar os efeitos negativos do externo/fora (tanto espiritual como social), do espaço interno/dentro. Ele respondeu:
Esse trabalho que a gente tem de cidadania, a gente tem professores que ajudam dar aulas particular, nós temos advogados que dedica o tempo dele, uma, duas vezes por semana, médiuns da corrente que ajudam, a ler uma receita para não perder o prazo de validade do exame que deve ser feito no posto de saúde que demora atender e... a conscientização de estar assumindo voz perante a intolerância, perante a aquisição do respeito, né, na formalização de regras e de normas junto a política, não o envolvimento partidário, mas também não ficar com a boca aberta, falando: “óh, vamos caminhar nessa linha porque vai ser lei!”. Não essa lei não chega aqui não!!! Ah, vai ter uma lei para comida... (Pai Ricardo- Entrevista, 28.01.16).
Percebi uma habilidade em Pai Ricardo de fazer constantes parcerias. Fez parcerias com o CEASA na busca de frutas para distribuir para moradores da vila, recebendo também doações de flores e ervas da Holambela (um atacadista de flores, situada na rua Mariana no bairro Bonfim). Além de distribuição de 1500 cestas básicas, visitas em hospitais, visitas e ajuda ao quilombo do Matição, aulas de capoeiras e reforços escolares.
Oh, tive um problema - o negócio da cesta básica- são 1500 cestas básicas que a gente gerencia. Não gerencia aqui só pela comunidade, com isso a gente ramificou com vários outros irmãos de terreiro de Belo Horizonte e da região metropolitana [...]. Já o CADE, através do jeito em que eles querem fazer a cesta básica, a pessoa conseguiu ela hoje, a pessoa recebe ela durante um ano. Não, não é desse jeito que a gente tem feito, a gente tem um controle, a gente tem um cadastro, de passar, de fazer, que não atende mais essa fiscalização. Então, digo: “pode ficar com todas de vocês!” Porque a cesta básica do nosso terreiro ela é sagrada, o alimento, entendeu, ela recebe um tratamento espiritual para depois ser desembolada. [...]. Hoje o cara perdeu emprego, diz, “pai, perdi o emprego [...] vou passar três meses na perrengue!” Aqui, três meses você tem a cesta básica. Depois eles mesmos tão chegando e tão falando: “Ô pai eu não preciso mais dessa cesta básica, eu tô entregando!”, você entendeu!? E isso é gratificante, cara, sabe, demais pra nós! (Pai Ricardo- entrevista, 28.01.16).
Em uma visão sociológica a partir de Weber (1982), pode se perceber que o líder carismático é capaz de gestar uma nova realidade social. Neste sentido, o líder carismático, como afirma Mommsem (1981) pode transformar valores extramundanos em valores intramundanos, gerando não só mudanças sociais, mas também raízes estruturais.
E terminou mostrando que:
Então, a gente também tem essa briga nas políticas, tem coisas que não compensa, não estou falando somente da concepção racista, de gosto, de cor de pele, de herança histórica, nós vamos caminhando é daqui pra frente. Na minha visão ignorante, você vê uma outra coisa, tem um legado tem um déficit aí pra trás com o negócio da escravidão- tem! Mas daqui pra frente tem outra coisa acontecendo também, não tem como! Né, a gente tá de olho fechado pro negócio, então, junto aos órgãos públicos, a gente faz questão de tá na rua falando que a gente é de umbanda. (Pai Ricardo- entrevista, 28.01.16).
Pai Ricardo disse ainda que a casa era tão importante para o meio que quando as pessoas da vila estão doentes passam primeiro na Casa de Caridade Pai Jacob, tomam um chá e depois terminam de descer para o hospital Odilon Berhens. Em sua fala ele exemplificou: “muitas dessas pessoas, depois de receberem o acolhimento e tomarem o chá, querem voltar”. Eu digo: “Não! Termina de descer e vai para o hospital!”
Nesse relato descrito acima, percebe-se o transitar do ‘pedaço’: acolhimento do terreiro, para o trajeto da ‘mancha âncora’: o hospital. Segundo Magnani (2002) o termo‘mancha âncora’ caracteriza-se por atividades ligadas à saúde, “geralmente se constitui em torno de uma instituição do tipo âncora- um hospital - agrupando os mais variados serviços (farmácias, clínicas [...], serviços radiológicos, laboratórios etc.), e assim por diante.” (MAGNANI, 2002, p. 22).
Realmente existe um movimento constante em direção ao complexo do Hospital Odilon Berhens ou para o UPA onde há diversos e diferenciados atendimentos, tanto para os moradores próximos da comunidade quanto para pessoas de longe. Para ir ao complexo do Hospital basta apenas seguir até uma das pontas da rua Fagundes Varela. Para ir ao UPA é necessário apenas caminhar em direção à rua Itapecerica. Assim:
Diferentemente do que ocorre no pedaço, para onde o indivíduo se dirige em busca dos iguais, que compartilham os mesmos códigos, a mancha cede lugar para cruzamentos não previstos, para combinatórias mais variadas. Numa determinada mancha sabe-se que tipo de pessoas ou serviços se vai encontrar, mas não quais, e é esta a expectativa que funciona como motivação para seus frequentadores. MAGNANI, 2002, p. 23).
Pai Ricardo me disse que é filho de Oxóssi e Iemanjá. No que eu, quase terminando a última entrevista, agradeci-lhe pela confiança e oportunidade para que eu fizesse a pesquisa e disse-lhe: “Muito Obrigado! Parabéns pelo seu trabalho social! Acho que você está fazendo igual à Oxóssi, abrindo caminhos na mata”. Descomplicadamente ele respondeu:
[risos] O meu só foi uma folha, só foi um galho! Eu que agradeço, fico lisonjeado, o que precisar de foto, precisar de alguma escrita, de algum documento que a gente tenha em mão, né, agradeço. Te convidar para ficar com a gente nesse ano em que o terreiro completa 50 anos. [...]. (Pai Ricardo- entrevista, 28.01.16).
Ao finalizar esse artigo faço minhas as palavras de Gilberto Velho (1987, p.129):
A “realidade” (familiar e exótica) sempre é filtrada por determinado ponto de vista do observador, ela é percebida de maneira diferenciada. Mais uma vez não estou proclamado a falência do rigor científico no estudo da sociedade, mas a necessidade de percebê-lo enquanto objetivamente relativa, mais ou menos ideológica e sempre interpretativa.
Dessa maneira, ainda que de forma interpretativa, sabe-se que na periferia, na entrada de um dos becos da Vila Senhor dos Passos, o sagrado se manifesta. Certo é que lá, na Casa de Caridade Pai Jacob do Oriente toca umbanda, convidando-nos e nos desafiando, sempre, por um olhar de perto e de dentro.
REFERÊNCIAS
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Notas